
A NATUREZA DA EXPLORAÇÃO
Interlocutor
A: Toda a vida temos estado pensando em
termos de causa, e temos operado sobre ela. Nossa vida inteira consiste em
viver com a causa, encontrar a causa e tratar de controlar a causa. Ainda
quando conhecemos a causa, não podemos operar sobre ela. Isto também é parte de
nossa experiência. O Buda descobriu a causa do sofrimento e se libertou do
sofrimento. Você disse que a causa é o efeito e o efeito é a causa, e também
assinala que nesta causa e seu efeito, o tempo é inevitável. Ainda depois de
escutar a você, o impacto da causa e a atividade da causa seguem sendo uma
parte integrante de nosso pensar. Podemos investigar isto?
KRISHNAMURTI:
O que significa “explorar”? Muito mais que o fato da exploração, qual é o
estado da mente que explora? Você diz que toda ação tem uma causa e que a causa
afeta a ação, e que sem compreender a causa, faça você o que fizer com a ação,
isso será sempre limitado. Portanto, há que explorar a causa, compreender a
causa e, como consequência, produzir uma mutação na ação. Eu não conheço a
causa de minha ação. Podem haver causas óbvias e outras causas que a mente consciente
é incapaz de descobrir. Eu posso ver as causas superficiais da ação, mas estas
causas superficiais têm raízes muito profundas nos lugares recônditos do
próprio ser.
Bem,
agora, pode a mente consciente examinar não só o superficial, senão revelar o
mais profundo? Pode a mente consciente examinar alguma vez as capas mais
ocultas? E qual é o estado da mente que explora? Estas três perguntas são
importantes. De outro modo, descobrir a causa não tem sentido algum.
R: Explora-se quando não conhece.
KRISHNAMURTI:
Primeiro perguntamos qual é a qualidade da mente que está explorando. O que ela
explora, o superficial ou as causas que se acham profundamente ocultas?
Portanto, antes de iniciar a exploração, devo descobrir qual é o estado da
mente que explora. Você diz que o Buda disse isto, que alguém disse aquilo,
etc. Mas, qual é a condição da mente que tem a capacidade de explorar? Como é o
“eu” que explora — é vesgo, míope, presbíope? Devo ver a qualidade da mente que
olha o carpete antes que eu possa ver algo. É óbvio que essa mente deve ser
livre. Você tem uma mente livre de toda conclusão? De outra maneira, não pode
explorar.
A: Temos inconfessos postulados, e quando os
vemos, nos desprendemos deles.
KRISHNAMURTI:
O que você faz é análises. Você analisa passo a passo. Quando analisa, o que
ocorre? Há o analisador e a coisa analisada. O analisador deve ter uma visão
extremamente clara para analisar, e se esta análise é alguma maneira
distorcida, não serve para nada. O processo analítico, intelectual, implica
tempo. Enquanto você está indagando através da análise, através do tempo, se
introduzem outros fatores que distorcem a causa. De modo que o método de
análise é totalmente errôneo. Há que desistir pois da análise.
J: Estou confuso.
KRISHNAMURTI:
Sim, que estamos confusos, é um fato. Não sabemos o que fazer, e então
começamos a analisar.
A: O processo de análise é para nós algo
concreto. Você disse que enquanto se opera sobre a causa, se introduz outros
fatores. Significa isso que a análise do problema se torna inconsequente?
KRISHNAMURTI:
Penso que todo o processo de análise é errôneo. Você se interessa nesta ação
que vai se acumulando através de uma série de exames analíticos, de inferências
analíticas nas quais está envolvido o tempo. Para quando encontro o que
buscava, estou exausto, morto. É difícil analisar, examinar com a mente
consciente, as capas ocultas. Por isso sinto que tudo este processo intelectual
é incorreto. Isto que digo não implica de modo algum em falta de respeito.
A: Nós só dispomos de uma ferramenta — o
intelecto —, como meio para examinar. O intelecto está capacitado para realiza
um exame? O intelecto pode acumular, recordar, prever, analisar. Isso é só um
fragmento. Portanto, o exame feito
mediante um fragmento só pode produzir uma compreensão fragmentária. Que
devemos fazer?
R:
Eu não posso fazer nada.
KRISHNAMURTI: A análise não é o caminho.
A: Com qual instrumento exploramos? Nossa
razão deve corroborar o que você disse.
J: Você chega até aqui por um caminho que não
é o analítico. Vemos a lógica disso.
KRISHNAMURTI:
Eu lhes digo que a análise não é o caminho para a compreensão. Dou-lhes as
consequências lógicas utilizando a razão. Essas são somente explicações. Por
que vocês não veem a verdade de que a análise não é o caminho?
A: Quando você disse: “eu examino e isto é
assim”, isso é lógica pura.
KRISHNAMURTI:
O que você tem feito é levantar uma conclusão por meio da lógica, mas não
estamos falando de lógica. A lógica é que tem nos conduzido à análise. Há
alguém que diz que sua lógica é falsa porque está baseada sobre o feito do
intelecto, que é parcial. Portanto, o exame parcial, absolutamente, não é exame.
A: É uma análise parcial.
KRISHNAMURTI:
É como dizer que se ama a sua esposa parcialmente.
A: O homem, em seu esforço por compreender o
meio que o rodeia, a natureza, os fenômenos externos, desenvolveu certos
instrumentos, e aqui nós também usamos os mesmos instrumentos. Mas eles não são
adequados.
KRISHNAMURTI:
Não são adequados. O processo de análise implica tempo e, portanto, tem que ser
parcial. O parcial é um produto do intelecto, porque o intelecto é só uma parte
da estrutura total.
A:
Qual é o instrumento que explora quando
se levanta o problema? No momento de levantar problema, temos voltado ao
intelecto.
KRISHNAMURTI:
Você começou dizendo que o intelecto é o único instrumento apto para o exame.
Eu digo que o intelecto é parcial e que, portanto, seu exame será
desproporcionado. Em consequência, carece de validade.
A: Está muito claro que o intelecto é parcial
e não pode ver, mas por hábito é ele quem começa o trabalho.
KRISHNAMURTI:
“A” começou falando de causa-efeito e efeito-causa, que são processos de
análise. A análise implica tempo, e em uma análise assim está o analisado e o analisador,
que deve estar livre de acumulações passadas, de outro modo, não pode analisar.
Como não pode livrar-se do passado, a análise carece de validade. Eu digo que
ao ver isso, o assunto está terminado. Portanto, olho para ver se há outro
modo.
A: É a forma mais curta de resumi-lo; com
lógica, se elimina a lógica.
KRISHNAMURTI:
Vejo que a análise não é o caminho. Isso libera a mente de um processo
totalmente falso. Desse modo a mente é muito mais vital. Como um homem que
caminha levando uma pesada carga, e dela se desembaraça.
A:
Mas conosco a carga regressa.
KRISHNAMURTI:
No momento em que você percebe que algo é verdadeiro, como isso pode regressar?
Quando você vê que uma serpente é perigosa, você não volta à serpente.
A:
Nagarjuna disse: “Se você vê que o que
estou dizendo é um conceito, você está acabado”.
J: Há algum outro modo?
A:
Você disse algo. No momento em que você
disse algo, o instrumento deixa de operar porque esse instrumento não vai dizer
mais nada.
KRISHNAMURTI:
Mas esse instrumento é muito agudo, muito claro; ele se abstém de qualquer ação
parcial.
A:
Está constantemente atento, pode operar.
KRISHNAMURTI:
Não senhor, todo o processo analítico se encerrou.
A:
Quando exploramos isto...
KRISHNAMURTI:
Não, não estamos explorando. Estou lhe mostrando como explorar. O que você tem
feito é utilizar o intelecto, o instrumento parcial, e pensa que essa é a
resposta completa. Veja como a mente tem enganado a si mesma, como disse:
“tenho analisado tudo isto”. Mas a mente não tem visto que isso é parcial e
que, portanto, carece de validade. O intelecto mesmo tem se tornado ineficaz
como instrumento apto para analisar. Então, o que ocorre?
A:
Quando se chega a este ponto, começa a
sentir a necessidade de sustentação, de ajuda, de algo em que possa se apoiar.
KRISHNAMURTI:
O fato é que o intelecto é um instrumento incompleto, e não pode compreender um
fator total, um movimento total, Em que consiste então o exame? Se o intelecto
não pode explorar, qual é o instrumento que pode fazê-lo? O que dizem a
respeito disto Sankara, Nagarjuna, Buda? Algum deles nega o intelecto?
A: Eles falam de explorar com ajuda da terra firme.
KRISHNAMURTI:
Ou seja, que com vitalidade parcial, com energia parcial, há que explorar a
energia total. Como pode ser? Por que eles têm dito isto?
R:
O conceito do vedanta é que com o
intelecto, não se pode ver. Mas se pode fazê-lo com o Eu ou Atman, que é da
mesma natureza da percepção.
A: Como nossas mentes tem sido muito
condicionadas, quando encontramos uma sustentação nos aferramos à ela.
KRISHNAMURTI:
Tudo quanto temos descoberto é que a análise e o método intelectual são em
absoluto a exploração. É como dizer: “penetrarei dentro do túnel, mas só com
uma parte de mim”. Qual é a condição da mente se o intelecto não é o
instrumento?
A: Quando se descarta por completo o
intelecto, então a mente não contém nada que seja do passado.
KRISHNAMURTI:
Quem é o que tem descartado o intelecto? Nesse caso, você está outra vez no
princípio dualístico.
A: Vemos que o intelecto é parcial.
KRISHNAMURTI:
Portanto, nos perguntamos: Qual é a condição da mente que pode explorar? —
sendo a mente não só o intelecto, senão as células cerebrais, o biológico, o
físico, os nervos, a coisa inteira, o total, o completo. Qual é a qualidade da
mente que pode explorar? Eu vejo que
qualquer movimento parcial não é absolutamente ver, e em consequência tenho
terminado com isso. Isso se acabou completamente. A mente se pergunta então
qual é a natureza da percepção total.E é só uma percepção assim, total, a que pode examinar. E pode ser
que ela não tenha necessidade de examinar, absolutamente, porque aquilo que há
de ser examinado pertence ao campo parcial — divisão, análise, exploração.
Então, pergunto: o que é a percepção total, qual é a qualidade da percepção
total?
A:
Um movimento, de qualquer tipo que for,
não pode ser a percepção total.
KRISHNAMURTI:
O que é a percepção total?
R: Parece como se não houvesse instrumento,
porque o instrumento pertence sempre a alguma coisa.
KRISHNAMURTI:
Qual é a dificuldade? Quando você olha para fora por uma janela e vê esses
arbustos, como os olha? Geralmente pensa em algo e o mesmo tempo olha. Eu digo
que tem que olhar, isso é tudo. Qual é a dificuldade? Nós nunca olhamos. Se eu
olho uma pintura, olho. Não digo que este pintor é fulano de tal, que é melhor
que algum outro; não uso a medida, não verbalizo. Acabamos de dizer que o olhar
parcial não é, absolutamente, olhar; portanto, a mente terminou com o parcial,
e desse modo, quando eu olho, olho realmente.
R: O elemento do hábito é muito forte.
KRISHNAMURTI:
Em consequência, a mente que está presa no hábito não pode explorar. Temos que
examinar, pois, a mente que está presa no hábito, e não a exploração. Temos que
compreender o hábito. Esqueça a exploração, a causalidade, a análise. Esqueça
tudo isso. Pode a mente compreender o hábito? Ataquemos esse problema.
A: Qualquer coisa que se vê com o intelecto é
parcial.
KRISHNAMURTI:
Veja a verdade disso, não a lógica disso. Você pode introduzir a lógica mais
tarde. O que você pensa que é a porta, não é a porta. Você não se dirigirá para
ela enquanto não a veja e esteja convencido. Mas você não a vê.
R: Que diferença há entre a percepção e o
reconhecimento? Para nós a percepção existe só na forma de reconhecimento.
KRISHNAMURTI:
Você reconhece a associação. O reconhecimento é parte do hábito de associar.
Digo pois, que você pode examinar ou explorar com uma mente acostumada a
funcionar no hábito. Portanto, investigue o mecanismo do hábito. Não averigue
como examinar, senão investigue o que é esse hábito.
A: Os hábitos são sulcos.
KRISHNAMURTI:
Como são formados os hábitos? Essa é a porta, vou passar por ela; por que então
há de cair a mente no hábito? O que é o hábito? Como é que a mente cai dentro
do hábito? Vou examiná-lo. Nós empregamos a análise, que é parcial, que não é a
compreensão total. Apesar de sabermos que carece de validade, continuamos com
ela. Por que a mente cai dentro do hábito? Será porque é o modo mais cômodo e fácil
de funcionar? Levantar-se às seis, encostar-se às nuvens. Não há fricção, não
tenho que pensar a respeito disso.
A: Eu olho uma árvore. Não tenho que pensar
sobre ela. Não obstante, a mente diz que é uma árvore.
KRISHNAMURTI:
Isso é um hábito. A mente cai em hábito porque é o modo mais fácil de viver, é
fácil viver mecanicamente. No sexual e em outro aspecto a vida é fácil de viver
dessa maneira. Assim posso viver uma vida sem empenhar-me em nada, sem mudar,
porque nisso encontro completa segurança. No hábito não há nenhuma exame, não
há busca, não há interrogações.
R: Eu vivo dentro do campo do hábito.
KRISHNAMURTI:
Assim é que o hábito só pode funcionar dentro de um campo muito pequeno. Como
um professor que é todo um experto em sua especialidade, mas que funciona em um
campo muito pequeno: como um monge que opera dentro de uma cela muito pequena.
A mente que deseja estar a salvo, em segurança, sem mudanças, uma mente assim
vive dentro de padrões. Esse é um exame parcial que não liberta a mente dos
padrões. O que deve então fazer?
A: Havendo visto isto, sabendo que a
compreensão parcial não é compreensão, como há de libertar-se a mente de todos
os seus hábitos?
KRISHNAMURTI:
Vou mostrá-lo.
A: Nós temos examinado o hábito, mas a mente
não tem se libertado dele.
KRISHNAMURTI:
Você jamais voltará para a análise do hábito. Já não voltará a examinar as
causas do hábito. Portanto, a mente está livre da carga da análise, que faz
parte do hábito. Assim que você se livra disso.
R: Sim, sim...
KRISHNAMURTI:
Não. Não só verbalmente. Isso deve morrer. O hábito não é somente sintomático,
senão que é algo psicossomático. Quando temos examinado o hábito tal como o
temos feito, isso está acabado.
A: Não estamos livres do hábito.
KRISHNAMURTI:
Porque você segue insistindo em que a porta está aí. Quando começamos a dizer “eu
sei”, há nisso certo sentimento de arrogância. Você não diz: “quero investigar”.
O que é então a percepção total quando a mente está livre do hábito? O hábito implica
conclusões, fórmulas, ideias, princípios... São todos hábitos. E o hábito é a essência
do observador.
R: É tudo quanto nós conhecemos do “eu”.
KRISHNAMURTI:
Para investigar isto, recorremos a um livro. É assim onde tem lugar o dano, o danos
que as outras pessoas tem sancionado, os Sankaras, Budas, e todos os demais. “Eu
prefiro a este”, “eu prefiro a este outro”, e assim sucessivamente. Não me desprenderei
disso porque essa é minha vaidade. Você conhece a caricatura intitulada: “meu guru
está mais iluminado do que o seu”. Isso é tudo o que há a respeito. Portanto, senhor,
o que se necessita é de humildade. Eu não sei absolutamente nada e não vou repetir
uma só palavra a respeito de qualquer coisa que não tenha descoberto por mim mesmo.
Sei que esse não é o caminho. Não quero saber nada mais. Isso é tudo. A porta que
eu pensava que era real, não é a porta. O que ocorre depois disso? Já não me movo
nessa direção, senão que vou investigar.
Madrás, 7 de janeiro de 1971
Tradição e Revolução
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