Ao vos observardes interiormente, não descobris dois princípios ativos: o medo e o prazer? Não vedes que o prazer assume formas diferentes — ora é busca de Deus, ora desejo de ser pessoa importante, politicamente ou a outros respeitos? E não vedes também em ação, dentro de vós mesmo, o princípio do medo? Temos, pois, estas duas coisas. De uma, o prazer, queremos mais, da outra, o medo, queremos menos. Ora, neste momento, sentado neste salão e ouvindo esta palestra, não estais sentindo nenhum medo; podereis senti-lo mais tarde, após vos retirardes. Embora, no fundo, ele sempre exista latentemente, não podeis provocá-lo, a fim de observá-lo. Não podeis dizer: "Vou ficar com medo, para olhar esse estado"; mas podeis, pela compreensão do apego, compreender o que significa "ter medo". Como dissemos, o medo e o prazer constituem nossos principais movimentos — movimentos contraditórios, em nossa vida; e porque, inconscientemente, tendes medo, vos tornais apegado, dependente de alguma pessoa — vossa mulher, vosso marido, ou vosso guru. E quando dependeis de outra pessoa psicologicamente, interiormente, e nela buscais consolação, amparo, por causa dessa dependência precisais possuir a pessoa, dominá-la ou submeter-vos ao seu domínio. E, ao observardes que sois dependente, podeis perceber que a fonte dessa dependência é o medo — medo de estar só, medo de errar, de não seguir o caminho certo, medo de ficar sem a consolação, sem a companhia de alguém, de não poder amparar-se em ninguém. Assim, por meio da dependência, podeis, neste momento, aqui neste salão, descobrir que realmente estais com medo. Sem precisardes provocar o medo, descobris que, basicamente, tendes medo. Estamos em comunhão? Estar em comunhão, como já dissemos, é compartilhar um problema de interesse comum. Nosso problema comum é este. Outrossim, quando dependeis de uma pessoa, não há só medo, mas também, inevitavelmente, ciúme, ansiedade.
Eis, pois, o que a dependência implica. Ora, temos possibilidade de libertar-nos dessa dependência? Porque, em geral, nós gostamos de ser possuídos. Já não notastes isso? Gostamos de pertencer a alguém, de pertencer a um grupo, de comprometer-nos a seguir um certo padrão de ação, para termos o sentimento de estar vivendo virtuosamente. Deste modo, observando bem a dependência, podeis ver, por vós mesmo, que na base dela está o medo. Somos, assim, levados a perguntar: Temos possibilidade de libertar-nos desse medo, não apenas do medo e da dependência superficiais, existentes nas relações, mas do medo profundamente radicado em nós? Estais fazendo junto comigo esta pergunta? Isto é, podeis vós, como ente humano, libertar-vos completamente do medo? Porque, se um homem teme, faz as coisas mais irracionais que se podem imaginar. Com medo, um homem está como que desequilibrado, num estado de neurose e, portanto, incapacitado de pensar com clareza, de observar com exatidão. Já não notastes que o medo torna a vida sombria, opressiva, uma carga insuportável, uma tortura? E, não sabendo dissolvê-lo, fugis mediante os maiores absurdos.
Há o medo à dor física. Há anos, ou dias, sofrestes dor física, dores lancinantes ou superficiais. A dor que sofrestes há dois anos ou há dois dias deixou, em vosso cérebro, a marca, isto é, a "memória" dela, e não desejais que ela retorne. Que sucede? Tendo sentido a dor física, não desejais que ela se repita. Tendes a ideia de que ela pode voltar, e essa ideia gera medo. Pensais na dor de ontem ou de há dois dias e não desejais tornar a sofrê-la. O pensamento, que é a reação da memória, diz: "Não quero tornar a sentir essa dor." Assim, psicologicamente, a dor continua existente; não podeis esquecê-la. O pensar na dor passada mantém viva essa dor, e quanto mais pensais nela, mais forte se torna a "memória" dela e o medo de tornardes a senti-la.
O pensamento, pois, gera medo. Posso perder meu emprego; esse "posso" está no futuro: penso isso, portanto, sinto medo. Penso na morte, e esse pensamento me faz medo. Assim, como dissemos, o pensamento gera medo, não só medo do passado, mas também medo do futuro. Se não compreenderdes bem este ponto, nunca ficareis livre do medo. Vamos, pois, verificar juntos se podeis libertar-vos totalmente do medo. Sereis, então, um homem livre e largareis todos os vossos gurus; sereis capaz de pensar, de ver, de viver, em plena claridade, num estado extático. Desse modo, cabe-vos compreender a fundo esta questão.
Como vimos, o pensamento tanto dá continuidade à dor psicológica como à dor física. Experimentastes ontem um grande prazer sensorial — um prazer sexual ou o prazer de ver uma bela árvore, sua forma, beleza, dignidade, sua pujança, ou um belo pôr do Sol. Esse prazer se registrou em vosso cérebro. Ao admirardes o ocaso — se alguma vez vos dais ao trabalho de olhá-lo —, no momento dessa experiência, não pensais: "Preciso repeti-la." Só há a experiência; mas, um segundo após, exclamais "Que bela coisa! Quero repeti-la".
Esse desejo de repetição é o começo do prazer. Compreendeis? O desejo da repetição de um incidente que proporcionou deleite, o buscá-la, o exigi-la, é prazer, e este, por sua vez, é pensamento. Isto é, ver o pôr do Sol, depois, pensar nele e desejar a repetição dessa experiência — isso é prazer, não? O mesmo acontece em relação ao prazer sexual: o desejo de repetição, a imagem, o pensar nesse prazer, o ruminá-lo e desejá-lo de novo. Por conseguinte, o pensamento, o pensar, tanto gera o medo como o prazer. Mas se, depois de sentirdes a dor física, a derdes por terminada, dela não fizerdes nenhum registro, ela não terá continuidade — a continuidade produzida pelo pensar a seu respeito.
Vou agora examinar este ponto. Tende a bondade de escutar. Visto que somos entes humanos, e não meros animais, cumpre-nos viver inteligentemente — viver uma vida maravilhosa e de beleza, e não cheios de ansiedades, de sentimentos de "culpa", frustração, medo — medo que se expressa de diferentes maneiras: medo do escuro, medo da morte, medo de perder dinheiro, medo de não podermos tornar-nos pessoas importantes ...
Como dissemos, o pensamento nutre, sustenta e dá continuidade ao medo e ao prazer. Ora, perguntamos: Porque é que o pensamento, que tantas maravilhas criou neste mundo — uma admirável tecnologia, miraculosos medicamentos, ciências várias — porque é que esse mesmo pensamento gera e mantém vivos o medo e o prazer? Assim, que é o pensamento, quando deve ele funcionar total e racionalmente, e quando deve estar completamente quieto? O pensamento é a reação da memória, do conhecimento, da experiência, armazenados no cérebro; essa memória, essa reação, é pensamento. A memória, a inteligência, o conhecimento, criaram o foguete que foi à Lua, criaram verdadeiras maravilhas tecnológicas, o avião, tantas coisas extraordinárias e, no entanto, esse mesmo pensamento dá continuidade ao medo, esse mesmo pensamento busca o prazer, e esse mesmo prazer se torna medo. Percebeis a dificuldade? Necessitais do pensamento para "funcionardes" racional, objetiva, logicamente e, ao mesmo tempo, vedes que o pensamento está sempre a causar medo.
Cabe-nos, pois, descobrir por que razão o pensamento interfere (se posso usar o verbo "interferir") sempre que há uma experiência de prazer ou de dor; por que razão, quando experimentamos qualquer coisa, quando temos dor física ou moral, o pensamento "interfere" e dela se apodera. Porque isso? Estais também fazendo esta pergunta? Vós compreendeis o problema, não? Para ser capaz de falar inglês, preciso de abundantes conhecimentos dessa língua, preciso da memória, etc.; e o pensamento se serve dessa memória das palavras inglesas para comunicar qualquer coisa. O pensamento, pois, está fazendo uso desses conhecimentos, mas faz também uso do conhecimento que gera medo, do conhecimento da dor sentida ontem, do conhecimento do prazer ontem experimentado.
E, assim, perguntamos: Porque é que o pensamento está sempre evitando o medo e apegando-se ao prazer? Essa é uma das questões. E a outra é esta: Porque é que o pensamento interfere sempre que há uma experiência? Compreendeis? Tenho a experiência do pôr do Sol e, nesse momento, nenhum pensamento existe; estou simplesmente a olhar aquela luminosa beleza. Vem, depois, o pensamento: "Quero repetir esta experiência amanhã" — isto é, o conhecimento da experiência de prazer faz-me desejar a sua repetição. Senti dor; a lembrança dessa dor é conhecimento e, de acordo com esse conhecimento, ou nele firmado, digo: "Não a desejo." Entendeis? Isso o pensamento está fazendo a todas as horas, sempre funcionando entre o prazer e a dor. E o pensamento é responsável pela existência de ambos.
Assim, por um lado, o conhecimento é essencial, sem ele não poderíeis voltar para casa, não poderíeis falar vossa língua, nem inventar coisas, nem erguer construções, se sois arquiteto, etc. O conhecimento é essencial, mas também é certo que o conhecimento da dor ontem sofrida gera medo. Cabe-vos, pois, descobrir por vós mesmos o que é que está em ação quando ausente o pensamento.
Se me vindes acompanhando desde o começo, observando tudo o que estamos mostrando, então, vossa mente se tornou sensível, desperta, cônscia do problema inteiro, de modo que podeis vê-lo diretamente e compreendê-lo instantaneamente — instantaneamente, e não por meio de análise. Vossa mente, portanto, se tornou inteligente, porque se tornou sensível ao problema que antes evitava. Sois agora sensíveis ao problema do medo e do prazer e, por conseguinte, o estais observando. A mente que está observando o medo e o prazer nada aprendeu antes sobre eles: está aprendendo agora.
Vede, senhores, eu desejo de todo o coração transmitir-vos esta coisa, a fim de que, ao sairdes daqui, sejais entes humanos novos, entes humanos vivos e não eternamente dominados pelo medo.
Vede, senhor, se estais aprendendo uma coisa, digamos a língua russa ou italiana, vós não a sabeis, estais aprendendo-a por conseguinte, dela vos aproximais como de uma coisa nova. Vós não sabeis o italiano ou o russo; só o sabereis depois de acumulardes conhecimentos dessa língua, mas, no começo, nada sabeis. Ora, vós pensais conhecer o medo, pensais conhecer o prazer, mas na realidade nada sabeis a seu respeito. Portanto, estais aprendendo agora; percebeis a diferença? Por conseguinte, a mente que está aprendendo é uma mente inteligente, e não aquela que diz: "Aprendi" ou "Sei o que é o medo". Isto é, a mente que está aprendendo é inteligente; e não é inteligente a mente que diz: "Ensinai-me, vós sois meu guru. Eu vos obedecerei, estou disposto a pôr-me de pernas para o ar, a dançar, a fazer o que mandardes, a fim de ir para o céu." Essa é uma mente entorpecida, incapaz de aprender; é uma mente morta, neurótica. Mas a mente que está aprendendo diz: "Eu não sei, vou observar o medo pela primeira vez, vou observar o apego pela primeira vez, vou observar pela primeira vez o que o prazer é realmente." Ora, como vedes, quando estais aprendendo, a mente está desperta. A mente desperta é uma mente inteligente, e essa inteligência é que vos dirá quando se deve e quando não se deve fazer uso do conhecimento.
Vede, senhor, eu quisera que estivésseis aqui, no meu lugar, e eu estivesse aí, no vosso lugar; porque este que vos fala, senhor, não leu livro nenhum sobre esta matéria, nem Gita, nem Upanishads, nenhum dos livros filosóficos ou psicológicos que tratam da psique humana. Cada um tem de descobrir a Verdade por si próprio. A Verdade não é uma coisa "em segunda mão". Não podeis adquiri-la por intermédio de um guru, de um livro. Para conhecê-la, tendes de aprender; compreendeis, senhor: aprender? E a beleza do aprender é o "não saber". Vós não sabeis o que é a Verdade. Não tenhais a pretensão de sabê-lo, não citeis o que outro disse. Na realidade, vós não o sabeis e, por si próprio. A Verdade não é uma coisa "de segunda mão", descobrirdes, precisais de paixão, de "intensidade". Inteligente, pois, é a mente que está aprendendo, e não aquela que repete o que aprendeu, ou a mente escravizada a um hábito, ou a que diz:
"Tenho medo e não sei o que fazer a esse respeito", e tampouco a mente que diz: "Quero prazer, cada vez mais prazer."
O aprender, pois, traz inteligência e, se agora estais realmente aprendendo, não de mim, tendes então essa extraordinária inteligência que não se adquire de livro nenhum.
Krtishnamurti — O Novo Ente Humano — ICK — páginas 156 à 161