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domingo, 9 de março de 2014

No autoconhecimento não há esforço


O autoconhecimento vem quando vocês se observam em seu relacionamento com seus companheiros e seus professores, com todas as pessoa à volta; vem quando observam o comportamento do outro, os gestos, a maneira como se veste, como fala, seu desprezo ou bajulação e sua resposta; surge quando vocês observam tudo em vocês , sobre vocês, e se veem a si  mesmos enquanto enxergam o próprio rosto no espelho. 

Pergunta: O que é autoconhecimento, como alcançá-lo?

Krishnamurti: Veem a mentalidade por trás desta pergunta? Não estou falando por desrespeito a quem a formulou, mas vamos considerar a mentalidade de quem pergunta "como alcançá-lo, por quanto posso comprá-lo? O que devo fazer, que sacrifício empreender, qual disciplina, ou meditação devo praticar para consegui-lo?". É como uma mente mecanizada, medíocre, que diz: "Devo fazer isto para conseguir aquilo." As chamadas pessoas religiosas pensam assim; porém o autoconhecimento não surge dessa maneira. Vocês não podem comprá-lo por meio de algum esforço ou prática. O autoconhecimento vem quando vocês se observam em seu relacionamento com seus companheiros e seus professores, com todas as pessoa à volta; vem quando observam o comportamento do outro, os gestos, a maneira como se veste, como fala, seu desprezo ou bajulação e sua resposta; surge quando vocês observam tudo em vocês , sobre vocês, e se veem a si  mesmos enquanto enxergam o próprio rosto no espelho. Quando vocês se olham no espelho, se veem como são, não é? Podem desejar que sua cabeça tivesse um formato diferente, com um pouco mais de cabelo, e o rosto menos feio; mas o fato está ali, claramente refletido no espelho, e vocês não podem afastá-lo e dizer: "Como sou bonito!"

Mas, se puderem olhar o relacionamento exatamente como olham um espelho comum, certamente não haveria fim para o autoconhecimento. É como entrar em um oceano insondável, sem limites. A maioria de nós deseja chegar a um fim, ser capazes de dizer "Cheguei ao autoconhecimento e estou feliz", mas não é assim. Se puderem se olhar sem condenar o que veem, sem se comparar com alguém, sem desejar ser mais belo, ou mais virtuoso, se puderem somente observar como são e como se comportam, então descobrirão que é possível ir infinitamente além. E não haverá fim para a viagem — esse seu mistério, sua beleza.


Krishnamurti — Pense nisso

segunda-feira, 3 de março de 2014

O negligenciado estudo de nós mesmos

Penso que não existe tema mais interessante ou mais prometedor, ou de forma alguma mais excitante, do que o estudo de nós mesmos. Aos 15 ou 16 anos, estamos submersos em nós mesmos. Não há nada que nos interesse tanto. Depois apaixonamo-nos por alguém; mas ainda assim estamos extasiados com nós próprios. Há, descobrimos, muito mais inteligência no estudo de nós mesmos, e muito pouco pensamento dedicado aos outros. E de bom grado damos a uma quiromante 15 rúpias para ela nos contar tudo sobre nós. E sentimo-nos bastante confortáveis com o pensamento de que iremos ser grandes um dia – sem, aparentemente, ter que lutar por essa grandeza. Existe apenas um tema que nos atrai e esse somos nós mesmos. Discutimo-nos, e de uma forma aprobatória consideramos como nos comportar, de que modo desenvolvermo-nos, e por aí em diante.

Parece-me que se pensarmos inteiramente deste ponto de vista, deste ponto que unicamente nos interessa a nós, não entenderemos porque é que existimos, ou porque qualquer coisa neste mundo, de todo, existe. Claro que é verdade que primeiro temos de nos compreender a nós mesmos antes de querer descobrir seja o que for sobre a vida em geral. Filosofia, religião e outros temas não possuem real valor, real controle sobre um indivíduo, ou apenas têm uma pequena influência, quando somente apontam como podemos escapar a certas coisas, como evitar o mal, e por ai fora. Mas aqueles de nós que são membros da Star, ou pertencem a tais organizações, deverão ter a ideia de um plano definido que está a desenvolver-se.

Estamos em posição de examinar as coisas que nos são mais valiosas – coisas que produzem em nós o desejo de evoluir. Em todos nós existe o desejo de descobrir por nós mesmos até onde podemos compreender quem somos e o que nos afeta. A pessoa comum está de longe mais interessada nela mesma do que em qualquer outra. Luxúria, conforto, felicidade, tudo tem que apoiar os seus fins. Quando tudo foi feito para a satisfazer então somente pensa nos outros. Quando eu tiver comido e dormido o suficiente, voltar-me-ei para pensar nos outros. Esta é a visão comum. Se tiveste amor em abundância, ou felicidade, és levado a pensar no outro.

Mas para alcançar essa felicidade, devemos descobrir até onde nos encaixamos num plano definido. Devemos estar cientes de que há um plano em que cada um de nós tem um papel a representar, e devemos possuir a determinação na qual agiremos, com a qual deveremos criar o ambiente no qual caberemos – ou não; e se estivermos dispostos a procurar com a atitude correta deveremos ser capazes de descobrir até onde nos encaixaremos nesse plano. Para mim, posso imaginar que os deuses eleitos disseram que Krishna deverá encaixar-se num certo plano estabelecido, e que o quer que seja que ele faça, não terá valor, e enquanto encaixar nesse plano, Krishna crescerá e será feliz. Eu estava interessado e observava-me a mim mesmo, e podia ver de ano para ano uma mudança definida, uma orientação definida, uma transformação definida e podia ver qual era o meu definido papel. E assim cada um de nós deverá descobrir que caminho percorrer e qual a especialidade a ter.

Acontece frequentemente que a maioria de nós está disposta a subir até ao altar e verter a nossa devoção. A devoção existe, em diversos graus, na maioria de nós, mas não pode nem deve satisfazer-nos. Se eu fosse ter com a Dr.ª Besant e lhe dissesse: “Estou disposto a servi-la em qualquer das minhas capacidades. Estou disposto a sacrificar tudo e o meu único desejo é trabalhar para obter conforto, independência, e por aí fora,” ela diria, “Oh, muito bem; que capacidades trazes contigo. De que modo queres prestar serviço ao Mestre?” A devoção deve ter um escape na atividade física; e desta forma se tivermos de determinar qual o papel que cada um de nós tem de representar, antes de nos oferecermos, devemos descobrir quais as capacidades que temos. Quando para um Teósofo ou um membro da Star ou qualquer outro, o chamamento aparece como “sacrifica tudo e vem ao Mestre,” não é suficiente pedir ao Mestre que aceite somente a nossa devoção; devemos dar-lhe qualquer coisa que lhe permita guiar-nos. Por outras palavras, devemos trazer perante o Mestre certas capacidades e não aparecer apenas de mãos vazias. Se eu puder chegar junto do Mestre e dizer “Eu posso fazer isto ou aquilo, eu posso escrever ou pintar ou compor música ou representar,” Ele dirá: “Muito bem, esse é o teu caminho. Vai e procura, descobre quais são os teus talentos, e logo que os encontres, saberás como sofrer e servir.” Pois existem muito poucos que realmente conseguem dizer, “Eu posso fazer isto; ao longo desta linha reside o meu sacrifício ao serviço do Mestre.” Consideramos que nos sacrificámos quando terminamos sem algo do qual podemos facilmente abrir mão.

Se eu tivesse imaginado algo em particular que o Mestre quisesse realizado, eu tratá-lo-ia de outro modo. E se eu precisasse de riquezas, tê-las-ia acumulado, não para mim, mas para o Mestre, e ao acumula-las, saberia que tinha que me sacrificar, e tinha que suportar enormes sofrimentos e mal-entendidos. Mas é a atitude que conta. Estamos com medo de que as nossas capacidades não nos guiem pelo caminho que nos foi preparado. Assim temos que descobrir antes de servir realmente, de que maneira cada um de nós pode servi-Lo, de que modo podemos oferecer o nosso sacrifício, e ao descobrir qual o nosso caminho deveremos descobrir a qual tipo pertencemos, se ao tipo que vai para o mundo e se desenvolve no mundo, por assim dizer, ou é deixado numa estufa e evolui, como uma planta, igualmente cheio de força. Há pessoas que trabalham no mundo por vários anos, que trabalham e fazem de tudo sem descobrir qual o propósito da vida. Descobrem o seu propósito por acaso, mas acumularam tanto do que o mundo tem para dar que ao entrarem em contato com as realidades espirituais abrem mão de tudo o que adquiriram, enquanto aqueles que cresceram numa estufa separados do mundo alcançam o objetivo por outro caminho.

Portanto tal não tem importância desde que tenhamos aprendido o que ambas as guerras de identidade podem oferecer, e não até então estarão aptos a servir o mundo. Imaginem apenas uma pessoa que é criada, diga-se, num templo onde é reprimida, onde desenvolve complexos. Assim que essa pessoa sai lá para fora para o mundo, tem a melhor das diversões; e é o mesmo com a pessoa que trabalha cá fora no mundo. Não podemos evoluir ao longo de uma linha definida. Devemos evoluir em todas as direções e até lá não ajudamos e só atrapalharemos.

Tal como eu conheço o meu próprio caminho, também cada um de nós deverá descobrir o seu caminho e até essa descoberta ser feita não devemos estar prontos ou aptos para servir o Mestre. Aqueles de nós que têm imaginação, que em certo grau têm a capacidade de tomar uma visão impessoal da vida, podem descobrir isto. Mas a maioria de nós não têm o desejo de servir, nem o desejo de alcançar o seu caminho ou objetivo.

O nosso problema é que tal como no mundo exterior, temos os nossos direitos adquiridos. E desde que exista o elemento de egoísmo, não descobriremos o caminho. Cada um de nós quer que o Mestre desça até si; mas o que não aprendemos foi que, mesmo como imaginamos, se Ele descesse das nuvens, seríamos incapazes de O servir, porque não nos equipamos para Lhe prestar serviço.

Devemos descobrir de que maneira podemos servir, e isso implica a completa violação de nós mesmos, das nossas relações, etc. Não é que não tenhamos o desejo, nem a nostalgia que as grandes pessoas têm; mas em nós não é constante. Não existe aquela pressão contínua que nos mantêm a andar, a andar, a andar. Significa verdadeiro sacrifício, significa subjugar-nos em tudo e não deixar o ego (a personalidade, o eu) ficar-se por cima. Então deixaremos de distorcer as coisas para que se encaixem nos nossos preconceitos, mas compreendê-las-emos de um modo total; por outras palavras, tornam-se realmente simples.

Devemos ter a coragem e determinação para desistir; e quando subimos e atingimos uma certa distância, descobrimos o quanto de tolos somos ao lutar pelo que é tão trivial, tão simples. Existem tantos temas com os quais lutamos de uma forma tão complicada; mas se nós apenas nos deixássemos expandir um pouco, todos estes temas se tornavam simples, todas as complicações desapareceriam. Mas requer que nos observemos constantemente, que estejamos atentos para ver se estamos a fazer a coisa certa ou a coisa errada.

Cada um de nós sabe destas coisas de fio a pavio, e mesmo assim se o Mestre chegasse e perguntasse o que cada um de nós soube fazer, de que modo agimos na sua ausência, de que modo cumprimos o nosso papel, quais seriam as nossas respostas? É surpreendente como não conseguimos mudar, como devíamos, tal e qual uma flor. A nossa crença embora forte, não é a crença de um homem que age com uma determinação fixa. Essas são, no entanto, as pessoas que o Mestre quer ao Seu serviço, e não somente aquelas que são apenas devotas, sem que essa devoção as conduza à ação. Se nós conseguirmos pôr de lado a nossa própria evolução, e trabalhar e esquecermo-nos de nós mesmos no trabalho, então seremos verdadeiramente servis e aproximar-nos-emos do Mestre. Pode ser que eu seja jovem, que eu não tenha sofrido como os mais velhos já sofreram, mas se o sofrimento pode desalentar o entusiasmo então mais vale não tê-lo. Mas o que foi que nos ensinou o sofrimento?

Como disse no início, não existe nada tão absorvente como o estudo de nós mesmos. Esse é o único assunto sobre o qual vale a pena pensar; porque significa mudança. Não existe ninguém para forçar os mais velhos, e portanto ficam cristalizados. O que interessa é descobrir o que podemos fazer e até onde nos podemos sacrificar; quanta é a nossa força e quais as nossas capacidades. Quando vemos pessoas numa atitude de reverência, penso frequentemente no que terão feito por via do sacrifício.

Nos anos que estão para vir, ou temos que nos adaptar rapidamente à corrente em mudança, ou sair completamente dela. Quando definitivamente agarrarmos um vislumbre do Plano, por mais passageiro que seja, e sabendo que devemos continuar, simplesmente continuaremos, porque é muito mais divertido do que somente marcar o tempo. O que interessa é termos de fazer qualquer coisa para mudar. A velhice não significa que não podemos mudar. Por outro lado, é mais fácil para os mais velhos, porque eles já tiveram a experiência, e o sofrimento; no entanto continuam do mesmo velho modo de perpétua negligência. Se querem ganhar dinheiro, vão e ganhem milhões, e dêem-nos ao Mestre, e podem fazê-lo se tiverem a atitude correta. E é o mesmo com tudo o resto que queiram fazer – escrever à maquina, estenografar ou qualquer outra coisa que desejem que seja o vosso serviço para o Mestre. A atitude é o que conta e quando chegarem lá todo o resto se seguirá.

J. Krishnamurti, tal como impresso na revista The Herald of Star no número de Maio de 1925

sábado, 16 de novembro de 2013

Tornando-nos conscientes do que somos

Vou explicar o que entendo por apercebimento. Precisamos tornar-nos conscientes do que somos. 

Como nos tornamos conscientes do que somos? Ficando interessados. Isto é, ao tomarmos interesse surge uma natural concentração que desperta a vontade. Concentração é a convergência de todas as energias sobre alguma coisa em que estamos interessados. Por exemplo, quando o nosso desejo está em ganhar dinheiro e no poder que ele dá, ou quando ficamos absorvidos num livro ou em qualquer atividade criadora, há então, uma concentração natural. 

A vontade desperta, quando há interesse. Quando não o há, surge a dispersão do pensamento, contradição de desejos. O começo do apercebimento é a natural concentração do interesse, em que não há conflito de desejos e escolha, e, por isso, há a possibilidade de se compreenderem os diferentes desejos que se opõem. Se o pensamento está procurando um certo resultado definitivo, há exclusão ou agregação, o que conduz à falta de plenitude e isto não é o apercebimento de que falo. Não podeis compreender toda a complexidade do processo do vosso ser, se estiverdes procurando resultados ou tentando alcançar um estado que pensais ser a paz, a realidade ou a libertação. Apercebimento é a compreensão total do processo do desejo consciente e inconsciente. 

No princípio mesmo do apercebimento há a compreensão do que é verdadeiro. A verdade não é um resultado ou um intuito, mas é para ser compreendida. No próprio processo da compreensão, por exemplo, da ambição, há a realização do que é verdadeiro. Esta compreensão não nasce da simples razão ou da emoção, porém, é o resultado do apercebimento da perfeição da ação-pensamento. 

Quando estamos conscientes, ficamos apercebidos de um processo dual que se opera em nós, — querer e não querer; desejos incontidos e desejos reprimidos. Os desejos incontidos têm a sua forma própria de vontade. A concentração sobre os desejos incontidos e sua ação, cria um mundo de competição e divisão em mundanismo, amor da posse e ansiedade pela continuidade pessoal. Ao percebermos as consequências destes desejos incontidos, que tanta dor e tristeza nos causam, nasce o desejo de refreá-los, com sua própria vontade típica. Assim, há conflito entre a vontade incontida e a vontade de reprimir. Este conflito tanto pode criar compreensão, como confusão e ignorância. A vontade incontida e a vontade de reprimir são a causa da dualidade, fato que não pode ser negado. 

Embora os opostos tenham uma causa comum, não podemos passar ligeiramente sobre eles ou colocá-los de lado; temos de compreende-los, para ficarmos livres do conflito dos opostos. 

Sendo invejosos e, por isso, conscientes do conflito e da dor, procuramos cultivar o seu oposto, mas nisto não há libertação da inveja. O motivo que nos leva a cultivar o oposto é muito importante; se for um desejo de fugir da luta e do sofrimento da inveja, então o seu oposto torna-se idêntico a ele mesmo, e, portanto, não há libertação da inveja. Ao passo que, se considerarmos profundamente a causa intrínseca da inveja e nos tornarmos apercebidos de suas várias formas, com suas incitações, então, neste entendimento, há libertação da inveja, sem criar seu oposto. A concentração que surge no processo do apercebimento não resulta do auto-interesse ou da mórbida introspecção. Estar interessado é ser criador e isto é felicidade. Esta concentração do interesse vem naturalmente, quando há apercebimento. Quando há compreensão do processo dos desejos incontidos, com sua denominada vontade positiva e repressiva, nasce a plenitude, o preenchimento que não é criação do intelecto. O intelecto, a faculdade de discernir, é o instrumento do entendimento e não um fim em si mesmo. O entendimento transcende à razão e a emoção. 

* * * 

O apercebimento surge, quando há interesse em compreender, mas o interesse não pode ser criado pela simples vontade e controle. Se derdes valor verdadeira às coisas, somente para não haver conflito, estais vivendo num estado de ilusão, pois então não compreendereis o processo do desejo que cria conflito e dor. 

* * * 

Existe a auto-análise, a introspecção, se não houverdes entendido a experiência no presente. Na auto-análise ides para fora do fluxo da vida, examinando uma coisa que é passada e morta; ao passo que existe um processo natural de observação, de exame no movimento, no viver, que pertence à própria vida. 

* * * 

O apercebimento é o processo da plenitude, e a introspecção é incompleta. O resultado da introspecção é mórbido, doloroso, ao passo que o apercebimento é entusiasmo e alegria. 

* * * 

O apercebimento está no momento da ação; se estamos apercebidos entendemos compreensivamente, como um todo, causa e efeito da ação, o processo imitativo do medo, suas reações, etc. Este apercebimento liberta o pensamento das causas e influências que o limitam e o prendem, sem criar mais cativeiro, e assim o pensamento torna-se profundamente flexível, o que é ser imortal. A auto-análise ou introspecção tem lugar, antes ou depois da ação, preparando assim, o futuro e limitando-o. 

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No apercebimento há somente o presente, isto é, estando apercebidos, vedes o processo passado da influência que controla o presente e modifica o futuro. O apercebimento é um processo integral, não um processo de divisão. Por exemplo, se eu falo a pergunta "Acredito em Deus", no próprio decurso da pergunta posso observar, se estiver apercebido, o que é que me leva a fazer esta pergunta; se estou atento, posso compreender quais foram e quais são as forças em ação, que estão me compelindo a fazer esta pergunta. Então, estou apercebido das várias formas de medo, daquele com que os meus antepassados criaram uma certa ideia de Deus e a transmitiram a mim, e, combinando sua ideia com as minhas reações presentes, modifiquei ou mudei o conceito de Deus. Estando desperto, compreendo este processo inteiro do passado, seu efeito no presente e no futuro, integralmente, como um todo. 

Se estiverdes apercebidos, observareis como, pelo medo, surge o vosso conceito de Deus; ou, talvez, houve alguém que teve uma experiência original da realidade ou de Deus e a comunicou a outrem, que, na sua avidez, a fez como sua e deu impulso ao processo de imitação. 

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Por favor, atentai bem nisto. Não pode haver percebimento, essa vigilância da mente e das emoções, enquanto a mente estiver ainda cativa do prazer e da dor. Isto é, quando uma experiência vos proporciona dor e ao mesmo tempo vos dá prazer, nada fazeis. Só agis, quando a dor é maior do que o prazer; porém, se o prazer for maior, nada em absoluto fazeis, por que não há conflito agudo. É somente quando a dor ultrapassa o prazer, quando aquela é mais aguda, que exige a ação. 

* * * 

O apercebimento de todo o vosso ser está na razão direta da consciência de vossos pensamentos-emoções. 

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Vós pensais separadamente na emoção; não pensais com sentimento. A reação vos faz pensar, porém não ousais pensar por completo, nesse apercebimento emocional de que falo, porque, se o fizésseis, serieis forçados a afrouxar todos os liames que vos prendem. Tendes de tornar-vos perfeitamente simples, inteligentes. 

Quando estiverdes verdadeiramente livres da distinção entre pensamento e emoção como funções separadas, então não haverá apercebimento, mental nem emocional; será o apercebimento perfeito, no qual a mente e o coração estarão fundidos em um só. 

No apercebimento, cessa toda a distinção. A distinção individual na ação somente desaparece pelo pensamento ao completar-se a si próprio pelo apercebimento emocional; isto é, por meio da perfeita harmonia da mente e do coração. 

* * * 
É somente quando existe esta inteligência, essa harmonia da mente e do coração, esse constante apercebimento, que é discernimento do intrínseco valor das coisas, liberto de tradições do passado e de esperanças no futuro, que advém a realização da eternidade. 

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Mediante o apercebimento alcança-se o reino da vida.

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Preencher-se é ser inteligente; e para despertar a inteligência é necessário o reto esforço. E o vigor, para este fim, não pode ser artificia; a vida não deve ser dividida em trabalho e realização interna. 

O trabalho e a vida interna devem estar juntos. A própria alegria do esforço reto abre as portas da inteligência. 

O discernir do processo do "eu" é o começo do preenchimento. 

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Se vós, como indivíduos, começardes a despertar para as limitações que vos são impostas pela sociedade, pelas religiões, pelas condições econômicas, e começardes a inquirir e, assim, a criar conflito, então dissipareis essa pequena consciência que chamamos o "eu"; então sabereis o que é este preenchimento, este viver criador no presente. 

* * * 

Ao tentardes descobrir o mérito das fugas que, por vós mesmos criastes, manifesta-se a verdadeira inteligência, e essa inteligência é felicidade criadora, é preenchimento. 

* * * 

O mundo é uma extensão de vós, enquanto fordes irrefletidos, presos à ignorância, ao ódio, à ambição; mas, quando ficardes sinceramente atentos, apercebidos, não há somente uma dissociação dessas causas que criam tristeza e sofrimento, mas também haverá essa compreensão, que é o preenchimento, o todo. 

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Ambição não é preenchimento. A ambição é inflação do eu. Na ambição há a ideia de proveito pessoal, sempre em oposição ao lucro de outrem; há nela o culto do êxito, a competição cruel e a exploração de outrem. No despertar da ambição há descontentamento constante, destruição e vacuidade; pois, no próprio momento do êxito, há um fenecimento, e, portanto, um renovado impulso para outras consecuções. Quando discernirdes profundamente que a ambição tem dentro de si esta constante luta e angústia, então compreendereis o que é o preenchimento. O preenchimento é a expressão fundamental daquilo que é verdadeiro. Com frequência, porém, toma-se equivocadamente uma reação superficial pelo preenchimento. O preenchimento não é apenas para uns poucos, mas exige profunda inteligência. Na ambição há o objetivo e o incitamento no sentido da sua consecução; porém o preenchimento  requer um ajuste contínuo e a reeducação de todo nosso ser social. Onde há ambição, há também a busca de recompensa da parte dos governos, das igrejas ou da sociedade. ou então há o desejo das recompensas das virtudes com suas consolações. No preenchimento desaparece integralmente a ideia de recompensa e de punição pois todo o medo cessa por completo. 

Fazei experiencias relativamente ao que vos estou dizendo, e discerni por vós mesmos. Vossa vida atual está eivada de ambição, não de preenchimento. Esforçai-vos por vos tornardes alguma coisa, em lugar de vos perceberdes nas limitações que impedem o verdadeiro preenchimento. 

* * * 

O preenchimento é a fruição do profundo entendimento da nossa própria existência e das nossas ações.

* * * 

O preenchimento é perfeição. Não vos podeis preencher no futuro. O preenchimento não depende do tempo. O preenchimento está no presente.

Jiddu Krishnamurti — O medo - 1946

sexta-feira, 15 de novembro de 2013

Sem autoconhecimento, não é possível ordem

Presentemente, nossa vida é bastante superficial, vazia, estúpida; e, quando uma mentalidade limitada tenta adivinhar o que é misterioso, incognoscível, o que ela cria é obviamente uma imagem de sua própria limitação. A questão, pois, é se a mente vulgar, a mente que está cheia de preocupações, de desespero, que luta ansiosamente para mudar, para tornar-se alguma coisa — se essa mente insignificante é capaz de transformar-se, de romper suas limitações, ampliar seus horizontes; pois, se disso não for capaz, é quase impossível haver sanidade. Sanidade é ordem, tanto exterior como interior; e é também muito importante a maneira de estabelecer essa ordem.

Interiormente, quase todos nos achamos em extrema desordem. Podeis ter muita cultura, conhecimentos muito bem coordenados, clareza objetiva; por fora, podemos mostrar muita firmeza, muita habilidade no argumentar, porém, interiormente, achamo-nos, quase todos, confusos e em conflito. Isso se pode observar na vida de muitos escritores talentosos. Porque têm talento e se acham em contradição consigo mesmos, sob forte pressão e tensão, produzem literaturas de todos os gêneros, mas basicamente, essa produção é obra de espíritos doentes. E, geralmente, ouso dizer, estamos confusos; não há claridade interior. Essa claridade não pode ser descoberta com a ajuda de outrem, nem por seguirmos alguma autoridade ou sistema de pensamento, antigo ou moderno. Tal claridade é ordem; e a ordem, em seu sentido fundamental, sutil, é virtude. A moralidade que a sociedade impõe não é absolutamente moralidade. A moralidade social é imoralidade, porque causa toda espécie de contradição, toda espécie de ambição e competição. A sociedade, por sua própria natureza — seja a do mundo comunista, seja a do mundo ocidental — produz, com efeito, um conformismo externo, social, a que se chama “moralidade”; mas, se a examinarmos profundamente, perceberemos que essa moralidade é imoral.

Estou falando sobre a virtude — a qual nenhuma relação tem, absolutamente, com a sociedade e sua pretensa moralidade. A virtude só pode tornar-se existente quando há, em nosso interior, ordem psicológica. Quando compreendemos a estrutura social — a estrutura psicológica da sociedade, da qual fazemos parte — nessa compreensão há ordem, e da ordem vem a virtude. Sem a virtude, não há para a mente possibilidade de clareza, sanidade; por conseguinte, a sanidade e a virtude andam juntas. Considero importantíssimo compreender isto, porque, para a maioria, a virtude se tornou muito cansativa, coisa ridícula e antiquada, sem significação, principalmente no mundo moderno.

(...) Assim como mantemos nosso quarto bem arrumado, limpo, agradável — e isso fazemos todos os dias — assim também há necessidade de ordem interna; mas, a ordem interna exige muito mais atenção, exige percebimento de tudo o que se passa na esfera íntima. A mente deve estar consciente de todos os seus pensamentos e sentimentos, de seus desejos e ânsias, patentes e secretos; dessa percepção resulta a ordem, que é virtude... A virtude não é algo contínuo, permanente. A virtude é a ordem que renasce a cada momento e, por conseguinte, nela existe liberdade, e não revolta... Revolta não é liberdade, a revolta fica dentro do padrão social; e a liberdade está fora desse padrão. O padrão ou molde da sociedade é psicológico: é inveja, avidez, ambição, os variados conflitos em que tomamos parte. Nós somos a sociedade que nós mesmos criamos; e se não estamos livres dela, não há nenhuma possibilidade de ordem. A virtude, pois, é de suma importância, porque traz a liberdade. E nós devemos ser livres; mas não é isso o que quer a maioria das pessoas. Poderão deseja liberdade política — liberdade para votar num certo político, ou liberdade nacional; mas isso não é liberdade, absolutamente.    

(...) A liberdade é coisa inteiramente diferente; e a maioria de nós não deseja a liberdade interior, no sentido profundo da palavra, porque isso significa que o indivíduo terá de ficar completamente , sem nenhum guia, nenhum sistema, sem seguir nenhuma autoridade. Para tanto, requer-se, dentro de nós, uma ordem extraordinária. Em geral, desejamos ter o amparo de alguém e, se não de uma pessoa, o amparo de uma ideia, de uma crença, de uma norma de conduta, de um padrão estabelecido pela sociedade, por certo líder ou pessoa considerada “espiritual”, ou por nós mesmos fixado.

Assim, em regra aceitamos a autoridade. E cumpre tornar bem claro, aqui, que a autoridade a que nos estamos referindo não é a autoridade da Lei do país. Referimo-nos à autoridade que seguimos por medo de nos vermos sós, medo de firmar-nos sobre nossas próprias pernas; de não contarmos com ninguém para termos uma norma de vida, de conduta, ou clareza interior. Porque essa espécie de autoridade gera o menosprezo, gera a inimizade e a divisão entre os homens. O homem que busca a verdade não reconhece autoridade nenhuma, em tempo algum, e esse estar livre da autoridade é para nós uma das coisas mais difíceis de compreender, não só no mundo Ocidental mas também no Oriente, porque pensamos que alguém pode colocar em ordem nossa vida — um salvador, um mestre, um instrutor espiritual, etc. — coisa inteiramente absurda. Só mediante a nossa própria clareza, nossa própria investigação, percebimento, atenção, começaremos a aprender todos os fatos relativos a nós mesmos; e desse aprender, dessa autocompreensão, vem a liberdade e a ordem e, por conseguinte, a virtude.

Assim, a percepção de que devemos estar inteiramente sós vem quando começamos a compreender-nos. O autoconhecimento é a base da sabedoria, e a sabedoria vem sempre só, pois não pode ser adquirida por meio de livros e de citações alheias. A sabedoria é algo que tem de ser descoberto por cada um, e não constitui um resultado do saber. O saber e a sabedoria não andam juntos. Surge a sabedoria na madureza do autoconhecimento. Sem autoconhecimento, não é possível ordem e, por conseguinte, não há virtude.

Jiddu Krishnamurti — O descobrimento do Amor

domingo, 1 de setembro de 2013

A pergunta que importa: que sou eu?

Pergunta: Que é autoconhecimento? A tradicional via de acesso ao autoconhecimento é o conhecimento do Atman como distinto do "ego". É isso o que você entende por autoconhecimento? 

Krishnamurti: Senhores, todos vocês são muito lidos, não é verdade? Leram todos os livros religiosos, e foi assim que vieram a conhecer a ideia do ATMAN; do contrário, não teriam nenhuma noção dele. Encontraram essa ideia nos livros, ela lhes agradou, e por isso a adotaram; mas, em verdade, não sabem se o ATMAN existe ou não. Desejam permanência, e o ATMAN a garante-lhes.Suponhamos agora, que vocês nunca tivessem lido um único livro religioso a respeito do ATMAN, o SUPER-ATMAN, e tudo o mais — o que fariam? Poderiam inventar; mas se não tivessem nenhum conhecimento prévio, qual seria a atitude de vocês?... Por outro lado, como sabem que Sancarachária, ou Buda, ou outra autoridade mais em moda, não estão errados? 

(...) Desejam saber o que é autoconhecimento. Não é conhecimento do "ego", não é conhecimento do ATMAN, — não sabem o que isso significa. Só sabem que existem, que são uma entidade em relação com outras pessoas, com sua esposa e seus filhos, com o mundo — é tudo o que sabem. Este é o fato real. Se o ATMAN existe ou não existe, é uma mera teoria, uma especulação e toda especulação é desperdício de tempo; é coisa para os indolentes, os que não pensam. 

Agora, que sou eu? É isso o que importa: que sou eu? Vou verificar o que sou; vou ver até onde posso penetrar, nesse sentido, e ver onde sou levado. Porque, este é que é o fato — e não o ATMAN, o "ego", o SUPER-SUPER-SUPER. Não penso nestas coisas, embora Buda e Cristo e quem mais seja, tenham falado a seu respeito. O que me é possível conhecer são as minhas relações com a propriedade, com pessoas e ideias. Temos, portanto, que o começo do autoconhecimento está na compreensão das relações, e que as relações funcionam em todos os níveis, e não num só nível determinado. Tenho de averiguar o que são as minhas relações com minha esposa, com meus filhos, minha propriedade, a sociedade, as ideias. As relações são o espelho no qual vejo a mim mesmo assim como sou, e o ver-me tal como sou é o começo da sabedoria. A sabedoria não é coisa adquirível nem por meio de livros nem por intermédio de um GURU; isso é mera aquisição de conhecimento, e a sabedoria não é conhecimento. A sabedoria é o começo do autoconhecimento, e vem essa sabedoria quando compreendemos as nossas relações. 

Jiddu Krishnamurti – O que estamos buscando?

segunda-feira, 19 de agosto de 2013

Pode-se olhar a vida sem os olhos do passado?

Vocês devem recusar, não apenas verbal, intelectual ou teoricamente, mas negar realmente tudo o que o homem tem dito. A cada um cabe descobrir, por si próprio, porque a Verdade não é coisa adquirível de outrem; tampouco está fixada num ponto. Compreendam, por favor, que precisamos ser verdadeiramente sérios, para rejeitarmos toda espécie de propaganda, pois religião (organizada) é uma contínua propaganda. Há mais de dois mil ou cinco mil anos lhes é dito o que devem fazer, o que devem pensar. Cumpre-lhes, pois, rejeitar tudo isso e descobrir por si mesmos o que é a Verdade, se tal coisa existe. Importa compreenderem a si mesmos, e não o que outros dizem sobre vocês. Se seguem um psicólogo, um filósofo, um analista, um intelectual ou um dos velhos instrutores, até dos mais antigos e venerados, etc., estão meramente seguindo o que eles dizem sobre vocês. Vocês têm, pois, de rejeitar tudo, para começarem a descobrir o que são.

Esse autodescobrimento faz parte da meditação, e é absolutamente necessário, porque, se não se conhecem, não apenas superficialmente, mas no mais profundo do ser de vocês, não terão nenhuma base para a ação, nenhum fundamento sobre o qual erguer um edifício estável, harmonioso. E ninguém senão vocês mesmos pode ensinar-lhes o que são; devem, pois, ser o guru, o discípulo, o mestre; o aprendizado de vocês deve vir de vocês. O que aprendem de outrem não é verdadeiro. Tratem, pois, de descobrir individualmente o que são e de aprender a se observarem.

Autoconhecimento não significa acumular conhecimentos sobre si mesmo; significa observar a si mesmo. Se aprendo acumulando conhecimentos, nada aprendo a respeito de mim mesmo.

Há duas maneiras de aprender. A primeira é aprender acumulando conhecimentos e, com eles, observar; isto é, observar através do crivo do passado. Observo-me, tenho experiências, acumulo conhecimentos derivados dessas experiências; olho-me através das experiências, isto é, olho-me mediante o passado. Essa é uma das maneiras de aprender. A outra maneira é observar o movimento de todos os pensamentos, de todos os “motivos”, e jamais acumular. Por conseguinte, este aprender é um processo constante.

Explicando melhor: vejo que sou violento; observo minha violência e a condeno. Condenando-a, aprendi que não deve existir violência. Na próxima ocasião em que me observo como pessoa violenta, reajo de acordo com o que aprendi. Por conseguinte, não há observação nova, porque estou olhando a nova experiência com “olhos velhos”, com o conhecimento anteriormente adquirido. Logo, não estou aprendendo. Aprender é um movimento constante, não oriundo do passado; um movimento de momento a momento, portanto, sem acumulação. Nós somos o resultado de milhares de anos de acumulação, e continuamos a acumular; e, se quiserem compreender essa acumulação, cumpre-lhes observá-la e deixar de acumular. Deve, pois, haver uma observação que seja um constante aprender sem acumulação. Acumulação é o “centro”, o “eu”, o “ego”; e, para compreendermos esse centro, devemos estar livres de toda espécie de acumulação; não, deixarmos de acumular num nível, para cumularmos noutro nível, com outro alvo.

Temos, pois, de a “aprender com o que somos”, observando-nos sem condenação, sem justificação, observando simplesmente nossa maneira de andar, de falar, as palavras que empregamos, os diferentes “motivos”, propósitos, intenções: estando totalmente vigilantes, sem escolha. E esse percebimento não significa acumulação, mas, sim, estar vigilante de instante em instante. Se, em qualquer momento, deixarem de estar vigilantes, não se preocupem: comecem novamente. Assim, a mente de vocês, está sempre nova. A auto-observação, pois, não se limita ao nível superficial, mas, penetra o nível mais profundo, o chamado “nível inconsciente”, “oculto”. Como observar uma coisa que se acha muito profundamente radicada, oculta, fechada? Nossa consciência é tanto superficial como oculta; e temos de reconhecer todo o conteúdo dessa consciência, uma vez que o conteúdo integra a consciência. Não são coisas separadas: o conteúdo é a consciência.

Por conseguinte, para se compreender o conteúdo deve haver observação sem o “observador”. Esta é uma das coisas mais fascinantes: descobrir como olhar a vida de maneira nova. Para observarmos o “oculto”, precisamos de olhos não condicionados pelo passado; não devemos ser hinduístas, cristãos, etc. Devemos olhar-nos cada vez como se fosse a primeira vez e, por conseguinte, sem acumular. Se puderem se observar dessa maneira, observar suas ações, seja no trabalho, seja no lar; observar seus apetites sexuais, suas ambições — observar sem condenar, sem justificar, observar simplesmente — verão que nessa observação não há conflito de nenhuma espécie. Mas, se observarem com uma mente torturada, deformada, jamais descobrirão o que é a verdade. Entretanto, em geral, nossa mente é deformada, torturada, degradada pelo controle, pela disciplina, pelo medo.

Jiddu Krishnamurti — Madras, 13 de janeiro de 1971

segunda-feira, 29 de julho de 2013

Dentro do caos, que se pode achar senão caos?

Para alcançarmos aquela realidade que não pode ser apreendida por meio de palavras e símbolos, é claro que devemos banir do espírito o significado tradicional, as conclusões religiosas de certas palavras. Há séculos o homem busca algo de superior a si próprio, algo que lhe servisse de meio de fuga a este mundo horroroso, tirânico, cheio de sofrimento, que o compensasse de sua existência dolorosa, lastimável, confusa. Para podermos viver neste mundo o mais equilibradamente possível, vocês e eu criamos, por causa do nosso medo, de nossa angústia, uma imagem, um Deus pessoal, uma força super-humana, que supomos agir como princípio diretor de nossa conduta. No Oriente essa imagem difere um tanto da do Ocidente, mas, em toda a parte, ela é uma criação da mente humana. Nada tem de sagrado. Nada há de sagrado nos rituais do Ocidente ou do Oriente., elaborados que foram pelo homem, no seu desespero, sua tortura, seu medo, sua ansiedade; e o que nasce do medo, da ansiedade, nunca conduzirá o homem à Verdade. Seus rituais, seus símbolos, suas preces poderão entretê-lo, estimulá-lo, dar-lhe uma certa inspiração, um certo sentimento de bem-estar; mas, atrás delas, nenhuma verdade existe, absolutamente, porque foram criadas pelo ente humano em sua imensa agonia.

O homem sempre buscou, e aparentemente achou; por conseguinte, vamos agora examinar estas duas palavras “buscar” e “achar”. Nós buscamos em virtude de nossa própria confusão. Buscamos algo permanente porque vemos que tudo o que nos rodeia é impermanente. Buscamos um amor espiritual, um conforto celestial, uma Divina Providência, porque dentro de nós existe tanta confusão, e sofrimento, e agonia. Por outras palavras, nós buscamos no meio do caos, e o que achamos nasce desse caos. Este fato, pois, precisa ser compreendido, isto é, que buscar e achar não só é um desperdício de energia, senão também um verdadeiro obstáculo, uma coisa perniciosa.

Vocês podem não concordar com o que se está dizendo, mas notem, por favor, que não estamos tratando de algo com que se pode concordar ou de que se pode discordar. Estamos investigando uma coisa que exige grande soma de energia, alta sensibilidade, intenso percebimento e atenção. Isso significa que, para descobrir, temos de varrer tudo: todas as asserções, e dogmas, e sanções. As religiões, em todo o mundo, estabeleceram certas fórmulas, certos métodos e tradições, que mandam observar a fim de se poder descobrir. O homem sempre andou a buscar, na esperança de encontrar algo original, algo superior à sua imaginação, à sua vaidade: Deus, um Ser Supremo, uma Essência Divina, que o guiará, ajudará, confortará. Mas, atrás dessa ânsia de conforto, encontra-se aquele vasto “reservatório” da ignorância do homem acerca de si mesmo, da causa de seus desesperos e de seu perene ansiar por algo permanente.

Se uma pessoa é um tanto inteligente ou desperta, e se acha insatisfeita com este mundo transitório, deseja algo que seja permanente e, por conseguinte, está sempre a buscar — filiando-se a um certo movimento, ligando-se a um certo partido ou atividade, etc. Nessa busca, está sempre ativa. Mas tal busca conduz, invariavelmente, a um fim preestabelecido. O que se deseja é conforto, permanência, um estado de espírito sempre isento de perturbação, o qual chamamos “paz”; e o que se busca poderá ser achado, mas nunca será o real, nunca será a Verdade.

Assim, a mente que deseja descobrir o real, a Verdade, deve deter essa busca, essa ânsia de achar. Vendo-nos confusos, ansiosos, infelizes, oprimidos pelo sofrimento, buscamos conforto fora de nós mesmos — nos livros, nos instrutores, nos gurus, nos salvadores, nas religiões organizadas; e, encontrando um certo conforto, uma certa segurança, a isso nos apegamos com todas as forças. Mas, esse buscar e esse achar têm por resultado invariável a deterioração da mente; porque a mente deve manter-se sobremodo ativa, sensível, desperta, vitalmente enérgica. Assim, colocar fim ao buscar e ao achar significa eliminar o sofrimento, porque a mente está então a revelar-se a si própria, a compreender-se, sendo essa a verdadeira essência da atividade religiosa.

Se não conhecemos a nós mesmos, a mera busca só pode gerar ilusões. Os entes humanos desejam mais e mais experiência. Todos desejamos mais experiência — não só a “experiência” de uma viagem a Marte ou do descobrimento de novas galáxias, mas desejamos também mais experiência interiormente, porque a experiência de nosso viver diário já nada significa. Temos tido experiências sexuais, e esse prazer, repetido dia por dia, se tornou um tanto monótono, entediante e, por conseguinte, desejamos outra forma de experiência, uma certa atividade social nova. Queremos os louvores da comunidade, nos tornar mundialmente famosos, queremos prestígio, posição em virtude de nossas funções. E é por causa desse desejo de mais experiências que recorremos a drogas, como o L.S.D., que tornam a mente mais sensível, mais ativa, e, dessa amenira, nos proporcionam experiências mais amplas, mais profundas, mais intensas.

Peço que notem, como disse outro dia, que este orador não é importante; mas o que ele diz é importante, porquanto o que está dizendo é a voz do próprio Eu de vocês a pensar em voz alta.

Através das palavras que o orador está empregando, estão escutando a si mesmos e não o orador; por essa razão é da máxima importância o escutar. Escutar é aprender, e não acumular. Se acumulam conhecimentos e escutam com essa acumulação, com o fundo de saber de vocês, não estão escutando. Só escutando, podem aprender. Estão aprendendo a respeito de si mesmos, e, por conseguinte, devem escutar com zelo, com extraordinária atenção; e a atenção é negada quando justificam, condenam ou de outro modo avaliam o que ouvem. Não estão então escutando, não estão percebendo, vendo.

Se se sentam à margem de um rio após uma tempestade, veem a corrente passar carregando enorme quantidade de destroços. De modo idêntico, devem observar o movimento do Eu de vocês, acompanhando cada pensamento, cada sentimento, cada intenção, cada motivo — observá-lo simplesmente. Esse observar é também escutar. É perceber com os olhos, os ouvidos, com o discernimento de vocês, todos os valores criados pelos entes humanos, e pelos quais vocês se acham condicionados; e só esse estado de total percebimento pode colocar fim a toda busca.

Como disse, busca e achar é desperdício de energia. Quando a própria mente está no escuro, confusa, assustada, aflita, ansiosa, que bem lhe faz o buscar? Dentro desse caos, que se pode achar senão mais caos? Mas, quando há clareza interior, quando a mente não está temerosa, exigindo segurança, então não há mais buscar e, por conseguinte, não há mais achar. Ver a Deus, ver a Verdade não constitui um ato religioso. O único ato religioso é o alcançar essa clareza interior mediante autoconhecimento, isto é, pelo estarmos cônscios de nossos íntimos e secretos desejos, deixando-os revelar-se, sem nunca corrigi-los, controlá-los ou a eles nos entregarmos, porém, sempre atentos a eles. Desse constante observar vem uma maravilhosa clareza e sensibilidade, uma extraordinária conservação da energia; e nós necessitamos de uma imensa energia, porque toda ação é energia, a própria vida é energia. Quando estamos aflitos, ansiosos, a disputar, a ter ciúmes, quando estamos temerosos quando nos sentimos insultados ou lisonjeados — tudo isso é dissipação de energia. Dissipação de energia é também estarmos doentes física ou espiritualmente. Tudo o que fazemos, pensamos e sentimos constitui um derrame de energia. Ora, ou devemos compreender a dissipação de energia, pois em virtude dessa compreensão há um natural ajuntamento de toda a nossa energia; ou passaremos nossa vida a lutar para conciliar as múltiplas e contraditórias manifestações da energia, contando que da periferia poderemos alcançar a essência.

A essência da religião é o Sagrado — que nenhuma relação tem com as organizações religiosas, nem com a mente que está senhoreada e condicionada por uma crença, um dogma. Para essa mente, nada há de sagrado senão o Deus que ela própria criou, ou o ritual que elaborou, ou as várias sensações que lhe vêm do orar, do adorar, da devoção. Mas, essas coisas não são sagradas, absolutamente. Nada há de sagrado no dogmatismo, no ritualismo, no sentimentalismo ou no emocionalismo. O Sagrado é a essência mesma da mente religiosa; é o que vamos investigar nesta manhã. Não nos interessa nada do que se supõe sagrado — o símbolo, a palavra, a pessoa, o retrato, uma dada experiência — que são puras infantilidades; o que nos interessa é a essência. Isso requer, da parte de cada um de nós, uma compreensão nascida do percebimento, em primeiro lugar, das coisas exteriores. A mente não pode ser levada pela maré do percebimento interior, sem primeiro estar cônscia do comportamento exterior, dos gestos externos, dos costumes, das formas, do tamanho e da cor de uma árvore, da aparência de uma pessoa, de uma casa. É a mesma maré que “sai” e que “entra”, e a menos que vocês conheçam a “maré externa”, nunca saberão o que é a “maré interna”.

(...) Quando há o percebimento interior de cada atividade do espírito e do corpo de vocês;  quando estão cônscios de seus pensamentos, seus sentimentos, tanto secretos como patentes, tanto conscientes como inconscientes, então, desse percebimento vem uma clareza que não é provocada, criada pela mente. E, sem essa clareza, podem fazer o que quiserem, rebuscar céus, terras e abismos, nunca descobrirão o verdadeiro.

Assim, o homem que deseja descobrir o verdadeiro necessita da sensibilidade do percebimento — o que não significa que ele deve exercitar-se nessa percepção. Isso só conduz ao hábito — hábito sexual, hábito de beber, hábito de fumar, qualquer hábito — torna a mente insensível; e a mente insensível, além de dissipar energia, torna-se embotada. A mente embotada, superficial, condicionada, a mente vulgar, pode tomar uma droga e, por um segundo, ter uma experiência maravilhosa; mas continua a ser uma mente vulgar. Mas, aqui não estamos querendo descobrir um método para colocar fim à  vulgaridade da mente.

Não se põe fim à vulgaridade da mente pela obtenção de mais conhecimentos, mais erudição, pelo ouvir música sublime, pelo visitar lugares pitorescos do mundo, etc., etc.; a cessação da vulgaridade nada tem a ver com isso. O que faz cessar a vulgaridade e a claridade do autoconhecimento, o movimento da mente livre de restrições; só essa é a mente religiosa.

A essência da religião é o Sagrado. Mas o sagrado não se encontra em nenhuma igreja, em nenhum templo, nenhuma mesquita, nenhuma imagem. Estou falando sobre a essência, e não a respeito das coisas que chamamos sagradas. E, ao compreender-se essa essência da religião — o Sagrado — tem a vida então um significado inteiramente diferente; tudo então tem beleza, e a Beleza é o Sagrado. Beleza não é aquilo que nos dá estímulo. Ao verem uma montanha, um edifício, um rio, um vale, uma flor, ou um rosto, vocês dizem que essa coisa é bela, porque por ela se sentem estimulados. Mas a beleza a que me refiro nenhum estímulo oferece. Não é beleza que se pode encontrar em algum quadro, em algum símbolo, algumas palavras, alguma música. Essa beleza é o Sagrado, a essência da mente religiosa, da mente esclarecida pelo autoconhecimento. Encontramo-nos com essa Beleza, não pelo desejar, pelo aspirar a tal experiência, porém, somente quando terminou todo desejo de experiência; esta é uma das coisas mais difíceis de compreender.

Como já assinalei, a mente que está em busca de experiência está sempre a mover-se na periferia, e a tradução de cada experiência dependerá do particular condicionamento de vocês. Se são cristãos, budistas, muçulmanos, hinduístas, ou comunistas — o que quer que sejam — suas experiências, obviamente, serão condicionadas conforme o fundo mental de vocês; e quanto mais desejarem experiências, mais fortaleceram esse fundo. Esse processo não é um meio de dissolver nem de terminar o sofrimento, porém, apenas, uma fuga ao sofrimento. A mente esclarecida pelo autoconhecimento, a mente que é a verdadeira essência da clareza e da luz, de nenhuma experiência necessita. Ela é o que é.

A clareza, pois, vem do autoconhecimento e não da instrução ministrada por outro, seja um talentoso escritor, seja um psicólogo, um filósofo, um pretenso instrutor religioso.

Jiddu Krishnamurti — O descobrimento do amor   

sábado, 20 de julho de 2013

O povo foge do autoconhecimento como o diabo foge da cruz

quinta-feira, 18 de julho de 2013

Você tem de aprender pelo observar, pelo ser feliz, e pelo verter lágrimas

Pergunta: Podemos conhecer a nós mesmos sem a ajuda de um inspirador?

Krishnamurti: Para se conhecer, você necessita de um inspirador, de alguém que lhe anime, lhe estimule, lhe impulsione? Escute esta pergunta com toda a atenção, e descobrirá a resposta correta. Você deve saber que a metade de um problema está resolvida quando você o estuda, não é verdade? Mas, você não pode estudar o problema plenamente se a sua mente está muito ocupada e ansiosa por lhe encontra a solução?

A pergunta é esta: Para termos autoconhecimento não necessitamos de alguém que nos inspire?

Ora, se você precisa de um guru, de alguém para lhe inspirar, animar, dizer-lhe que "você está indo muito bem" — isso significa que você está na dependência dessa pessoa e, se algum dia ele lhe faltar, você se verá completamente desorientado. No momento em que você depende de uma pessoa ou de uma ideia, para ter inspiração, é inevitável o medo e, por conseguinte, não há, de modo nenhum, verdadeira inspiração. Mas, quando você observa um cortejo fúnebre, ou duas pessoas discutindo, isso não lhe faz pensar? Quando você vê alguém que é muito ambicioso, ou quando nota como todos caem aos pés do "superior", quando ele entra, isso não lhe faz refletir? Por conseguinte, em todas as coisas há inspiração: da queda de uma folha ou da morte de uma ave, ao próprio comportamento humano. Se você observar tudo isso, estará aprendendo a todas as horas; mas, se você fizer de uma pessoa seu instrutor, estará perdido e essa pessoa se tornará um peso em sua vida. Por isso é tão importante não seguir ninguém, não ter instrutor, e aprender do rio, das flores, das árvores, da mulher que leva um fardo, dos membros da sua família, e dos seus próprios pensamentos. Esta é uma educação que ninguém pode lhe ministrar, e nisso é que consiste a sua beleza. Ela exige vigilância incessante, uma mente constante no investigar. Você tem de aprender pelo observar, pelo lutar, pelo ser feliz, e pelo verter lágrimas.


Krishnamurti – A cultura e o problema humano

Como podemos conhecer a nós mesmos?

Pergunta: Como podemos conhecer a nós mesmos?

Krishnamurti: Você conhece bem o seu rosto, porque o tem visto, muitas vezes, no espelho. Ora, há um espelho no qual você pode ver por inteiro — não o seu rosto, mas tudo o que pensa, tudo o que sente, seus motivos, seus apetites, seus impulsos e medos. Esse espelho é o espelho das relações: as relações entre você e seus pais, entre você e seus mestres, entre você e o rio, as árvores, a terra, entre você e seus pensamentos. As relações são um espelho em que você pode se ver, não como desejaria ser, mas tal como é. Eu posso desejar, ao olhar-me num espelho comum, que ele me mostre belo, mas isso não pode acontecer, porque o espelho reflete o meu rosto tal qual é, e eu não posso enganar a mim mesmo. Analogamente, posso ver-me exatamente como sou no espelho das minhas relações com outros. Posso observar a maneira como falo com as pessoas: com o máximo de cortesia com aqueles que penso que podem me dar algo, com rudeza ou desprezo com os que nada podem me dar. Sou atencioso para com os que temo. Ponho-me de pé quando entram pessoas importantes, mas se entra um serviçal, nem lhe dou atenção. Assim, pela observação de mim mesmo nas relações, posso ver quanto é falso o meu respeito às pessoas, não é verdade? E posso também descobrir o que sou em minhas relações com as árvores e as aves, com as ideias e os livros.

Você pode ter todos os graus acadêmicos do mundo, mas se não conhece a si mesmo, é extremamente estúpido. Conhecer a si mesmo é a verdadeira finalidade da educação. Sem autoconhecimento, o cuidar meramente de colecionar fatos ou de tomar notas é uma maneira muito estúpida de existir. Você pode ser capaz de citar o Bhagavad Gita, o Upanishads, o Alcorão e a Bíblia, mas, se não conhece a si mesmo, é tal qual um papagaio a repetir palavras. Mas, ao contrário, no momento em que começa a se conhecer um pouco, já está em marcha um extraordinário processo de criação. É um importante descobrimento você se ver de súbito tal como é: ávido, barulhento, irritadiço, invejoso, estúpido. Ver o fato, sem procurar alterá-lo, ver exatamente o que você é, é uma extraordinária revelação. Daí, você pode prosseguir, penetrando cada vez mais fundo, indefinidamente, porque o autoconhecimento não tem fim.

Com o autoconhecimento, você começa a descobrir o que é Deus, o que é a Verdade, o que é aquele estado em que o tempo não existe. Seu mestre poderá lhe transmitir os conhecimentos que ele recebeu do seu mestre, e você pode se sair bem nos exames, receber diploma, etc.; mas, se não conhece a si mesmo, assim como conhece seu próprio rosto refletido no espelho, qualquer outro conhecimento muito pouco significa. As pessoas que aprenderam muitas coisas mas não conhecem a si mesmas, são, na verdade, ininteligentes; não sabem o que é pensar, não sabem o que é vida. Eis porque é importante que o educador seja educado, no verdadeiro sentido da palavra, isto é, que conheça o funcionamento de sua própria mente, de seu próprio coração, que se veja exatamente como é, no espelho das relações. No autoconhecimento está contido o universo inteiro; ele abarca todas as lutas da humanidade.


Krishnamurti – A cultura e o problema humano

quarta-feira, 17 de julho de 2013

Na jornada do autoconhecimento, os livros não têm importância

Pergunta: Como você aprendeu tudo isso que fala, e como chegaremos a conhecê-lo?

Krishnamurti: Esta é uma boa pergunta, você não acha? Pois bem; se posso falar um pouco sobre minha própria pessoa, saiba que não li nenhum dos livros que tratam dessas coisas, nem o Upanishads, nem o Bhagavad Gita, nem livros de psicologia; mas, como já lhe disse, se você observar sua própria mente, lá encontrará tudo. Assim, pois, quando você empreende a jornada do autoconhecimento, os livros não têm importância. É como entrar num país estranho onde se começa a ver coisas novas, a fazer extraordinários descobrimentos. Mas, veja, tudo isso é destruído, se você dá importância a si mesmo. No momento em que diz: “Descobri, sei, sou um grande homem porque descobri isto e aquilo”, nesse momento você está perdido. Se você tem de fazer uma longa viagem, deve levar pouquíssima bagagem; se deseja galgar grandes alturas, deve viajar leve.

Esta pergunta, por conseguinte, é importante, porque o descobrimento e a compreensão vêm com o autoconhecimento, pela observação dos movimentos da mente. O que você diz a respeito do próximo, sua maneira de falar, de andar, de olhar o céu, sua maneira de tratar as pessoas, de cortar um ramo de árvore — todas essas coisas são importantes, porque atuam como espelhos que lhes mostram exatamente como você é, se está vigilante, descobre “de novo” todas as coisas, momento por momento. 

Krishnamurti — A Cultura e o problema humano

quinta-feira, 11 de julho de 2013

O que é autoconhecimento, e como alcança-lo?

Pergunta: O que é autoconhecimento, e como alcança-lo?

Krishnamurti: Percebem a mentalidade que inspira esta pergunta? Não estou desacatando o interrogante, mas, consideremos essa mentalidade que pergunta: “Como posso obter isso, por quanto posso compra-lo?” O que devo fazer, que sacrifício, que disciplina ou meditação devo praticar a fim de obtê-lo” ? É uma mente mecânica, medíocre, aquela diz: “Farei isto afim de obter aquilo”. As pessoas chamadas “religiosas” pensam desta maneira. Mas, por este caminho, ninguém chega ao autoconhecimento. Vocês não podem compra-lo mediante um certo esforço ou prática. O autoconhecimento vem quando vocês observam a si mesmos nas relações com seus colegas e seus mestres, com todas as pessoas que os cercam; vem ao observarem as maneiras de outrem, seus gestos, seu modo de trajar, de falar, seu desprezo ou lisonja e sua reação; vem quando observam tudo o que se passa em vocês e ao redor de vocês e se veem tal como veem seus rostos num espelho. Quando se olham ao espelho, se veem como são, não é verdade? Podem desejar que a cabeça de vocês fosse de forma diferente, com um pouco mais de cabelo, e que o rosto de vocês fosse um pouquinho menos feio; mas, o fato está na frente de vocês, claramente refletido no espelho, e vocês não podem afastá-lo para o lado, dizendo: “Que belo que sou!”


Ora, se puderem se olhar no espelho das relações da mesma maneira como se olham num espelho comum, então nunca terá fim o autoconhecimento. É como entrar num oceano insondável e sem praias. O mais de nós desejamos alcançar um fim, queremos nos habilitar a dizer: “Alcancei o autoconhecimento e sou feliz”; mas, assim não é, de modo nenhum. Se puderem se olhar sem condenar aquilo que veem, sem se compararem com outra pessoa, sem desejarem serem mais belos ou mais virtuosos; se puderem simplesmente olhar o que são e seguir o caminho de vocês com isso, verão que então é possível ir infinitamente longe. Não há então fim à jornada, e nisso é que consiste o mistério, a beleza do autoconhecimento.

Krishnamurti — A Cultura e o problema humano

quarta-feira, 3 de julho de 2013

Destruindo o poder criador de ilusões

Quase todos nós vivemos num mundo imaginário. Todas as nossas crenças são ilusões, sem validade alguma. E para se despojar a mente de todas as formas de ilusão e do poder de criar ilusões, requer-se percebimento claro e penetrante, capacidade de raciocinar com acerto, sem fugas nem desvios. Um intelecto sem temor, que não se oculta atrás de desejos secretos, um intelecto tranquilo, sem conflito algum — esse intelecto, essa mente é capaz de perceber o que é verdadeiro, de ver se Deus existe. Não me refiro à palavra “Deus”, mas ao que esta palavra representa, algo que transcenda as medidas das palavras e do tempo — se tal coisa existe. Para se descobrir, é óbvio que devem terminar todas as formas de ilusão e o poder de criar ilusões. E despojar a mente de todas as ilusões é, para mim, a propriedade da meditação. Eu sinto que através da meditação se penetra num vasto campo de extraordinários descobrimentos — não invenções, não visões, porém algo inteiramente diferente, realmente existente além do tempo, além das coisas fabricadas pela mente humana em sua busca secular. Se uma pessoa deseja realmente descobrir, por si própria, deverá lançar a base correta, e a base correta é a meditação. O copiar um padrão, o seguir um sistema, o observar um dado método de meditação — tudo isso é extremamente infantil, imaturo demais; é mera imitação e não conduz a parte alguma, ainda que produza visões.

A base correta para se descobrir se existe uma realidade além das crenças que a propaganda inculcou na mente de cada um, essa base só pode ser criada pelo autoconhecimento. O conhecer a si mesmo é, exatamente, meditação. Conhecer a si mesmo não é conhecer o que se deveria ser. Por isso não tem vitalidade, nem realidade, e não passa de mera ideia ideal. Mas compreender o que é, compreender o fato real — o que somos — momento por momento, isso requer que se liberte a mente de seu condicionamento. Pela palavra “condicionamento”, entendo tudo o que a sociedade nos impôs, tudo o que a religião nos inculcou, pela propaganda, pela insistência, pela crença, pelo medo do céu e do inferno. Inclui o condicionamento referente à nacionalidade, ao clima, aos costumes, à tradição, à cultura como francês, hindu ou russo, e às inumeráveis crenças, superstições, experiências que constituem todo o fundo (background) em que vive a consciência e que se consolidou em consequência de nosso desejo de segurança. É a investigação e a destruição desse fundo que constitui a base correta para a meditação.

Sem liberdade não se pode ir muito longe; apenas divagamos para a ilusão, e isso nada significa. Se desejamos descobrir se existe ou não a Realidade, se de fato almejamos levar a cabo este descobrimento — sem ficarmos apenas a brincar com ideias, por mais agradáveis, intelectuais, razoáveis ou aparentemente sensatas que sejam — necessitamos de liberdade, cumpre estar livre de conflito. E isso é dificílimo. É relativamente fácil fugir ao conflito; pode-se seguir um método, tomar uma pílula, um calmante, uma bebida, e perder a consciência do conflito. Mas o penetrar profundamente a questão do conflito requer atenção. (...) só se pode estar atento quando não há barreiras para a mente.(...) Na atenção não há distração. (...) Isso talvez seja algo novo para vocês; mas se o experimentarem em si mesmos, verão que existe uma qualidade de atenção capaz de escutar, de ver, de observar sem nenhum senso de identificação; nela, há visão completa, observação completa, por conseguinte, nenhuma exclusão. (...)Assim, vocês mesmos devem descobrir se é possível, vivendo-se neste mundo — tendo-se de ganhar a vida, de viver a vida de família, com sua entediante rotina diária, suas ansiedades, o “sentimento de culpa” — se é possível penetrar muito profundamente, ultrapassar a consciência e viver sem conflito interior.

O conflito, certamente, existe quando desejamos “vir a ser” alguma coisa. Existe, quando há ambição, cobiça, inveja. E é possível viver neste mundo sem ambição, sem cobiça? Ou o homem está destinado inapelavelmente a ser perpetuamente cobiçoso, ambicioso, “culpado”, etc.? E é possível eliminar tudo isso? Porque, se não for eliminado, não se pode ir muito longe, uma vez que isso restringe o pensamento. E eliminar da consciência todo esse processo de ambição, inveja, cobiça, é meditação. A mente ambiciosa não tem nenhuma possibilidade de saber o que é o amor; a mente debilitada pelos desejos mundanos nunca pode ser livre. Isso não quer dizer que a pessoa deva viver sem teto, sem comida, sem roupa, sem certo grau de conforto físico; significa apenas que a mente ocupada com a inveja, com o ódio, a cobiça — seja a cobiça de conhecimentos, de Deus, seja de mais roupas —  por se achar em conflito, jamais pode ser livre. E só a mente livre pode ir muito longe.

Conhecer a si mesmo é o começo da meditação. Sem conhecerem a si mesmos, o repetir uma quantidade de palavras da Bíblia, do Gita, ou de qualquer dos chamados livros sagrados, não tem nenhuma significação. Isso poderá satisfazer a mente, mas uma pílula dá o mesmo resultado. Pelo repetir uma frase mais e mais vezes, o cérebro torna-se naturalmente quieto, sonolento e embotado; e como resultado desse estado de insensibilidade, de embotamento, pode-se ter alguma espécie de experiência, obter certos resultados. Mas a pessoa continua ambiciosa, invejosa, cobiçosa, e cria inimizade. Assim, o aprender a conhecer a si própria, aquilo que a pessoa realmente é, é o início da meditação. (...)

Se desejo aprender a conhecer-me, descobrir o que realmente sou, tenho de estar vigilante a todas as horas, a todos os minutos do dia, para ver como estou me manifestando. Estar vigilante não é condenar ou aprovar, porém, ver o que somos de momento a momento. Pois o que somos está sempre a se modificar, — não é verdade? — nunca é estático.(...) Para seguir esta coisa a que chamo “eu”, com todas as suas nuanças, suas expressões, seus desvios, suas sutilezas, sua astúcia, a mente deve estar muito clara e vigilante, uma vez que o que sou está sempre mudando, se modificando, não é assim? Eu não sou o mesmo de ontem ou de há um minuto, porque cada pensamento e cada sentimento está modificando, moldando a mente. E se lhes interessa somente condenar ou julgar, de acordo com os seus conhecimentos acumulados, seus condicionamentos, não estão então seguindo a coisa, não estão acompanhando, observando. Por conseguinte, o aprender a se conhecer é muito mais importante do que o adquirir conhecimentos a respeito de si mesmos. Não se pode ter um conhecimento estático a respeito de uma cosia viva(...) uma coisa viva está sempre mudando, sempre sofrendo modificações; ela difere a cada minuto, e vocês têm de segui-la, para conhece-la. Vocês não podem compreender os seus filhos se continuamente os estiverem condenando, justificando, ou com eles se identificando; vocês têm que observá-los, sem julgamento, quando dormem, quando choram, quando brincam — a todas as horas.

Assim, o aprender a conhecer a si mesmo é o começo da meditação; aprendendo a se conhecer, todas as ilusões vão se eliminando. E isso é absolutamente essencial, pois, para descobrir o que é verdadeiro — se existe a verdade, algo imensurável — não pode haver ilusão. E há ilusão quando há desejo de prazer, de conforto, de satisfação... Desejando satisfação, vocês criam a ilusão e aí ficam atolados para o resto da vida. Aí estão satisfeitos; e a maioria das pessoas está satisfeita com o acreditar em Deus. Assusta-as a vida, a insegurança, a agitação, a agonia, a “culpa”, a ansiedade, as misérias e tristezas da vida; assim estabelecem, finalmente algo a que chamam Deus, onde se acolhem. E tendo-se rendido à crença, têm visões, e se tornam santos, etc. Isto não é investigar se existe ou não uma realidade. Ela poderá existir e poderá não existir; compete a vocês descobri-lo. E para o descobrirem, precisam de liberdade no começo e não no fim — livres de todas essas coisas, tais como a ambição, a cobiça, a inveja, a fama, o desejo de ser importante e todas as demais infantilidades.

Desse modo, ao aprenderem sobre a própria pessoa, estão penetrando em si mesmos, não apenas no nível consciente, mas também no nível mais profundo, inconsciente, e trazendo à luz todos os secretos desejos, buscas, impulsos, compulsões. Destrói-se então o poder de criar ilusões, porque está lançada a base correta. Quando a mente, o intelecto, se examina, se observa a si mesmo no movimento do viver, nunca deixando sem exame e compreensão um só pensamento ou sentimento, então tudo isso, em sua totalidade, é percebimento. É estar consciente de si mesmo, inteiramente, sem condenação, sem justificação, sem escolha — como quem olha o próprio rosto no espelho. Você não pode dizer então: “Eu desejava ter um rosto diferente”; ele está lá, tal como é.

E com essa autocompreensão, o intelecto — que é mecânico e está sempre “tagarelando”, reagindo a todas as influências, todos os desafios — se torna muito quieto, embora sensível e vivo. Ele não está morto; tornou-se um intelecto ativo, dinâmico, vigilante, mas, ao mesmo tempo, tranquilo, silencioso, porque nenhum conflito tem. Está em silêncio porque eliminou, compreendeu todos os problemas que criara para si. Afinal, um problema só se torna existente quando uma dada questão não foi bem compreendida. Quando o intelecto examinou e compreendeu perfeitamente a ambição, acabou-se o problema da ambição. E, assim, o intelecto se tranquilizou. (...) Não se pode eliminar a ambição ou a cobiça pouco a pouco; aqui não há “mais tarde” nem “no interim”. Ou a eliminamos totalmente, ou ela de modo nenhum é eliminada. Mas, quando se alcança o ponto em que não há mais cobiça, nem inveja, nem ambição, o intelecto está então extremamente tranquilo, sensível e, portanto, livre — e tudo isso é meditação; e então, mas não antes, pode-se ir mais longe. Ir mais longe, sem se ter chegado a este ponto, é mera especulação, sem nenhuma significação.(...) Uma mente insignificante a buscar o imensurável continua insignificante. Por conseguinte, a mente embotada deve transformar-se. (...) para descobrir isso, a mente deve tornar-se completamente quieta, não mesmerizando a si própria, não por meio de disciplina, repressão, ajustamento; tudo isso significa, apenas, substituir um desejo por outro. (...) Nosso intelecto, nossos pensamentos resultam do tempo; assim, pensar a respeito do atemporal nenhuma significação tem. Só quando o intelecto se tranquilizou, quando já não busca, nem evita, nem resiste, porém se acha totalmente tranquilo por ter compreendido todo este mecanismo, só então nessa tranquilidade, se manifesta uma vida de espécie diferente, um movimento que transcende o tempo. 

Krishnamurti — Paris, 21 de setembro de 1961

terça-feira, 21 de maio de 2013

Autoconhecimento: a porta da liberdade

Pergunta: Tereis a bondade de dizer-nos o que é liberdade? Não é uma ilusão que andamos todos a perseguir?

KRISHNAMURTI: Só desejamos a liberdade quando estamos cônscios de nosso cativeiro; e porque não sabemos como nos libertarmos desse cativeiro, buscamos a liberdade  Mas, se tivermos a capacidade de nos libertarmos do cativeiro, haverá então liberdade; não teremos de procurá-la, nem de perguntar o que é liberdade — isso pode ficar para os filósofos e especuladores. O importante é descobrirmos de que maneira estamos sendo mantidos nesse cativeiro, porque na própria compreensão do cativeiro en­contra-se a liberdade. No momento em que lutamos contra o cativeiro, criamos outro cativeiro. Mas, se pudermos compreender todo o processo psicológico de nosso cativeiro — não apenas o que nos está prendendo, mas como isso nasceu, os motivos, o seu alcance, todo o seu fundo, tanto consciente como inconsciente — então, nesta própria com­preensão, se encontra a liberdade; não temos de "tornar-nos" livres.

Consideremos, por exemplo, o medo. Em geral somos dominados pelo medo, sob esta ou aquela forma; e este é um processo muito complexo, não achais? Sabemos que temos medo e como nasce o medo? Ou apenas tecemos teorias a seu respeito? Por certo, o medo só existe em relação com alguma coisa; não existe sozinho: tenho medo de alguma coisa — da morte, da pobreza, do que se diz de mim, etc. E pode-se examinar, profundamente, este problema do medo? Isso só é possível se não procuro fazer alguma coisa em relação ao medo.

Que é o medo? Medo do desconhecido? Ou temos medo de perder o conhecido — de ficarmos pobres, por exemplo? Pode a mente libertar-se do medo de ser pobre? E a que damos mais importância, à pobreza espiritual ou à pobreza material? Por certo, ao homem que reflete, ao homem realmente empenhado em descobrir o que inte­ressa é a pobreza espiritual. E essa pobreza espiritual pode ser superada pelo saber, pela leitura de livros? Pode a mente enriquecer-se por qualquer espécie de preenchi­mento? E há realmente preenchimento, ou isso é apenas uma exigência da mente, que, temendo sua própria pobre­za, busca preencher-se?

O problema do medo, por conseguinte, não é muito simples e se requer, por parte da mente, muita investi­gação para descobrir a natureza de seu medo. Quando há compreensão de todo o processo do medo, encontra-se a liberdade — não puramente liberdade do medo, porém liberdade para a mente transcender a si própria. O ho­mem que está livre de alguma coisa só conhece uma li­berdade limitada.

Está visto, pois, que a investigação de tudo isso de­manda muita energia, muita atenção, não apenas por uma ou duas horas, mas a todos os momentos do dia — via­jando de ônibus, no escritório, no lar, ou num passeio solitário. Há necessidade dessa constante investigação, de um constante indagar, uma constante vigilância, para que se nos revele todo o conteúdo de nosso ser. Ver-se-á, então, que, no descobrimento e na compreensão do que realmente somos, se nos abre a porta da liberdade. 

Krishnamurti — Verdade libertadora - ICK


domingo, 19 de maio de 2013

Autoconhecimento sem esforço

Pergunta: Pode-se alcançar a compreensão de nós mesmos sem ser pelo esforço consciente?
KRISHNAMURTI: Compreende-se alguma coisa por meio de esforço? Se faço um esforço para compreender o que dizeis, achais que o compreenderei? Toda a minha atenção é aplicada ao esforço, não é verdade? Mas, se se puder escutar sem esforço, então talvez haja possibilidade de compreensão.
Identicamente como posso compreender a mim mesmo  Em primeiro lugar, é claro, não devo presumir coisa alguma a respeito de mim mesmo, não devo ter um retrato mental de mim próprio. Devo observar os meus pensamentos  a maneira como falo, os meus gestos, as minhas crenças, tão naturalmente como observo o meu rosto ao espelho — observar tudo isso, estar cônscio de tudo, sem condenação; porque, quando condeno, dificulta-se a compreensão  Se desejo compreender, tenho de observar; e não posso observar quando condeno. Se desejo compreender uma criança, de nada serve compará-la com seu irmão mais velho, ou condená-la. Tenho de observá-la quando brinca, quando chora, quando come; e só posso observá-la quando não tenho nenhuma tendência a condenar ou avaliar. Do mesmo modo, só posso observar a mim mesmo — não frações de mim mesmo, porém a totalidade de mim mesmo — quando o faço com um percebimento em que não haja escolha, nem condenação, nem comparação.

Krishnamurti - A Verdade Libertadora — ICK

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"Quando você compreende, quando chega a saber,
então traz toda a beleza do passado de volta
e dá a esse passado o renascimento, renova-o,
de forma que todos os que o conheceram
possam estar de novo sobre a terra
e viajar por aqui, e ajudar as pessoas." (Tilopa)



"Nos momentos tranqüilos da meditação, a vontade de DEUS pode tornar-se evidente para nós. Acalmar a mente, através da meditação, traz uma paz interior que nos põe em contato com DEUS dentro de nós. Uma premissa básica da meditação, é que é difícil, senão impossível, alcançar um contato consciente, à não ser que a mente esteja sossegada. Para que haja um progresso, a comum sucessão ininterrupta de pensamentos tem de parar. Por isso, a nossa prática preliminar será sossegar a mente e deixar os pensamentos que brotam morrerem de morte natural. Deixamos nossos pensamentos para trás, à medida que a meditação do Décimo Primeiro Passo se torna uma realidade para nós. O equilíbrio emocional é um dos primeiros resultados da meditação, e a nossa experiência confirma isso." (11º Passo de NA)


"O Eu Superior pode usar algum evento, alguma pessoa ou algum livro como seu mensageiro. Pode fazer qualquer circunstância nova agir da mesma forma, mas o indivíduo deve ter a capacidade de reconhecer o que está acontecendo e ter a disposição para receber a mensagem". (Paul Brunton)



Observe Krishnamurti, em conversa com David Bohn, apontando para um "processo", um "caminho de transformação", descrevendo suas etapas até o estado de prontificação e a necessária base emocional para a manifestação da Visão Intuitiva, ou como dizemos no paradigma, a Retomada da Perene Consciência Amorosa Integrativa...


Krishnamurti: Estávamos discutindo o que significa para o cérebro não ter movimento. Quando um ser humano ESTEVE SEGUINDO O CAMINHO DA TRANSFORMAÇÃO, e PASSOU por TUDO isso, e esse SENTIDO DE VAZIO, SILÊNCIO E ENERGIA, ele ABANDONOU QUASE TUDO e CHEGOU AO PONTO, à BASE. Como, então, essa VISÃO INTUITIVA afeta a sua vida diária? Qual é o seu relacionamento com a sociedade? Como ele age em relação à guerra, e ao mundo todo — um mundo em que está realmente vivendo e lutando na escuridão? Qual a sua ação? Eu diria, como concordamos no outro dia, que ele é o não-movimento.

David Bohn: Sim, dissemos que a base era movimento SEM DIVISÃO.

K: Sem divisão. Sim, correto. (Capítulo 8 do livro, A ELIMINAÇÃO DO TEMPO PSICOLÓGICO)


A IMPORTÂNCIA DA RENDIÇÃO DIANTE DA MENTE ADQUIRIDA
Até praticar a rendição, a dimensão espiritual de você é algo sobre o que você lê, de que fala, com que fica entusiasmado, tema para escrita de livros, motivo de pensamento, algo em que acredita... ou não, seja qual for o caso. Não faz diferença. Só quando você se render é que a dimensão espiritual se tornará uma realidade viva na sua vida. Quando o fizer, a energia que você emana e que então governa a sua vida é de uma frequência vibratória muito superior à da energia mental que ainda comanda o nosso mundo. Através da rendição, a energia espiritual entra neste mundo. Não gera sofrimento para você, para os outros seres humanos, nem para qualquer forma de vida no planeta. (Eckhart Tolle em , A Prática do Poder do Agora, pág. 118)


O IMPOPULAR DRAMA OUTSIDER — O encontro direto com a Verdade absoluta parece, então, impossível para uma consciência humana comum, não mística. Não podemos conhecer a realidade ou mesmo provar a existência do mais simples objeto, embora isto seja uma limitação que poucas pessoas compreendem realmente e que muitas até negariam. Mas há entre os seres humanos um tipo de personalidade que, esta sim, compreende essa limitação e que não consegue se contentar com as falsas realidades que nutrem o universo das pessoas comuns. Parece que essas pessoas sentem a necessidade de forjar por si mesmas uma imagem de "alguma coisa" ou do "nada" que se encontra no outro lado de suas linhas telegráficas: uma certa "concepção do ser" e uma certa teoria do "conhecimento". Elas são ATORMENTADAS pelo Incognoscível, queimam de desejo de conhecer o princípio primeiro, almejam agarrar aquilo que se esconde atrás do sombrio espetáculo das coisas. Quando alguém possui esse temperamento, é ávido de conhecer a realidade e deve satisfazer essa fome da melhor forma possível, enganando-a, sem contudo jamais poder saciá-la. — Evelyn Underhill