Existe um estado cerebral que seja
holístico?
O mundo está em crise, que não é meramente econômica,
mas sim psicológica. Temos vivido na Terra por milhões de anos e, neste longo
período, sofremos todos os tipos de catástrofes e guerras. Desapareceram civilizações
inteiras e também aquelas culturas que moldaram o comportamento dos seres
humanos. Houveram grandes líderes, tanto políticos como religiosos, com todos
os seus enganos para os seres humanos. E depois dessa enorme evolução do
cérebro humano, somos o que sempre fomos: primitivos, bárbaros, cruéis, e nos
preparamos para a guerra. Hoje em dia, cada nação armamento de loja E os seres
humanos ainda estão presos nessa roda do tempo. Nós não mudamos muito; ainda
somos bárbaros, com todos os tipos de crenças e superstições. Mas afinal, onde
estamos?
[...]Então perguntamos: mudaremos com o tempo? Ou
seja, ao longo do tempo, em cinquenta mil ou um milhão de anos, mudará a mente
humana, o cérebro humano? O tempo não tem nenhuma importância? Vamos falar
sobre todas essas coisas.
Os seres humanos estão psicologicamente feridos. Em
todo o mundo, os homens sofrem de um enorme sofrimento, dor, tristeza, solidão
e desespero. Sem dúvida, o cérebro criou as coisas mais maravilhosas, tanto ideológica,
como tecnológica e religiosamente. O cérebro tem uma capacidade extraordinária;
mas esta é muito limitada. Tecnologicamente nós avançamos em alta velocidade;
no entanto, psicologicamente, internamente, somos muito primitivos, bárbaros,
cruéis, irrefletidos, insensíveis e indiferentes com o que acontece. Não apenas somos indiferentes à corrupção que se estende
no campo ecológico, mas também para com a que existe em nome da religião, da
política, dos negócios, etc. A corrupção não consiste apenas em passar dinheiro
por debaixo da mesa ou contrabandear mercadorias no país, mas começa onde existe
interesse próprio, que é a origem da corrupção.
[...] Nós usamos nossa energia, nossa capacidade,
nossa compreensão intelectual em uma única direção, na tecnológica. No entanto,
nunca entendemos o comportamento humano ou por que somos o que somos depois deste
longo período de evolução... Nós ganhamos muito dinheiro, conseguimos ter casas
grandes, carros, etc., mas psicologicamente, internamente, no subjetivo,
estamos praticamente paralisados, porque dependemos dos outros para nos dizer o
que devemos fazer ou pensar.
[...] Devemos investigar o seguinte: nossa relação com
o mundo, que se torna mais e mais complexo; nossa relação uns com os outros,
por mais íntima que seja; nossa relação com um ideal; nosso relacionamento com
o nosso guru, e com o que chamamos Deus. Temos que investigar seria e
profusamente essa qualidade do cérebro que compreende ou tem uma percepção
direta sobre o mundo externo e todo nosso mundo interno. Deve ficar
claro que nós não tentamos indicar um caminho, um método, um sistema ou de nenhuma
maneira tentamos ajudá-lo. Pelo contrário, nós somos seres humanos
independentes, isso não é uma afirmação cruel ou indiferente. Pelo contrário,
somos como dois amigos que falam sobre essas coisas juntos, tentando entender o
mundo: o meio ambiente, todas as complexidades da economia e a divisão de
religiões e nações. Amizade significa que não tentamos persuadir, nos impor, nem
impressionar um ao outro. Somos amigos e, portanto, há uma certa qualidade de
afeto, de compreensão, de intercâmbio. Estamos nessa posição.
Assim, começamos primeiro por ver o que é o cérebro.
Quem lhes fala não é um especialista do cérebro, mas tem falado com diferentes
pessoas que o são. O cérebro, localizado no interior do crânio, é um
extraordinário instrumento. Acumulou um enorme conhecimento de quase tudo,
inventou as coisas mais incríveis, como os computadores, os velozes meios de
comunicação e os instrumentos de guerra. Nesse campo, o cérebro tem liberdade
absoluta para inquirir, para inventar e para investigar. Começa com o
conhecimento, e acumula mais e mais saber. Se certa teoria não funciona, a
descarta. Sem dúvida, o cérebro não é tão livre na hora de investigar o “eu”;
está condicionado, moldado, programado para ser hindu, muçulmano, cristão,
budista, etc. Como um computador, o cérebro humano está programado: que as
guerras são necessárias, que temos de pertencer a certo grupo, que nossas raízes
são parte do mundo, etc. E isso é verdade, não é um exagero. Todos estamos
programados pela tradição, pela constante repetição dos jornais e revistas, por
milhões de anos de pressão. O cérebro tem liberdade em uma direção: o mundo da
tecnologia; mas este mesmo cérebro, que é enormemente capaz, se vê limitado por
seu próprio interesse. Nosso cérebro, que é completamente livre em uma direção,
no psicológico está atrofiado.
É possível que o cérebro humano seja totalmente livre
para ter uma enorme energia? Não para fazer travessuras, não para ter mai poder
e dinheiro (ainda que se deva ter um pouco de dinheiro), senão para inquirir,
para descobrir uma maneira de viver livre do medo, do sentimento de solidão, do
sofrimento, e para se perguntar pela natureza da morte, da meditação e da
verdade. É possível que o cérebro humano, que foi condicionado durante milhões
de anos, seja totalmente livre? Ou os seres humanos estão condenados a serem
escravos e a nunca conhecerem o que é a liberdade? Não se trata de uma
liberdade abstrata, senão da liberdade do conflito, porque vivemos nele. Um
fator comum em todos os seres humanos, desde que nascem até que morrem, é essa
luta constante, essa busca de segurança, por isso nunca a encontram, e ao se
sentirem inseguros buscam por segurança. Assim, é possível que os seres humanos
neste mundo moderno, com todas as suas complexidades, vivam sem sombra de
conflito? Porque o conflito adultera o cérebro, reduz sua capacidade, sua
energia e, portanto, logo se esgota. À medida que você envelhece, pode observar
em si mesmo esse conflito permanente.
O que é o conflito? Por favor, não esperem que eu
responda; isso não tem nenhuma graça. Faça-se essa pergunta, exercite sua mente
para descobrir qual é a natureza do conflito. É evidente que onde há dualidade
há conflito: “eu” e “você”, minha esposa e eu, a divisão entre o meditador e a
meditação. Enquanto existir divisões entre nacionalidades, entre religiões,
entre pessoas, entre o ideal e o fato, entre “o que é” e “o que deveria ser”,
haverá conflito. Essa é a lei. Sempre que haja divisão, a que existe entre o
árabe e o judeu, entre o hindu e o muçulmano, entre pai e filho, etc., haverá
conflito. Isso é um fato. Essa divisão também é o “mais”: “Não sei, mas se me
derem uns anos a mais, saberei”. Espero que entendam isto.
Quem cria essa divisão entre “o que é” e “o que devera
ser”? Existe uma divisão entre o que chamo Deus, sempre que essa entidade
exista, e eu mesmo; há uma divisão entre querer paz e estar em conflito. Essa é
a verdadeira realidade de nossa vida cotidiana. Por isso quem lhes fala,
pergunta, do mesmo modo que vocês deveriam fazê-lo: quem cria essa divisão, não
só no externo senão também internamente? Por favor, façam-se essa pergunta.
Quem é o responsável dessa confusão, dessa interminável luta, dor, solidão,
desespero, e dessa sensação de sofrimento da qual, segundo parece, o ser humano
nunca pode escapar? Quem é o responsável por tudo isso? Quem é o responsável
por essa sociedade na qual vivemos? Neste país há uma enorme pobreza. Entendem
tudo isso ou nunca haviam pensado nisso? Ou estão tão ocupados com sua própria
meditação, com seus deuses, com suas metas, com seus problemas, que nunca
pensaram nisso, que nunca o haviam questionado?
Há várias coisas implicadas nisso. Aqueles que são
bastante inteligentes, conscientes e sensíveis, sempre buscaram por uma
sociedade igualitária. Têm-se perguntado: pode haver igualdade de
oportunidades, é possível eliminar as diferenças de classes de modo que não
haja divisão entre o trabalhador e o diretor, entre o carpinteiro e o político?
E nós queremos saber: há justiça no mundo? Houve diversas revoluções, como a
francesa e a russa, que tentaram estabelecer uma sociedade onde houvesse
igualdade, justiça e bondade. Mas não tiveram sucesso; ao contrário, de
diferentes modos regressaram ao velho modelo. Assim, têm que se investigar não
só por que os seres humanos vivem em constante conflito e sofrimento e por que
buscam segurança, senão também a natureza da justiça. Existe realmente justiça
neste mundo? Existe? Você é inteligente e o outro não é. Você goza de todos os privilégios
e o outro não tem nenhum. Você vive numa enorme casa e o outro em uma cabana
com apenas uma comida por dia. Logo, há realmente justiça? Não é importante
descobrir por si mesmo e, portanto, ajudar a humanidade? [Sinto muito, não quis
dizer “ajudar”; retiro essa palavra]. Para compreender e descobrir s na
realidade existe a natureza da justiça, devemos investigar com grande afinco a
natureza do sofrimento, e se de verdade é possível eliminar o auto interesse. Também
devemos investigar o que é a liberdade e o que é a bondade.
Cada ser humano tem criado essa sociedade na qual
vivemos, com sua cobiça, sua inveja, sua agressividade e sua busca de
segurança. Nós temos criado a sociedade em que vivemos, para logo nos
convertermos em escravos dessa sociedade. Entendem tudo isto? A partir do medo
do ser humano, do sentimento de solidão e da busca da segurança (sem nunca
entender o que é a insegurança e buscar sempre a segurança) temos criado a
nossa cultura, nossa sociedade, nossas religiões e nossos deuses. Assim, pois,
voltamos ao princípio. Quem estabeleceu essa divisão? Porque a divisão e o
conflito existem. Isso é uma verdade absoluta. Pense nisso, senhor. Não foi o
pensamento o que tem dividido o mundo em cristãos, budistas, judeus, árabes,
hindus e muçulmanos? Tem sido o pensamento?
Em consequência, perguntamos: o que é o pensamento?
Vivemos através da ação do pensamento. Trata-se do fator central de nossas
ações. Não é certo? Por meio do pensamento ganhamos dinheiro, o pensamento me
separa de você, separa o esposa da esposa, o ideal de “o que é”. Mas, o que é o
pensamento? O que é pensar? Pensar não é uma atividade da memória? Por favor,
senhores, não aceitem nada do que diz este que lhes fala. Devem incorporar o
benefício da dúvida e questionar suas próprias experiências, suas próprias
ideias. Quem lhes fala diz, como um amigo, a quem pode lhe escutar, e isso
depende de vocês, que o pensamento tem criado essa divisão. O pensamento é o
responsável pelas guerras e todos os deuses que o homem tem inventado. O
pensamento é quem levou o homem até a Lua, criou o computador e todos estes
instrumentos extraordinários do mundo tecnológico. E o pensamento também é o responsável
pela divisão e o conflito entre “o que é” e “o que deveria ser”. Este último é
um ideal; é algo que se deve alcançar, algo que tem que se conquistar, porém
também é afastar-se de “o que é”. Por exemplo, os seres humanos são violentos.
E isto se trata de um fato óbvio. Inclusive depois de um longo período de
tempo, o homem não está livre da violência. Mas inventou a não violência. Não
só a criou, senão que também a busca. Sem dúvida, se realmente é honesto, deve
reconhecer que é violento. Ao buscar isso a que chama “não violência”, semeia
sem cessar a semente da violência. Isso é algo evidente, é um fato.
Neste país se fala muito de não violência, o qual é
vergonhoso, porque todos somos violentos. A violência não é só física; também
se pode considerar violência a imitação, o conformismo, o afastar-se de “o que
é”, de modo que a violência só pode ser eliminada completamente da mente
humana, do coração humano, quando não há um oposto. O oposto é a não violência,
o qual não é algo real, senão que não é nada mais do que uma fuga da violência.
Se você não escapa, então só existe violência. Mas não somos capazes de enfrentar
esse fato. Sempre escapamos do fato, buscamos desculpas, razões econômicas,
inumeráveis métodos para superá-la, mas a violência permanece aí, e o mesmo
fato de tratar de superá-la é parte da violência.
Para enfrentar a violência, é necessário prestar-lhe
atenção e não escapar dela. Deve ver o que é, ver a violência que há entre
homem e mulher, tanto de gênero com de outras formas. Não há violência quando
se busca mais e mais, e se tenta “chegar a ser” mais e mais? Trate de ver a
violência e permanecer com ela; não fuja, não tente reprimi-la, nem transcendê-la,
já que tudo isso implica conflito. Viva com ela, observe-a; de fato,
valorize-a, e não a traduza a partir de seus deuses, seus agrados ou
desagrados. Tão só veja-a e observe-a com enorme atenção. Se presta atenção
completa a algo, é como acender uma luz brilhante, e então verá todas as
qualidades, as sutilezas, as implicações, verá todo o mundo da violência.
Quando se vê algo com muita clareza, esse algo desaparece. Mas nos recusamos a
ver as coisas desse modo.
Agora, perguntamos: quem tem criado o conflito entre
os seres humanos, com o meio ambiente, com os deuses, com tudo? Alguma vez e
perguntaram por que se consideram indivíduos? O são realmente? Ou têm sido
programados para acreditarem que o são? Sua consciência é igual a do resto dos
seres humanos: sofrem, se sentem sós, têm medo, buscam o prazer e evitam a dor.
Isso mesmo ocorre com cada ser humano deste mundo, o que é um fato psicológico.
Pode ser que você seja mais alto, mais moreno, mais ruivo, mas tudo isso são
ornamentos externos, como o clima, a comida, etc. E a cultura também é algo
externo. Não obstante, no psicológico, no subjetivo, nossa consciência é comum
ao resto dos seres humanos. Pode ser que você não goste disto, mas é um fato.
De modo que, psicologicamente, você não é diferente do resto da humanidade. Você é
a humanidade. Não diga: “Sim”; não tem nenhum sentido só aceitá-lo como
uma ideia. É um fato irrefutável que você é o resto da humanidade, e não alguém
diferente. Talvez tenha um cérebro melhor, mais riquezas, mais astúcia e
melhores livros; mas deixe tudo isso de lado porque são coisas superficiais,
são adornos. No interior, cada ser humano deste mundo compartilha o sofrimento
com você. Você percebe o que isso significa? Significa que quando diz que é o
resto da humanidade, tem uma enorme responsabilidade. Significa que tem um
enorme afeto, amor e compaixão, e ao essa ideia estúpida de que “todos somos um”.
Devemos investigar o que é pensar e por que se tornou
tão importante. Sem a memória é impossível pensar. Se não tivéssemos memória
não poderíamos pensar. Nossos cérebros (que são iguais aos do resto da
humanidade, e não são pequenos cérebros independentes) estão condicionados pelo
conhecimento, pela memória. E ambos se baseiam na experiência, tanto do mundo
científico como do mundo subjetivo. Nossas experiências, por mais sutis, por
mais espirituais e por mais pessoais que sejam, sempre são limitadas. Por isso
nosso conhecimento, que é o resultado da experiência, também é limitado.
Podemos somar mais e mais conhecimento, mas por mais que acrescentemos, o que
acumulamos é limitado. Estamos dizendo que a experiência ao ser limitada, o
conhecimento também o é, seja este do passado, do presente ou do futuro.
Conhecimento significa memória, a qual se guarda no
computador ou no cérebro. Assim, o cérebro é memória. E esta dirige o
pensamento, o que é um fato. Daí que o pensamento sempre é limitado. Estão de
acordo? É lógico, racional, não é algo inventado; é assim. A experiência é
limitada; por conseguinte, o conhecimento também é.
Continuando, perguntamos: existe outra atividade que
não seja divida, que não esteja fragmentada, que não seja separada? Existe uma
atividade holística que nunca seja dividida, como o “você” e o “eu”? A divisão
é o que cria o conflito. Agora, como você descobrirá, por si mesmo, quer dizer,
ver que o pensamento divide, que cria conflito, que forma uma sociedade e logo
se separa dela? O pensamento é o único instrumento que temos tido até agora.
Você pode dizer que há outro instrumento que é a intuição. Mas pode ser
irracional; é possível inventar algo e viver nessa ilusão.
Com toda seriedade perguntamos (se você compreendeu a
natureza do pensamento e se existe outra ação ou forma de viver que não seja
fragmentada, separada como o mundo e eu, ou eu e o mundo): existe esse estado
do cérebro, ou esse estado do não cérebro, que seja totalmente holístico, completo?
Se são sérios, se são livres, o descobrirão. Têm que
se libertar de tudo o que têm acumulado, mas não fisicamente (por favor, não
cancelem sua conta bancária, ainda que de todos os modos não o farão), senão
tratem de eliminar toda acumulação psicológica. Isto se mostra muito difícil;
significa que devem ser livres. Como sabem, etimologicamente a palavra liberdade também significa “amor”.
Quando há liberdade, nenhuma limitação e essa enorme profundidade, também há
amor. Para descobri-lo, e para que apareça essa forma de vida holística, livre
de interesse próprio, você deve estar livre de atrito e conflito na relação.
Vivemos em relação. Podemos viver no Himalaia, num
mosteiro, numa pequena cabana ou num palácio, mas não é possível viver sem se
relacionar. Relacionar-se significar “estar relacionado”, “estar em contato com”,
não só física e sexualmente, senão também estar
em total contato com o outro. Não obstante, nunca estamos deste modo com o
outro. Inclusive na relação mais íntima, home-mulher, cada um persegue suas
ambições pessoais, suas próprias realizações, sua forma de viver oposta à do
outro, do mesmo modo que duas linhas paralelas que nunca se encontram. Nesse
tipo de relação, sempre existe algum conflito. Enfrentem esse fato.
Mas, o que é que cria o conflito entre dois seres
humanos? Em sua relação com sua esposa, com seu esposo ou com seus filhos (que
é a relação mais íntima), o que é que cria o conflito? Façam-se essa pergunta,
senhores. Não se deve ao fato de terem uma imagem de sua esposa e ela ter uma
imagem de você? Essa imagem que se construiu com muito, muito cuidado, seja num
período curto ou muito longo, esse registrar constante no cérebro da relação
com o outro, cria a imagem de sua esposa ou esposo; e essa imagem é a que
divide. Em especial, quando se vive na mesma casa com todo esse caos, então
foge-se tornando-se monge ou o que quer que seja. Mas ali também tem seus
próprios problemas, seus próprios desejos, suas próprias buscas, que novamente
se convertem em conflito.
Podemos viver sem nenhuma imagem do outro, realmente
sem nenhuma imagem? Alguma vez já tentaram isso? Observem a lógica, o sentido
comum: enquanto funciona o maquinário que cria as imagens, que registra
insultos ou elogios, isso cria uma imagem do outro, e a imagem é o fator que
cria divisão. Logo, é possível viver sem nenhuma imagem? Nesse momento
descobrirá o que é a verdadeira relação, porque não haverá nenhum conflito
nela, o que é totalmente necessário se se quer compreender a limitação do
pensamento e investigar uma holística maneira de viver, livre de qualquer
fragmentação.
Outro fator se deve a que, desde a infância, temos
sido educados para que tenhamos problemas em nossas vidas. Quando somos
enviados à escola, temos que aprender a ler, a escrever, etc. Aprender a
escrever constitui um problema para o menino. Por favor, sigam isto com
determinação. A matemática, a história, a química se convertem num problema, de
modo que, desde a infância, se educa ao menino para que viva com problemas,
seja o problema de Deus, ou muitíssimo mais. Por isso, nossos cérebros estão
condicionados, educados, acostumados a viver com problemas, pois que desde a
infância o fazemos. O que ocorre quando educamos o cérebro com problemas? Nunca os resolve, só gera outros.
Quando um cérebro está treinado para ter problemas, para viver com eles, ao
tratar de solucioná-los, nesse mesmo ato de solucioná-los, cria outro problema. Desde a infância temos sido treinados e
educados para viver com problemas, portanto, ao estar assentados neles, nunca
os solucionamos totalmente. Só um cérebro livre, que não está condicionado para
ter problemas, pode solucioná-los. Ter problemas continuamente é uma de nossas
marcas porque, em consequência, nossos cérebros nunca estão calmos, livres para
observar, para olhar.
Por esta razão, perguntamos: é possível não ter nenhum
problema e enfrentá-los? Sem dúvida, para compreendê-los e resolvê-los
completamente, o cérebro deve estar livre. Observe a lógica. A lógica, junto
com a razão, são necessárias. Só então se pode ir mais além da lógica e da
razão. Mas se você não é lógico, se não avança passo a passo, sempre se
enganará e terminará vivendo em algum tipo de ilusão. Descobrir uma maneira de
viver que permita enfrentar os problemas, resolvê-los e não cair preso neles,
requer uma enorme observação e atenção, perceber-se e assegurar-se de que
nunca, nem por um segundo, se engana a si mesmo.
Primeiro deve haver ordem. E esta só surge quando não
há problemas, quando há liberdade, mas não a liberdade para fazer o que se
quer, porque isso não é liberdade em absoluto. Escolher este guru ou aquele outro, este livro ou aquele, não é mais que outra forma de confusão.
Onde há escolha, não há liberdade. Você só escolhe quando o cérebro está
confuso. Quando o cérebro tem clareza, então não há lugar para escolha, já
que só existe percepção direta e ação
correta.
Krishnamurti,
2 de fevereiro de 1985