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segunda-feira, 1 de setembro de 2025

As relações como enredamentos de imaturidade

As relações como enredamentos de imaturidade

O confrade já constatou que as relações, se dão entre indivíduos com semelhança no nível de insegurança e imaturidade? Isso é algo que se observa com bastante clareza quando olhamos para as relações com um olhar mais cru e descondicionado.

Muitas vezes os vínculos não acontecem por afinidade real de consciência, mas por compatibilidade nos níveis de insegurança, carências, imaturidades emocionais e interesses velados. É como se cada indivíduo estivesse buscando no outro um espelho ou uma compensação para as próprias fragilidades:

  • O inseguro busca em outro igualmente inseguro, alguém que valide constantemente sua identidade.
  • O ciumento encontra eco em alguém que também teme perder e aceita esse jogo de posse.
  • O dependente atrai alguém igualmente carente, ainda que em polos opostos (um cuida, o outro “precisa ser cuidado”).

Essa espécie de acoplamento psíquico se dá menos pela lucidez e mais pelo enredamento das fragilidades. Relações maduras, fundadas em autonomia interior, são muito mais raras justamente porque exigem que cada um suporte o peso da própria solidão, do próprio vazio e da própria responsabilidade afetiva.

Na prática, o que vemos é que as pessoas, em sua maioria, se conectam através do ponto comum de suas imaturidades. Apesar de ser raro, isso não significa que não possa haver amor genuíno no meio disso, mas é um amor muitas vezes misturado ao medo, ao apego e à necessidade de completude, em vez de um amor livre.

O ser humano, em geral, tem muita pressa de se envolver afeto sexualmente, por causa dos hormônios e também pela necessidade de atender a expectativa parental e para sair desse ambiente e suas expectativas. Um contrato de facilitação financeira. Assim, observamos três pontos fundamentais que moldam profundamente a pressa com que muitos se jogam em relações, principalmente nas primeiras fases da vida:

  1. O corpo hormonal – A pulsão sexual, ainda não integrada, exerce uma pressão enorme. Ela empurra o sujeito a buscar o outro mais como válvula de descarga ou como forma de experimentar prazer imediato, do que como encontro real e consciente. É uma necessidade biológica que, sem maturidade, acaba confundida com amor.
  2. A necessidade de cumprir com a expectativa parental – Muitos crescem em lares onde, explicitamente ou de forma velada, há um peso para o relacionamento: “Vai namorar até quando? Não vai casar? Quando vai me dar netos?”. Essa expectativa cria um impulso artificial de querer logo estar em um relacionamento, não por uma disposição interior genuína, mas para se livrar do olhar vigilante e julgador da família.
  3. Um acordo de facilitação financeira e social – É muito comum que jovens busquem no outro um meio de sair de casa, conquistar independência material ou mesmo fugir do ambiente parental opressivo. O relacionamento, nesse caso, é usado como “atalho” de vida.

O resultado desse tripé é que a pressa, geralmente, não vem da maturidade de querer compartilhar a vida com alguém, mas da soma de pressões biológicas, sociais e financeiras. Isso explica porque tantos se unem rápido e, pouco tempo depois, descobrem que a relação não tem alicerce verdadeiro, mas apenas interesses misturados à carência.

A pressa, portanto, é quase sempre um movimento de fuga: do corpo em ebulição, da casa dos pais, da solidão ou da falta de estabilidade. Só que esse movimento de fuga cobra o preço lá na frente: o vazio dentro da relação, os conflitos repetitivos, a frustração que se acumula.

Exploraremos agora, em profundidade, essa pressa de se envolver sexual e afetivamente. Partiremos dos três fatores: pressão hormonal, expectativa parental, facilitação financeira/social, acrescentando também outros pontos observados como centrais:

  • Medo da solidão – a fuga da sensação de estar só.
  • Necessidade de status – relacionar-se como símbolo de “normalidade” e aceitação social.
  • Carência afetiva herdada – repetição inconsciente de padrões familiares de apego.
  • Indústria cultural – cinema, música, redes sociais que romantizam a pressa e vendem relacionamentos como válvula de identidade.
  • Busca de identidade – “ser alguém” através do outro.
  • Economia psíquica – a relação como anestesia das dores existenciais (tédio, vazio, falta de propósito).

 

 


A pressa por envolvimento, como sintoma do nosso tempo

Poucos percebem que a pressa em se envolver afetiva e sexualmente não é um simples capricho da juventude, mas um sintoma de algo muito mais profundo. Não se trata apenas da fome do corpo, mas da soma de pressões invisíveis que moldam o comportamento humano desde cedo: o peso dos hormônios, as expectativas familiares, a necessidade de aceitação social, o medo da solidão e até mesmo os imperativos financeiros que tornam o relacionamento uma rota de fuga, mais do que um espaço de encontro.

Vivemos em uma sociedade que nos empurra para o vínculo apressado. O cinema, a música, as redes sociais, a cultura de massa — tudo reforça a ideia de que estar só é fracasso, e que só o amor romântico redime a existência. O adolescente cresce sob esse bombardeio de símbolos, e quando a biologia desperta, o desejo sexual se junta a essa propaganda cultural para criar uma urgência que confunde atração, necessidade, carência e amor.

A pressa, portanto, não é inocente. É um movimento que revela uma soma de forças psíquicas e sociais. E ao mergulhar nela imaturamente, o sujeito acaba reproduzindo ciclos de frustração: relacionamentos frágeis, rupturas dolorosas, sempre seguidas de repetições intermináveis do mesmo padrão.

Para entender essa engrenagem, precisamos fatiar cada camada: o corpo, a família, a cultura, a economia psíquica e social. Só então podemos compreender por que tanta gente se lança de cabeça tão cedo, tão rápido, sem saber sequer o que deseja de verdade.


O corpo em ebulição – Hormônios e a ilusão de amor

A adolescência é uma explosão química. O corpo passa a liberar hormônios sexuais em intensidade inédita: testosterona, estrogênio, dopamina. O desejo invade, as fantasias tomam a mente, e o indivíduo se vê refém de uma energia que não entende nem controla.

Nesse momento, o impulso sexual é facilmente confundido com amor. O beijo, o toque, o sexo parecem trazer não apenas prazer, mas também uma sensação de pertencimento e de identidade. O adolescente acredita que “estar com alguém” é a prova de que ele existe, de que vale algo. O prazer se mistura com o alívio da insegurança: “se alguém me deseja, então eu sou desejável”.

Essa ilusão é poderosa. Muitos se casam, se unem, têm filhos não porque amadureceram para a responsabilidade relacional, mas porque o corpo os arrastou imaturamente. O desejo se torna guia, e o relacionamento vira válvula de escape hormonal.

O problema é que, quando o fogo da novidade passa, sobra a realidade: dois indivíduos imaturos, unidos mais por descarga biológica e segurança de custeio financeiro, do que por encontro real. Surge então o vazio dentro da relação, a sensação de prisão, a repetição de brigas.


A sombra da família – Expectativa parental e fuga do lar

Paralelamente ao fogo hormonal, existe o peso do lar. Muitas famílias projetam nos filhos suas expectativas: “quando você vai namorar?”, “quero logo um genro/nora”, “quero netos”. A mensagem é clara: ficar só é sinal de fracasso.

O jovem absorve esse olhar. Mesmo sem desejar de verdade, sente a obrigação de se relacionar para atender ao script parental. Mais do que isso: o lar muitas vezes se torna sufocante. A convivência com pais controladores, a sensação de ser eternamente criança dentro da casa familiar, o julgamento constante — tudo isso gera uma necessidade de fuga.

O relacionamento, então, aparece como saída estratégica. Ter alguém é a senha para conquistar alguma autonomia: sair mais, dormir fora, viajar, escapar da vigilância. Muitos não percebem que estão menos interessados na pessoa e mais interessados na liberdade que o relacionamento simboliza.

Assim, a pressa de namorar ou casar não nasce do coração, mas da tentativa de resolver a opressão doméstica. O problema é que, nesse movimento, troca-se uma prisão por outra: do lar parental para a relação imatura que força ajustamento.


A facilitação financeira – Relação como atalho de vida

Outro fator central, muitas vezes silenciado, é a dimensão econômica. Em uma sociedade desigual, marcada por salários baixos e dificuldade de conquistar independência cedo, o relacionamento surge como atalho financeiro.

É mais fácil dividir aluguel, contas e despesas com alguém do que sustentar tudo sozinho. Para muitos, a união se torna caminho para sair de casa e “começar a vida adulta”. Mas esse início já nasce marcado pela adulteração de propósito, o qual sempre desemboca em codependência.

A relação deixa de ser espaço de construção consciente e vira associação estratégica. O que se pensa ser amor, nesse contexto, não passa de jogos momentâneos de conveniência. O risco é alto: quando o vínculo não se sustenta pelo afeto real, a pressão material se torna fonte de conflito. Dinheiro, responsabilidades, cobranças — tudo pesa mais quando não há solidez emocional para sustentar.


Outros fatores invisíveis que alimentam a pressa de se relacionar

Além dos três pilares principais, há outros elementos que raramente são vistos, mas que pesam tanto quanto:

Medo da solidão

O vazio interior é insuportável para a maioria. Ficar só significa ter que lidar com os próprios pensamentos, angústias, fragilidades e sentimentos de inadequação. O relacionamento aparece como anestesia: alguém para preencher o silêncio, alguém para validar a existência.

Necessidade de status social

Estar acompanhado é sinal de normalidade. A sociedade olha com desconfiança para o solteiro, especialmente quando passa dos 25 ou 30 anos. O namoro ou casamento se tornam prova de “normalidade” e de “sucesso social”.

Carência herdada

Muitos vêm de famílias onde o afeto foi ausente, frio ou instável. Essa lacuna cria uma fome afetiva que busca desesperadamente no parceiro, o colo que não se teve na infância. Mas ninguém pode ser pai ou mãe do outro sem que isso adultere o vínculo.

Indústria cultural

Filmes, novelas, músicas e redes sociais romantizam a pressa de relacionamento. A mensagem é clara: “amar cedo, viver intensamente, se entregar sem medo”. O adolescente cresce acreditando que só será alguém se viver essa narrativa.

Busca de identidade

A imaturidade impede que ambos saibam quem são. O outro, então, se torna espelho, muleta, rótulo. “Sou o namorado de alguém”, “sou esposa de fulano”. Com a relação, a identidade é terceirizada.

Economia psíquica

Relacionar-se funciona como anestesia contra dores existenciais: tédio, vazio, falta de sentido (que quase sempre é buscado através da gravidez inconsciente). O vínculo apressado vira remédio para não encarar a indigência interior.


A anatomia da pressa – O entrelaçamento das forças

Quando somamos tudo isso — hormônios, família, economia, medo da solidão, status, carência, indústria cultural — entendemos por que o indivíduo sente tamanha urgência de se envolver. É como se estivesse dentro de uma engrenagem que o empurra para o vínculo sem que ele perceba.

O corpo pede, a família cobra, a sociedade julga, a mídia romantiza, o bolso aperta, a solidão assombra. O resultado é previsível: ele se joga de cabeça.

Mas esse mergulho não é encontro, é fuga. Ele não busca o outro como outro, mas como solução de problemas internos e externos (sendo que muitos deles, o sujeito nem sequer tem consciência). E quando o outro não consegue cumprir esse papel — porque ninguém pode preencher a falta de lucidez, autonomia psíquica e maturidade do ser — surgem a frustração, o ressentimento, as cobranças, as tentativas de amoldamento e os conflitos.


As consequências – Relações frágeis, gestação inconsciente e ciclos de repetição

A pressa cobra caro. A maioria dos relacionamentos que nascem assim entram rapidamente em desgaste. O que parecia paixão vira prisão. O que parecia amor vira dependência. O que parecia liberdade vira nova forma de opressão.

As consequências mais comuns são:

  • Ciclos de repetição: o sujeito troca de parceiro, mas repete o mesmo padrão.
  • Frustração crônica: nada satisfaz porque a raiz do vazio nunca foi tocada.
  • Dependência afetiva: medo paralisante de ficar só, mesmo em relações tóxicas.
  • Amargura: ressentimento pelo outro não ter sido a salvação esperada.
  • Estagnação pessoal: a pressa impede o amadurecimento individual.
  • A gestação inconsciente – o selo da prisão relacional
  • Se a pressa em se envolver já cria vínculos frágeis e carregados de projeções, a gestação inconsciente aparece como agravante que fecha as portas da liberdade e transforma o enredo em cárcere.

Olhemos para este último tópico. Muitos casais, ainda imaturos, acabam engravidando não por decisão consciente, mas por descuido, impulsividade ou pela fantasia de que o filho consolidará a relação. O corpo pede prazer, a mente não reflete, e a consequência vem: uma nova vida que exige responsabilidades imensas de dois indivíduos ainda imaturos.

O que antes era apenas vínculo frágil se torna prisão concreta. O filho passa a ser o elo indissolúvel que mantém duas pessoas juntas mesmo quando já não há amor, respeito ou afinidade. A relação, que nasceu de pressa e carência, agora precisa se sustentar sob o peso de uma responsabilidade vitalícia.

As consequências são visíveis:

  • Ciclos de ressentimento: os pais sentem que foram obrigados a permanecer juntos por causa da criança, e o lar se enche de acusações veladas.
  • Amor condicionado: o filho é visto não apenas como ser humano, mas como marca da prisão. Muitos não percebem, mas projetam nele frustrações da relação.
  • Estagnação da liberdade: mesmo quando há desejo de separar, a presença do filho cria barreiras emocionais, sociais e financeiras quase intransponíveis.
  • A gestação inconsciente sela aquilo que já era imaturo. O que poderia ser uma travessia de aprendizado em solitude vira uma cadeia relacional sustentada por culpa, dependência e obrigação.

Não se trata aqui de desvalorizar a vida da criança, mas de mostrar a realidade nua: ela nasce em meio a um campo energético de pressa, carência e fuga. E crescer nesse ambiente significa carregar marcas psíquicas profundas — repetindo, muitas vezes, o mesmo padrão de pressa e aprisionamento dos pais.

A lucidez, nesse caso, exigiria duas coisas: primeiro, prevenir o salto inconsciente, ou seja, não deixar que a pressa e o desejo guiem decisões de tamanha magnitude; segundo, se a gestação já aconteceu, transformar o vínculo em algo mais maduro possível, para que a criança não herde apenas a prisão, mas também o esforço dos pais em se tornarem maduros.


A possibilidade de lucidez – Desacelerar e observar

Apesar de tudo, há saída. O primeiro passo é perceber que a pressa é produto de forças inconscientes e sociais. Ao enxergar isso, nasce uma nova liberdade: a de não se deixar arrastar.

Essa lucidez começa com a observação passiva e não reativa. Observar o corpo em ebulição sem se identificar, observar a expectativa familiar sem se dobrar, observar a solidão sem fugir dela. O sujeito que suporta o desconforto de estar só amadurece.

O relacionamento, nesse contexto, deixa de ser fuga e se torna escolha. Não é mais atalho para fugir da família, da carência ou do tédio, mas espaço para compartilhar. Só assim nasce uma relação madura: duas pessoas inteiras que se encontram, não duas metades que se agarram.


O preço e a dádiva de desacelerar

A pressa em se envolver é compreensível. Ela nasce do corpo, da família, da cultura, da economia, da solidão. É quase impossível escapar dela sem consciência. Mas toda pressa cobra seu preço: relações frágeis, sofrimento psíquico, repetição de padrões.

Desacelerar parece, para muitos, insuportável. Mas é nesse desacelerar que se abre a possibilidade de viver um amor que não seja apenas descarga hormonal, fuga do lar, status social ou anestesia existencial. Um amor que seja encontro, liberdade, partilha.

A dádiva está em suportar o silêncio, em aprender a ser só, em observar a própria fome sem correr a saciá-la de qualquer forma. Porque só quem atravessa esse vazio descobre que o outro não é salvação nem muleta — é apenas um companheiro de travessia.

E essa travessia, lenta e lúcida, vale mais do que qualquer pressa.


Talvez, o confrade esteja se perguntando: “e como lidar com a dor de perceber que a relação sempre foi fundamentada nesses pontos adulterantes, quando ainda não despertamos em nós, a capacidade de amor impessoal?”

Essa é uma das dores mais difíceis, de serem observadas em silêncio. Porque ela não é só a dor da perda de um “amor”, mas a dor de perceber que nunca houve amor verdadeiro ali — apenas carência, fuga, conveniência, hormônio, medo, expectativa. É uma dor crua, quase insuportável, porque mexe na própria fundação da vida psíquica.

O sujeito olha para trás e se pergunta: “Então vivi uma mentira? Então aquilo que eu chamava de amor era apenas um amontoado de necessidades?”. Esse confronto é devastador. É como ver o chão ruir sob os pés.

Mas há algumas formas de lidar com isso:

1. Aceitar a natureza do humano adormecido - O primeiro passo é perceber que essa situação não é uma falha pessoal isolada. É a condição humana adormecida. Quase todas as relações começam assim: imaturidade encontrando imaturidade, carência encontrando carência. Não havia como ser diferente antes da lucidez.
Essa constatação alivia a culpa: não foi apenas “eu” que errei, mas o campo humano inteiro que vive sob esse script.

2. Ver a relação como espelho evolutivo - Mesmo que tenha sido fundamentada em adulterações (fuga, hormônio, conveniência), a relação ainda pode ser vista como campo de aprendizado. Ela mostrou os mecanismos da pressa, revelou o quanto buscamos muletas, expôs a necessidade de amadurecer.
Em outras palavras: não foi amor impessoal, mas foi um espelho que empurrou para a possibilidade de descobri-lo.

3. Atravessar a dor sem fuga e sem a necessidade de consolação - A tendência é querer abafar a dor: entrar em outro relacionamento, mergulhar em trabalho, em prazeres, em distrações. Mas é preciso suportar o luto cru. Essa dor é a iniciação. É nela que o falso personagem, ferido por não ter mais ilusões para se agarrar, começa a perder força. Atravessar o deserto, sentir o vazio, aceitar a presente falta de profundidade relacional e de sentido aparente — tudo isso é laboratório do despertar de um olhar, que se fundamenta não mais nos cálculos autocentrados, mas no amor impessoal que vê o outro em sua exata natureza.

4. Desidentificar-se do implante sistêmico do roteiro romântico – Talvez este seja um dos condicionamentos mais difíceis de ser dissolvido. Grande parte da dor vem de perceber que aquilo que vivemos não corresponde à fantasia romântica em nós implantada culturalmente. É preciso quebrar esse feitiço: entender que o amor impessoal não tem nada a ver com paixão, posse, dependência ou segurança social. Só quando, pela observação passiva não reativa, nos desprendemos da cobrança do mito do “amor romântico” propagado nas músicas, novelas, filmes e séries, é que se abre espaço para uma outra forma de sentir: mais livre, silenciosa, sem muletas.

5. Praticar o amor impessoal consigo mesmo e com o outro

Se o indivíduo ainda não despertou, cabe a quem despertou não exigir que ele acorde agora. O amor impessoal começa justamente aqui: não cobrar lucidez de quem ainda não a tem. Isso significa: manter compaixão, sem se submeter; manter respeito, sem precisar manter a prisão; olhar o outro como ser humano em processo, não como inimigo. Esse exercício já é amor impessoal em ação: não depender da resposta do outro, mas agir a partir da clareza interior.

 

O ponto (5) descrito — o exercício real do amor impessoal — é para pouquíssimos, porque pressupõe o colapso completo da estrutura do falso personagem. A maioria dos que começam a despertar para a ausência da capacidade de amor real, ainda está numa fase intermediária: perceberam a falsidade dos alicerces da relação, mas não possuem ainda a capacidade de amar de forma impessoal. Estão mergulhados no caos da mutação, na dor crua e na confusão que surge quando o falso começa a se dissolver, mas o verdadeiro ainda não se consolidou.

Essa travessia é crucial e exige uma abordagem distinta: não tanto a realização plena do amor impessoal, mas a honestidade radical em suportar o intervalo entre o velho e o novo.


Do colapso silencioso ao nascimento da relação consciente

Poucos conseguem atravessar sem se despedaçar a experiência de ver a relação perder os alicerces que antes pareciam sólidos. É um momento em que tudo o que sustentava o vínculo — paixão, dependência, conveniência, medo da solidão, expectativas familiares — começa a se dissolver. A relação, que antes era refúgio, agora mostra sua nudez: foi construída sobre bases frágeis.

Esse despertar inicial não entrega ainda a maturidade de um amor impessoal. Ao contrário: o sujeito percebe sua própria incapacidade de amar sem carência, sem cobrança, sem possessividade, sem cálculos de autointeresse. É um choque duro: não só o outro se revela como é, mas nós mesmos nos vemos desprovidos daquilo que idealizávamos possuir.

Aqui surgem duas dores simultâneas:

  1. A dor de constatar a falsidade do vínculo.
  2. A dor de perceber que ainda não temos dentro de nós a fonte de amor verdadeiro.

É como estar no limbo: o velho não serve mais, o novo ainda não nasceu. A mente fica em confusão, os afetos se embaralham, o corpo sente o peso do luto, da frustração, da falta de chão.

Nesse estágio, o exercício não é exigir de si o amor impessoal (isso seria mais uma ilusão), mas aprender a atravessar o intervalo confuso com honestidade e observação lúcida. Algumas chaves podem ajudar:

  • Silenciar as reações automáticas: não correr para anestesias (fuga geográfica, novo parceiro, excesso de trabalho, vícios). Dar espaço para a dor respirar.
  • Ver o outro como ser humano real: não mais como muleta, salvador ou inimigo, mas como ele é — limitado, imaturo, igualmente prisioneiro das próprias confusões.
  • Reconhecer a própria limitação: admitir com humildade que ainda não sabe amar de forma livre. Essa aceitação já é um passo para fora do apego relacional.
  • Permitir que a relação mude de natureza: a união inconsciente, baseada em carências, pode se transformar num campo de aprendizado mútuo. É preciso estar muito atento aos impulsos emotivos reativos escapistas que pedem por rompimento imediato; é possível escolher permanecer, com profunda honestidade emocional com o parceiro, enquanto se desenvolve um outro olhar, mais maduro, menos dependente, responsável e integrativo.
  • Cuidar do coração ferido: atravessar o luto da velha sustentação relacional, a desilusão, o vazio, sem exigir que eles terminem rápido. A dor é o parto.

Esse é o momento de mutação silenciosa da relação: ela deixa de ser uma fusão inconsciente para se tornar, se houver disposição dos dois, um espaço de conhecimento real. O outro passa a ser visto não como extensão do eu, mas como alteridade. A relação deixa de ser prisão e pode se tornar escolha consciente: permanecer, não porque preciso, mas porque quero compartilhar o caminho.

Claro, isso exige tempo, paciência e vigilância interior. A confusão é inevitável. A dor é inevitável. Mas é nesse caos que o alicerce falso se desmancha, abrindo a possibilidade de um vínculo realmente maduro, lúcido, responsável.

O confrade precisa ter em mente, que existe um paradoxo nas relações humanas: mesmo nascendo de adulterações — carência, fuga, hormônio, conveniência, medo da solidão — muitas vezes surge, no decorrer da convivência, um bem-querer. Ele não é amor impessoal, ainda não é o amor livre e desinteressado, mas também não é apenas a repetição mecânica da necessidade inicial. É algo que brota no meio do terreno adulterado, como uma planta frágil crescendo numa rachadura de concreto.

Esse bem-querer pode se tornar um rito de passagem. Destrincharemos agora essa percepção, em alguns pontos:

1. O bem-querer como produto da convivência - Quando duas pessoas dividem vida, dores, alegrias, quando cuidam uma da outra em pequenos gestos cotidianos, mesmo que o início tenha sido inconsciente, por valores adulterados e adulterantes, algo genuíno pode nascer. Esse sentimento não é ainda o amor impessoal, porque ainda traz traços de apego, expectativa e projeção, mas é mais que a pura conveniência inicial. É o reconhecimento silencioso: “apesar de tudo, quero o seu bem”.

2. O bem-querer como depuração - Esse sentimento pode funcionar como um fogo depurador. Ele queima dia após dia, a possessividade, a dependência e o egoísmo, abrindo espaço para algo mais sutil. Do mesmo modo que se desenvolveu a codependência, isso também ocorre lentamente, não é absoluto, mas já desloca a relação de um lugar puramente autocentrado, para uma zona de aprendizado e mutação relacional. Aos poucos, o outro deixa de ser apenas instrumento da necessidade pessoal e começa a ser percebido como ser humano autônomo.

3. O risco da confusão - O problema é que muitos confundem o bem-querer com o amor maduro. E aí cristalizam o vínculo num limiar intermediário, acreditando que já chegaram ao destino, quando na verdade apenas saíram do ponto de partida. É preciso honestidade para distinguir: “ainda não amo de forma impessoal, mas já não vivo apenas de carência”. Esse reconhecimento evita tanto o desprezo cínico quanto a ilusão romântica.

4. O bem-querer como rito de passagem - Se vivido com consciência, e profunda honestidade emocional na relação, esse estágio pode ser um rito de passagem. O indivíduo aprende, dentro da relação, a experimentar o movimento de querer o bem do outro, não apenas como reflexo de si mesmo, mas por ele. Ainda misturado, ainda frágil, mas já um ensaio do amor real. Esse rito exige vigilância: observar os momentos em que o bem-querer se mistura com posse, notar quando o desejo de liberdade cede ao medo da solidão, perceber a sutileza dos jogos da velha estrutura fundamentada no medo e no cálculo autocentrado. Essa observação é o que transforma o bem-querer em trampolim para o amor real.

5. O bem-querer como campo de treino para o amor impessoal - Ninguém amadurece para o amor impessoal de um salto. Ele é raro justamente porque exige o assistir silencioso do Abismo do terror que advém do colapso total do personagem adulterado e adulterante. Mas o bem-querer pode ser campo de treino:

  • Aprender a ouvir sem impor.
  • Aprender a respeitar a alteridade do outro.
  • Aprender a desejar o bem mesmo quando não há retorno direto.
  • Aprender a permanecer mesmo quando não há prazer imediato.

Esses exercícios não são ainda o amor impessoal, mas são passos fundamentais na direção dele.

6. O perigo da estagnação e a possibilidade da transmutação - O risco maior é estacionar no bem-querer, transformando-o em justificativa para manter relações que já não têm vida, apenas hábito. Mas a possibilidade mais luminosa é a transmutação: esse sentimento simples, humilde e cotidiano pode ser a porta de entrada para a experiência maior. É um ensaio imperfeito que, se vivido com clareza e honestidade emocional, prepara o terreno para que o amor impessoal floresça.

Embora a maioria das relações nasçam em terreno adulterado, o bem-querer desenvolvido não deve ser desprezado. Ele pode ser visto como ponte, rito de passagem e campo de treino. Mas exige vigilância: não confundi-lo com amor pleno, nem descartá-lo como mera ilusão. Ele é intermediário, frágil, mas talvez seja exatamente o que muitos precisam viver antes que o verdadeiro se revele.

Em outra oportunidade, visto a importância destema tema, abordaremos com mais profundidade a questão do “bem-querer como rito de mutação relacional” — explorando como ele surge, como pode ser vivido sem ilusão e como pode ser transmutado em amor consciente.

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"Quando você compreende, quando chega a saber,
então traz toda a beleza do passado de volta
e dá a esse passado o renascimento, renova-o,
de forma que todos os que o conheceram
possam estar de novo sobre a terra
e viajar por aqui, e ajudar as pessoas." (Tilopa)



"Nos momentos tranqüilos da meditação, a vontade de DEUS pode tornar-se evidente para nós. Acalmar a mente, através da meditação, traz uma paz interior que nos põe em contato com DEUS dentro de nós. Uma premissa básica da meditação, é que é difícil, senão impossível, alcançar um contato consciente, à não ser que a mente esteja sossegada. Para que haja um progresso, a comum sucessão ininterrupta de pensamentos tem de parar. Por isso, a nossa prática preliminar será sossegar a mente e deixar os pensamentos que brotam morrerem de morte natural. Deixamos nossos pensamentos para trás, à medida que a meditação do Décimo Primeiro Passo se torna uma realidade para nós. O equilíbrio emocional é um dos primeiros resultados da meditação, e a nossa experiência confirma isso." (11º Passo de NA)


"O Eu Superior pode usar algum evento, alguma pessoa ou algum livro como seu mensageiro. Pode fazer qualquer circunstância nova agir da mesma forma, mas o indivíduo deve ter a capacidade de reconhecer o que está acontecendo e ter a disposição para receber a mensagem". (Paul Brunton)



Observe Krishnamurti, em conversa com David Bohn, apontando para um "processo", um "caminho de transformação", descrevendo suas etapas até o estado de prontificação e a necessária base emocional para a manifestação da Visão Intuitiva, ou como dizemos no paradigma, a Retomada da Perene Consciência Amorosa Integrativa...


Krishnamurti: Estávamos discutindo o que significa para o cérebro não ter movimento. Quando um ser humano ESTEVE SEGUINDO O CAMINHO DA TRANSFORMAÇÃO, e PASSOU por TUDO isso, e esse SENTIDO DE VAZIO, SILÊNCIO E ENERGIA, ele ABANDONOU QUASE TUDO e CHEGOU AO PONTO, à BASE. Como, então, essa VISÃO INTUITIVA afeta a sua vida diária? Qual é o seu relacionamento com a sociedade? Como ele age em relação à guerra, e ao mundo todo — um mundo em que está realmente vivendo e lutando na escuridão? Qual a sua ação? Eu diria, como concordamos no outro dia, que ele é o não-movimento.

David Bohn: Sim, dissemos que a base era movimento SEM DIVISÃO.

K: Sem divisão. Sim, correto. (Capítulo 8 do livro, A ELIMINAÇÃO DO TEMPO PSICOLÓGICO)


A IMPORTÂNCIA DA RENDIÇÃO DIANTE DA MENTE ADQUIRIDA
Até praticar a rendição, a dimensão espiritual de você é algo sobre o que você lê, de que fala, com que fica entusiasmado, tema para escrita de livros, motivo de pensamento, algo em que acredita... ou não, seja qual for o caso. Não faz diferença. Só quando você se render é que a dimensão espiritual se tornará uma realidade viva na sua vida. Quando o fizer, a energia que você emana e que então governa a sua vida é de uma frequência vibratória muito superior à da energia mental que ainda comanda o nosso mundo. Através da rendição, a energia espiritual entra neste mundo. Não gera sofrimento para você, para os outros seres humanos, nem para qualquer forma de vida no planeta. (Eckhart Tolle em , A Prática do Poder do Agora, pág. 118)


O IMPOPULAR DRAMA OUTSIDER — O encontro direto com a Verdade absoluta parece, então, impossível para uma consciência humana comum, não mística. Não podemos conhecer a realidade ou mesmo provar a existência do mais simples objeto, embora isto seja uma limitação que poucas pessoas compreendem realmente e que muitas até negariam. Mas há entre os seres humanos um tipo de personalidade que, esta sim, compreende essa limitação e que não consegue se contentar com as falsas realidades que nutrem o universo das pessoas comuns. Parece que essas pessoas sentem a necessidade de forjar por si mesmas uma imagem de "alguma coisa" ou do "nada" que se encontra no outro lado de suas linhas telegráficas: uma certa "concepção do ser" e uma certa teoria do "conhecimento". Elas são ATORMENTADAS pelo Incognoscível, queimam de desejo de conhecer o princípio primeiro, almejam agarrar aquilo que se esconde atrás do sombrio espetáculo das coisas. Quando alguém possui esse temperamento, é ávido de conhecer a realidade e deve satisfazer essa fome da melhor forma possível, enganando-a, sem contudo jamais poder saciá-la. — Evelyn Underhill