
Pergunta: Existe felicidade real? Pode alguém descobri-la, ou nossa busca de felicidade é uma ilusão?
KRISHNAMURTI: Em meu sentir, se buscamos a felicidade, nossa vida se torna muito superficial. A felicidade, afinal de contas, é algo que vem a nós, um resultado adicional, um acréscimo; quando perseguimos a felicidade, ela se nos esquiva, não é verdade? Se uma pessoa se torna cônscia de ser feliz, já não é feliz. Quando sabemos que estamos contentes, nesse mesmo momento deixamos de estar contentes. Não sei se já o notastes. É como um homem estar cônscio de sua humildade; esse homem, por certo, não é humilde.
Penso, pois, que não se pode buscar a felicidade, assim como não se pode buscar a paz. Se se busca a paz, a mente se torna estagnada. Porque a paz é um estado vivo; e para se compreender o que é a paz requer-se muita inteligência e muito trabalho — e não que se fique inativo, meramente a desejar a paz. Identicamente, a felicidade requer imensa compreensão, penetração e muito trabalho — tanto e mais ainda do que para ganhar a vida. Mas, se estais meramente a buscar a felicidade, podeis também tomar um entorpecente, que é a mesma coisa.
Buscar a felicidade, parece-me, é perseguir uma ilusão. Essa busca envolve um processo muito complicado. Há a pessoa que busca, e a coisa que ela busca. Quando uma pessoa está a buscar algo que deseja, há sempre conflito; e quando existe conflito, não há compreensão, porém, tão só, uma série de aflições e uma luta incessante para superá-las, a fim de se alcançar a felicidade. Esse é o conflito da dualidade, do pensador e seu pensamento. Só quando a mente desistiu de buscar a sua própria satisfação, seu preenchimento próprio, e já não se esforça para alcançar a felicidade — sendo isso uma atividade egocêntrica — só então temos a completa cessação do conflito. Tal estado pode chamar-se felicidade; — mas isso é coisa secundária.
Importa, pois, penetrarmos esse problema do esforço e do conflito. Duvido que se possa compreender qualquer coisa mediante esforço. E se nenhum esforço fizermos, que acontecerá? Fomos criados, educados, para o esforço; e, se não nos esforçamos, pensamos que as coisas correrão mal, tememos estagnar, degenerar. Mas, se nos observarmos um pouco, veremos que a compreensão surge nos momentos em que a mente está muito tranquila e não nos períodos de luta. E nossa mente se acha num estado de luta perpétua quando deseja felicidade, segurança, ou busca alguma forma de permanência.
Onde há conflito não pode deixar de haver tensão, sofrimento; mas, viver sem conflito é um problema imenso. Não podemos afastar de nós esse problema, dizendo: — "Vou viver sem conflito" — isso é completamente sem significação. Tampouco nos servirá a meditação ou a prática de exercícios místicos para não termos conflito — pois isso é muito pueril. Temos de compreender o processo psicológico desse movimento que chamamos conflito; e de modo nenhum o compreenderemos se existir o motivo para alcançarmos alguma coisa. Enquanto eu desejar ser algo — feliz, bom, virtuoso — enquanto desejar encontrar Deus ou o que quer que seja, tem de haver conflito e, com ele, sofrimento e dor.
É preciso compreendermos totalmente o processo do esforço para realizar, alcançar um fim, e não, dizermos simplesmente: — "Se não me esforço, degenerarei, perderei meu emprego", o que constitui uma reação muito superficial. Para a profunda compreensão do problema psicológico, da natureza íntima do esforço, requer-se auto-percebimento em alto grau. Por isso é tão importante conhecermos a nós mesmos. No próprio processo do autoconhecimento, teremos, talvez, a nosso lado, a felicidade — que tanto nos importa.
Krishnamurti — Verdade Libertadora — ICK