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Krishnamurti, momentos antes da conferência em Ommen |
Disse eu que para atingir o reino
da espiritualidade não existe lei e quero explicar isto mais para adiante. A
inteligência é a capacidade de discernir o essencial e o não essencial. A
inteligência é, do meu ponto de vista, a essência de toda a experiência. Pela
constante prática do discernimento e pelo conservar essa inteligência constantemente
desperta, atinge ela seu ponto mais elevado, que é a inspiração. A inspiração, portanto, tem as suas raízes no eterno,
na verdade perdurável. Para o homem que houver plenamente desenvolvido a
inteligência, que houver alcançado esse estado de libertação que eu chamo a
harmonia da razão e do amor, para um tal indivíduo, a inspiração não é
intermitente e sim continua. Essa continuidade de inspiração é o que todos
buscam. É por essa continuidade de felicidade que todo o homem no mundo luta.
Ele busca estabelecer dentro de si mesmo essa felicidade constante, invariável,
que reside sempre nessa harmonia que é o perfeito equilíbrio.
Sendo tal o estado de libertação,
tal sendo a condição da Verdade, quem é que vos pode auxiliar a atingir e
conservar dentro de vós essa continuidade, sem solução, sem intercorrência,
esse vasto, infindável preenchimento da vida? Ninguém pode auxiliar-vos a não
serdes vós próprios, pois não é algo ao qual se chegue pelo auxílio de outrem
ou pela confiança posta em outrem. Como é, pois, que um indivíduo tem de
atingir? A vida precisa aperfeiçoar-se a si mesma para atingir a libertação e
este é o preenchimento de toda a vida individual. Pelo manterdes a vossa
inteligência constantemente desperta, aprendeis a distinguir entre o que é
passageiro e o que é perdurável, a discernir o falso na falsidade e a verdade
no verdadeiro. Porém esta inteligência altamente desperta pode somente ser
resultante da vigilância continua, do acautelamento, do auto-recolhimento, e da
autodisciplina imposta a vós próprios por meio do entendimento do propósito da
vida.
Por todo mundo hoje em dia, a
autoridade, a autoridade externa, com especialidade, está sendo expelida. A
jovem geração, se vos derdes ao trabalho de observá-la, vereis que se está libertando
da autoridade imposta pelos seus maiores que se supõe saberem mais do que eles.
Esta autoridade está sendo demolida, porém existe ainda a autoridade à qual o
homem se apega em seu coração, para seu crescimento espiritual, autoridade da
qual ele precisa também libertar-se antes que lhe seja permitido desenvolver a
sua inteligência ao ponto mais elevado. Necessitais tornar-vos a única
autoridade para vós mesmos, os arquitetos de vossa própria inteligência e, daí,
de vossa própria vida, à luz daquilo que é eterno. Isto, digo eu, é libertação,
é a harmonia, entre a razão e o amor. Quando houverdes atingido isto, todo o
medo, oriundo da falta de entendimento, desaparecerá. Portanto, construindo a
vossa vida sobre o entendimento da finalidade da existência, estabelecereis por
vós mesmos a felicidade que é continua, emitireis uma raiz para esse reino que
é eterno. É uma questão de esforço individual, de luta individual, de
acautelamento constante, de constante autodisciplina. Não pode mais haver uma
autoridade para sobre ela repousardes, para a ela vos arrimardes. O quer que
construais na luz dessa eternidade, será permanente, por estar bem
estabelecido, residindo sempre na libertação. Para o homem que atingiu, não há
cessação, não há interrupção naquilo que é eterno, que é livre.
Krishnamurti, 6 de agosto de 1929, Acampamento de Ommen