Na percepção plena, o fim do sofrimento
O
amor é desejo?
O
ardor, a excitação, é um sinal de amor?
O
amor pode existir quando há ambição, agressividade?
Pode
haver amor quando um ser humano é ferido desde a infância, quando há
sofrimento?
Ou
por acaso, esse aroma, isso ao qual temos chamado de amor, existe apenas quando
tudo isso acaba?
Tudo
isso pode acabar?
Não
intelectualmente, nos contentando com explicações adequadas ou com redução do
sofrimento e o medo de uma questão científica de substâncias e comportamento
químicos.
Como
podemos matar outro, seja na guerra ou em uma explosão de violência, se houver
amor?
Aparentemente,
nós humanos somos prisioneiros na terrível tragédia do hábito, da tradição, da atividade
de um cérebro atrofiado por causa de seu funcionamento mecânico.
Tanto
nas igrejas do Ocidente como no mundo oriental nos apegamos às crenças, à fé, à
constante repetição de infinitos e absurdos rituais, que são o produto do
pensamento. E o pensamento é um processo material, como já explicamos e como
alguns cientistas começam a aceitar.
A
pergunta é: o sofrimento pode terminar? Não só o sofrimento pessoa, mas sim o a
humanidade inteira.
Pois
o sofrimento não é seu ou meu; é o sofrimento que cinco mil anos de guerra
criaram;
o
sofrimento pelo qual o ser humano continua se armando para a guerra; o sofrimento
da divisão eterna entre os seres humanos: entre católicos e protestantes, hindus,
budistas e muçulmanos; entre árabes e judeus, americanos e russos...
Esta
divisão permanente é a causa de um terrível conflito mundial. No entanto,
parece que não somos conscientes dele, que não nos percebemos do terrível
perigo diante do qual nos encontramos; nos valemos de qualquer conhecimento,
explicação ou diversão para evitá-lo.
Podemos,
em vez de fugir, perceber com sensibilidade da sociedade que o ser humano tem
criado,
ver que somos parte disso e que somos, portanto, absolutamente e totalmente
responsáveis por tudo o que acontece no mundo?
Queremos
descobrir se esse sofrimento que distorce o pensar pode terminar.
Por
favor, tenham a bondade de levantar esta pergunta; não porque quem lhes fala,
peça que o façam, mas porque é seu sofrimento, o sofrimento da humanidade e não
há palavra, explicação nem fuga capaz de acabar com ele: é preciso enfrentá-lo.
Ou se o olha de lado, superficialmente, com impaciência, tentando
transcendê-lo, isto é, não encara diretamente, ou se está completamente com o
que é, sem que nenhum pensamento interfira e distorça a realidade do
sofrimento.
O
Sofrimento é por um lado autopiedade, tortura autoimposta, abnegação e, por
outro lado, as várias atividades do "eu", que tenta satisfazer seus
desejos, e o consegue ou fracassa.
Tudo
isso, e mais, faz parte do sofrimento.
Você
pode olhar diretamente, estar em contato completo com isso?
Esse
contato total só é possível se não houver divisão entre você e isso ao que chama
de sofrimento.
Você
não está separado do sofrimento; sem dúvida, como observador você acredita que está,
e para remediar esse sofrimento, tenta escapar, reprimindo-o, analisando-o,
ignorando-o, transcendendo-o, pondo-lhe um fim, o que acentua a divisão.
Assim
nós temos vivido tradicionalmente; mas o fato é que você está sofrendo, não que
você está separado dele: quando você fica com raiva, a raiva não é diferente de
você; Quando é violento, você não é diferente da violência.
As
figuras religiosas e símbolos que você tem criado fazem parte de você; embora os
adore
como
se estivessem separados, é o ser humano quem os criou com a mão ou com a mente.
E
como essa divisão só gera conflito, deve-se observá-la; observar em primeiro lugar
que essa divisão existe, que essa é a tradição.
De
acordo com isso, fomos ensinados que o "eu" é separado do sofrimento,
da dor, da ansiedade, de medo e até do prazer; nós fomos condicionados a pensar
assim de meninos e para quebrar esse condicionamento e, assim, acabar com o
conflito, tem que se observar, tem que se estar em contato com esse sofrimento,
com esse medo e com esses desejos, eliminando completamente a sensação de que
há observador que olha para dentro a partir de fora.
Como
em todas as relações entre os seres humanos, o pensamento tem criado uma
divisão.
Se
você observar seu relacionamento com outro, por mais íntimo que seja, você verá
que há uma separação óbvia entre vocês e esta separação, seja nos
relacionamentos íntimos, nacionais ou internacionais, necessariamente gerará
conflito; essa é a lei.
É
por isso que, onde estamos há conflito em todos os nossos relacionamentos.
Então,
existe a possibilidade de ser um com o sofrimento, sem qualquer divisão, sem a
menor tentativa de superá-lo ou explicá-lo?
Pois
nesse contato completo com o sofrimento, a atenção é total, toda a energia é
colocada nisso, e é essa energia que age e põe fim ao sofrimento.
Ojai, sexta palestra pública,
17 de maio de 1981
A Atenção e a Liberdade Interior
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