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quinta-feira, 22 de março de 2018

A compaixão como energia ilimitada


A COMPAIXÃO COMO ENERGIA ILIMITADA

Pupul Jayakar (PJ): Rimpocheji fez uma pergunta: escutando Krishnamurti durante anos, sente-se que a porta está a ponto de se abrir, porém não se abre. Há algo que nos impede?

Achyut Patwardhan (AP): Encontramos que a porta está fechada para nós porque vivemos no tempo e a percepção não pertence ao tempo?

PJ: Muitos de nós temos tido este sentimento de estamos diante de um limiar.

Brij Khare (BK): Isso é certo para todos nós, mas uma parte do problema — e quem sabe isso esteja implícito na pergunta — é que temos medo de abrir a porta pelo que poderíamos encontrar por detrás dela.

PJ: Eu não disse isso.

AP: O que você disse implica que há alguém que abre a porta; mas não é assim.

Jiddu Krishnamurti (K): Depois de exercitar muitíssimo a inteligência, a razão, o pensar racional, e de observar nossa própria vida cotidiana, o que é bloqueia a todos nós? Essa é a pergunta, verdade?

PJ: Eu iria mais além disso. Diria que tem havido diligência, seriedade e que temos discutido isto durante anos...

K: Mas, ainda assim, algo não funciona, correto? É a mesma coisa. Sou um homem corrente, bem instruído, com capacidade para me expressar, de pensar racional e intelectualmente, etc.; porém, em tudo isto há algo que falta por completo e não posso ir mais longe. Esse é o ponto? Além do mais, percebo que toda minha vida está tão  terrivelmente limitada?

PJ: Eu digo que temos feito o que deve se fazer. Temos tomado às decisões.

K: Muito bem. Que é que pode fazer o homem ou a mulher? O que é que pode fazer uma pessoa que tenha estudado ao K, que tenha investigado durante todos estes anos, mas encontra que se enfrenta com uma parede?

PJ: Eu não me acho nem aqui nem lá; me encontro entre os dois. Estou no meio da corrente. Não posso dizer que estou ali nem tampouco que não tenha partido. Você deve ter isto em conta, ainda quando diga que não existe uma aproximação gradual.

K: Qual é a pergunta, então?

PJ: É como se algo estivesse a ponto de se abrir, porém que não se abre.

K: Você é como esse broto que surge da terra e que, apesar de receber a luz do sol, não acaba de se abrir para se converter em flor? Falemos disso.

G: Narayan (GN): O tempo biológico impulsiona a ação, devido a sua inata energia. Você disse que, de igual forma, o tempo psicológico também impulsiona certo tipo de ação. É o tempo psicológico um depósito similar ao biológico?

K: Você está confundindo as duas perguntas. Pupulji disse isto: “Tenho feito muitas coisas. Tenho lido, escutado ao K, e tenho chegado a certo ponto em que não estou inteiramente com o mundo nem com o outro: estou presa no meio. Me encontro na metade do caminho e não posso ir mais longe.”

BK: Eu penso, senhor, que durante vários anos a esta parte, em suas palestras, em seus diálogos, você nos tem insinuado a resposta. E nós dizemos a mesma coisa, mas intelectualmente.

PJ: Não estou disposta a aceitar isso. Quando formulo esta pergunta ao K, eu tenho visto tudo isto e tenho passado por isso.

BK: Reprimimos a parte racional da mente.

PJ: Não, não é assim. Tenho observado o tempo. Tenho examinado o processo do tempo, o tempo psicológico. Tenho visto seu movimento. Algumas das coisas que K disse, me parecem ser assim. Não posso dizer que me sejam completamente desconhecidas. Mas parece haver um ponto em que algum salto é indispensável.

K: Segundo a terminologia cristã, está esperando que a graça desça sobre você.

PJ: Quem sabe.

K: Ou você está buscando por algum agente externo que resolva isto? Tem chegado alguma vez a esse ponto em que seu cérebro já não busca, nem examina, nem indaga, mas que se encontra absolutamente num estado de não saber? Compreende o que digo? Chega ao ponto em que o cérebro se dá conta de que nada sabe, exceto os conhecimentos técnicos, não sabe nada, desde já, no que se refere as coisas do mundo tecnológico?

PJ: Eu não digo isso, mas se conheço um estado no qual o cérebro deixa de funcionar. Não é que diga: “não sei”, mas chega ao seu findar todo movimento.

K: Você passa por alto do que levanto.

PJ: Não o faço.

K: Temo não estar expressando-me com clareza.  Um estado de não saber... entendo que essa é a primeira coisa que se necessita. Estamos sempre argumentando, indagando;  jamais chegamos ao ponto do vazio total, de não saber. Alguma vez chegamos a esse ponto, de modo tal que o cérebro se detenha realmente? O cérebro está sempre ativo, esquadrinhando, indagando, argumentando; se acha sempre ocupado. Pergunto: Existe um estado em que o cérebro não esteja ocupado consigo mesmo? É esse o bloqueio?

Mary Zimbalista (MZ): No vazio há uma abertura tremenda, onde nada se armazena, onde não há nenhum movimento, onde o estado de abertura do cérebro se encontra em seu máximo nível.

K: De momento eu não empregaria todas essas palavras. Só pergunto: Há um instante em que o cérebro se encontre completamente desocupado?

Sunanda Patwardhan (SP): O que você entende por “totalmente desocupado?”

BK: Nesse momento não pensa, está em branco.

K: Por favor, vejam o perigo, porque você está traduzindo o que eu tenho dito.

Jagannath Upadhyaya (JU): Toda ação se acha confinada dentro de uma estrutura de tempo-espaço. Você está tentando nos conduzir ao ponto onde vejamos que toda ação, tal como a conhecemos, não só está limitada pelo tempo e o espaço, senão que também é uma ilusão e, portanto, deve ser negada?

K: Sim, negá-la. Isso é uma teoria ou uma realidade?

JU: Você está falando desse estado que se encontra entre duas ações?

K: Começamos por investigar a ação? O que é a ação?

JU: Na realidade, não há ação.

K: Todos vocês teorizam. Eu quero saber o que é a ação, não conforme alguma teoria, mas sim de fato. Que é a ação em si mesma, per se, o fazer.

JU: A ação é o movimento do pensar, de um ponto a outro do espaço, ou um momento a outro do tempo...

K: Não falo do pensamento que se move de um ponto a outro ponto, mas sim da ação, do fazer.

PJ: Qual é a pergunta fundamental?

K: Trato de formular a pergunta fundamental que você levantou no começo: O que é que nos impede de florescer? (Uso a palavra “florescer”, com toda a beleza, o perfume e o deleite associados com ela). É basicamente o pensamento? Só estou perguntando. É o tempo, é a ação? Ou, na realidade, não tenho lido a fundo o livro que sou eu mesmo? Tenho lido, talvez, um certo número de páginas de um capítulo, porém, não tenho finalizado totalmente com o livro.

PJ: Neste ponto, eu digo que tenho lido o livro. Não posso dizer que tenha lido o livro completamente porque, cada dia, a cada minuto, se lhe escreve um outro capítulo.

K: Não, não. Aqui estamos, pó fim. Eu lhe pergunto: Já leu alguma vez o livro, não de acordo com o Vedanta, o budismo, o islamismo, ou inclusive de acordo com os psicólogos modernos, senão realmente leu o livro?

PJ: É de algum modo possível perguntar se se tem lido o livro completo da vida?

K: Se de algum modo tiver lido o livro, você descobrirá que não há nada que ler.

JU: Você tem dito que se há percepção do instante, em sua totalidade, então, tudo está no instante.

K: Mas isso é tão só uma teoria. Não estou criticando, senhor. Pupulji disse: tenho escutado ao K; tenho conhecido diferentes gurus; tenho meditado. E ao final disto, só há cinzas em minhas mãos, em minha boca.

PJ: Não, eu não diria que há cinzas em minhas mãos.

K: Por quê?

PJ: Porque não as vejo como cinzas.

MZ: Nós temos explorado. E temos chegado até certo ponto.

K: Sim, o admito. Vocês têm chegado a certo ponto e estão presos aí. Não é isso?

PJ: Eu tenho chegado a certo ponto e não sei o que fazer, aonde ir, como voltar.

Radha Burnier (RB): Você quer dizer que não se produz a ruptura?

K: Por que não somos simples? Eu tenho alcançado um ponto, e esse ponto é tudo o que temos dito; e a partir dali começarei.

PJ: Você deve entender uma coisa. Há uma diferença, Krishnaji; uma coisa é fazer uma viagem, e outra coisa é dizer que estamos desesperados. Eu não digo isso.

K: Você não está desesperada?

PJ: Não. Também estou o suficientemente desperta como para ver que, havendo viajado, a flor não se abriu.

K: O que você pergunta, pois, é por que a flor não se desabrochou, por que o casulo não se abre — expresse-o como preferir.

AP: Para tirá-lo do contexto pessoal: Quando você nos fala, Krishnaji, há algo dentro de nós que responde e diz que isso é verdade, que é o certo, porém não somos capazes de captá-lo.

PJ: Em meus tempos tenho chorado, tenho conhecido o desespero, e tenho visto a escuridão. Mas também tenho tido os recursos para sair disso e, havendo saído, cheguei ao ponto em que pergunto: “Diga-me, já fiz tudo isso. E agora, o que mais?”.

K: E venho a você e lhe faço esta pergunta. Com tudo o que você tem dito até agora, qual seria a sua resposta? Em vez de me perguntar, o que me diria? O que responderia você?

PJ: A resposta é: sacrifício.

AP: Sacrifício quer dizer que se deve continuar, e “continuar” implica tempo.

PJ: Significa queimar as impurezas que nublam nossa visão.

K: Compreende a pergunta? “O pensamento é impuro”; podemos investigar isto?

RB: Isto é muito interessante. O pensamento é impuro, mas não há impureza.

K: Quando você admite que o pensamento é impuro, impuro no sentido de que não é total...

RB: Sim, isso é o que corrompe.

K: Não. O pensamento não é total. Acha-se fragmentado; portanto, é “corrupto”, é “impuro”, ou qualquer que seja a palavra que goste de usar. Aquilo que é total se acha mais além do puro e do impuro, do vergonhoso e do horrível. Quando Pupul disse: “Queimar as impurezas”, escute, por favor, desse modo. Por que o cérebro é incapaz de perceber o total e, dessa totalidade, atuar? A raiz disso — o bloqueio, a inibição, o não florescer — é o pensamento, incapaz de perceber o total? O pensamento gira e gira em círculos.

Agora me pergunto: Suponhamos que estive nessa situação. Suponhamos que vi,  reconheci, observei que minhas ações eram incompletas e que, portanto, o pensamento mesmo nunca podia ser completo e que, em consequência, qualquer coisa que o pensamento fizer seria impura, corrupta e jamais bela...

Por que o cérebro é incapaz de perceber o total? Se vocês podem responder a essa pergunta, quem sabe possam responder a outra.

Rinpoche Samdhong (RS): Você tem interpretado corretamente nossa pergunta.

K: Então, poderíamos mover-nos a partir daí, ou não é possível mover-se a partir daí? Quer dizer, durante todas nossas vidas temos exercitado o pensamento. O pensamento tem chegado a ser a coisa mais importante em nossas vidas, e eu sinto que é esse o verdadeiro motivo de que haja corrupção. Esse é o bloqueio, o fator que impede este maravilhoso florescer do ser humano? Se esse é o fator, então, existe a possibilidade de uma percepção que nada tenha que ver com o tempo, com o pensamento? Estão compreendendo o que estou dizendo? Dou-me conta, não só intelectualmente senão de fato, de que o pensamento é a origem de toda a maldade, imoralidade e degeneração. Vejo isso realmente, o sinto em meu sangue? Se é assim, minha pergunta seguinte é: visto que o pensamento se acha fragmentado, dividido, e é limitado, há uma percepção que seja total? É esse o bloqueio?

JU: Minha mente tem sido educada na disciplina da ordem consecutiva. Por isso, não há a possibilidade de dizer: “Isto pode ser?” ou é assim ou não é assim.

K: Eu tenho sido treinado na sequência do pensamento — do pensamento, que é lógica. E meu cérebro está condicionado a causa e efeito.

JU: Estou de acordo em que o pensamento não é completo.

K: Senhor, não é um caso de acordo ou desacordo. Vê realmente que o pensamento é incompleto e que qualquer coisa que faz é incompleta? Qualquer coisa que o pensamento faça criará — deve fazê-lo — dor, dano, angústia, conflito.

AP: O pensamento só lhe levará até um determinado ponto. Se moverá até um certo grau.

JU: Nós temos alguns outros instrumentos, certos processos, mas você parece faz caso omisso deles. Você desfaz qualquer coisa que tenhamos adquirido. Suponhamos que estejamos com uma enfermidade, você não pode curá-la; nenhum agente externo pode fazê-lo; nós mesmos temos que nos livrar-nos da enfermidade. Portanto, devemos descobrir um instrumento que possa abrir a porta que leva da enfermidade à boa saúde. Esse instrumento é tão só o pensar o qual, num instante, rompe o domínio do falso; e na ruptura mesma, nasce uma outra ilusão, uma outra irrealidade. O pensamento volta a romper isso, e desta maneira nega o falso uma e outra vez. Há um processo de dissolução do pensamento, e o pensamento mesmo aceita isto e continua negando. Assim que na própria natureza do pensamento está o perceber que pode dissolver-se a si mesmo.

Todo o processo do pensamento é discriminação. Abandona uma coisa to pronto descobre que é o falsa. Mas aquilo que a percebeu como falsa é também pensamento.

K: Certamente.

JU: Em consequência, o processo de percepção continua sendo conduzido pelo pensamento.

K: Você está dizendo que a percepção é anda pensamento. Nós dizemos algo diferente. Dizemos que há uma percepção que não pertence ao tempo, que não pertence ao pensamento.

RMP: Queremos saber sua posição mais claramente. Tenha a bondade de explicá-la em detalhe.

K: Em primeiro lugar, conhecemos a percepção comum do pensamento: discriminar, comparar, construir, mover-se em todas as atividades humanas de escolha, liberdade, obediência, autoridade e tudo isso. Esse é o processo do pensamento que percebe. O que perguntamos – não o afirmamos — é se há uma percepção que não seja pensamento.

PJ: A muito quisera saber qual é o valor de uma pergunta como essa. Veja, você formula uma pergunta e diz que nenhuma resposta é possível.

K: Não, não.

PJ: É possível uma resposta?

K: Sim. Conhecemos a natureza do pensamento. O pensamento discerne, distingue, elege; o pensamento cria a estrutura. Há na percepção um movimento do pensar para distinguir entre o correto e o incorreto, o verdadeiro e o falso, o adorável e o aborrecível, o bom e o mal. Conhecemos isso e, como dissemos, isso nos prende ao tempo. Bem, agora, permanecemos aí, ou seja, permaneceremos perpetuamente em conflito? Assim que você pergunta: Há uma investigação que nos conduza a um estado de não conflito? O que implica: Existe uma percepção que não nasça do conhecimento, sendo o conhecimento experiência, memória, pensamento, ação? Eu pergunto: Há uma ação que não se baseie na recordação, ou seja, no passado? Há uma percepção que esteja completamente independente do passado? Vocês investigariam comigo desse modo? Eu conheço isto, e me dou conta de que isto implica um eterno conflito.

AP: Neste processo que é o pensar dentro do campo de causa e efeito, não há uma maneira de escapar das reações em cadeia. Este é tão só escravidão. Portanto, ao observar isto, nos liberamos disso aqui e agora. A continuação, nos perguntamos: Há uma percepção que não seja afetada pelo passado, que não esteja comprometida com o passado, sendo o passado tudo quanto temos feito, tudo quanto nos tem preocupado?

K: É algo muito racional perguntar-se isso; não se trará de uma pergunta ilógica.

AP: Porque temos aprendido por experiência, que o pensar por intermédio do processo de causa e efeito não pode liberar-nos da roda do sofrimento.

JU: Qualquer que tenha sido nosso instrumento, você acabou com ele. Antes de que nos aflija uma enfermidade, você já a tem eliminada. O homem enfermo continuará vivendo. Portanto, quando quer livrar-se da enfermidade, é preciso indica-lhe algum processo mediante o qual possa alcançar a saúde. Inclusive depois de renunciar a cadeia de causa efeito, necessita que se lhe demonstre a sua futilidade. Eu aceito que é muito difícil de fazê-lo.

AP: Não. O que você está dizendo equivale a afirmar que não podemos liberar-nos da roda do tempo.

JU: Não, não é isto o que estou dizendo. Causa e efeito é um movimento no tempo; e se você afirma que ao final disso ainda permanece um “processo”, essa deve ser uma forma de atividade mental. Qualquer coisa que seja, se levanta a pergunta: Pode permitir-se que o paciente morra antes que se cure de sua enfermidade? Eu aceito o fato de que a cadeia de causa e efeito é incompleta. Entendo também que, até que possamos rompê-la, este dilema não poderá ser resolvido; mas a questão é muito simples, a saber, que o paciente deve restabelecer a saúde e não deixar que morra. A enfermidade deverá ser curada sem matar ao paciente.

K: Se você diz que a vida é conflito, continua estando onde está.

PJ: Upadhyayaji compreende todo o movimento do conflito no tempo e vê sua insuficiência. Mas, segundo a metáfora eu ele usa, o homem enfermo, o homem que sofre e deseja ser curado, não pode matar-se a si mesmo antes que lhe curem. O que você pede é que ele se mate.

K: Você está fabricando um exemplo insustentável.

PJ: Ele pode expressá-lo de outra maneira. Não duvidamos tampouco que o conflito é o “eu”. Finalmente, a sociedade e tudo o mais pode ir-se pelo ralo. E isso é o “eu”. Toda experiência, toda busca se centra ao redor daquilo que é pensamento preso no tempo, no tempo como conflito.

K: Portanto, o “eu” é conflito.

PJ: Vejo que é assim, mas o vejo de um modo abstrato.

K: Não, não é assim de um modo abstrato; é assim.

PJ: Quem sabe esta seja a última coisa que nos está detendo...

K: Sejamos muito simples. Reconheço que minha vida é conflito. O conflito sou “eu”.

AP: Depois de aceitar a futilidade da causa e efeito, o que fica é uma identificação com certos hábitos reflexos. Essa identificação se rompe ou não? Se não se rompe, então nosso diálogo se desenvolve somente em um nível teórico.

K: Não introduza mais palavras. Quando você diz que o conflito chega a seu fim, chega a seu fim “eu”? Ou há um bloqueio?

PJ: Eu conheço o conflito.

K: Não o conhece. Não pode conhecê-lo.

PJ: Como pode dizer isso?

K: Isso nada mais é que uma teoria. Dou-me conta realmente de que estou em conflito? Percebo em meu sangue, em meu coração, no mais profundo de “mim mesmo” que “estou em conflito”, ou é só uma ideia a que estou tratando de me adequar?

JU: Se se aceita que a cadeia da causalidade inclui o impacto do tempo, do espaço e das circunstâncias, devemos reconhecer que este é um problema sumamente importante. Isto é como uma roda, e cada movimento desta roda não vai dissolver o problema. Aceitamos isso por lógica e por experiência. O que estive tratando de explicar mediante um exemplo, é que um processo deve seguir sendo o que é dentro da roda da dor.  Se a enfermidade não existe, e se a roda da dor não existe, algum princípio de vida deve, sem dúvida, cair.

AP: Um processo de continuidade.

JU: Então, o que é isso? É imutável?

AP: Quando percepção e ação não se relacionam com o passado, há um cessar da continuidade.

K: E só sei que minha vida é uma série de conflitos até que morro. Essa é nossa vida. Pode o homem admitir isto?

Eu sou um homem razoável, um homem reflexivo, e me pergunto: “Devo seguir deste modo?” Então vê você e me diz: “Averigue se há um modo diferente de olhar, de atuar, que não contenha isto, porque isto é a continuidade”. Também me diz que há um modo diferente, que não é este, e diz que me mostrará.

JU: Eu aceito que este círculo da continuidade em que não nos estamos movendo não nos leva a nenhuma parte. Até aí estou de acordo com você. Onde se trata de uma questão de experiência, esclareço minha posição com ajuda de um exemplo. Mas você o invalida ao afirmar que tenho que descartar a continuidade. Se a continuidade se interrompe, a questão mesma desaparece. Como posso, pois, aceitar a proposição de que devo renunciar a continuidade por completo?

AP: Por conseguinte, devemos deixar de lado exemplos e comparações. Temos que nos libertar de todas as ancoras do passado.

JU: Ainda que deixemos os exemplos, isso não traz uma terminação; a menos que haja um final, como pode haver um novo começo?

K: Quem está dizendo isso?

AP: Você tem dito que isto é tempo; disse que neguemos o tempo.

RB: O que Upadhyayaji disse é isto: que a vida é conflito, tempo, pensamento; e ele aceita que estas coisas devem desaparecer.

JU: Se isso desaparece, qual é, então, a conexão entre isso e o que vai a ser?

K: Não falo de nenhuma conexão. Sou um indivíduo que sofre, que se debate no desespero, no conflito, e digo que tenho estado assim durante sessenta anos; por favor, mostre-me uma maneira diferente de viver. Vocês aceitariam este fato tão simples? Se o aceitam, pergunta seguinte é: Há uma maneira de olhar, de observar a vida sem introduzir nela o passado? Há uma maneira de atuar sem que opere o pensamento, que é memória? Eu digo que vou descobrir o que é a percepção. Tenho percebido a vida como conflito; isso é tudo o quanto conheço.

Alguém se aproxima de mim e me diz: “Descubramos o que é a verdadeira percepção”. Eu não o sei, porém, escuto o que ele me diz. Isto é importante. Nesse escutar não introduzo minha mente lógica; escuto. Está acontecendo isso agora? Quem fala disse que há uma percepção sem memória. Escutam isso ou estão dizendo que existe uma contradição? Se estão dizendo algo, seja o que for, isso significa que não escutam em absoluto. Espero que o tenham captado. Eu digo: “Achyutji, uma maneira de viver sem conflito”. Ele me escutará? Escutará e não traduzirá imediatamente numa reação? O está fazendo isso?

AP: Quando se faz uma pergunta ou quando nos enfrentamos com um fato, tem que haver um escutar sem nenhuma reação, porque só em um estado semelhante pode haver, em absoluto, relação com aquilo que é o passado.

K: Portanto, não há reação; e o que isso implica? Implica que você já está vendo. Compreende?

JU: Não tenho compreendido o estado. Por exemplo, se se observa durante um só instante e com atenção, todas as ilusões, então, à luz dessa atenção, se dissipará todo o processo ilusório; e esse mesmo instante de atenção será o instante de verdadeira observação, não é assim? Porque isso significaria que se observou “o que é” como é.

PJ: Krishnaji nos pergunta se podemos escutar sem o passado, ou seja, sem introduzir as projeções do passado. Somente então, nesse escutar assim, há percepção.

JU: Por isso dizia que, se o instante que está carregado de ilusão pode ser visto com atenção plena, então esse instante se converte o instante de percepção, já que a ilusão é vista tal como é. Para dar um exemplo: vejo uma moeda sobre a qual está o selo do Ashoka  Chakra. A outra cara da moeda é diferente, mas são duas caras da mesma moeda. O ver, a percepção que esteve presa no passado, é um ver semelhante?

K: Não. Bem, agora, senhor, você é um grande erudito budista. Conhece e tem lido muitíssimo sobre o budismo. Sabe o que Buda disse; conhece todas as intrincações das análises budista, da exploração budista e as extraordinárias estruturas budistas. Bem, agora, se o mesmo Buda lhe aparecesse e lhe dissesse “Escute”, você o escutaria? Por favor, não se ria, porque isto é muito sério. Senhor, responda a minha pergunta: se o Buda viesse hoje aqui, agora, se estivesse sentado à sua frente e lhe dissesse “Por favor, Senhor, escute”. Você o escutaria? E se, além do mais, acrescenta-se “Se me escutar, essa é a sua transformação”. Somente escutar. Esse escutar é o escutar da verdade. Você não poderia discutir com o Buda.

JU: Essa atenção pura é o Buda e tal atenção é ação, a qual é, em si mesma, o Buda. Por isso mesmo é que eu coloquei o exemplo da moeda, que possui um selo de um lado e um selo distinto do outro.

K: Você escutaria? Se o Buda me falasse, eu lhe diria: “Senhor, lhe escuto porque sinto amor por você. Não quero chegar a nenhuma parte, porque vejo que o que você disse é verdadeiro, e eu sinto amor por você”. Isso é tudo. Isso tem transformado tudo.

AP: Quando me dou conta de que esta é a palavra do Buda, vejo que é a verdade. Esta verdade barra qualquer outra impressão.

K: Ninguém lhe escutava; por isso existe o budismo.

JU: Não há Buda; não há discurso do Buda. Só existe o escutar. E no verdadeiro escutar está a quintessência dessa sabedoria que transforma. A palavra Buda ou a palavra do Buda não é a verdade. Buda não é a verdade. Essa atenção mesma é o Buda. O Buda não é uma pessoa, não é um avatar, e não há tal coisa como a palavra do Buda. A única realidade é a atenção. Nessa atenção há percepção pura. Isto é prajna, inteligência; isto é conhecimento. Esse instante que estava rodeado pelo passado, esse mesmo instante, iluminado pelo raio da atenção, se converte no instante de percepção pura.

K: Agora, só me escute. Há conflito. Vem um homem como eu e diz que há uma maneira de viver sem conhecimento. Não argumente; só escute. Escutar sem o conhecimento implica escutar sem que opere o pensar.

AP: Esse instante de atenção está totalmente desvinculado do processo do pensamento; não tem relação alguma com a causalidade.

K: Sei que minha vida se acha em conflito. E me pergunto: Há uma maneira de olhar, de escutar, de ver, que não tenha relação alguma com o conhecimento? Afirmo que há. E a pergunta seguinte é: visto que o cérebro está cheio de conhecimentos, como pode um cérebro assim compreender esta declaração? Eu digo que o cérebro não pode responder a esta pergunta. O cérebro está acostumado ao conflito, se habituou a ele, e agora se lhe levanta uma nova pergunta. Portanto, o cérebro se rebela; não pode respondê-la.

JU: Eu quero saber isto. A pergunta que você tem levantado é minha pergunta. Você a expôs com clareza.

K: Este que lhes fala disse: Não se rebele; escutem. Tratem de escutar sem o movimento do pensar, o que implica ver algo sem nomeá-lo. O nomear é o processo do pensamento. Logo, descubram qual é o estado do cérebro quando não utiliza a palavra no ver — a palavra, que é o movimento do pensar — Façam-no.

RMP: Isso é muito importante.

AP: Sua percepção é isso.

JU: Está certo.

PJ: A verdade é ver a incapacidade do cérebro.

K: Toda minha vida tem mudado. Por conseguinte, se desenvolve um processo de aprender completamente diferente, o qual é criação.

PJ: Se isto é. Em si mesmo, o processo de aprender, isto é a criatividade.

K: Dou-me conta de que minha vida está incorreta. Ninguém tem que assinalar-me isso; é assim. Isto é um fato, e você se aproxima e me diz que posso fazer algo instantaneamente. Eu não acredito. Sinto que isso não poderá jamais acontecer. Mas você vem e me diz que é possível terminar imediatamente com toda esta luta, com esta monstruosa maneira de viver. Meu cérebro responde: “não acredito, sinto que você está louco. Você poderá ser o Buda, poderá ser Deus, mas eu não acredito”. Mas K diz: “Observe, o demonstrarei como fazê-lo, passo a passo. Escute, dedique tempo”. Estou usando aqui a palavra “tempo” no sentido de ter paciência, mas a paciência não é, na realidade, tempo; a impaciência é tempo. A paciência não contém o tempo.

SP: Que paciência é essa que não é tempo?

K: Eu disse — todos dissemos — que a vida é conflito. Venho e lhes digo que há um final para o conflito; e o cérebro resiste. Digo-lhes que o deixem que resista, mas que, por favor,  sigam escutando-me. Digo-lhes que não introduzam mais e mais resistência. Digo-lhes que tão só escutem, que se movam, que não fiquem com a resistência. Observem a própria resistência e continuem se avançando; isso é a paciência. Digo, pois: Não reajam, senão prestem atenção ao fato de que seu cérebro é uma rede de palavras, e de que não podem ver nada novo se estão todo o tempo usando palavras, palavras, palavras.

Podem, pois, observar algo, seja o que for — olhar a própria esposa, uma árvore, o céu, uma nuvem — sem uma só palavra? Não dizer: “É uma nuvem”, simplesmente olhar. Quando olham assim, o que acontece com o cérebro?

AP: Nossa compreensão, a totalidade de nossa compreensão é verbal. Quando vejo isto, deixo de lado a palavra. Então, tudo o que vejo não é verbal. Que acontece com o conhecimento acumulado?

K: Que acontece, não de teoricamente, senão de fato, quando você está olhando sem a palavra? A palavra é o símbolo, a memória, o conhecimento e tudo isso.

AP: Isto é somente uma percepção. Quando estou observando algo, e deixando de lado o conhecimento enquanto presto atenção àquilo que é não verbal, que reação tem a mente? Sente que toda sua existência está ameaçada.

K: Observe-o em si mesmo. O que acontece? A mente se encontra em estado de choque; oscila. Tenha, pois, paciência. Observe-a em sua oscilação; isso é paciência. Veja o cérebro no estado oscilante e permaneça com isso. E à medida que o está observando, o cérebro se aquieta. Então, com esse cérebro quieto, observe as coisas; observe. Isso é aprender.

AP: Upadhyayaji, K está dizendo que quando se observa a instabilidade da mente, quando vê que tal é sua natureza, então esse estado desaparece.

K: Está ocorrendo isso? A amarra está rompida. A cadeia está rompida. Essa é a prova. Assim, pois, prossigamos. Há um escutar, há um ver e um aprender desprovido de conhecimentos. Então, o que ocorre? O que é aprender? Há, em absoluto, algo que aprender? Isso significa que se eliminou o “si mesmo”, a personalidade. Não sei se você vê isto. Porque o “si mesmo” é conhecimento. O “si mesmo” está composto de experiência, memória. Memória, pensamento, ação; esse é o ciclo. Bem, agora, está ocorrendo isso? Se não está ocorrendo, comecemos de novo. Isso é paciência. Essa paciência não contém tempo. A impaciência contém tempo.

JU: Que surgirá deste observar, deste escutar? Este estado continuará, ou algo surgirá dele que transformará ao mundo?

K: O mundo sou eu, o mundo é o si mesmo, o mundo são as diferentes personalidades. Bem, agora, que acontece quando isto tem lugar, não teoricamente senão de fato? Em primeiro lugar, há uma energia tremenda; uma energia sem limites; não a energia que é gerada pelo pensamento, não a energia nascida deste conhecimento, senão um tipo de totalmente diferente de energia; e então, essa energia atua. Essa energia é compaixão, é amor. Esse amor e essa compaixão são inteligência, e essa inteligência atua.

AP: Essa ação não tem raízes no “eu”.

K: Não, não. A pergunta de Upadhyayaji é: Se isto realmente tem lugar, qual é o passo seguinte? O que ocorre? O que de fato ocorre é que ele tem esta energia que é compaixão e amor e inteligência. Essa inteligência atua na vida. Quando o “eu” está ausente, existe “o outro”. “O outro” é compaixão, amor, e esta imensa energia sem limites. E essa inteligência atua. E essa inteligência, naturalmente, não é de vocês nem minha.

Madrás,
16 de janeiro de 1981
Fogo na Mente
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"Quando você compreende, quando chega a saber,
então traz toda a beleza do passado de volta
e dá a esse passado o renascimento, renova-o,
de forma que todos os que o conheceram
possam estar de novo sobre a terra
e viajar por aqui, e ajudar as pessoas." (Tilopa)



"Nos momentos tranqüilos da meditação, a vontade de DEUS pode tornar-se evidente para nós. Acalmar a mente, através da meditação, traz uma paz interior que nos põe em contato com DEUS dentro de nós. Uma premissa básica da meditação, é que é difícil, senão impossível, alcançar um contato consciente, à não ser que a mente esteja sossegada. Para que haja um progresso, a comum sucessão ininterrupta de pensamentos tem de parar. Por isso, a nossa prática preliminar será sossegar a mente e deixar os pensamentos que brotam morrerem de morte natural. Deixamos nossos pensamentos para trás, à medida que a meditação do Décimo Primeiro Passo se torna uma realidade para nós. O equilíbrio emocional é um dos primeiros resultados da meditação, e a nossa experiência confirma isso." (11º Passo de NA)


"O Eu Superior pode usar algum evento, alguma pessoa ou algum livro como seu mensageiro. Pode fazer qualquer circunstância nova agir da mesma forma, mas o indivíduo deve ter a capacidade de reconhecer o que está acontecendo e ter a disposição para receber a mensagem". (Paul Brunton)



Observe Krishnamurti, em conversa com David Bohn, apontando para um "processo", um "caminho de transformação", descrevendo suas etapas até o estado de prontificação e a necessária base emocional para a manifestação da Visão Intuitiva, ou como dizemos no paradigma, a Retomada da Perene Consciência Amorosa Integrativa...


Krishnamurti: Estávamos discutindo o que significa para o cérebro não ter movimento. Quando um ser humano ESTEVE SEGUINDO O CAMINHO DA TRANSFORMAÇÃO, e PASSOU por TUDO isso, e esse SENTIDO DE VAZIO, SILÊNCIO E ENERGIA, ele ABANDONOU QUASE TUDO e CHEGOU AO PONTO, à BASE. Como, então, essa VISÃO INTUITIVA afeta a sua vida diária? Qual é o seu relacionamento com a sociedade? Como ele age em relação à guerra, e ao mundo todo — um mundo em que está realmente vivendo e lutando na escuridão? Qual a sua ação? Eu diria, como concordamos no outro dia, que ele é o não-movimento.

David Bohn: Sim, dissemos que a base era movimento SEM DIVISÃO.

K: Sem divisão. Sim, correto. (Capítulo 8 do livro, A ELIMINAÇÃO DO TEMPO PSICOLÓGICO)


A IMPORTÂNCIA DA RENDIÇÃO DIANTE DA MENTE ADQUIRIDA
Até praticar a rendição, a dimensão espiritual de você é algo sobre o que você lê, de que fala, com que fica entusiasmado, tema para escrita de livros, motivo de pensamento, algo em que acredita... ou não, seja qual for o caso. Não faz diferença. Só quando você se render é que a dimensão espiritual se tornará uma realidade viva na sua vida. Quando o fizer, a energia que você emana e que então governa a sua vida é de uma frequência vibratória muito superior à da energia mental que ainda comanda o nosso mundo. Através da rendição, a energia espiritual entra neste mundo. Não gera sofrimento para você, para os outros seres humanos, nem para qualquer forma de vida no planeta. (Eckhart Tolle em , A Prática do Poder do Agora, pág. 118)


O IMPOPULAR DRAMA OUTSIDER — O encontro direto com a Verdade absoluta parece, então, impossível para uma consciência humana comum, não mística. Não podemos conhecer a realidade ou mesmo provar a existência do mais simples objeto, embora isto seja uma limitação que poucas pessoas compreendem realmente e que muitas até negariam. Mas há entre os seres humanos um tipo de personalidade que, esta sim, compreende essa limitação e que não consegue se contentar com as falsas realidades que nutrem o universo das pessoas comuns. Parece que essas pessoas sentem a necessidade de forjar por si mesmas uma imagem de "alguma coisa" ou do "nada" que se encontra no outro lado de suas linhas telegráficas: uma certa "concepção do ser" e uma certa teoria do "conhecimento". Elas são ATORMENTADAS pelo Incognoscível, queimam de desejo de conhecer o princípio primeiro, almejam agarrar aquilo que se esconde atrás do sombrio espetáculo das coisas. Quando alguém possui esse temperamento, é ávido de conhecer a realidade e deve satisfazer essa fome da melhor forma possível, enganando-a, sem contudo jamais poder saciá-la. — Evelyn Underhill