Pergunta: Como a mente pode se libertar dos opostos?
Krishnamurti: Eu vos
direi. Se fordes mental, emocional e fisicamente pobres, haveis de querer ser
ricos, não é assim? Pretendereis possuir uma mente rica, uma emoção forte. Ora,
isso não é nada mais do que perseguir um oposto e o oposto encerra a causa da
qual fugis. Aquilo que perseguis encerra aquilo de que fugis. Quando sois
pobres, quereis ser ricos e sabeis, por meio do contraste, o que é ser rico.
Ides atrás da riqueza com a vossa mente e criais assim um oposto por meio do
desejo; ao passo que, no reconhecimento do fato de que sois pobres e no vos
esforçardes por vos libertar mesmo da ideia da pobreza, destruireis o oposto.
Se não gostardes de alguém, é
inútil o dizer que deveis amar esse alguém; isto estimula a hipocrisia. Se,
porém, vos esforçardes por vos libertar da ideia de desgosto, ireis vos
libertando da ideia de distinção entre gosto e desgosto. Não podeis fazer isto
mentalmente; não podeis dizer “preciso me libertar do desgosto” e,
intelectualmente, vos iludir a vós próprios. O reconhecimento do fato daquilo
que sois, se de tal não vos tentardes evadir, conduz à libertação dos opostos.
Se estiverdes solitários,
continuamente estareis buscando companhia, esforçando-vos para sufocar vossa
mente com ideias, prazeres, querereis engolfar-vos nas boas obras; porém, a
ferida da solidão, embora a cubrais de múltiplas sensações, fica ainda por
curar. Ao passo que, se vos aperceberdes de vossa solidão e lhe fizerdes
frente, sem buscar dela fugir, no próprio ato de a defrontardes, integralmente,
tornar-vos-eis vigilantes. Começareis a ver o modo pelo qual vos esforçais para
fugir da solidão; percebereis os sutis enganos da mente. De cada vez que vos
aperceberdes de vossa fuga, ficareis enriquecidos pela sabedoria em virtude
desse apercebimento.
Ainda que eu possa variar os
termos, é disto que falo todos os anos. Tentai aperceber-vos de vossos próprios
desejos, o que não é tornar-vos eu-conscientes. Só vos tornais eu-conscientes
quando perseguis um oposto por causa do desejo, quando buscais fugir da solidão
para a riqueza de uma multidão de ideias. Quando vos esforçais, sem desejo, por
libertar-vos da solidão por meio da ação da vigilância, então não mais criais resistência,
a qual é eu-consciência, porém estareis libertando a mente da limitação. A pura
ação é, portanto, um processo de desnudamento, não de aquisição.
A mente é formada de pensamento,
vontade, concepção, reflexão e entendimento. Ora, não podereis possuir
entendimento. Ora, não podereis possuir entendimento se a vossa mente estiver
carregada pelo desejo, pela ânsia do querer; este querer cria uma ideia e, por
isso, uma recordação. Se, porém, a mente não estiver tentando engolfar e se
esforçar por se libertar da causa da resistência que é o contraste, então
haverá uma mente descarregada e só uma mente tal pode compreender, pois que se
completa s si própria no apercebimento emocional.
Uma das coisas mais difíceis é
libertar a mente da ideia do passado. Se, por exemplo, tiverdes um regozijo
decorrente de uma experiência emocional, vossa mente há de querer retroceder e
demorar-se nela, volta a passar pela experiência. Criais assim uma lembrança
pela perpetuação de uma ideia e esta lembrança torna-se eu-consciência, o “eu”,
que julga ser real e que imaginais poder progredir até tornar-se, por fim, a
própria Vida. O “eu” nada mais é que uma série de embaraços oriundos do desejo;
e para se libertar desta ideia de eu-consciência, que é morte, e da ideia de
unidade, de progresso, de inclusividade, de auto-identificação, a mente
necessita completar-se a si mesma em cada experiência. Isto é, necessitais vos tornar
plenamente apercebidos em cada instante, o que não implica ter mente preguiçosa.
Se fizerdes observações sobre a
vossa própria mente, haveis de verificar o como ela toma ideia após ideia,
incidente após incidente, lembrança após lembrança e sobre elas se demora
criando lamentações para o passado e esperanças para o futuro. Por esta maneira
gastais vossos dias e anos e criais um hábito de pensar; neste hábito viveis e
este hábito torna-se a vossa vida, a vossa consciência, todo o vosso viver e
agir. Uma mente que continuamente se demora em incidentes, em lembranças, em
ideias, está continuamente cavando seu próprio tumulo.
Krishnamurti, perguntas e respostas em 6 de junho de 1932