Como a maioria das pessoas tem
hábito de pensar fixo e traduzem cada nova ideia que lhes é apresentada em
termos desse hábito no pensar, naturalmente é muito difícil para mim o
explicar-lhes algo de novo com velhas expressões.
No entanto, tenho que usar termos
comuns. Não posso inventar uma nova linguagem, mas posso dar uma nova
interpretação, às palavras de que me sirvo.
Se utilizardes as palavras como
ponte de modo a estabelecer o entendimento, então as palavras têm um valor
muito definido; se porém vos deixais aprisionar nas palavras, então nenhum valor
têm estas.
A verdade considerada ao meu
ponto de vista, não pode ser alcançada pela lógica, segundo uma sequência de
acontecimentos ou de raciocínios lógicos. A verdade é alcançada pela razão, que
é a essência de toda a experiência. O entendimento não é raciocínio intelectual.
Não se pode submeter a vida ao raciocínio, mas pela experiência constante,
continuamente alerta, pode-se alcançar o verdadeiro significado da verdade. Não
podeis intelectualizar o amor. Quando intelectualizais o amor vem imediatamente
a distinção entre o “tu” e o “eu” nesse amor; ao passo que, se amardes com o
coração, não há essas distinções. É apenas a mente que cria distinções, separatividade,
divisões. A vida não é um processo de intelectualização ou de racionalização.
O entendimento do verdadeiro
significado da vida é produzido pela ação, não a ação no sentido metafísico
somente, porém a ação no que respeita a conduta em nossa vida diária, em que
existe continuação e reação, em que existe o contato com a humanidade. A nossa
atitude para com os outros, a maneira de nos comportarmos, o modo de amarmos e
de pensarmos — é conduta na ação. Então, a ação torna-se escolha, a descoberta
continua da verdade. Deve haver a escolha na ação, pois que a ação é resultado
do sentimento intenso.
Quanto mais vos intelectualizais
menos são os vossos sentimentos e por isso mesmo menor a ação; ao passo que, se
possuis intensos sentimentos, destes sentimentos intensos nasce a ação e por
meio desta realizais a verdade.
A realização é alcançada por meio
da escolha constante, na ação, e não por vos perderdes em metafísica e
misticismo. Não deveis confundir porém, sentimento com sentimentalidade. O
interesse cria o sentimento intenso, de que nasce o entusiasmo que proporciona energia,
enquanto que sentimentalidade é fraca, dissipando energia, ao invés de
produzi-la. O sentimento intenso tem continuidade e pode firmemente ser
mantido, ao passo que a sentimentalidade sofre variação e diversidade de graus
no entusiasmo.
Portanto, para a pura ação é
mister o sentimento puro; e a pura ação não é possível senão não existindo
limitação originada de falta de pleno entendimento do verdadeiro significado da
vida. Assim, não intelectualizeis meramente, ou racionalizeis aquilo que
sentirdes e pensardes; não indagueis somente se os vossos pensamentos e
sentimentos são lógicos, e baseados no raciocínio. Esta espécie de introspecção
é destrutiva, enfraquece e não conduz à ação. A razão disto é que por este
processo de intelectualização apenas subjugais os vossos impulsos, vossos
sentimentos intensos que devidamente orientados vos devem levar a ação.
Neste mundo é mister a ação. Não
pode haver como cessar a ação. A vida é criação na ação. Se compreendeis o propósito
da criação, a ação se torna espontânea. A criação não é mera produção de muitas
coisas — multiplicação de bens. Estes são meras produções, ao passo que a
criação é puro ser, é essa ação
espontânea que vem do interior, que é inconsciente. Ao usar da palavra “inconsciente
não quero significar um estado de sono, mas sim de alerta, de concentração sem nenhuma limitação. A verdadeira criação
está na concentração, na ausência de limitação. A criação verdadeira não é mera
produção. A produção não é de grande importância, embora seja necessário
produzir. A ação, é, pois, a relação entre vós próprios e a civilização.
A civilização não é senão a
expressão de vosso ser. Isto não constitui uma ideia metafísica, ou mística.
Esta civilização de luta de classe, de desejo de muitas possessões, de lutas,
de mecanização, é o resultado de vossa falta de entendimento; é a expressão de
vosso ser na manifestação. Quando compreenderdes esta vossa relação para com a
civilização, não mais acrescentareis o vosso contingente a esta luta de classes,
a este embate, a esta separatividade.
Na vida não existe isso — divisão
de classes. É criada pelo homem em sua limitação e a luta de classe é ocasionada
pelo desejo de posses. Desde que como indivíduos, não sejais cobiçosos ou
desejos de posses, estareis desencorajando a luta de classes. Assim, vossa
conduta na ação há de ajudar a destruir o sentimento da separatividade.
Assim também o propósito da
educação é criar oportunidades iguais para todos não meramente para um conjunto
definido de pessoas ou para a classe aristocrática ou rica. Não vos estou
fazendo discurso socialista! O que quero dizer é que é necessário que haja ação
quando houver limitação. O homem acha-se colhido pela tristeza; cada um de vós
está lutando nesta gaiola, neste presidio de tristeza, que é a moderna
civilização. Podeis, pela vossa ação, contribuir para esse edifício ou, pela
resistência auxiliar a diminuir este mecanizante, destruidor processo de
civilização.
Quando digo que a vida é
verdadeira criação, e não produção, quero dizer que existe ação contínua, não
cessando a ação. Por favor, não entendais mal a palavra “ação”. É à pura ação
que me refiro na qual a inação se acha também incluída. A maioria das pessoas
atemoriza-se com a inação, pelo fato de se encontrarem incertas acerca de si
mesmas, amedrontadas de si mesmas, pelo fato de se atemorizarem de estar
sozinhas, solitárias. Assim sendo, lançam-se à — ação, que não é senão negação.
Na capacidade para estar só na inação da solidão, que não nasce do tédio para
com o conflito do mundo, mas, sim de se acharem vossa mente e vosso coração
cheios e ricos é que decorre a pura ação. Feliz é o homem que se conhece a si
mesmo melhor de que às suas ações.
O verdadeiro valor das “indagação”
deve provir somente do fato de vos encontrardes intrigados, ansiosos por
perceber aquilo de que vos estou falando, e não para simplesmente me deixardes
para um canto. (Se a vossa ideia é de me colocardes de lado submeter-me-ei!)
Se, porém, surgirem perguntas pelo fato de vos achardes em conflito, pelo fato
de vos pesar demasiado o mundo que vos rodeia quando, por causa de vossa
tristeza vos estiverdes esforçando por descobrir a realidade, o propósito
duradouro da existência, então tais perguntas surgindo em vosso conflito
pessoal, obterão resposta. Por isto é que necessitais de criticar com afeto —
duvidando de vosso próprio coração e mente. Na luta pelo entendimento surgem
inúmeras perguntas — vitais, inteligentes, não meramente superficiais. Tais
perguntas são dignas de resposta, por constituírem problemas reais — não
criados intelectualmente, mas originados pela vossa tristeza, vossa luta, vosso
entendimento.
Krishnamurti em Acampamento da estrela de Ommen, 31 de julho de 1930