Pergunta: É possível educarmos os
nossos filhos sem condicioná-los, e, se o é, de que maneira? Se não existe, uma
coisa tal, como “condicionamento bom” e “condicionamento mau”? Tende a bondade
de responder incondicionalmente (risos).
Krishnamurti: É possível educar
as crianças, sem condicioná-las? Achais possível? Eu não acho. Tende a bondade
de escutar; vamos investigar juntos. Antes, porém, liquidemos a última parte da
pergunta — se há “bom condicionamento” e “mau condicionamento”. Por certo, há
apenas condicionamento, sem que seja “bom” ou “mau”. Podeis achar que é um “bom
condicionamento” crer em Deus, mas na Rússia comunista dir-se-á que é um “mau
condicionamento”. O que chamais “bom condicionamento” outro poderá chamar de mau,
o que é um fato muito óbvio. Esta questão, portanto, pode ser liquidada muito
facilmente.
Resta a outra questão: Pode-se
educar as crianças, sem condicioná-las, sem influenciá-las? Ora, tudo o que as
cerca está a influenciá-las. O clima, a alimentação, as palavras, os gestos, as
conversas, as reações inconscientes, as outras crianças, a sociedade, as escolas,
os livros, as revistas, os cinemas — tudo está a influenciar a criança. E
pode-se acabar com tal influência? Impossível, não achais? Podeis não desejar
influenciar, condicionar, o vosso filho; mas, inconscientemente, o estais
influenciando, não estais? Tendes as vossas crenças, vossos dogmas, vossos
temores, vossos princípios morais, vossos planos, vossas ideias sobre o que é
bom e o que é mau, e, assim, consciente ou inconscientemente, estais moldando a
criança. E se vós não o fazeis, a escola o fará, com os seus livros de
História, que falam dos heróis maravilhosos que nós temos e outros povos não
têm, etc. etc. Tudo isso está a influenciar as crianças, e, portanto,
precisamos, em primeiro lugar, reconhecer este fato evidentemente.
O problema, agora, é este:
podemos ajudar a criança a desenvolver-se para investigar inteligentemente
todas as influências? Estais compreendendo? Sabendo-se que a criança está
influenciada por tudo o que a cerca, tanto no lar como na escola, pode-se-lhe
prestar a necessária assistência, a fim de a capacitarmos a investigar todas as
influências e nunca se deixar dominar por nenhuma delas? Se tendes realmente a
intenção de ajudar o vosso filho a investigar todas as influências, a vossa
tarefa será dificílima, não é verdade? Porque isso exige não só o exame de
vossa própria autoridade, mas de todo o problema da autoridade, do nacionalismo,
da crença, da guerra, do militarismo — um exame completo da coisa, o que
significa: cultivar a inteligência. E quando existe essa inteligência e a mente
já não aceita nenhuma autoridade nem se deixa ajustar, por medo, aos padrões
vigentes — então, toda influência é devidamente examinada e posta a parte. Por conseguinte,
a mente não fica condicionada. Ora,
isto é possível, não? E a função da educação não consiste, justamente, em
cultivar esta inteligência, que é capaz de examinar objetivamente qualquer
influência, de investigar todo o “background” ¹, tanto
nos níveis imediatos como nos mais profundos, de modo que a mente nunca esteja
sujeita a condicionamento algum?
Afinal de contas, todos estamos
condicionados pelo nosso “background”; nós somos esse “background”, constituído
pela nossa tradição cristã, por essa extraordinária vigilância por parte da
mente, não é exato? O homem religioso não é americano, nem inglês, nem hindu, e sim um ente humano; não pertence a nenhum
grupo, raça ou cultura, e por conseguinte é livre para descobrir o que é
verdadeiro, o que é Deus. Cultura alguma pode ajudar o homem a descobrir o Verdadeiro.
As culturas só criam organizações pata agrilhoar o homem. Importa, por
conseguinte, investigar tudo isso, não só o condicionamento consciente, mas
também — o que é muito mais importante — o condicionamento inconsciente da
mente.
E o condicionamento inconsciente
não pode ser examinado superficialmente pela mente consciente. Só quando a
mente está de toda quieta, pode ser revelado o condicionamento inconsciente —
não num dado momento, mas a qualquer hora: quando damos um passeio a pé, ou
viajamos num ônibus, ou conversamos com um amigo. Havendo a intenção de
descobrir, ver-se-á que o condicionamento inconsciente sairá aos jorros, e
estarão assim abertas as portas para o descobrimento.
Krishnamurti — Realização sem
esforço – pág. 70 à 73 — 20 de agosto de 1955