
Krishnamurti: Quando há
união com a vida, não se cogita mais sobre vida ou morte, sobre ser amado
presente ou ser amado ausente — são fatos esses que pertencem ao mundo onde
impero o tempo e o espaço. Se me é permitido dize-lo, estais vos acercando
dessas coisas, sob um ponto de vista pessoal. Saís em busca da verdade por que
quereis achar um ente amado que foi perdido. Seguramente esta é uma maneira
muito curiosa de encarar a vida. Esta vida, a totalidade de todas as coisas, é
a consumação de todas elas, de todas as existências individuais. A existência individual
conhece a vida e a morte, porém no Todo
não há vida nem há morte. Não se pode buscar a um indivíduo particular na
totalidade. Se o fizerdes ficareis ainda sustentando divisões e separações.
Pergunta: Dizei-nos, por favor, algo mais acerca da qualidade do amor.
Será ele essa compaixão que queima o coração e que se sente, por vezes, em
relação a todo o ser humano?
Krishnamurti: Compaixão é a
combinação de tristeza e do prazer, da dor e da alegria. A verdadeira compaixão
encerra os opostos, e compreende a ambos. Se não souberdes o que é odiar,
jamais sabereis o que é amar — posto que, como é natural, não digais que seja
indispensável o odiar. A ideia de que a compaixão é amor todo-consumador, no
qual não existe nem ódio, nem inveja, nem ciúme, é errônea. A compaixão é a
mistura de todas essas coisas; ela é todo-integrativa e, portanto, é
compreensão de todas elas.
“Por favor dizei-nos algo mais acerca da qualidade do amor”. Que não
sabeis amar nem sentir? Como posso eu descrever-vos aquilo que é indescritível?
Se não souberdes amar, como o posso eu explica-lo? Se não possuirdes o sentido
do tato, como posso eu dizer-vos o que é tocar? Não existe esse ser que se
pareça com uma pessoa que não ame, que não sinta. Quando buscais uma explicação
para o amor, pretendeis uma explicação sobre-humana, sobrenatural. Que valor
tem ela, desde que o amor vulgar vos pode ensinar tudo quanto vos é necessário?
Pergunta: Há algum tempo, já vos haveis servido da seguinte expressão: “Aquilo
que percebeis, desejais”. Em que sentido tomais o “perceber”? Quereis dizer que
desejamos aquilo que julgamos nos fará mais felizes, ou tomais “perceber” em
qualquer outra acepção?
Krishnamurti: Quando
percebeis a felicidade sob a forma de posses, vosso desejo anseia pelas posses.
Quando vos atemorizais mental e emocionalmente, o desejo, em sua percepção do
medo, cria uma imagem para sua proteção e consolo. Pensais que por possuirdes muitos
bens, posição social, etc., vireis a ser felizes. Assim, trabalhais e
exercitais vossa energia; todas as vossas faculdades e sentimentos se
concentram em aquisições. O desejo opera continuamente na direção de um
objetivo determinado. Ao passo que, se a vossa percepção, o vosso entendimento
forem da felicidade como ser, então
o vosso desejo será o de realizar esse puro
ser, essa existência isenta de esforço; e é nessa direção que lutais. Por
esta maneira o desejo chega a tornar-se a sua própria disciplina.
Krishnamurti em Reunião de Verão, 22 de julho de 1930