Krishnamurti: Não parece que você este escutando o que estive dizendo; provavelmente você estava muito interessado em sua pergunta, preocupado sobre como formulá-la. É isto o que todos, diferentemente, estão fazendo. Cada um tem certa preocupação e, se o que digo não é o que você deseja ouvir, você trata de afastá-lo para o lado, porque sua mente está ocupada com seu próprio problema. Se o interrogante tivesse escutado o que eu disse, sentido a íntima natureza do descontentamento, da alegria, do ser criador, não creio que fizesse essa pergunta.
Ora, o descontentamento impede o pensar claro? E o que é “pensar claro”? É possível pensar muito claramente quando com o nosso pensar desejamos obter alguma coisa? Se a mente de vocês está interessada num resultado, podem pensar com clareza? Ou só podem pensar muito claramente quando não visão a nenhum fim, nenhum resultado, quando não estão tentando ganhar alguma coisa?
E podem pensar muito claramente se vocês têm algum preconceito, alguma crença, isto é, se pensam como hinduísta, como comunista, como cristão? Ora, por certo, só podem pensar com bastante clareza quando não estão em busca de nenhum resultado; só podem pensar assim quando não possuem nenhum preconceito. Tudo isso significa, em suma, que só podem pensar clara, simples e diretamente, quando a mente de vocês já não têm interesse em alcançar nenhuma espécie de segurança e, por conseguinte, está livre do medo.
Assim, a um certo respeito, o descontentamento de fato impede o pensar claro. Quando, com o descontentamento, vocês visão a um resultado, ou quando procuram abafar o descontentamento porque a mente de vocês detesta ser perturbada e deseja a todo custo estar sossegada, em paz, então é impossível o pensar claro. Mas, se vocês estão descontentes com tudo — com seus preconceitos, com suas crenças, seus temores, e não andam buscando nenhum resultado, então esse próprio descontentamento lhes foca o pensamento, não em determinado objeto ou determinada direção, mas o seu inteiro processo pensante se torna muito simples, direto e claro.
Jovens ou velhos, quase todos estamos descontentes porque desejamos alguma coisa — mais conhecimento, emprego melhor, um carro mais belo, um ordenado mais alto. Nosso descontentamento está baseado no desejo de mais. E só por desejar algo mais que a maioria de nós está descontente. É o desejo de mais que impede o pensar claro. Mas se, ao contrário, não estamos descontentes porque desejamos alguma coisa, porém descontentes, sem saber o que desejamos; se estamos descontentes com os nossos empregos, com o ganhar dinheiro, com o desejo de posição e de poder, com a tradição, com o que temos e o que poderíamos ter; se estamos insatisfeitos, não com uma dada coisa em particular, mas com tudo, penso que então descobriremos que nosso descontentamento traz clareza. Quando não aceitamos ou seguimos, porém duvidamos, investigamos, penetramos, há um discernimento do qual provém a criação, a alegria.
Krishnamurti — A Cultura e o problema humano