É só
para aprendermos uma técnica e termos um emprego, uma profissão, que fazemos
encher a nossa mente superficial com uma multidão de fatos e conhecimentos, não
é verdade? É bem óbvio que no mundo moderno um bom técnico tem melhores
possibilidades de ganhar a vida; mas, daí, que se segue? Um técnico está melhor
aparelhado para enfrentar o complexo problema da vida do que quem não é
técnico? A profissão é apenas uma parte da vida; mas há também as partes
ocultas, sutis, misteriosas. O encarecer a importância de uma só, negando ou
desprezando as demais, tem de levar, inevitavelmente, a uma atividade
desarmoniosa e desintegrativa. É isso, precisamente, o que se está fazendo no
mundo, hoje em dia, de onde o conflito, a confusão, a miséria, a se agravarem
mais e mais. Existem, naturalmente, umas poucas exceções, os que são criadores,
felizes, os que estão em contato com algo que não é de fabricação humana, os
que não dependem das coisas da mente.
Tanto
vós como eu temos, intrinsicamente, a capacidade de ser felizes, criadores, de
entrarmos em contato com algo existente fora do alcance dos tentáculos do
tempo. A felicidade criadora não é um dom reservado a poucos; e por que, então,
a grande maioria não conhece essa felicidade? Por que razão alguns parecem
estar em contato com a realidade profunda, apesar das circunstâncias e
acidentes? Por que é que uns são maleáveis, flexíveis, e outros permanecem
rígidos e são destruídos? Apesar de todos os seus conhecimentos, alguns
conservam sempre aberta a porta que leva àquilo que ninguém, que livro nenhum
pode nos dar, enquanto outros são asfixiados pela técnica e pela autoridade.
Por que isto? É bastante claro que a mente deseja estar empenhada e
estabilizada em alguma espécie de atividade, desprezando coisas mais amplas e
profundas, porque aí ela se sente em terreno mais firme; e, assim, a sua
educação as suas práticas, as suas atividades são estimuladas e mantidas em tal
nível, e sempre se encontram escusas para não se passar além dele.
Antes
de serem contaminadas com a chamada educação, muitas crianças se acham em
contato com o “desconhecido”, como o demonstram por várias maneiras. Mas o
ambiente não tarda a fechar-se em torno delas, e depois de uma certa idade
perde-se aquela luz, aquela beleza que não se acha em nenhum livro ou escola.
Por quê? Não digais que a vida é exigente demais, que ela têm de enfrentar
duras realidades, que é seu destino, seu karma, que é a culpa dos pais; tudo
isso é puro absurdo. A felicidade criadora é para todos. A felicidade criadora
não têm cotação no mercado; não é uma mercadoria que se vende a “quem dá mais”,
mas, sim, a única coisa que pode ser de todos.
É
realizável a felicidade criadora? Isto é, pode a mente pôr-se em contato com
aquilo que constitui a fonte de felicidade? E esse contato pode ser sempre
mantido, a despeito do saber e da técnica, a despeito da educação e das
exigências da vida? Pode — mas só quando o educador se educa para essa
realidade, quando aquele que ensina está também em contato com a fonte da
felicidade criadora. Nosso problema, pois, não é o discípulo, o jovem, mas o
mestre e o pai. A educação só é um círculo vicioso quando não se percebe a importância,
a necessidade essencial e primacial dessa felicidade suprema. Afinal, estar
aberto para a fonte de toda felicidade é a mais sublime religião; mas, para se
conhecer essa felicidade, é preciso dar-lhe atenção correta, como se dá aos
negócios. A profissão de mestre não é uma rotina, porém, antes, a expressão de
uma beleza e felicidade que não podem ser medidas em termos de realização e
sucesso.
Perdida
está a luz da Realidade, e perdida as suas bênçãos, quando a mente, que é a
sede do “eu”, assume a direção. O autoconhecimento é o começo da sabedoria. Sem
autoconhecimento, o saber leva à ignorância, à luta e ao sofrimento.
Krishnamurti
– Reflexões sobre a vida