O QUE É A CULTURA?
Pupul Jayakar (PJ): Krishnaji, há um fenômeno externo no mundo de hoje,
onde o Oriente se estende para o Ocidente para encontrar apoio, e o Ocidente se
estende para o Oriente para encontrar, entre citações, “sabedoria” que possa
preencher certo vazio. Pergunto: Há uma mente indiana capaz de conter os mesmos
elementos de dor, cobiça, ira, etc., que a mente ocidental, mas na qual o solo
do qual brotam estes elementos é diferente?
Jiddu Krishnamurti (K): Você pergunta se o pensamento oriental, a cultura
orienta, o modo de vida oriental, é diferente do ocidental?
PJ: Bem,é óbvio que o modo de vida indiano é distinto do modo do
Ocidente...
K: O é.
PJ: Sim, porque os condicionamentos de ambos são diferentes. Mas, em certo
sentido, se complementam entre si.
K: De que maneira?
PJ: No sentido de que o Oriente, ou mais especificamente, a Índia, carece
quem sabe da precisão necessária para levar uma abstração até a ação correta.
K: Você disse que na Índia vivem mais sem a abstração?
PJ: Sim. Não se interessam tanto na ação com respeito ao meio ou a ação
como tal.
K: Você diria que eles se interessam em que?
PJ: Hoje em dia, desde cedo, está tendo lugar uma grande mudança. É muito
difícil dizer que é a mente indiana, porque a mente indiana está hoje — em um
nível — buscando as mesmas comodidades materiais.
K: Está buscando o progresso no mundo tecnológico, e o aplica na vida
cotidiana, etc.
PJ: Sim, o progresso no mundo tecnológico e a ansiedade de consumo tem se
infiltrado muito fundo no espírito indiano.
K: Então, qual é, finalmente, a diferença entre a cultura indiana e a
cultura ocidental?
PJ: Talvez, apesar desta insinuação do material, ainda há na Índia certo
discernimento nas coisas devido a um espaço interno que subsiste para todo o
processo da exploração profunda. Na Índia, o processo de aprofundar, de
inquirir, penetra o campo interior do ser. Durante séculos, a mente indiana tem
se nutrido neste sentimento. Enquanto que, no Ocidente, desde a época mesma dos
gregos, sempre tem havido um movimento para fora, para o externo, para o
ambiente.
K: Compreendo. Outro dia escutei na televisão uma entrevista que faziam a
uma personalidade indiana muito conhecida. Disse que o mundo tecnológico está
hoje humanizando à mente indiana. Pergunto-me o que quis dizer com isso. Quis
dizer, por acaso, que em vez de viver na abstração e em teorias, com toda a
complexidade da ideação, etc., o mundo tecnológico está baixando aos indianos à
terra?
PJ: E talvez, até certo ponto, isso seja necessário.
K: Evidentemente, é necessário.
PJ: Portanto, se estas duas mentes tem uma essência distinta...
K: Eu ponho isso muito em dúvida. Questiono que o pensamento seja, de
modo algum, oriental ou ocidental. Veja, só há pensamento. Não é pensamento
oriental ou pensamento ocidental. A expressão do pensamento pode ser que seja
distinta na Índia e no Ocidente, mas isso segue sendo um processo de
pensamento.
PJ: Mas, não é verdade também que aquilo que as células do cérebro contém
no Ocidente e os séculos de conhecimento e a assim chamada sabedoria têm
entregue às células cerebrais no Oriente, fazem que percebam de maneira
distinta?
K: Se me permite, gostaria de questionar o que você disse. Encontro que
quando vou à Índia, há muito mais materialismo agora do que costumava ter. Há
mais interesse no dinheiro, na posição social, no poder e tudo isso. E, é
claro, há superpopulação e todas as complexidades da sociedade moderna. Você
está dizendo que a tendência da mente indiana à busca interna, é muito maior
que a da mente ocidental?
PJ: Diria que sim, que existe o meio interno e o meio externo, e que o
meio externo constitui o interesse do Ocidente, enquanto que o meio interno tem
sido o interesse do Oriente.
K: Tem sido o interesse, sim; mas
isso tem sido o interesse de muito, muito poucas pessoas.
PJ: Mas são esses poucos os que criam a cultura.
K: Sim. Bem, até onde posso vê-lo — talvez esteja equivocado — o mundo
ocidental se interessa muito mais nos assuntos mundanos.
PJ: Mas o que é que o voltou nessa direção?
K: A política, a economia, a localização geográfica e o clima.
PJ: Não, veja, se fosse somente o clima, então a Índia, México e a África
Equatorial, haveriam tido a mesma mente. Mas não a tem. Portanto, essa não é a
resposta.
K: Não, claro que não. Não é tão só o clima. É todo o assim chamado modo
religioso de vida ocidental, que é muito diferente do oriental.
PJ: Assim é. É o que estou dizendo. Digo que, em alguma parte do longo
trajeto, há pessoas de um mesmo tronco racial, aparentemente divididas.
K: Divididas, sim.
PJ: No Ocidente, houve descobrimento e diálogo com a natureza. Mas o
Ocidente se voltou numa direção que conduziu à tecnologia e a todas as grandes
verdades científicas. A Índia também teve um diálogo com a natureza e com o
ser, mas os diálogos foram, em si mesmos, de um tipo diferente.
K: Você está dizendo, pois, que a mente oriental, a mente indiana, seja
mais em questões religiosas que a mente ocidental?
PJ: Sim, é o que eu digo.
K: Aqui, no Ocidente, tudo é bem mais superficial — ainda que eles pensem
que é bastante profundo —, e lá, na Índia, a tradição, a literatura e tudo,
diz: “O mundo não é tão importante como a compreensão do ser, a compreensão do
universo, a compreensão do cosmos, do princípio supremo: brahman”.
PJ: Sim. A rapidez com que a mente pode começar a investigação é talvez
distinta no Ocidente, onde a investigação e as grandes percepções têm seguido
em outra direção.
K: No Ocidente, como vemos, tratando-se de assuntos religiosos, há uma
negação absoluta da dúvida, o asceticismo e o questionamento. Ali a fé é
sumamente importante. Mas nas religiões indianas, o budismo, etc., a dúvida, o
questionamento e a investigação chegam a ser de extrema importância.
PJ: Hoje em dia ambas as culturas estão em crise.
K: Sim, claro, ambas as culturas estão em crise. Pupul, você diria que
não são tão só as culturas senão toda a consciência humana que está em crise?
PJ: Sim. Bem, você distinguiria a consciência humana, da cultura?
K: Não.
PJ: Em certo sentido, são a mesma coisa.
K: Sim, basicamente são o mesmo; não são diferentes.
PJ: Por isso a crise, na raiz mesma, os têm feito buscar em alguma parte
fora deles mesmos. Percebem a insuficiência,
então se voltam para a outra cultura. Está ocorrendo em ambos mundos.
K: Sim, mas você vê isso, Pupul, os ocidentais, ao encarar a busca a
partir de sua perspectiva materialista — se posso usar essa palavra —, caem
aprisionados não só em ideias supersticiosas, românticas, ocultas, senão que
também são aprisionados por estes gurus que vem para o Ocidente. O que desejo
averiguar é se a consciência humana — que se acha em crise — pode não somente
resolver essa crise sem gerar guerras, sem destruir à humanidade, senão também
se os seres humanos podem alguma vez ir mais além de sua própria limitação. Não
sei se me expresso com clareza.
PJ: Senhor, o externo e o interno são como duas imagens refletidas das
direções em que o homem tem se movido. O problema é que, se o homem realmente
tem de sobreviver, ambas as imagens tem que estar...
K: Ambas têm que conviver.
PJ: Não, não só conviver, senão que deve nascer uma cultura humana que
contenha a ambas.
K: Sim, assim é. Bem, agora, o que você entende pela palavra “cultura”? O
que é para você a palavra “cultura”?
PJ: A cultura, não é tudo o que o cérebro contém?
K: Ou seja, você diria que a cultura é o aprendizado do cérebro, o
refinamento do cérebro e a expressão desse refinamento na ação, na conduta, na
religião, e que também é um processo de investigação que conduz a algo
totalmente incontaminado pelo pensamento? Eu diria que isso é a cultura.
PJ: A investigação, a incluiria no campo da cultura?
K: É claro.
PJ: Não é a cultura um circuito fechado?
K: Você pode convertê-la num circuito fechado ou pode romper o circuito e
ir mais além.
PJ: Mas hoje em dia a cultura, tal como existe, é um circuito fechado.
K: Por isso quero saber o que você entende pela palavra “cultura”.
PJ: A cultura, tal como hoje conhecemos, é a soma de nossas percepções, a
maneira como olhamos as coisas, nossos pensamentos, nossos sentimentos, nossas
atitudes, a operação de nossos sentidos...
K: Prossiga.
PJ: Você pode seguir adicionando a isto.
K: Ou seja, religião, fé, crença, superstição.
PJ: Todo o externo e o interno...
K: Sim.
PJ: ... que continua crescendo, mas crescendo dentro desse contorno. Segue
sendo um contorno. E quando você fala de uma investigação, que de nenhum modo
está relacionado com isto, a incluiria no campo da cultura?
K: É claro. Você diria — só trato de clarificar a questão — que o
movimento total da cultura é como uma maré que sai e entra, e que o empenho
humano é este processo de sair e entrar, sem que investiguemos jamais se esse
processo pode deter-se alguma vez? Compreende? O que quero dizer é que nós
atuamos e reagimos.
PJ: Sim.
K: Essa é a natureza humana, como o fluxo e o refluxo da maré. Reajo, e
dessa reação atuo, e a partir dessa reação, e assim sucessivamente. Para frente
e para trás.
PJ: Sim.
K: Bem, agora, pergunto se esta reação de recompensa e castigo pode
deter-se e tomar um rumo completamente diferente. Nossas vidas, nossas funções,
nossas reações se baseiam na recompensa e no castigo, tanto física como
psicologicamente. Correto?
PJ: Correto.
K: E isso é tudo quanto conhecemos. Existe esta reação de recompensa e
fuga do castigo, etc., igual à maré. Pergunto, então, se há outro sentido de
ação que não este baseado nesta ação-reação. Compreende do que estou falando?
PJ: Como esta ação-reação é um impulso das células cerebrais...
K: Sim, é claro, é claro.
PJ: Assim é como respondem as células cerebrais e a maneira como recebem
através dos sentidos.
K: Nossa pergunta era, na realidade: O que é a cultura?
PJ: E a investigamos.
K: Um pouquinho.
PJ: Sim, um pouquinho. Pode estender-se mais longe, mas segue estando
dentro do mesmo...
K: Sim, está dentro do mesmo campo.
PJ: Você diria, então, que a cultura é o que está contido nas células
cerebrais?
K: É claro.
PJ: Alguma outra coisa?
K: Todas as nossas passadas recordações.
PJ: Sim. Então, se você considera tudo isso, há alguma outra coisa?
K: Agora entendo. Esta é uma pergunta diferente, devemos ser cuidadosos,
muito cuidadosos; se há alguma outra coisa... sim, há... então essa outra coisa
poderá operar sobre as células cerebrais que estão condicionadas. Concorda? Se
há algo mais no cérebro, a atividade desse algo mais poderá originar uma
liberdade com respeito a esta estreita cultura, limitada. Mas, há algo mais dentro do cérebro?
PJ: Krishnaji, se disse que, ainda fisiologicamente, as células cerebrais
operam olho por olho em uma mínima porção de sua capacidade.
K: Conheço isso. Por que é assim?
PJ: Porque o condicionamento as limita, e jamais tem estado livres desses
processos que...
K: ...as limitam. O qual implica que o pensamento é limitado.
PJ: Sim, isso é apostar tudo numa carta.
K: Assim é como quero fazê-lo. O pensamento é limitado, e todos
funcionamos dentro dessa limitação. Correto? A experiência, o conhecimento, a
memória e o pensamento são por sempre limitados.
PJ: Que lugar tem nisto os sentidos e os processos perceptivos?
K: Isso levanta outra pergunta. Podem os sentidos operar sem a
interferência do pensamento? Compreende minha pergunta?
PJ: Tal como operam hoje, Krishnaji, parecem ter uma raiz: o pensamento. O
movimento dos sentidos, assim como funcionam, é o movimento do pensar.
K: Isso é tudo. Portanto, é limitado. Estou investigando, com muitíssima
hesitação e certa dose de ceticismo, se as células cerebrais — que tem evoluído
através de milhões de anos, que experimentaram sofrimentos indizíveis, solidão,
desespero, e trataram de escapar de seus próprios medos apelando a toda forma
de esforço “religioso” e demais — podem alguma vez, por si mesmas, transformar
e originar dentro delas uma mutação.
PJ: Mas se não originam em si mesmas uma mutação...
K: O que ocorreria?
PJ: ...e não há nada mais?
K: Sim, compreendo sua pergunta.
PJ: Veja, este é o paradoxo. Realmente, senhor, é um paradoxo.
K: Esta é também a eterna pergunta; os hindus a levantaram faz muitíssimo
tempo, faz muitos, muitos séculos.
PJ: Sim, sim.
K: “O ‘eu’ superior”... essa é uma maneira errônea de... (sorri) mas a usaremos por momento.
Existe um “eu superior” que possa operar sobre o cérebro condicionado?
PJ: Ou se trata melhor, senhor, de se esse “eu superior” possa despertar
dentro do cérebro? São duas coisas separadas. Uma é um...
K: ...agente exterior operando.
PJ: Um agente ou uma energia que opera, e a outra é uma ação a partir de
dentro das células cerebrais — a porção não utilizada do cérebro —, uma ação
que desperta, que transforma.
K: Sim, entendo seu levantamento. Investiguemos, discutamos isso. Há um
agente externo, uma energia externa — a chamemos assim momentaneamente — que originará
uma mutação nas células cerebrais que se acham condicionadas?
PJ: Posso dizer algo?
K: Sem dúvida, por favor.
PJ: O problema é que essa energia jamais toca realmente as células
cerebrais. Há tantos obstáculos que se tem levantado, que o fluir da energia
jamais parece tocar e criar...
K: O que é que estamos discutindo?
PJ: Discutimos a possibilidade de uma cultura humana...
K: Uma cultura que não seja...
PJ: ...nem indiana nem ocidental.
K: Sim.
PJ: Uma cultura que contenha toda humanidade, se posso expressá-lo
assim...
K: Sim, a toda a humanidade.
PJ: Uma cultura na qual a divisão entre o externo e o interne chegue a seu
fim, e onde o discernimento seja discernimento
total, e não discernimento no externo ou discernimento no interno.
K: Entendo isso. Qual é, então, a pergunta?
PJ: Então, para isso o instrumento é a célula cerebral.
K: Sim.
PJ: A ferramenta que opera é a célula cerebral.
K: É o cérebro.
PJ: É o cérebro. Bem, agora, algo tem que ocorrer no cérebro.
K: Sim. Eu digo que pode ocorrer, mas sim a ideia de que há um agente
externo que, de algum modo, limpa o cérebro que tem sido condicionado, ou
inventando um agente externo como o têm feito a maioria das religiões.
A
pergunta é: Pode o cérebro condicionado dar-se conta de seu próprio
condicionamento e assim perceber sua própria limitação, e então permanecer aí
por um instante? Não sei se está claro meu levantamento.
Veja,
nós estamos todo tempo tratando de “fazer” alguma coisa, não é assim? Bem,
agora, o “fazedor”, é diferente do que está fazendo? Correto? Por exemplo,
suponha que me dou conta de que meu cérebro está condicionado, e que todas as
minhas atividades, meus sentimentos e minhas relações com os demais são
limitadas. Me dou conta disso. E então digo: “Tenho que acabar com essa
limitação”. Estou, pois, operando sobre a limitação. Mas o “eu” também é
limitado, o “eu” não está separado do outro. Então, podemos estender uma ponte
sobre isso? O “eu” não está separado da limitação com a qual está tratando de
acabar. Ambas, a limitação do “eu” e a limitação do condicionamento, são
similares; não se acham separadas. O “eu” não está separado de suas próprias
qualidades.
PJ: Nem está separado do que ele observa. Quando você disse que todo o
tempo estamos tratando de fazer alguma coisa...
K: De operar sobre o outro. Toda nossa vida é isso, aparte do mundo
tecnológico. “Sou isto e devo mudar para ser aquilo”; e o cérebro está hoje
condicionado nesta divisão. O ator é diferente da ação.
PJ: É claro, isso é o que ocorre, sim.
K: E assim, essa condição contínua. Mas, quando você se dá conta de que o
ator é a ação, então muda completamente toda a perspectiva. Agora voltamos
atrás por um momento. Estamos nos perguntando, Pupulji, o que é que dá origem a
uma mudança no cérebro humano, não é assim?
PJ: Esse é realmente o ponto...
K: ...crucial, sim.
PJ: O que é aquilo que coloca fim à divisão?
K: Sim. Investiguemos um pouco mais. O homem tem vivido nesta Terra
durante um milhão de anos, mais ou menos, e psicologicamente somos tão
primitivos como éramos antes. Basicamente, não temos mudado muito. Nos matamos
uns aos outros, buscando o poder, a posição. Estamos psicologicamente corruptos
em tudo quanto fazemos hoje no mundo. O que fará que os seres humanos, a humanidade,
mude isso?
PJ: Um grande discernimento.
K: Discernimento. Bem, agora, a assim chamada cultura, está impedindo
isto? Compreende minha pergunta? Consideremos a cultura indiana. Uma poucas
pessoas, como os grandes pensadores, tem investigado esta questão. E a maioria
das pessoas só repetem, repetem e repetem. Isso é nada mais que a tradição, uma
coisa morta. E eles vivem com uma coisa morta. Concorda? Também aqui, no
Ocidente, a tradição tem um tremendo poder.
Ao
considerar tudo isto, pergunto: O que fará com que os seres humanos deem origem
a uma mutação radical dentro de si mesmos? A cultura tem tratado de produzir
certas mudanças na conduta humana. Correto?
PJ: Sim.
K: E as religiões tem dito: “Comporte-se deste modo”, “Não faça isto”,
“Não mate”. Mas nós continuamos matando. “Seja fraternal”, e nós não somos
fraternais. “Amem-se uns aos outros”, e nós não o fazemos. Está me seguindo? Há
decretos, sansões, e nós fazemos completamente tudo o oposto. Concorda?
PJ: Na realidade, ambas as culturas tem se derrubado.
K: Isso é o que quero averiguar. Se tem derrubado e, portanto, já não têm
nenhum valor? Por isso o homem hoje se sente perdido? Se voe vai, por exemplo,
ao Norte da América, eles não têm uma tradição. Cada qual faz o que deseja, cada
qual faz “o seu”. E aqui estão fazendo o mesmo de um modo diferente. Assim,
pois, o que é que dará origem a uma mutação das células cerebrais, que
então...?
PJ: Na realidade, o que você está dizendo é que não importa se a matriz
indiana é diferente, ou se a matriz ocidental é diferente...
K: Ou não diferente.
PJ: Você disse que o problema da mutação no cérebro humano é, em ambos os
casos, idêntico.
K: Sim, assim é. Atenhamo-nos a isso. Quero dizer que, ao fim e ao cabo,
os indianos — inclusive os mais pobres — sofrem como sofrem aqui no Ocidente. A
solidão, o desespero, a infelicidade; tudo isso é exatamente igual que aqui.
Esqueçamos, pois, o Oriente e o Ocidente, e vejamos o que impede que tenha
lugar esta mutação.
PJ: Senhor, há outro modo de perceber o real?
K: O real. Isso é o que temos sustentado durante sessenta anos: que “o que
é”, o real, é muito mais importante que a ideia do real. O ideal, os diversos
conceitos e as conclusões não têm em absoluto nenhum valor, já que se está
distanciando dos fatos, do que está ocorrendo; e, devido a que nos achamos
presos em ideias, ver isso resulta tremendamente difícil.
PJ: Mas, na percepção do real,
não há movimento algum do cérebro.
K: Isso é tudo quanto estou dizendo. Os fatos, se você observa muito
cuidadosamente, geram em si uma mudança. Não sei se me expresso com clareza.
PJ: Sim.
K: Consideremos a dor: é a dor humana. Não é a dor ocidental ou a dor
oriental. A dor não é sua ou minha. E nós sempre tratamos de nos afastar da
dor. Bem, agora, poderíamos compreender a profundidade e o significado da dor,
não compreender intelectualmente, senão aprofundar de fato na natureza da dor?
O que está obstruindo ou bloqueando o cérebro humano, impedindo-lhe de
investigar a fundo dentro de si mesmo?
PJ: Senhor, se me permite, quero perguntar uma coisa. Você usa as palavras
“aprofundar” e “investigar” dentro de si mesmo. Ambas as palavras se relacionam
com o movimento.
K: Com o movimento, sim.
PJ: Sem dúvida, você fala do “findar do movimento”.
K: Sim, é claro, é claro. O movimento é tempo, é pensamento. O findar do
movimento... Pode realmente terminar, ou pensamos
que pode terminar? Compreende minha pergunta?
PJ: Sim, senhor.
K: Ao fim e ao cabo, as pessoas que têm investigado um pouco este tipo de
coisas, tanto no passado como no presente, sempre tem estabelecido uma divisão:
a entidade que investiga e o investigado. Essa é a minha objeção. Penso que é o
principal bloqueio.
PJ: Então, quando você usa a palavra “investigação”, a usa com o sentido
de “percepção”.
K: Perceber, observar, vigiar. Examinaremos isso dentro de um momento, se
temos tempo; mas quero voltar a isto, se me permite. O que fará que os seres
humanos mudem seu moco de se comportar? Existe esta espantosa brutalidade. O que
fará que tudo isto mude? Quem o fará? Não os políticos, não os sacerdotes, não
os que falam acerca do meio ambiente, os ecologistas, etc. Eles não têm
modificado ao ser humano. Se o homem mesmo não muda, quem o fará? A igreja tem
tentado mudar o homem, não é verdade?, e não tem obtido sucesso. As religiões
de todo o mundo têm tratado de humanizar ao homem, de fazer com que fosse mais
inteligente, mais atencioso e afetuoso. Até agora não têm obtido sucesso. A
cultura não tem obtido sucesso.
PJ: Você disse tudo isso, Krishnaji, mas isso só não aproxima o homem à percepção do fato.
K: O que é o que o fará, então? Digamos, por exemplo, que você e outro
têm esta percepção. Talvez eu não a
tenha. Que efeito tem, então, a percepção de vocês sobre mim? Além do mais, se
o outro tem percepção e poder e posição, eu o venero ou o mato. Concorda? Faço,
pois, uma pergunta muito mais profunda. Quero descobrir realmente por que os
seres humanos, depois de tantos milênios, são assim: Um grupo contra outro, uma
tribo contra outra. O horror que avança, avança e avança! Originará uma mudança
uma nova cultura? O homem quer mudar?
Ou diz: “As coisas estão muito bem, deixemos que sigam assim. Finalmente,
alcançaremos certa etapa na evolução”?
PJ: A maioria sente isso.
K: Sim, isso é o que ele tem de espantoso. Finalmente. “Deem-nos outros
mil anos e todos seremos humanos maravilhosos”, o que é tão absurdo!
Entretanto, estamos nos destruindo um ao outro.
PJ: Senhor, posso perguntar-lhe algo? Qual é o momento real de enfrentarmos
ao fato? Qual é a realidade do fato?
K: O que é um fato, Pupul? Outro dia, estávamos discutindo aqui com um
grupo de pessoas, a respeito de que um fato
é aquilo que nós fizemos e recordamos, e também aquilo que fazemos agora,
assim, como o que tenha ocorrido ontem e é recordado hoje.
PJ: Ou inclusive uma onda de medo, de horror que surge, qualquer coisa.
K: Sim, sim.
PJ: Então, como se faz isso realmente...?
K: Espere um momento, sejamos claros quando dizemos que é um fato. O fato
do incidente da semana anterior tem passado, mas eu o recordo. Correto? Está o
rememorar de algo agradável ou desagradável tal como tem ocorrido — o qual foi
um fato — e que se acha armazenado no cérebro; e está o que se faz agora —
também um fato — tido por passado, controlado, moldado pelo ontem. Posso, pois,
ver todo este movimento como um fato?
A totalidade do movimento: o futuro, o presente e o passado.
PJ: O vê-lo como um fato é vê-lo sem um clichê.
K: Sem um clichê, sem nenhum preconceito, sem nenhuma distorção.
PJ: Sem nada que o rodeie.
K: Correto. Que significa isso, então?
PJ: Negar, antes que mais nada, todas as respostas que surgem em torno das
recordações.
K: Negar as recordações. No momento, atenha-se a isso.
PJ: As recordações que aparecem...
K: ...desde o fato da semana passada, ao fato do prazer ou dor, de
recompensa ou castigo. Bem, agora, é possível negar essas recordações?
PJ: Sim, é possível.
K: É possível. Por quê?
PJ: Porque, a atenção mesma...
K: Dissipa a recordação, o conhecimento. Um incidente ocorreu na semana
anterior. Pode o cérebro estar tão atento como para não seguir recordando-o?
Meu filho morreu e eu tenho sofrido. Mas a recordação desse filho tem tanta
força em meu cérebro, que estou recordando-o constantemente. Aparece e
desaparece, porém está aí. Então, pode o cérebro dizer: “Sim, meu filho está
morto; se findou”?
PJ: Diz-se isso, ou quando há um surgir dele...
K: Há, então, um findar? O qual implica um interminável surgir e
terminar.
PJ: Não, mas há um surgir...
K: ...que é uma recordação. Atenhamo-nos a essa palavra.
PJ: Sim, que é uma recordação. A partir disso há um movimento de dor. A
negação dessa dor coloca fim não só a dor senão também ao surgir.
K: O que isso implica? Investiguemos um pouco mais. Meu filho está morto.
Recordo todas as coisas que ele fazia, etc. A fotografia dele está sobre o
piano ou sobre a borda da chaminé, e prossegue esta constante recordação,
fluindo e refluindo. Isso é um fato.
PJ: Mas, a negação dessa dor e a dissolução dessa recordação, não tem uma
ação direta sobre o cérebro?
K: A isso estou chegando. O que significa isso? Meu filho está morto;
isso é um fato. Não posso mudar um fato. Ele se foi para sempre. Pode soar
cruel dizê-lo, mas é assim. Sem dúvida, o levo comigo todo o tempo. O cérebro o
contém como memória, e a recordação está sempre aí. Eu nunca digo: “Está morto.
Isso é um fato”. Vivo na recordação,
a qual é uma coisa morta. As recordações não são o real. Bem, agora, o findar
do fato — “Meu filho está morto” — não significa que lhe perdi o amor nem muito
menos. Meu filho está morto; isso é um fato.
PJ: Mas, o que resta quando um fato é percebido?
K: Posso dizer algo sem que seja chocante? Não resta nada. Meu filho está
morto; meu irmão ou minha esposa — seja quem for — está morto. Isto não é uma
afirmação de crueldade nem é a negação de meu afeto, de meu amor. Não é amor ao
meu filho, senão a identificação do amor, com meu filho.
Não sei se estou...
PJ: Você traça uma distinção entre “amor ao meu filho”...
K: E “amor”.
PJ: ...e “amor”.
K: Então, se amo a meu filho no mais profundo sentido da palavra, amo ao
homem; amo a humanidade. Não é só que “amo a meu filho”, senão que amo à
totalidade do mundo humano; amo a terra, as árvores, as estrelas, todo o
universo. Mas esse é um assunto diferente. Estávamos nos formulando uma
pergunta realmente boa, a saber: O que ocorre quando há percepção pura, a percepção de
um fato — sem nenhuma predileção, sem nenhum tipo de fuga, etc.? E, é
possível ver o fato completamente?
Quando me oprime a dor da morte de um filho, me sinto perdido. É uma grande
comoção; ocorreu algo terrível. Nesses momentos você não pode dizer-me nada. A
medida que eu vá saindo desta confusão, deste sentimento de solidão, desespero
e tristeza, talvez serei sensível o bastante como para perceber este fato.
PJ: Você não pode dizer a uma pessoa que acaba de perder a...
K: Não, não, isso seria cruel. Mas um homem que diz: “Meu filho está
morto, o que é que tudo isso implica?”... um homem assim é sensível, inquire,
investiga. Está desperto. Quer encontrar uma resposta a tudo isto.
PJ: Senhor, em um nível isto parece tão simples...
K: Eu sei. E penso que devemos mantê-lo simples e não gerar um montão de
teorias intelectuais e ideias a respeito.
PJ: A mente tem medo de ser simples?
K: Não, penso que é porque somos sumamente intelectuais; isso tem formado
parte de nossa educação, de nossa cultura. As ideias são tremendamente
importantes; os conceitos são essenciais.
PJ: Senhor, em todo o campo da cultura indiana, o supremo é a dissolução
do “eu”. E você fala da dissolução do fato — que é, em essência, a dissolução
do “eu” — como se fosse algo muito simples.
K: Sim, mas a dissolução do “eu” tem se tornado um conceito, e nós
estamos venerando um conceito, tal como as pessoas o fazem em todo o mundo. Os
conceitos são inventados pelo pensamento, pela análise, etc. Chega-se a um
conceito e se aferra a esse conceito como se fosse a coisa mais
extraordinariamente importante. Voltemos, pois, ao ponto. O que fará que os
seres humanos em todo o mundo se comportem apropriadamente? Não matar. Não ter
medo. Amar. Sentir um grande afeto, etc. O que fará isso? Nada tem conseguido
sucesso. Compreende? O conhecimento não tem ajudado.
PJ: Não é porque o medo acompanha ao homem com sua sombra?
K: O medo... também queremos conhecer o futuro.
PJ: O qual forma parte do medo.
K: Sim. Queremos conhecê-lo, porque — isto é bastante simples — temos
buscado a segurança de múltiplas maneiras e todas têm fracassado. E agora
dizemos: “Tem que haver segurança em alguma parte”. E eu coloco em dúvida que
haja segurança alguma em nenhuma parte, nem sequer em Deus, porque esse “Deus”
é uma projeção de nossos próprios medos.
PJ: Que ação exerce esta dissolução sobre as células cerebrais, sobre o
cérebro mesmo?
K: Eu usaria a palavra “discernimento”.
O discernimento direto não é uma
questão de memória, não é um assunto de conhecimento e tempo, o que é tudo
pensamento. Eu diria que o discernimento
direto é a ausência completa de todo o movimento do pensar enquanto tempo e
recordação; portanto, há percepção
direta, instantânea. É como se estivesse indo para o Norte durante os
últimos dez mil anos; meu cérebro está acostumado a ir para o Norte, e vem
alguém e diz: “Isso não leva a nenhuma parte. Vá para o Leste”. Quando ou a
volta e me dirijo para o Leste, as células cerebrais sofrem mutação. O
expressarei de outra maneira. Todo movimento do pensar é limitado. Sem dúvida,
o pensamento, em todas as partes do mundo, é considerado a coisa mais
importante. Estamos manipulados pelo pensamento. Mas o pensamento não resolverá
nenhum de nossos problemas, exceto os problemas tecnológicos. Se vejo isso,
deixo de ir para o Norte. E penso que, no final de uma determinada direção — de
um movimento que tem prosseguido durante milhões de anos —, nesse instante, há
um relâmpago de discernimento que dá origem a uma mudança, a uma mutação
nas células cerebrais.
Você
vê isto muito claramente e pergunta: o que é que fará que outros mudem, que a humanidade
mude? Que fará que mude meu filho, minha filha? Eles ouvem tudo isto, leem
alguma coisa a respeito, dita pelos biólogos, pelos psicólogos, etc., e, não
obstante, continuam a seu próprio modo. É tão forte o passado, a tradição?
Tenho pensado acerca de mim mesmo durante os últimos mil anos e ainda sigo
pensando em mim mesmo: “Tenho que me realizar”, “Tenho que ser importante”,
“Tenho que chegar a ser isto ou aquilo”. Este é meu condicionamento; está é
minha tradição. E o passado está se encarnado a todo tempo. Forma parte de
nossa cultura continuar nesta condição?
PJ: Eu diria que sim, que forma parte de nossa cultura.
K: A cultura talvez forme parte de nossos impedimentos. Os conceitos
religiosos talvez sejam nosso obstáculo. Então, o que o cérebro há de fazer?
Dizem os especialistas que uma parte de nosso cérebro é velha e outra parte do
cérebro é algo totalmente novo, e que se você for capaz de abrir a porta ao
ovo, poderá haver uma mutação. Porque, conforme a estes especialistas, só
estamos usando uma parte muito, muito pequena de nosso cérebro.
PJ: Obviamente, quando há atenção...
K: ...a totalidade do cérebro...
PJ: ...o fragmento termina.
K: É assim. Podemos falar acerca disso, podemos descrever o que á a
atenção, podemos investigá-lo, etc. Mas ao final disso, o que nos escuta diz:
“Muito bem. Compreendo tudo isto, mas sou o que sou. Compreendo isto
intelectualmente, verbalmente, mas isso não tem tocado a profundidade de meu
ser”.
PJ: Mas, não é uma questão desse primeiro contato com o pensamento na
mente?
K: Lamento, não captei isto.
PJ: Eu sinto, senhor, que falamos acerca de observar o pensamento, o qual
é algo completamente diferente do verdadeiro estado de atenção.
K: Ou seja, que o pensamento se dá conta de si mesmo. Temo que estejamos
nos afastando disto, que é uma questão muito central. O mundo está se tornando
mais e mais superficial, cada vez mais interessado em dinheiro. Dinheiro,
poder, posição, realização, identificação: eu, eu, eu! E isto é encorajado por
todo canto que nos rodeia. E bem, você que tem viajado, que também tem visto
tudo isto, que faz a respeito? Estão estas pessoas extraordinárias,
inteligentes — mais bem engenhosas — e as pessoas sumamente tolas, neuróticas,
que tem chego a uma conclusão e jamais se movem dessa conclusão, como ocorre
como comunistas.
PJ: Pode-se estabelecer contato unicamente com pessoas que não estão
comprometidas.
K: Há pessoas que não estejam comprometidas com algo?
PJ: Eu diria que atualmente esse é o único sinal de saúde: há pessoas que não estão comprometidas.
K: São pessoas jovens?
PJ: Hoje, como nunca antes nos últimos vinte ou trinta anos, há pessoas
que não se acham comprometidas com nada.
K: Eu questiono isso.
PJ: Não, realmente, senhor, eu diria que sim. Por um lado, vê-se esta
tremenda deterioração de todas as coisas, e por outro, em alguma parte está
este movimento longe de todo compromisso. Essas pessoas talvez não saibam para
onde se voltarem, que direção tomar, mas
não pertencem a nada.
K:
Há pessoas assim, eu sei. Mas você logo vê, se voltam mais bem indefinidas,
confusas.
PJ: Sim, porque convertem estas coisas em conceitos.
K: Concordo.
PJ: è muito fácil converter em um conceito o que você disse, e ter axiomas
que contenham o que você expressa.
K: É claro, é claro.
PJ: Se é possível uma cultura humana, que talvez pudesse ser a cultura da
mente, posso perguntar o que ocorre, em um estado assim, com todas as
civilizações que o mundo tem conhecido?
K: Estão mortas. Considere, por exemplo a civilização egípcia.
PJ: Não, podem haver morrido, mas seguem estando contidas na raça humana. E
quando você elimina...
K: Isso, Pupul, levanta a pergunta: o que é a liberdade? Nos damos conta
de que somos prisioneiros de nossas próprias fantasias, imaginações,
conclusões, ideias? Estamos conscientes de tudo isso?
PJ: Penso que estamos.
K: Pupul, se nos damos conta, se estamos atentos a tudo isso, isso se
queima, se consome.
PJ: Mas não termina, senhor. Isto,
sem dúvida, desaparece, mas em algum ponto donde não podemos... o que ocorre, é
que você não deixa margem para um estado intermediário.
K: Isso é impossível.
PJ: Vê? Este é todo o problema.
K: “Intermediário”... é como um homem violento que trata de ser não
violento; no estado “intermediário” é violento.
PJ: Não, não necessariamente. Veja, isso também não é um problema de todo
este movimento do tempo?
K: Tempo é pensamento, etc. E o que implica isso? Limitação. Se tão só pudéssemos reconhecer ou ver o fato de que o
pensamento — em qualquer direção, em qualquer campo: cirurgia, tecnologia,
computadores e também na investigação interna — é limitado, veríamos que nossa
investigação também será muito, muito, muito limitada.
PJ: Sim, senhor, mas a diferença está em que eu poderia ver isso, mas a atenção
necessária para que isso permanecesse vivo em minhas horas de vigília, não
existe.
K: Eu sei.
PJ: O que é o quantum, a capacidade, a força dessa atenção que...?
K: Você pergunta como se tem essa paixão, esse sustentado movimento de
energia que não seja dissipado pelo pensamento, por nenhum tipo de atividade?
Creio que isso só chega quando você compreende a dor e o findar da dor. Então advém a compreensão e o amor e a
inteligência, que constituem a energia que não se debilita, esse estado ao qual
não afetam nenhuma das qualidades humanas.
PJ: Você quer dizer que não ascende nem descende?
K: Não. Para que ascenda ou descenda, você deve estar consciente de que
há ascensão e descensão. E quem é o
que está consciente, etc.?
PJ: É possível, durante o dia, sustentar esta paixão?
K: Está aí! Você não a sustenta.
É como um perfume que está aí. Por isso penso que se deve compreender todo o
condicionamento de nossa consciência. Creio que esse é o verdadeiro estudo, a verdadeira investigação e exploração:
penetrar em nossa própria consciência, que é o solo compartilhado por toda a
humanidade. Jamais a investigamos e estudamos — não é que devamos fazê-lo tal
como um professor ou um psicólogo inquirem e estudam. Jamais dizemos: “Vou
estudar esta consciência que sou eu. Vou investigá-la”
PJ: Eu não poderia dizer que se não o faz; se disse que...
K: Mas não o faz.
PJ: Se o faz.
K: Parcialmente.
PJ: Eu não aceitarei isso, senhor. Se o faz, participa, investiga.
K: E então, o quê?
PJ: E então, subitamente...
K: Você já chegou até o findar disso?
PJ: Não, subitamente se descobre que tem se estado desatento.
K: Não, eu não creio que a desatenção importe. Talvez, se esteja cansado.
Seu cérebro tem investigado bastante e pode ser que se diga: “Por hoje é
suficiente”. Bem, não há nada de mal nisso. Veja, eu faço objeção a este
assunto da atenção e da desatenção.
PJ: Mas esse é o problema básico da maioria de nossas mentes.
K: Não, eu não o expressaria desse modo. Eu só diria que, quando existe este
findar de algo — totalmente —, há um novo começo, o qual tem seu próprio ímpeto.
Isso não tem nada a ver com você. Significa que se deve estar completamente livre
do “eu”. E estar livres do “eu” é uma das coisas mais difíceis que há, porque esse
“eu” se oculta debaixo de diferentes rochas, diferentes árvores, diferentes atividades.
Brockwood Park
24 de junho de 1983
Fogo na Mente
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