
Krishnamurti: Está-se morrendo de fome na Ásia; lá há miséria, pobreza, doença, coisas terríveis que vocês desconhecem completamente por aqui. Mas, quem é o responsável? Como sabem, graças à automação, ao aperfeiçoamento do computador, à cibernética, etc., a ciência está hoje em dia apta a libertar o homem das canseiras de certos trabalhos. A ciência tem a possibilidade de fornecer alimentos, roupas e teto a todo o mundo; mas, por que não se faz isso? Não diga que concorda comigo, pelo amor de Deus! Olhe! É porque somos nacionalistas. A glória da França, o estilo de vida dos americanos, o nacionalismo indiano, o nacionalismo africano, o imperialismo dos comunistas, bem como o dos capitalistas — todas essas coisas estão dividindo os homens economicamente. E, religiosamente, os homens estão separados por suas crenças. Aqui, no Ocidente, vocês acreditam no catolicismo, num certo Salvador, e em toda a Ásia, não se acredita em nada disso. Lá eles têm as suas próprias crenças. Estão, pois, os homens separados pelo nacionalismo, pelo racismo, pelas pressões econômicas, pela chamada religião. E todos nós somos responsáveis por isso, não? Vocês são nacionalistas, sentem orgulho de ser inglês, possuem muito orgulho de suas tradições, como francês — e sabe Deus o que mais. É isso o que está separando os homens, não? Por conseguinte, você e eu só deixaremos de ser responsáveis pelas dores do mundo quando estivermos livres no nacionalismo, do racismo, quando dentro de nós houver ordem.
Por outras palavras, nós somos entes humanos e não indivíduos. A individualidade é uma ideia antiquada, uma ideia insensata. Somos seres humanos, carregados dos problemas de todos os outros entes humanos, onde quer que vivam — na Europa, na Ásia ou na América. Mas se, como ente humano, compreendo a integral estrutura de minha sociedade, de minha norma de vida, com seus problemas, etc., estou então livre dessa imagem. Consequentemente, torna-se existente a ordem, e deixo de ser responsável pelas misérias do mundo. Estou fora da sociedade e assim, apto a ajudar a sociedade. Não desejo reforma-la. Compreendem? Devemos desembaraçar-nos, libertar-nos da sociedade, a fim de que surja um novo grupo humano e, por conseguinte, possa ser formada uma nova estrutura social. Não se pode reformar a velha sociedade; isso é retrocesso.
Krishnamurti - O descobrimento do amor
Krishnamurti - O descobrimento do amor