Pergunta: Considerais a autoridade civil ou politica como um embaraço
para o atingimento espiritual?
Krishnamurti: O atingimento espiritual não reside
num reino exterior à vida; ele é a vida, é o entendimento harmonioso da vida em
seu conjunto. Não podeis separar a vida nas rígidas divisões política, civil e
espiritual. O homem verdadeiramente civilizado não depende para sua conduta e
vida reta, da sombra de autoridades exteriores; ele age retamente por si mesmo.
Não será pois o teor das leis que o impedirá de perturbar a harmonia do viver
social. Ele não alimenta mais o desejo de agir com desacerto no que diz respeito
aos outros, visto haver encontrado, dentro de si próprio, a harmonia.
Vós dizeis-me: “Esta maneira de
encarar a vida viria semear a confusão na mente dos inexperientes, estabeleceria
o completo caos no mundo”. Certamente que assim aconteceria se dissésseis ao
selvagem: “Fazei exatamente o que vos agrada”. Quando, porém, os sábios, os
iluminados, os que encontraram houverem encontrado paz dentro de si mesmos, estatuírem
leis que estimulem os inexperientes em direção à liberdade, então haverá ordem.
Presentemente estais construindo um formidável edifício sobre alicerces falsos.
Nem o legislador, nem o cidadão têm o desejo de tornar o homem perfeitamente
livre. As leis são impostas sem o desejo da realização da Verdade e daí o
conflito no mundo.
Pergunta: Desde a irradiação de ideias dinâmicas como a da libertação,
influencia a ação e leva a deslocamentos e reajustes sociais, pode o expositor
da libertação, ter-se como responsável somente perante a si próprio e desistir
de tomar parte nesse trabalho de reajuste?
Krishnamurti: O problema individual é o problema do
mundo. Se o indivíduo encontrou a felicidade, se criou a ordem em seu próprio
interior, então irá cria-la no mundo que o cerca; e no processo de ajudar
outros a resolverem os seus problemas individuais, ajudará a resolver o
problema do mundo. Pensais que no buscar a libertação do eu, há sugestão do
egoísmo; pensais que o ser eternamente feliz é uma realização egoísta, pensais
que o libertar-se de toda a tristeza e luta é retirar-se do mundo. Isto é uma
concepção falsa. A libertação é a própria antítese do sentimento do “eu”, da “eu-dade”.
É a realização ultérrima para todas as pessoas. A Felicidade é a Verdade única,
incondicionada, sem limitação, eterna; e se existir em todos o firme desejo de
atingir então haverá ordem e não caos. Não existe, porventura, caos no
presente? Quando o alicerce é fraco, a construção desaba. Mantende o vosso
coração e a vossa mente despertos. Apercebei-vos do caos que dimana de tantos
propósitos fúteis, de tantas lutas vãs e passageiros prazeres. E chamais a isto
ordem? Não amigo, se o indivíduo buscar a realização, criará ordem onde quer
que esteja, ainda mesmo que esta ordem tenha que efetivar-se por meio de grande
descontentamento.
Krishnamurti em reunião de perguntas e respostas, 1931