Pergunta: Vós nos dizeis que esvaziemos as mentes de ideias; podereis,
porém, dizer-nos qual o estado da mente uma vez livre de ideias? Quando nos
transmitis vossos ensinos — ou, se preferirdes, a Verdade, a iluminação — não
vos estais transmitindo ideias? Podemos compreender vosso convite de não
perseguir uma ideia e nos tornamos escravos dela, porém é difícil de
compreender a vacuidade da mente a qual, de acordo com vossos ensinos, é o
estado ultérrimo.
Krishnamurti: O
discernimento só é possível quando a mente está liberta de ideias. Somente
podereis perceber uma coisa tal qual ela é, quando a vossa mente não mais
estiver anuviada pelas opiniões. Ora, atentai no que está acontecendo. Eu me
esforço por transmitir por meio de palavras, o processo da realização; e a
maneira pela qual reagis a isto, é dando origem a uma série de antagonismos ou
aceitações e, então, dizeis: “Eu compreendo”, dado o fato de vos esforçardes
por enxergar o que digo através das múltiplas camadas de vossas ideias
pessoais. Se sois cristãos, olhais o que digo sob um ponto de vista
estabelecido e torceis o pensamento para adaptá-lo a esse padrão. Então, não
mais sois capazes de discernimento e deixai-vos meramente guiar pelos vossos
preconceitos e prazeres, pelos vossos gostos e desgostos. Assim, a vossa
escolha, jamais revela o valor supremo. Percebeis aquilo que vossas ideias vos
compelem a perceber. Se sois Teosofista, encarais o que digo, encarais a vida
sob um ponto de vista no qual há hierarquias, planos, ordens, mestres,
discipulado, e a vós mesmos dizeis: “Como pode um homem entender a Verdade sem
passar pelo processo da evolução, sem aquisição de virtudes, sem escolher múltiplas
experiências? ” E tendes consciência de classes, ou sois superior e olhais os
outros de cima para baixo, ou sois inferior e encarais a vida com
ressentimento.
Por esse modo, a mente torna-se
apenas um repositório de ideias; não existe mais essa tranquilidade, essa
vacuidade da mente na qual somente pode ter lugar a verdadeira percepção. Isto
é, vossa escolha decorre de um motivo, estais a todo instante selecionando
porque desejais alguma coisa. Tendes uma ideia preconcebida sobre a Verdade ou
a Vida, sendo vossa seleção nas ações, orientada por essa preconcepção. Por
essa razão vos tenho estado a dizer que não é possível preconceber a Verdade.
Isto é impossível. E não podeis conhecer o significado real, a sutileza, o
êxtase, a eterna vigilância que lhe é inerente, pelo fato de vossa mente se
achar limitada por ideias, por preconceitos.
O perseguir uma ideia na
meditação, jamais cria entendimento. Que fazeis quando meditais? Pensais em
Deus como sendo amor, ou vos concentrais numa ideia do que haveis lido, ou do
que haveis colhido pela vossa experiência pessoal. Esforçai-vos por torcer a
vossa mente em direção a qualquer concepção particularizada. Por este meio
sobrevém um processo de disciplina, de controle, de domínio. Para mim, isto é a
negação da compreensão. Quando dominais a vossa mente, nada mais fazeis do que
dividir a mente contra si mesma. Porque pensar que precisais dominar? Pelo fato
de a mente estar dividida contra si mesma, uma das suas partes compreende a
experiência, a outra parte não; e desse modo dizeis a vós próprios: “preciso de
dominar, com meu entendimento, essa parte que não compreende”. Isto é, estais
esforçando-vos por vencer uma resistência maior. Vosso pensar é confinado por
ideias, e portanto, há nele a distinção que cria a resistência.
Para mim, este processo, é uma
limitação contínua do pensamento; ao passo que o pensamento, em si próprio,
está sempre fluindo. Quando meditais, em vez de libertardes a mente de qualquer
resistência, de maneira a se tornar ela plástica, sutil, esplendidamente
delicada, vós a forçais para uma certa direção determinada pelo vosso anseio,
pelo vosso gosto e desgosto. Se vos puderdes concentrar sobre uma dada ideia
durante uma hora, pensais haver realmente meditado, senti-vos exultantes pelo
fato de haverdes sido capazes de conter a vossa mente, de mantê-la focalizada
sobre uma ideia. Como disse outro dia, vencer alguma coisa, é tornar-se escravo
dela. Ao passo que, se possuirdes uma mente plástica, penetrante, que atravesse
uma ideia e dela se liberte, tereis mente capaz de discernir com verdade e
entender infinito.
Como haveis de operar isto? Como
haveis de tornar a vossa mente livre, de modo a não ser escrava de uma ideia?
Não podeis hipnotizar a vós próprios e convencer-vos de que vossa mente esteja
livre de ideias. Todas as vossas ações, todos os vossos sentimentos e
pensamentos se acham baseados sobre uma ideia e limitados por ela; porém, a
mente somente pode discernir com acerto quando estiver plenamente liberta de
ideias; só então o discernimento se torna isento de esforço, e sobrevém a
imediata percepção dos valores supremos.
Ora, para realizar este estado, —
que, mais uma vez o digo, não é bem um estado — em que o pensamento flui,
sempre, incondicionado por qualquer ideia, não é sentando-vos a meditar sobre
ele, pois que, se assim fizerdes, apenas estareis criando resistência ao vos
esforçardes para dominar a mente, de modo a não ser ela escrava de uma ideia;
ao passo que, se vos esforçardes por viver completa, integralmente no presente, então vos apercebereis de que o vosso
pensamento se encontra baseado sobre uma ideia. Quando assim estiverdes apercebidos,
o apercebimento começará a libertar vossa mente da escravidão das ideias. É
realmente uma coisa simples. Para verificar se estais ou não escravizados,
tendes que entrar em movimento e não vos sentar tranquilamente a ponderar se
estais ou não em cativeiro. Nesse movimento de viver, nessa intensidade de
vida, começareis a vos tornar apercebidos de vossas limitações e, nesse
apercebimento ireis ficando libertos. Então, não mais criareis resistências e,
então, não mais haverá esse displicente amoldar-se a uma disciplina.
Krishnamurti, Acampamento de
Ojai, 3 de julho de 1932