Vocês sabem o que é iniciativa? Vocês têm iniciativa quando iniciam ou começam uma coisa, sem terem sido inspirados por ninguém. Não é necessário que seja coisa muito importante ou extraordinária — isso poderá ficar para mais tarde; mas já existe a centelha da iniciativa quando por própria conta plantam uma árvore, e quando espontaneamente são bondosos, quando dão um sorriso ao homem que transporta pesada carga, quando afastam uma pedra da estrada ou acariciam um anima que encontram no caminho. Este é o modesto começo da extraordinária iniciativa de que necessitam para conhecerem essa coisa maravilhosa que se chama “criação”. A capacidade de criar tem suas raízes na iniciativa, que só pode nascer quando há descontentamento profundo.
Não temam o descontentamento; tratem, antes, de entretê-lo, até que a centelha se converta em chama e vocês sejam permanentemente descontentes com tudo; com seus empregos, suas famílias, com a tradicional ânsia de dinheiro, de posição, de poder. Assim começarão a pensar, a descobrir realmente. Mas, quando forem mais velhos, verão o quanto é difícil manter esse espírito de descontentamento. Terão filhos para sustentar, e as exigências de seus empregos deverão ser levadas em consideração; a opinião de seus vizinhos, da sociedade, influirá cada vez mais na vida de vocês, e, nessas condições, não tardarão a perder a chama ardente do descontentamento. Quando se sentirem descontentes, tratarão de ligar o rádio, de procurar o guru, de praticar ioga, de ir para o clube, de beber, de procurar mulheres; tudo isso farão para sufocar a chama. Mas vejam, sem essa chama do descontentamento, nunca terão iniciativa — que é o começo da criação. Para descobrirem o verdadeiro, devem estar revoltados contra a ordem estabelecida; mas, quanto mais dinheiro tenham os seus pais, quanto mais seguros seus mestres se sintam em seus empregos, tanto menos desejarão que vocês se revoltem.
Criação não é simples questão de pintar quadros ou escrever poesia — coisas boas, aliás, mas que por si sós muito pouco representam. O importante é estarem totalmente descontentes, porquanto esse descontentamento total é o começo da iniciativa, que, uma vez amadurecida, se torna criadora; e esta é a única maneira de descobrir o que é a Verdade, o que é Deus, porquanto o estado criador é Deus.
Assim, pois, deve cada um ter esse descontentamento total — mas com alegria. Compreendem? Deve cada um estar totalmente descontente, mas sem lamentações: com deleite, com alegria, com amor. Os que se sentem descontentes são em maioria terríveis importunadores: estão sempre se queixando de que isto ou aquilo não está certo, ou desejando um emprego melhor ou que as circunstâncias fossem diferentes — porque o seu descontentamento é muito superficial. E os que não estão absolutamente descontentes, esses já estão mortos.
Se puderem, enquanto jovens, manterem-se num estado de revolta e, à medida que se tornarem mais velhos, conservar vivo o descontentamento de vocês, com a vitalidade da alegria e da afeição intensa, terá então extraordinário significado essa chama do descontentamento: ela construirá, criará, tornará existentes coisas novas. Para isso, vocês necessitam da educação correta, que não é aquela que meramente lhes prepara para obter emprego ou galgar a escada do sucesso, porém, sim, a educação que lhes ajuda a apensar e lhes proporciona espaço; “espaço”, não na forma de um aposento maior ou de um teto mais alto: espaço para a mente de vocês se desenvolver, não tolhida por nenhuma crença, nenhum temor.
Krishnamurti — A Cultura e o problema humano