O pensamento, sendo limitado,
cria problemas — divisões nacionais, econômicas e religiosas; depois, o
pensamento diz: “devo resolvê-los”. Desse modo, o pensamento está sempre
funcionando na resolução dos problemas...
A nossa consciência foi
programada como consciência individual. Estamos questionando se essa
consciência, que aceitamos como individual, é, na realidade, individual. Não
digam: “O que acontecerá se eu não for um indivíduo?” Algo completamente
diferente pode acontecer. Vocês podem ter um treinamento individual para uma
ocupação particular, ter um treinamento individual para uma ocupação particular,
uma profissão particular podem ser um cirurgião, um médico, um engenheiro, mas
isso não os torna um indivíduo. Vocês podem ter um nome diferente, uma forma
diferente — isso não faz a individualidade; nem a aceitação de que o cérebro,
através do tempo, afirmou: “eu sou um indivíduo, é meu desejo me realizar, vir
a ser pela luta”. Essa assim chamada consciência individual, que é a de vocês,
é a consciência de toda a humanidade.
Se as suas consciências, que
vocês aceitaram como separadas, não são separadas, então qual será a natureza da nossa consciência? Parte delas são as
respostas sensórias. Essas respostas sensórias são, naturalmente,
necessariamente programadas para defendê-los da fome, para procurar por
alimento, para respirar, inconscientemente. Biologicamente, vocês são
programados. Então, o conteúdo das suas consciências, inclui as muitas lesões e
ferimentos que vocês receberam na infância, as muitas formas de culpa; ela
inclui as várias ideias, certezas imaginárias; as muitas experiências, tanto
sensórias como psicológicas; há sempre a base, a raiz do medo em suas várias
formas. Com o medo, naturalmente, surge o ódio. Onde há medo deve haver
violência, agressão, a extraordinária ânsia de ser bem-sucedido, tanto no mundo
físico quanto no mundo psicológico. No conteúdo da consciência, há a constante
perseguição do prazer; o prazer da posse, da dominação, o prazer do dinheiro
que dá o poder, o prazer de um filósofo com o seu imenso conhecimento, o prazer do guru com o seu circo. O
prazer, ademais, tem inúmeras formas. Também há a dor, a ansiedade, o profundo
sentido de enfrentar a solidão e a dor, não apenas a assim chamada dor pessoal,
mas também a enorme dor produzida pelas guerras, pela negligência, por essa
interminável conquista de um grupo de pessoas por outro grupo. Nessa
consciência há os conteúdos racial e de grupo; e, finalmente, há a morte.
Esta é a nossa consciência —
crenças, certezas e incertezas, ansiedades, solidão e a interminável miséria. Estes
são os fatos. E dizemos que esta consciência é minha! É mesmo? Vão ao Extremo
Oriente ou ao Oriente Próximo, à América, à Europa, a qualquer lugar onde estão
os seres humanos; eles sofrem, são ansiosos, solitários, deprimidos,
melancólicos, estão lutando em conflito — eles são iguais a você. Desse modo, a
sua consciência é diferente da do outro? Eu sei que é muito difícil as pessoas
aceitarem — vocês podem aceitar isso logicamente; intelectualmente vocês podem
dizer: “Sim, talvez seja assim”. Mas ter esta sensação total de que vocês são o
resto da humanidade exige uma grande dose de sensibilidade. Não é um problema a
ser resolvido. Não é que vocês devam aceitar que não são um indivíduo, mas
devem se esforçar para sentir essa entidade humana global. Se assim o fizerem,
vocês o transformam num problema que o cérebro fica completamente disposto a
tentar resolver! Mas se vocês realmente o olharem com a mente, com o coração,
com todo o seu ser totalmente cônscio desse fato, então vocês apagarão o
programa. Ele ficará naturalmente apagado. Mas se vocês disserem: “Eu vou apaga-lo”,
então, vocês estarão novamente de volta ao mesmo modelo... Vocês podem ter
examinado lógica, razoável e sensatamente a questão e descoberto que assim é,
mas o cérebro, que está programado para o sentido de individualidade, vai se
revoltar contra isso (o que vocês estão fazendo agora). O cérebro reluta em
aprender. Enquanto o computador irá aprender porque nada tem a perder. Mas aqui
estão vocês, com medo de perder alguma coisa. (10)
(...) pela experiência, nós
adquirimos conhecimento; pelo conhecimento, memória; a resposta da memória é o
pensamento, então, do pensamento, vem a ação; com essa ação vocês aprendem
mais, e assim o ciclo se repete. Esse é o padrão de nossa vida. Essa forma de
aprendizagem nunca solucionará os nossos problemas, porque é repetição. Nós
adquirimos mais conhecimento, o que pode levar à uma melhor ação, mas essa ação
é limitada e nós continuamos a repetir isso. A atividade proveniente desse
conhecimento não solucionará os nossos problemas humanos. Nós não os
solucionamos; é tão óbvio. Depois de milhões de anos, nós não solucionamos os
nossos problemas: estamos nos arruinando mutuamente, estamos competindo uns com
os outros; nós nos odiamos, queremos ser bem-sucedidos, todo o modelo é
repetido desde o tempo que o homem surgiu e ainda estamos nisso. Façam o que
quiserem de acordo com este modelo e nenhum problema humano será solucionado,
sela ele político, religioso ou econômico, porque é o pensamento que está operando. (11)
(...) O modo como estamos vivendo
há milhões de anos tem sido a repetição do mesmo processo de adquirir
conhecimento e de agir a partir desse conhecimento. Essa ação e esse
conhecimento são limitados. Essa limitação cria problemas e o cérebro acostumou-se
a solucionar os problemas que o conhecimento criou repetidamente. O cérebro
fica preso a esse modelo e estamos dizendo que esse modelo jamais, em quaisquer
circunstâncias, solucionará os nossos problemas humanos. É óbvio, nós não os
solucionamos até agora. Deve haver um movimento diferente, totalmente
diferente, uma ação perceptiva
não-acumulativa. Ter uma percepção não-acumulativa é não ter nenhum
preconceito. É não ter absolutamente nenhum ideal, nenhum conceito, nenhuma fé
— porque tudo isso destruiu o homem; isso não solucionou os nossos problemas.
Assim, vocês têm um preconceito?
Têm um preconceito que tem algo em comum com um ideal? Naturalmente. Os ideais
existem para serem consumados no futuro e o conhecimento torna-se
extraordinariamente importante na realização dos ideais. Assim, por acaso vocês
são capazes de observar sem a acumulação, sem a natureza destrutiva do
preconceito, dos ideais, da fé, da crença e das suas próprias conclusões e
experiências? Há a consciência de grupo, a consciência nacional, a consciência linguística,
a consciência profissional, a consciência racial, e há o medo, a ansiedade, o
pesar, a solidão, a procura do prazer, do amor e, finalmente, a morte. Se vocês continuarem a agir dentro desse
círculo manterão a consciência humana do mundo. Percebam só a verdade
disto. Vocês são parte dessa consciência e a sustentam dizendo: “Eu sou um
indivíduo. Meus preconceitos são importantes. Os meus ideais são essenciais.”
Repetindo a mesma coisa vezes sem conta. Agora, a manutenção, a sustentação e a
nutrição dessa consciência acontecem quando vocês repetem esse modelo. Mas
quando vocês se livram dessa consciência, estão introduzindo um fator totalmente
novo no todo dessa consciência.
Agora, se entendemos a natureza
da nossa consciência, se percebemos o modelo como ela está operando neste
interminável ciclo do conhecimento, da ação e da divisão — uma consciência que
tem sido sustentada há milênios — se percebemos a verdade de que tudo isto é
uma forma de preconceito, e nos livramos dele, introduzimos um fator novo no antigo. Isto quer dizer que você,
como um ser humano que faz parte da consciência do restante da humanidade, pode afastar-se do antigo modelo de
obediência e aceitação. Este é o momento verdadeiramente decisivo da sua
vida. O homem não pode continuar repetindo o modelo; ele perdeu o seu significado
— no mundo psicológico, ele perdeu totalmente o seu significado. Se vocês se
realizam, quem se importa? Se vocês se tornam santos, que importância tem isso?
Enquanto que, se vocês se afastam
totalmente do modelo, afetam toda a consciência da humanidade. (12)
14 de julho de 1981
Krishnamurti, em :
(10) A rede do pensamento – pág. 22 à 24
(11) A rede do pensamento – pág. 25
(12) A rede do pensamento – pág. 26 à 28