Não se pode pensar que o rigoroso segredo que envolveu um dia o aprendizado dessa matéria era inteiramente intencional. Quatro fatores respondem o fato. O primeiro é a clara percepção de que a verdade da religião sendo popularizada, todo o estofo da moralidade pública resultaria seriamente comprometido. A veiculação indiscriminada de um ensinamento descrevendo Deus tal qual Ele é na realidade e repudiando a Sua imagem presumível, e demonstrando que todos os ritos, sacrifícios e sacerdócio não passam de recursos meramente provisórios, em pouco tempo elidiria a influência da religião institucionalizada junto àqueles que dela têm necessidade; e concomitantemente desapareceriam as consequentes restrições de caráter ético e as disciplinas morais. As confusas massas de pessoas sem instrução (base emocional) voltar-se-iam então contra os seus ídolos aceitos, sem contudo dar-se conta das inegáveis vantagens que em troca propiciaria a filosofia mais elevada, pois esta última viria a ser rejeitada por demasiado diante dessas mesmas massas. estas ficariam mergulhadas num vácuo mental, ou, pelo mínimo, numa desnorteante incompreensão, com o resultado de que a sociedade seria atirada ao caos e a vida social possivelmente reverteria à impiedosa lei da selva. Seria danoso perturbar a mente das massas ainda adolescentes do ponto de vista mental (sem base), suprimindo-lhe a fé na religião tradicional quando nada que estivesse a seu alcance se lhe poderia dar em troca. Daí terem os sábios tratado de conservar para si os seus conhecimentos e só instruído aqueles poucos que estavam em condições de iniciar-se por haverem perdido o gosto pela religião ortodoxa e sentido a necessidade de alguma coisa mais racional. Ao demais das pessoas mentalmente amadurecidas, a iniciação era também propiciada aos reis, estadistas, generais, altos sacerdotes brâmanes e outros investidos nas responsabilidades de orientar as vidas das pessoas. Por essa forma, proporcionava-se-lhes melhores condições para um desempenho mais sensato e eficaz das suas tarefas.

Ademais, a frase do Novo Testamento: "Muitos serão chamados mas poucos serão escolhidos" — encontra o seu equivalente hindu no dito: "Entre as multidões um homem, vez por outra, luta por compreender a verdade — estampado no Bhagavad Gita. Não há aqui nenhum exclusivismo arbitrário, apenas um reconhecimento das limitações humanas, pois esta última obra diz ainda: "Eu não me revelo a toda a gente, a maioria das pessoas tendo a sua visão toldada pela ilusão".
O terceiro fator do segredo (da mensagem) é que os poucos sábios que dominavam essa doutrina viviam, quase sempre, em eremitérios ou em obscuros retiros monteses. Essa forma de viver à distância das multidões não era escolhida por atender às suas necessidades pessoais, pois aqueles sábios possuíam uma fortaleza de caráter que lhes permitiria permanecer incólumes em meio às atividades das cidades mais populosas, como no caso de Shankara, ou manter-se alheios ao áureo esplendor das cortes, como no caso de Janaka. Tal reclusão era escolhida com vistas aos interesses daqueles que dela necessitavam, vale dizer, os poucos discípulos já maduros para a iniciação filosófica. A concentração constante e a reflexão profunda exigidas pela deusa da sabedoria oculta aos seus adeptos encontrava um mínimo de antagonismo e de interrupção em seus derradeiros postos avançados no seio das florestas bravias ou na imensa grandiosidade das montanhas solitárias. A tal ponto se reconhecia essa tendência a recorrer a locais desérticos com o fito de estudar que os antigos textos usados pelos mestres em suas preleções chamavam-se (e ainda se chamam) Doutrinas da Floresta. Seria, porém, um grave erro confundir esse exílio voluntário de uns poucos visando a equipar-se melhor, através de laboriosos estudos, para primeiro compreender e depois ajudar a humanidade, com o asceticismo barato que prevalece hoje em dia os avantajados e apinhados arremedos daqueles pequeninos eremitérios de outrora. A letargia estéril e a especulação supersticiosa ocupam hoje o lugar do esforço mental e do estudo disciplinado. Os antigos estudantes do terceiro grau eram homens que compreendiam estar há muito empenhados numa atividade incessante, sem perceber as razões determinantes dessa mesma atividade; que se davam conta de viverem presos como marionetes a cordéis e serem obrigados a dançar ao som de uma música alheia. Eles haviam chegado ao ponto de entender o significado das coisas, o motivo da sua presença na Terra, e os rumos para onde eram impelidos pela roda da vida. Sentiam que era preciso reservar um lugar na sua programação para o estudo da filosofia.Uma vida totalmente vazia de pensamentos mais profundos era considerada como indigna do homem, pois aproximava-o do animal. Em resumo, o que se queria era conhecer a Verdade. Daí o fugir ao mundo da atividade, em função não de uma frustração emocional mas de uma séria empreitada espiritual. Esse prolongado afastamento da sociedade, embora destinado a ser apenas um meio provisório e não um fim permanente, de forma gradual (porém inapelável) foi retirando o conhecimento adquirida da tradição cultural normal da sociedade até que a palavra sânscrita significando Doutrina da Floresta terminou por traduzir-se também por Doutrina Oculta. Não que os sábios se mantivessem sempre escondidos, mas quando se aventuravam a apresentar-se perante o público ensinavam às pessoas apenas aquilo que consideravam mais adequado, isto é, a religião pura na maior parte dos casos e o misticismo puro em alguns casos.
O quarto fator já foi mencionado. Trata-se do perigo de os textos tradicionais serem mal interpretados e incompreendidos, de maneira que a falsidade comece gradualmente a passar por verdade e venha mesmo no futuro a ser rotulada como tal. Aqueles que do ponto de vista ético e mental estivessem despreparados iriam atribuir aos textos o seu real significado, imaginariam interpretações condizentes com os seus gostos pessoais e temperamentos. E este perigo é assaz verdadeiro, pois os textos são altamente condensados e requerem laboriosas explicações.
[...] A principal proibição à revelação da filosofia oculta em outras épocas era atribuída ao perigo que essa filosofia representava para a autoridade da religião ortodoxa, e, consequentemente, para a moralidade. Desde aqueles dias tantos fatores vêm solapando tal autoridade que ela mal tem conseguido desincumbir-se do seu papel de guardiã da moralidade. Hoje as condições já não são as mesmas daqueles dias em que Sócrates podia ser condenado à morte porque sua fé religiosa havia enfraquecido. As mentes das pessoas encontram-se atualmente em estado de perturbação e as suas convicções religiosas estão abaladas. De tal forma está alterada a posição hoje em dia que chega a ser um tanto paradoxal, pois a filosofia oculta, ao invés de destruir o que resta da religião, poderá salvá-la através de sua exegese simbólica e da sua justificativa perante os espíritos cultos do lugar e dos objetivos da religião institucionalizada. Suas revelações mal poderiam hoje afetar as massas, pois estas não tomariam conhecimento delas, como não tomam de toda filosofia abstrata, ou então, caso viessem a fazê-lo, não chegariam a aperceber-se das sutilezas.
Paul Brunton em, A sabedoria oculta além da ioga
Paul Brunton em, A sabedoria oculta além da ioga