Ora, o problema é este: — Quem é o homem religioso? E deve um homem religioso interessar-se por essa reforma social, em que se trata de acabar com a pobreza e possibilitar uma distribuição equitativa dos bens materiais? É evidentemente necessário extirpar a pobreza, ter boa saúde, alimentação suficiente, casas adequadas para morar, etc.; e isso haverá de realizar-se, por meio de legislação, da pressão, da produção em massa, etc.
Mas que entendemos nós por um homem religioso? Por certo, o homem religioso é o que trabalha para libertar o indivíduo e a si próprio de todas as crueldades e sofrimentos da vida — o que significa que ele é livre de crenças. Esse homem não obedece a nenhuma autoridade, não segue a ninguém, porque ele é a luz de si mesmo; e essa luz irradia do autoconhecimento, é a libertação que vem à existência quando o indivíduo compreende a si mesmo. O homem religioso é aquele que é criador, não no sentido de pintar quadros ou escrever poesias, mas porque nele atua uma força de criação imorredoura, eterna.
Ora, esse homem religioso que descobre sempre coisas novas, de momento a momento, esse homem ir-se-á ocupar de reformas sociais? Ou permanecerá fora da sociedade, socorrendo o indivíduo que se debate nesta luta interminável? Certo, o homem religioso permanece fora da sociedade, porque para ele não existe autoridade. Ele não busca resultados e, por conseguinte, os resultados surgem sem que ele nada faça para conseguí-los. Esse homem não se interessa por nenhuma reforma social.
Notai bem: A reforma social é necessária, mas há muita gente trabalhando pela reforma social. E qual a razão dessa atividade? É por amor que a ela se entregam? Ou essa atividade, a que chamam reforma social, é um meio de essas pessoas se preencherem a si mesmas? Notar o mendigo na rua, ver a aterradora pobreza e a degradação existente nas aldeias, e sentir isso, ter amor, compaixão pelo mendigo, pelo aldeão, isso não é o mesmo que nos preenchermos numa atividade de reforma social — mesmo quando exerçamos atividades desta natureza. Mas quando a vossa pessoa se torna importante, numa atividade social, isto não acontece porque vos estais preenchendo com tal atividade? E quando isso acontece, já não amais; e o amar, o ter compaixão, o ser sensível ao belo e ao feio, isso é muito mais importante do que nos preenchermos num certo trabalho ostensivo, a que chamamos reforma social.
Assim, o homem religioso é que é o verdadeiro revolucionário, e não o que quer realizar uma revolução no sentido econômico. O homem religioso não reconhece nenhuma autoridade, não é ávido nem ambicioso, não está visando resultados, não é político; por conseguinte só ele é capaz de realizar a reforma correta. Eis porque é importante que todos nós, não como grupos, mas como indivíduos, nos libertemos imediatamente das crenças e dogmas, da avidez e da ambição. Se assim procederdes, vereis como a mente se tornará cheia de vitalidade. E o homem é então um reformador num sentido completamente diferente, porque irá ajudar-nos a libertar a mente, para descobrir e ser criadora. A mente que está ocupada, não pode ser criadora. A mente que se ocupa em preencher a si mesma, nunca descobrirá o desconhecido. Só a mente que se acha completamente desocupada, pode descobrir e compreender o eterno, e essa mente produzirá sua ação peculiar, na sociedade.
Krishnamurti — Da solidão à plenitude humana