Por que somos prisioneiros da escolha?
K:
Você disse não temos escolha, por quê?
I:
É assim que a natureza humana é.
K:
Não. O cavalheiro diz que não temos escolha. O que você quer dizer com
"escolha"? O perigo é uma escolha? Por que você escolhe?
I:
... O condicionamento.
K:
Não, não diga a primeira coisa que vem à mente.
I:
No nível biológico, vamos supor que você gosta de fumar, ou o que for, ok? É
perigoso mas agradável, portanto, o pensamento pode escolher.
K:
Sim. Olhe, senhor, estamos tentando descobrir o profundo significado da palavra "escolha". Eu escolho
entre dois tipos de tecido para um par de calças ou um abrigo. Espere, espere.
Eu escolho ir a um certo lugar e não a outro; entre este guru e aquele; eu
escolho acreditar nisso e não nisso, e eu pergunto se você pode ouvir com
carinho para descobrir assim por que escolhe. Qual é a origem de sua escolha?
I:
A desatenção.
X:
Mais uma vez, o prazer.
K:
Não, não. Quando você escolhe? Não é a incerteza o que faz você escolher? Para
a pessoa que vê com absoluta clareza, não há escolha. É assim.
I:
Eu escolho quando não sei.
K:
E o que isso nos diz, senhor? É verdade: quando não se sabe. E você acha então
que você encontrará...?
I:
Em um dos casos eu escolho com certeza, e no outro com incerteza.
K:
Eu entendo, mas não vamos nos enredar nas palavras. Quando alguém tem clareza
verdadeira, não escolhe. Quando você conhece o caminho exato para chegar a um
lugar, não há escolha; somente quando está inseguro começa a escolher, ou a
perguntar, a consultar, a indagar. O que estou dizendo é que, no nível
psicológico, a escolha aparece apenas quando se está confuso, inseguro, não é
assim? Quando você vê algo claramente, não há nenhuma necessidade de escolher.
Ou seja, que apenas uma mente confusa escolhe. Vocês ficaram todos em silêncio.
I:
Podemos explorar por que a mente escolhe?
K:
Aguarde, senhor. Se quer compreender, por favor, observe tudo isto. Estamos
examinando, tratando de averiguar juntos por que o cérebro registra. Parte de
sua função biológica, orgânica, é registrar; mas o que perguntamos é por que se
produz algum registro no sentido psicológico.
Alguém
respondeu que não temos escolha a respeito. Bem, a palavra “escolha” implica
que há duas coisas entre as quais escolher. Quando você vê um perigo, não
escolhe, de acordo? Você vê um perigo e age, não diz: “Bem, deveria ir para
esquerda ou para a direita? O que será correto?”
(Risos).
E
de modo similar, pergunto: no nível psicológico, que necessidade temos de
registrar? Ajuda-nos a proteger-nos?
I:
Sim. Na vida, a principio o que importa é a sobrevivência do corpo, mas a mente
logo monopoliza praticamente todo nosso interesse.
K:
Isto é o que estamos dizendo, que a sobrevivência física depende da
sobrevivência psicológica. Por quê?
I:
Porque esta última confere um sentido de identidade.
K:
Identidade com quem?
X:
Porque na realidade não sabemos o que é correto?
K:
E, portanto, se dispõe a averiguá-lo?
Como
averiguará o que é correto quando sua mente está insegura e confusa?
Não.
Estão se afastando do tema. Perdoem, mas vocês não aprofundam em cada passo.
Por
que registramos psicologicamente?
I:
Porque quero fazê-lo.
X:
Porque não estou completo.
K:
Não, senhores. Olhem em seu interior e o averiguem.
I:
Para acumular experiência.
K:
Experiência que é conhecimento, que logo se converte em memória; porque sem a
memória, sem o conhecimento, você não é nada. De modo que dizemos: “Diabos! Tenho
que ter conhecimentos para ser alguém!”
Não
é assim? É a isto que se refere?
I:
Você quer se proteger.
K:
Sim, e no aspecto biológico, orgânico, se protege; é algo que temos aprendido a
fazer muito bem, apesar das guerras e dos terroristas..., exceto as vítimas, é claro.
Mas
você diz que se protege psicologicamente. O que é que protege?
I:
Creio que é...
K:
Responda, por favor. O que é que está protegendo?
I:
Toda essa memória.
K:
Sua ideia de si mesmo.
I:
Temos a mente tão abarrotada que seu conteúdo se tornou mais importante que a
experiência corporal. Nossa mente se converteu nessa miscelânea e somos mais
conscientes dela que de nosso corpo; por isso acreditamos que a mente é o que
devemos proteger.
K:
Ou seja, que você presta mais atenção a seu corpo que a seu cérebro.
I:
Não, ao contrário.
K:
Sim, siga se enredando. (Risos).
Olhe,
senhor, registramos psicologicamente para ser algo, não é certo? Registro onde
nasci, isso é fácil, porque ao cérebro foi ensinado a aceitar certa
estratificação social que, psicologicamente, me proporciona uma posição, uma
sensação de poder, de superioridade. Esses registros psicológicos vão dando uma
progressiva solidez ao ego, ao “eu”, não o vê?
Não
aceite o que eu digo; por favor, olhe a si mesmo. Se não houvesse em você
nenhum registro psicológico, você teria um ego?
I:
Não.
K:
É óbvio.
Psicologicamente
você é agressivo, bruto, violento; isso lhe dá uma sensação de..., já sabe,
autoridade, segurança. Este processo de registro pouco a pouco vai criando
psicologicamente o sentido de “eu”. Isto é um fato, não?
Eu,
minha opinião, meu juízo, minha esposa, meu marido, minha filha, sua filha,
minha casa, minha qualidade, minha experiência, minhas feridas, meus medos,
meus...
Psicologicamente
sou tudo isso. Compreende? Isso é um fato. Não conta que você esteja de acordo
com quem fala; é assim.
A
pergunta então é por que tenho criado este ego, por que existe esse constante
processo de fortalecimento do “eu”.
I:
Para protegê-lo.
K:
Para proteger o que?
I:
Simplesmente me apego ao “eu” cada vez mais.
K:
Sim, senhor. Depois de criá-lo se apega a ele, se torna dependente dele; diz: “Não
me atrevo a destruí-lo”.
I:
É como um castelo de areia.
K:
Areia... Não divague; deixemos os exemplos e atenhamo-nos a uma só coisa.
Pergunto-lhe:
Que
necessidade temos de todo esse processo, que é a origem dos problemas e de
imensas dores?
Devido
a ele, primeiro me sinto ferido, tenho medo, me consomem a ansiedade, o ciúme,
a ambição e logo penso que não deveria senti-me assim, que deveria...
Você
já conhece a batalha emocional, contínua, cada vez mais penosa, mais intensa.
E
o que é que estou criando? É real essa estrutura? Compreende?
Real
no sentido de palpável, como o é este microfone que realmente posso tocar.
Posso
tocar a estrutura psicológica do “eu”?
Obviamente
não; portanto, não é mais que uma acumulação de palavras. É difícil aceitar
isto. Na relação, acumulo ofensas, elogios, consolos; isso pouco a pouco me
leva a depender de você, e se você me ofende, me apego a você para não
sentir-me ferido.
Por
que o fazemos?
Brockwood Park, primeiro palestra
pública,
29 de agosto de 1978
A Atenção e a Liberdade Interior
A Atenção e a Liberdade Interior
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