A percepção sem escolha e o conflito
“Viajava uma vez pela Índia em um automóvel com um grupo de pessoas. Ia sentado na frente, ao lado do motorista e as três pessoas que ocupavam o assento detrás falavam sobre a percepção; queriam discutir comigo seu significado.
O automóvel ia muito rápido. NO meio do caminho havia uma cabra, e o motorista, que não prestava muita atenção, atropelou ao pobre animal.
Os senhores que as minhas costas debatiam sobre a percepção, não se aperceberam do que havia ocorrido.
Você ri, mas é isto o que todos estamos fazendo.
Temos um interesse intelectual na ideia da percepção, na investigação verbal, dialética da opinião; mas a realidade é que não temos a percepção do que ocorre.”
Bem,
podemos observar em silêncio o que acontece em nós, sem escolher, sem
verbalizar?
Quando
nos encontramos nosso rosto no espelho, podemos ver como penteamos nossos
cabelos, como escovamos nossos dentes, nos barbeamos, ou nos maquiamos, sem
distância, da maneira mais direta e o mais preciso possível, sem qualquer
distorção?
Para
isso, precisamos entender o processo da escolha.
Por
favor, pergunte-se por que você escolhe psicologicamente, em seu interior;
porque diz:
"Eu
farei isso, e aquilo não." "Isso está bem, aquilo está errado", "Sou
violento, mas devo ser não violento; orgulhoso, mas um dia serei humilde".
Compreenda?
A
escolha interior é constante.
Mas
há alguma escolha quando há clareza?
Deixando
de lado a escolha de objetos, a que faz essa escolha interna?
Podemos
examiná-lo?
O
ser humano, provavelmente por causa de sua herança do macaco, no mundo todo é
uma criatura muito violenta e consciente do que a violência gera, em si mesmo e
na sociedade, diz:
"Deixemos
de ser violentos, pratiquemos a não-violência; falemos sobre isso; usemo-la
como instrumento político".
Uma
das criações características da Índia é precisamente a não-violência, embora já
haviam aqueles que falavam dela muito antes. Então, bem, somos violentos, você
e eu , se é que sou violento de algum modo, ao ver isso dizemos:
"Eu
serei capaz de ser não violento", o que é uma escolha, não?
Quando
há separação no pensar, posso dissociar pensamento e ação: penso uma coisa e digo
ou faço outra diferente. E o resultado dessa separação são o conflito e a
hipocrisia.
Pode-se
aprofundar muitíssimo nessa questão do conflito e quando se começa a compreender
sua natureza e estrutura, suas nuances sutis, a medida que observa verá que, nesse
mesmo observar sem escolha, o conflito termina.
Isso
requer grande atenção a cada pensamento e ação, para cada nuance do sentir mais
profundo.
Se
alguém quer acabar com o conflito, deve dar atenção extraordinária; não uma atenção
superficial, não amanhã ou na próxima semana, mas uma atenção viva em todos os
momentos.
Ojai, 1985, primeira palestra pública
A Atenção e a Liberdade Interior
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