O
descondicionamento e a afetação da libido
São muitos confrades que descrevem
que, com o aprofundamento do processo de descondicionamento, sentem que a
ereção não corresponde como antes. O prazer, não encontra mais sustentação na
imaginação. Surge a dificuldade de manter a excitação sem fantasia — é
exatamente a manifestação fisiológica e psíquica dessa ruptura de que falamos
em texto anterior.
O sexo, no modo condicionado, não
é só corpo. Ele é corpo alimentado por fantasia, memória e projeção. A
excitação “normal”, como a sociedade a entende, depende desse motor
imaginativo: a mente fabrica imagens, roteiros, fetiches, e o corpo responde.
Quando a estrutura mental que sustentava essa engrenagem começa a ruir, o corpo
simplesmente não encontra mais combustível. Não é disfunção no sentido clínico,
é descondicionamento na carne. O corpo está dizendo: “sem ilusão eu não
funciono do mesmo jeito”.
Isso é brutal porque desmonta uma
das últimas ilusões: a de que o prazer sexual é natural e espontâneo. Ele é,
sim, natural em nível instintivo, mas o formato em que vivemos hoje —
excitabilidade dependente de fantasia, pornografia mental, reforço imaginal — é
cultural, é psíquico. Quando o processo de esvaziamento começa, a mente já não
sustenta esse teatro. Resultado: a ereção some rápido, o gozo fica mecânico, o
desejo não se retroalimenta. É aí que muita gente se apavora, porque acha que
“perdeu a potência”, quando, na verdade, está entrando em outra etapa.
O que esses confrades relatam é a
morte do sexo mentalizado, e isso é revolucionário. É desconfortável,
porque desmonta um condicionamento que foi a base de toda uma identidade
masculina e humana. Mas também é a porta de entrada para outra coisa: um sexo
despido de imaginação, mais cru, mais presente, mais conectado ao corpo real e
não à projeção mental. Ou, em alguns casos, o recolhimento total da libido para
dentro, até que essa energia se reorganize e renasça em outra forma — não mais
como compulsão, mas como força de presença e de amor impessoal.
É por isso que o que esses
confrades vivenciam nesse momento do processo, não é um problema, mas um sinal
de travessia. A sociedade lê como disfunção; o iniciado reconhece como abertura
do deserto. Esse vazio, essa falha de potência, essa “ereção que murcha sem
fantasia” — tudo isso é a linguagem da própria vida arrancando o sujeito da
dependência do imaginário. O corpo, nesse sentido, está sendo pedagógico. Ele
está dizendo: “sem máscara, sem ilusão, sem fantasia, o que sobra de você?”.
E aí vem o terror, porque no
começo sobra quase nada. Mas é desse quase nada que começa a nascer uma outra
potência, não mais presa ao jogo mental de imagens, mas ancorada no real.
O colapso do sexo mentalizado
e o nascimento da presença
Há um ponto no processo de
desapego em que até a sexualidade, esse impulso considerado sagrado e
instintivo, se revela em sua nudez condicionada. Durante boa parte da vida,
acreditamos que o desejo é espontâneo, que a excitação é natural, que o prazer
é vital como a fome e a sede. Mas quando a crise de descondicionamento avança,
essa ilusão começa a ruir. O corpo, que antes respondia rápido à fantasia, de
repente não obedece. A ereção não sustenta, o prazer não se retroalimenta, o
orgasmo não vem com a mesma força ou, quando vem, parece mecânico, sem alma.
Muitos pensam estar doentes. Mas não é doença: é a mente que perdeu a
capacidade de sustentar o espetáculo da excitação.
O sexo, no modo ordinário, é
profundamente mentalizado. Não basta o toque, não basta a presença do outro. O
corpo se apoia no teatro da imaginação: cenas construídas, memórias, fetiches,
fantasias, roteiros que a psique inventa para manter a chama acesa. A
pornografia externa é só um sintoma do que já acontece dentro: cada um carrega
seu cinema interno, suas imagens que reforçam a ereção e alimentam o prazer.
Sem essas imagens, a excitação definha. Isso significa que o prazer sexual, tal
como a maioria o conhece, não é puramente instintivo, mas híbrido: corpo e
fantasia entrelaçados.
Quando o processo de
descondicionamento começa a corroer a mente, esse mecanismo se quebra. O
sujeito percebe que, sem fantasia, o corpo não responde igual. A ereção murcha,
a excitação não sustenta, a performance falha. É um choque, porque atinge
diretamente a virilidade, a identidade, a sensação de ser “capaz”. No entanto,
esse colapso não é um acidente: é parte da pedagogia da vida. A sexualidade
mentalizada precisa morrer para que outra energia desperte.
O falso personagem, no fundo,
sempre utilizou o sexo como forma de reforço de si. A potência viril, a
capacidade de excitar e gozar, o domínio da fantasia, tudo isso servia como
alimento do “eu”. O prazer era narcótico, mas também era cimento. Ele mantinha
a identidade coesa. O sexo dizia: “Você é alguém. Você tem poder. Você ainda
existe”. Mas, no descondicionamento, até isso se dissolve. O sujeito se vê
diante da impotência simbólica e real. Descobre que não é senhor de seu próprio
corpo. Descobre que, sem a muleta da imaginação, não sabe se relacionar, não
sabe gozar, não sabe sequer se relacionar com o outro em nudez.
Esse é um dos pontos mais cruéis
do processo: o sexo, que antes era válvula de escape e fonte de vitalidade, se
torna deserto. Não há mais reforço imaginativo, não há mais compulsão. O
desejo, quando surge, é frágil, inconsistente. A excitação, quando aparece,
parece carecer de fundamento. Muitos interpretam isso como disfunção erétil,
como falha física, como decadência. Mas é algo mais profundo: é o desmonte do
último reduto da ilusão. A fantasia mental que sustentava o prazer está sendo
arrancada.
Esse deserto sexual não é apenas
biológico; é existencial. Ele expõe o quanto a vida do homem moderno é
sustentada pela projeção mental, pelo imaginário. Sem fantasia, o sexo se
revela em sua crueza: atrito de carne, calor passageiro, estímulo mecânico. O
mito do prazer eterno desmorona. O orgasmo, quando acontece, mostra sua face
transitória, quase ridícula. O corpo treme, o gozo vem, mas em poucos segundos
tudo termina e resta o vazio. Esse vazio, que sempre esteve ali, agora já não
pode ser encoberto pela imaginação.
E o que fazer com isso? A
primeira reação é desespero. O sujeito tenta forçar a fantasia, busca
pornografia, inventa fetiches, procura estímulos químicos cada vez mais
intensos para resgatar a potência perdida. Mas quanto mais força, mais falha. A
mente já não sustenta a ilusão. O colapso é inevitável. É nesse ponto que
muitos desistem, acreditam estar doentes, procuram tratamentos. Poucos percebem
que essa impotência é pedagógica, que ela ensina algo.
O que ela ensina é simples e
brutal: sem ilusão, sem máscara, sem fantasia, o que sobra de você? O que é o
sexo sem imaginação? O que é a relação sem idealização? O que é o corpo sem
projeção? Essa pergunta é o portal. Porque o que sobra, no início, é quase
nada. Sobra o corpo cru, sobra o toque nu, sobra o silêncio desconfortável de
dois seres que já não sabem como se encontrar sem histórias. É por isso que o
deserto sexual é tão aterrorizante: ele expõe que nunca aprendemos a estar
presentes, nem em nós, nem no outro. Sempre estivemos correndo atrás de uma
imagem, fazendo uso de um corpo para transar com o imaginal adulterado e
adulterante.
Mas se o sujeito suporta esse
vazio, se não foge, se não tenta reviver compulsivamente a fantasia, então algo
começa a mudar. Lentamente, uma nova energia desperta. Ela não é mais o fogo
excitado da imaginação, mas um calor silencioso, uma vitalidade serena que
nasce do corpo real. Não é desejo no sentido antigo, mas presença. O encontro
sexual, nesse novo horizonte, deixa de ser espetáculo e se torna comunhão. Não
há roteiro, não há performance, não há a obsessão de manter ereção ou atingir
orgasmo. Há apenas dois corpos respirando, dois seres compartilhando presença.
O sexo deixa de ser catarse e se torna meditação.
Esse renascimento da sexualidade
não acontece rápido. Primeiro vem o luto: o luto da virilidade imaginária, o
luto da potência performática, o luto do prazer como anestesia. Depois, vem a
solitude: longos períodos sem desejo, sem interesse, sem energia sexual
aparente. Essa fase é a incubação. É o recolhimento da energia para dentro,
como se a vida estivesse condensando força em silêncio. Finalmente, em algum
momento, essa energia retorna, mas purificada. Ela já não é compulsão de gozo,
mas chama de presença.
Essa transformação não significa
que o sujeito se torna assexuado. Significa que o sexo perde o papel de tirano.
Ele deixa de ser um imperativo e se torna uma possibilidade. Pode acontecer ou
não, pode surgir ou não. E quando surge, é outro tipo de fogo. É mais terno,
mais lento, menos teatral. O orgasmo já não é objetivo; às vezes nem acontece,
e não faz falta. O encontro é o próprio fim. A energia sexual se tornou energia
de amor impessoal.
Esse amor impessoal não se limita
ao sexo. Ele permeia toda a vida. O calor que antes se consumia em fantasias
agora aquece o olhar, a escuta, a convivência. O sujeito descobre uma nova
forma de estar no mundo: não mais buscando saciar carências, mas transbordando
presença. A energia que antes corria para fora, em compulsão, agora se
estabiliza dentro, como chama silenciosa. O sexo mentalizado morreu, mas em seu
lugar nasceu algo maior: a lucidez viva.
Esse é o ponto de chegada, mas
também de partida. Porque essa transformação não é linear, nem definitiva. O
sujeito pode oscilar: às vezes volta à compulsão, às vezes sente o vazio, às
vezes toca a presença. O processo é longo, exige paciência e vigilância. Mas o
mapa já está dado: do sexo mentalizado à impotência, da impotência à incubação,
da incubação ao renascimento da energia como amor impessoal.
A sociedade, com sua pornografia
onipresente e sua idolatria da performance, não compreende esse caminho. Ela
chama de falha o que é renascimento. Ela chama de doença o que é pedagogia da
vida. Mas quem atravessa o deserto sabe: a impotência não é o fim, é o limiar.
A falência da fantasia é a chance de descobrir a nudez do real. O sexo, despido
de imaginação, é o espelho onde a consciência aprende a estar.
E quando essa consciência
desperta, o prazer não desaparece — ele se transforma. Não é mais descarga, é
comunhão. Não é mais catarse, é clareza. Não é mais dependência, é liberdade. O
corpo continua, mas já não é prisão. O desejo pode surgir, mas já não é tirano.
O amor floresce, mas já não é posse. A vida respira, enfim, em sua simplicidade
nua.