Sabereis que, ao buscar o
entendimento, encontra-se a solidão, pois que só podereis conceber a Verdade
pelo vosso próprio esforço, liberto de todo desejo pelos opostos. Dessa solidão
brota o êxtase natural da solitude, uma solitude na qual não há solidão. Não
podereis compreender isto, se meramente o considerardes como teoria, uma
hipótese plausível, um festim intelectual.
Pediram-me para explicar mais
além o que eu disse outro dia com relação ao casamento. Não podeis compreender
a Verdade, a plenitude, por meio de qualquer sistema ou circunstância. Se sois
ou não casados, não é coisa de fundamental importância, desde que tenhais essa
vigilância da mente, essa flexibilidade de razão que a seu tempo conduz à
Sabedoria. Não julgueis, que, pelo casamento, ides necessariamente alcançar a
plenitude, ou que, por estar sós, compreendereis a Vida. Embora permaneçais
solteiros, sereis influenciados pelos vossos amigos, por vossos irmãos e irmãs,
pela sociedade, pelos vossos vizinhos, pela opinião pública. Acontece o mesmo
com o casamento: sois influenciados pela esposa, pelos filhos e pelas circunstâncias
da vida matrimonial. Não se trata de apegar-se a um sistema ou método para o
vosso desenvolvimento. Não importa que sejais casados ou não. O que é de máxima
importância é que aprendais o verdadeiro valor de vossos pensamentos, de vossas
emoções e opiniões, de vossos conflitos e lutas. Pelo exame continuo e pelo auto-rememorar,
vos libertareis da consciência limitada. Deveis viver afim de verificar o valor
do conflito, e a iluminação é o reconhecimento dos verdadeiros valores. Se
conheceis o verdadeiro valor de vossos pensamentos, vaidades, apegos,
ostentações, deles vos libertareis. Ser livre é viver os justos valores na
existência de cada dia; e tais valores só podem ser encontrados pelo vosso
próprio esforço e entendimento e não seguindo um sistema ou método.
Pergunta: Dizeis que a natureza preenche as suas finalidades no
homem... O homem, analogamente, se consuma no homem liberto ou perfeito. Mas, a
libertação significa o fim da vida humana; de modo que o objetivo da humanidade
é desaparecer. Se todos os homens fossem como vós, seria o fim da humanidade. É
assim?
Krishnamurti: Disse que
primeiro há a perfeição inconsciente, depois a imperfeição consciente, que é o
homem se tornando autoconsciente e conhecendo suas limitações; e depois a
libertação da eu-consciência, que é perfeição. A Vida existe em tudo e o homem
pode realiza-la plenamente, mas essa realização só é possível pelo conhecimento
do conflito, da tristeza e da alegria. Isto não implica o término da
humanidade. Porque eu não sou casado e nem tenho filhos, não se segue que não
devais vos casar nem ter filhos. Se o vosso desejo é buscar entendimento, não
importa que sejais ou não casados. Algumas pessoas supõem que casar e ter
filhos é anti-espiritual. Não creio. Se converteis o casamento ou os filhos no
objeto mais importante da vida, sem compreenderdes o valor exato da luta, da
posse, da mútua dependência que vos proporciona os justos valores, então não
sereis completos em vós mesmos. Podeis não ser casado, e ser egoísta, arrogante,
brutal, insensível, desprovido de consideração e afeto. O que importa não é o
modo, o sistema, o método, mas a plenitude que o homem pode alcançar. Tão
depressa essa consumação da liberdade da eu-consciência se torna o vosso único
desejo, este desejo se converte em vossa própria lei. O vosso desejo se torna a
vossa disciplina. Assim, não deis ênfase ao método, ao casamento ou não
casamento, ater filhos e não os ter. São incidentes dos quais tendes que
assimilar entendimento; mas é esse entendimento que é de máxima, de final
importância.
Todos desejam libertar-se da
tristeza e a libertação da tristeza não se consegue movendo-se em determinada
direção, por qualquer meio, método ou sistema. Consegue-se por esse intenso
desejo de ser completo no presente e pelo julgar, por meio da auto-rememoração,
se as vossas ações, pensamentos e sentimentos são oriundos do egoísmo. Direis: “É
tudo?” Não é. Isto é apenas o começo. Como disse, dessa auto-rememoração brota
a solidão, uma
solidão realmente penosa, da qual surge o êxtase da solitude. Mas,
não quereis estar só. Tendes medo porque não compreendeis que somente através
dessa solitude, por vossa própria energia, vosso próprio esforço, se efetuará a
realização dessa plenitude.
Pergunta: Estais de acordo com a velha ideia religiosa de que o asceta
é realmente um mais perfeito tipo de humanidade do que o homem que casa e tem
família?
Krishnamurti: Não concordo.
Compreende-se ordinariamente o asceta como um homem que foge do mundo, que vive
no mundo sem o compreender e, assim, não há renúncia. Quando há entendimento,
não há renúncia. Tendes adorado a renúncia, não o entendimento. Olhais como um
grande homem, aquele que dá mil libras por caridade, porque vós próprios estais
enredados nos laços do desejo de posse. O homem que conseguiu, pelo sofrimento, pelos conflitos, pela
auto-rememoração, esse êxtase interno da solitude; que não depende de coisas externas para sua felicidade; que se
libertou da eu-consciência, tal homem pode ser asceta ou casado. Ele pode viver
no mundo e no entanto não estar nele. Mas, para conseguir isto, deveis estar
perfeitamente livres de desejos íntimos e libertos da ilusão da
individualidade, que gera sutis decepções.
Assim, pois, não é uma questão de
afastamento do mundo ou de tornar-se asceta, mas uma questão de compreensão da
plenitude interna, de percepção íntima da Verdade que vos liberta de todo
conflito, esse silêncio interno que sempre se renova.
Krishnamurti, palestra em Ommen, verão de 1931