A passagem para uma Outra Consciência
"Em verdade, em verdade vis digo:
quem não nascer de novo,
não entrará no Reino de Deus." João, 3:3
Chega um momento, SÚBITO e INESPERADO, em que esse novo estado de consciência — que vivemos nas experiências esporádicas e intervaladas de contato entre os dois pólos do Espírito e da Matéria — manifesta-se em todo o seu esplendor, trazendo consigo uma mudança total e uma nova visão da vida, juntamente com um estado indescritível de alegria e beatitude.
O caráter dessa mudança não é transitório e momentâneo, mas estável e profundo. Ele assinala o início de um novo ciclo da nossa existência, pois desse momento em diante não poderemos mais recair na inconsciência e na obscuridade; fomos, finalmente, "despertados para a nossa realidade". Tornamo-nos "nós mesmos".
Na verdade, a primeira e fundamental sensação que experimentamos em tal momento é a de despertar de um longo sono de completa inconsciência. Por isso, em todas as tradições espirituais e religiosas essa experiência é chamada de "O Despertar", e aqueles que passam por ela são definidos como "despertos".
Outra característica que acompanha essa passagem para outra consciência é o sono de "auto-reconhecimento", pois finalmente, com clareza e certeza, sentimos nossa essência profunda e nos admiramos de nunca a ter sentido antes. Nesse momento, tal fato nos parece natural e próximo, como se apenas tivéssemos esquecido essa realidade. É como se saíssemos de uma amnésia, recuperando a memória de nosso verdadeiro ser, o qual já nos parece bem conhecido e familiar.
Esse reconhecimento traz consigo uma alegria tão profunda, que cancela completamente a recordação de toda a dor e angústia que experimentamos em outros momentos. Temos a revelação de que o reconhecimento de nós mesmos e da nossa Realidade Divina é exatamente a fonte da beatitude, e de que, por outro lado, a origem de todos os sofrimentos e males humanos reside na identificação com a personalidade, bem como na inconsciência e na obscuridade dali derivadas.
Quando despertamos para a verdadeira consciência, todos as nossas dúvidas e todos os nossos problemas se resolvem. Deixamos de ter dúvidas e interrogações; temos apenas respostas claras.
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Allan Watts |
Aqueles que "despertaram" são também chamados de "nascidos de novo". Diz Cristo no evangelho: "Em verdade, em verdade vos vos digo: quem não nascer de novo, não entrará no Reino de Deus" (João 3:3).
É como se nós, antes do despertar da consciência do Eu, ainda não fossemos nascidos. É como se estivéssemos ainda imersos na obscuridade pré-natal, como o bebê no ventre materno.
Outro efeito importante que essa nova consciência traz consigo é a visão da nossa própria missão na vida e da direção justa que devemos tomar. A pessoa que despertou abre finalmente os olhos e vê tudo do ponto de vista do EU; na verdade, descobre ser o EU, descobre ter sido sempre o EU embora o tenha esquecido.
Em seu livro DEI IN ESILIO [DEus no exílio], J.J. Van der Leeuw compara essa sensação de inesperada recordação àquela experimentada por quem foi exilado na infância, passando a morar em um país estrangeiro onde viveu durante muitos anos em meio a pessoas desconhecidas, esquecendo sua origem e seu verdadeiro nome.
De repente, uma música, um perfume ou uma voz lhe traz tudo de volta à memória e ele recorda seu nome, sua origem, sua terra natal. É invadido pela profunda alegria de se reconhecer, reencontrando sua identidade.
Essa experiência tão poderosa e fulgurante de despertar produz uma mudança total, uma passagem para outra consciência. Essa meta pode parecer muito difícil e distante para quem ainda não a alcançou, uma experiência reservada a poucos. Na verdade, todos nós estamos caminhando na direção dessa meta, lenta e exaustivamente, sofrendo e lutando, enquanto dentro de nós, sem o sabermos, vai ocorrendo um processo gradual de transformação e desenvolvimento da consciência. Esse processo teve início no momento em que a Semente Divina, oculta em nosso íntimo, começou a se abrir e crescer, nutrida pelas experiências que encontramos, pelos sofrimentos e amadurecimentos que a vida colocou diante de nós.
Nem sempre nos damos conta desse processo inexorável. Mas no momento do Despertar, tomamos consciência de que tudo aquilo que parecia inesperado e inexplicável tinha sido prenunciado, havia longo tempo, pelos fugazes átimos de abertura ao Divino que experimentamos, pelos momentos de elevação, pelos lampejos inesperados de intuição, pelo senso de vazio e ausência de algo que não conseguíamos alcançar. Compreendemos então que já tínhamos pressentido a aproximação do EU, talvez pela primeira vez, quando percebemos estar vivendo em um estado de semi-sono, imersos na ilusão e na irrealidade. Queríamos despertar, mas não conseguíamos, aprisionados que estávamos num senso angustiante de "impossibilidade".
Não compreendemos de imediato que aquele senso de impossibilidade era, verdadeiramente, um sintoma positivo, a "origem de todas as possibilidades", como diz Sri Aurobindo. Esse senso é produzido, com efeito, pela pressão do EU em luta contra a resistência da personalidade que está inconsciente dele.
É exatamente o estado de inconsciência em que estamos imersos que constitui o grande obstáculo ao despertar do EU. Esse estado nos acompanha durante a maior parte do nosso caminho evolutivo, criando a dilacerante dualidade da qual falamos várias vezes, que é ao mesmo tempo uma maldição e um privilégio do homem, destinado a construir a ponte entre o Espírito e a Matéria.
Devemos ter sempre presente que o desenvolvimento da consciência é um processo de reunificação longo e difícil, nascido de uma contínua interação do EU e da personalidade.
Por outro lado, o EU "desce" até a personalidade, para se expressar; por outro lado, a personalidade se sente atraída para o EU e ao mesmo tempo lhe opõe resistência, porque não deseja deixar suas ilusórias conquistas, seus apegos, e sobretudo não quer abandonar aquele eu falso e construído com mo qual se identificava.
Somente poderemos superar essa resistência quando a consciência — que começou a despertar em nós, em resultado dos momentos de elevação e da gradativa transformação das energias — nos fizer compreender como são ilusórios e relativos todos os nossos condicionamentos, todas as nossas necessidades, todas as nossas arrogantes convicções, dando-nos assim a capacidade de termos uma visão justa da realidade. Quando isso acontece, abrimo-nos espontaneamente à nossa parte transcendente, nos entregamos e oferecemos ao EU todos os conteúdos e todas as energias da personalidade.
Esse oferecimento se baseia na lei de sacrifício, que não deve ser considerada uma renúncia dolorosa, mas um "ato sagrado" com o qual nos elevamos as energias dos nossos veículos na direção do EU a fim de purificá-las e as transformar, canalizando-as na direção justa. Trata-se, na verdade, de um processo de libertação que está ocorrendo dentro de nós, pois no momento mesmo do oferecimento sentimos que se reduz o peso do apego e da ilusão que nos causavam sofrimento.
Quando oferecemos ao EU os conteúdos de nossa personalidade, superamos o dualismo porque nos identificamos com Ele.
Um instante antes desse oferecimento, estamos ainda na dualidade; mas, quando completamos o ato do sacrifício e damos nossas energias ao EU e ELE as acolhe, tornamo-nos uno com ELE: somos o EU. Sentimos então que não estamos privados de nada, que não renunciamos a nada, porque fizemos aquilo que nós mesmos queríamos fazer.
Não existem mais duas vontades, dois eus; existe uma só vontade, um só eu, porque nós somos o EU.
O despertar é também chamado "metanóia" (do grego metanoia, que significa transformação fundamental, conversão). Isso porque, quando passamos para a outra consciência e nos identificamos com o EU, vemos todas as coisas na justa posição, "no lugar certo", e nos damos conta de que vivíamos "de cabeça para baixo".
Assim como o bebê que, para poder sair do ventre materno e nascer, precisa girar e virar de cabeça para baixo, também o nosso eu pessoal, para poder despertar e vir à luz, saindo da obscuridade da inconsciência, precisa virar de cabeça para baixo.
Esse acontecimento, embora ainda distante, é a meta para a qual tende todo o longo caminho do desenvolvimento da consciência. Tudo aquilo que nos acontece, todos os nossos problemas, os nossos erros, as provações que enfrentamos, o nosso sofrimento, procuram nos conduzir para essa menta e nada mais são do que instrumentos e meios para nos fazer conhecer a direção justa, rumo ao despertar da verdadeira consciência.
(...) Uma consciência despertada não mais se defende da vida e não mais se opõe à vida. Ela adere à vida, equilibra tudo, transformando cada experiência em oportunidade de crescimento.
É esse o estado de presença e de vigilância contínua e consciente que temos de alcançar e que nos faz perguntar incessantemente o significado das coisas e dos acontecimentos, para compreender se eles estão nos conduzindo para a meta real ou, ao contrário, para um desvio ou uma ilusão.
E então, sustentados pela constante percepção consciente da direção para a qual seguimos, descobrimos o caminho espiritual que se abre e se evidencia claramente diante de nós, conduzindo-nos ao despertar. Começa assim a verdadeira vida, porque adquirimos finalmente a visão límpida da realidade.
A verdadeira vida, portanto, coincide com o caminho espiritual percorrido conscientemente, um caminho que não é externo, mas interior.
Diz um antigo dito espiritual: "Tu não poderás percorrer o Caminho até teres te tornado, tu próprio, o Caminho". Isso significa que o caminho é a consciência do EU, manifestando-se gradualmente e iluminando os "passos" sucessivos a serem percorridos, os quais formam lentamente todo o caminho interior a ser seguido rumo à completa realização.
Essa realização não tem um caráter apenas individual, mas leva a uma abertura para todos os seres e para a Realidade Universal: ela leva à autotranscendência.
Reconhecer-se no EU significa desenvolver um sentimento de unidade e amor por tudo o que existe. Tornando-nos plenamente nós mesmos, alcançamos a capacidade do amor, da fraternidade, do compartilhamento, da universalidade e da união. Nasce o impulso para o Serviço, que é definido como o "Instinto da Alma", pois é sua expressão natural.
Quando chegamos a esse estado de consciência e vemos esse resultado, sentimos que valeu a pena termos passado pelo crisol do sofrimento. A dor nos parece então ser apenas uma primeira fase do caminho evolutivo da humanidade, um trabalho inevitável e necessário para a transformação das energias aprisionadas e imersas na inconsciência, e para alcançarmos a união entre Espírito e Matéria que nos levará à libertação e à Beatitude.
Angela Maria La Sala Batà
Não existem mais duas vontades, dois eus; existe uma só vontade, um só eu, porque nós somos o EU.
O despertar é também chamado "metanóia" (do grego metanoia, que significa transformação fundamental, conversão). Isso porque, quando passamos para a outra consciência e nos identificamos com o EU, vemos todas as coisas na justa posição, "no lugar certo", e nos damos conta de que vivíamos "de cabeça para baixo".
Assim como o bebê que, para poder sair do ventre materno e nascer, precisa girar e virar de cabeça para baixo, também o nosso eu pessoal, para poder despertar e vir à luz, saindo da obscuridade da inconsciência, precisa virar de cabeça para baixo.
Esse acontecimento, embora ainda distante, é a meta para a qual tende todo o longo caminho do desenvolvimento da consciência. Tudo aquilo que nos acontece, todos os nossos problemas, os nossos erros, as provações que enfrentamos, o nosso sofrimento, procuram nos conduzir para essa menta e nada mais são do que instrumentos e meios para nos fazer conhecer a direção justa, rumo ao despertar da verdadeira consciência.
(...) Uma consciência despertada não mais se defende da vida e não mais se opõe à vida. Ela adere à vida, equilibra tudo, transformando cada experiência em oportunidade de crescimento.
É esse o estado de presença e de vigilância contínua e consciente que temos de alcançar e que nos faz perguntar incessantemente o significado das coisas e dos acontecimentos, para compreender se eles estão nos conduzindo para a meta real ou, ao contrário, para um desvio ou uma ilusão.
E então, sustentados pela constante percepção consciente da direção para a qual seguimos, descobrimos o caminho espiritual que se abre e se evidencia claramente diante de nós, conduzindo-nos ao despertar. Começa assim a verdadeira vida, porque adquirimos finalmente a visão límpida da realidade.
A verdadeira vida, portanto, coincide com o caminho espiritual percorrido conscientemente, um caminho que não é externo, mas interior.
Diz um antigo dito espiritual: "Tu não poderás percorrer o Caminho até teres te tornado, tu próprio, o Caminho". Isso significa que o caminho é a consciência do EU, manifestando-se gradualmente e iluminando os "passos" sucessivos a serem percorridos, os quais formam lentamente todo o caminho interior a ser seguido rumo à completa realização.
Essa realização não tem um caráter apenas individual, mas leva a uma abertura para todos os seres e para a Realidade Universal: ela leva à autotranscendência.
Reconhecer-se no EU significa desenvolver um sentimento de unidade e amor por tudo o que existe. Tornando-nos plenamente nós mesmos, alcançamos a capacidade do amor, da fraternidade, do compartilhamento, da universalidade e da união. Nasce o impulso para o Serviço, que é definido como o "Instinto da Alma", pois é sua expressão natural.
Quando chegamos a esse estado de consciência e vemos esse resultado, sentimos que valeu a pena termos passado pelo crisol do sofrimento. A dor nos parece então ser apenas uma primeira fase do caminho evolutivo da humanidade, um trabalho inevitável e necessário para a transformação das energias aprisionadas e imersas na inconsciência, e para alcançarmos a união entre Espírito e Matéria que nos levará à libertação e à Beatitude.
Angela Maria La Sala Batà