Quando a mente pessoal é despojada de suas memórias e expectativas, quando todas as impressões dos sentidos e pensamentos se desprendem dela inteiramente, ela entra então na esfera do Nada, vazio e inominável.(...)
Um fato extraordinário e útil é que, fazendo da Mente o objeto de nossa atenção, não só a serenidade, que é a sua natureza, começa a surgir por si mesma, como também o seu próprio caráter imutável e firme ajuda espontaneamente a repelir todos os pensamentos perturbadores.
Tudo o que o aspirante sabe e experimenta são coisas deste mundo dos cinco sentidos. O Eu Superior não está dentro da sua esfera de operação e, portanto, não está destinado a ser conhecido e vivenciado da mesma forma. Eis porque ingressar nele pela primeira vez tem de ser, necessariamente, o mesmo que ingressar no nada. O fenômeno e os enlevos místicos só acontecem na jornada para esse vazio.
Quando o aspirante atinge o estado de vazio, todos os pensamentos cessam, porque então o PENSAMENTO PURO se pensa sozinho.
O que aqui chamamos de Vazio, segundo a tradição mongólico-tibetana, não é diferente do que o espanhol São João da Cruz chamou de "completo desapego e vacuidade de espírito". Trata-se de banir da mente todas as impressões, de eliminar toda experiência lembrada ou imaginada, de rejeitar toda ideia que, mesmo psiquicamente, se refira aos cinco sentidos e ao ego; finalmente, trata-se de uma perda de identidade pessoal.
Podemos perceber agora uma razão adicional para explicar por que todos os grandes instrutores prescreveram a negação de si mesmo, pois nesse ponto crucial de concentração aperfeiçoada, quando os sentidos estão quietos e o mundo exterior parece remoto, o místico deve renunciar aos seus pensamentos em favor do PENSAMENTO PURO. Ele pode fazer isso somente através de um ato de rendição, que permite que todo o seu senso de personalidade — tudo o que constitui o que ele acreditava ser o "eu" — saia da sua mente como o último de seus pensamentos, para desvanecer num Vazio. Ele deve dar um salto abrupto, penetrando na identificação de si mesmo com o Pensamento sem pensamento, impessoal, puro, e amplo. Ele tem de desistir do último de todos os pensamentos — que é o pensamento do "eu" — e aceitar em troca o que quer que possa vir a ele do grande Desconhecido. O medo de que, com esse salto, ele possa ameaçar de tal modo sua própria vida que venha a mergulhar em completa aniquilação surge e domina-o por um tempo. Isso naturalmente faz com que ele se agarre ainda mais ao seu sentido de personalidade. Por que então admirar-nos de que todo estudante se retraia dessa ordem?
Os estudantes recuam amedrontados ante o conceito de um grande vazio, que não lhes deixa nada, humano ou divino, a que possam agarrar-se. Quanto mais irão recuar, não diante de um mero conceito, mas de uma experiência verdadeira pela qual têm de passar pessoalmente! No entanto, isso é um acontecimento que, embora não seja o último caminho supremo, ultramístico, os estudantes não podem evitar nem dele escapar. Essa é uma prova que deve ser suportada, ainda que para o estudante que se tenha resignado à aceitação da verdade, qualquer que seja a face que ela apresente — e que, consequentemente, já compreendeu o vazio intelectual tanto da Matéria quanto da Personalidade — essa experiência não assumirá a forma de uma prova, mas sim de uma aventura. Depois dessa rara compreensão, ELE EMERGIRÁ COMO UM HOMEM DIFERENTE. Daí em diante saberá que nada que tenha um formato, ninguém que possua uma forma, nenhuma voz, exceto aquela que não tenha som, jamais poderá ajudá-lo de novo. Ele saberá que toda a sua confiança, toda a sua esperança e todo o seu coração estão agora e para todo o sempre destinados a se renderem incondicionalmente a esse VAZIO que, misteriosamente, não será mais um VAZIO para ele, PORQUE ESSE VAZIO É DEUS.
Paul Brunton
Paul Brunton