Qual o instrumento para examinar o inconsciente?
[...] Não conheceis o inconsciente, não tendes percebimento dele, por conseguinte como podereis desvelá-lo? Como poderei — enredado que estou nas diárias atividades e rotinas da mente consciente — examinar o inconsciente?
[...] Com que instrumento ireis examinar o inconsciente? O único instrumento de que dispondes é a mente consciente, a mente "de todos os dias", aquela mente ativa que vai ao escritório, que tem apetites sexuais e outros, que abriga temores; e com essa mente consciente ides examinar o inconsciente. Mas isso é impossível; e, depois de verificardes que é impossível, que acontece? Durante o chamado "sono", quando o cérebro se acha relativamente quieto, o inconsciente comunica certas coisas através de sonhos, de símbolos, e, depois, ao despertar, a mente consciente diz: "Sonhei e preciso interpretar os meus sonhos". Por se achar muito ocupada durante o dia, a mente consciente só tem possibilidade de descobrir o conteúdo do inconsciente por meio dos sonhos. Por essa razão, o analista atribui aos sonhos desmedida importância. Mas, vede só as complicações daí decorrentes! Os sonhos requerem interpretação correta, e para dar a correta interpretação, deve o analista conhecer o conjunto (background) de vossa consciência, todo ele, porque, do contrário, sua interpretação será falsa. Essa interpretação poderá ser freudiana ou junguiana, ou refletir as opiniões de outra autoridade qualquer, mas não será correta; e isso é o que, em geral, acontece, visto que o analista não conhece todo o vosso background (todo o conjunto de vossa consciência), nem pode conhecê-lo. E, se vós mesmo começais a analisar o inconsciente, a anotar e a interpretar cada sonho, vossa interpretação terá de ser sobremodo livre do inconsciente. Estais vendo, pois, a dificuldade. Estou examinando o problema negativamente; percebeis?
Essa coisa que chamais "o inconsciente" é desconhecida — desconhecida, no sentido de que não estais familiarizado com ela, desconheceis o seu conteúdo. Até agora não sabeis o que ele é. Tendes tentado compreendê-lo com uma mente que foi exercitada para acumular conhecimentos e com esses conhecimentos observar. Mas, descobristes agora que não é por essa maneira — isto é, por meio da análise — que se pode sondar o inconsciente. E, quando dizeis "A análise não é o caminho certo", que aconteceu à vossa mente? Entendeis? Não sei se isto está claro.
Quando dizeis, a respeito de alguma coisa: "Este não é o caminho certo", qual o estado de vossa mente? Ela se acha, por certo, num estado de negação. Ora, podeis permanecer nesse estado? É só no estado de negação que tendes possibilidade de observar; assim, o importante é abeirar-nos negativamente daquilo que desconhecemos. É assim que nascem as invenções, não? Foi assim que se criaram os grandes foguetes. Mas, é muito mais difícil nos abeirarmos negativamente de um problema psicológico, porque estamos torturados, retidos em nosso próprio desconcerto emocional, e desejamos achar uma saída disso.
Assim, para desvelarmos o inconsciente, precisamos primeiramente ver com toda a clareza, por nós mesmos, essa verdade, que só com uma mente vazia temos possibilidade de observar uma coisa que desconhecemos. Foi-vos recomendado analisar, mas a análise não vos conduziu a parte alguma, a nada, nada; percebeis, pois, por vós mesmo, que a análise não é o verdadeiro caminho. Compreendida a futilidade da análise, não trateis imediatamente de descobrir o que é o inconsciente, porém, antes, investigai, para descobrir qual é o estado em que a mente diz: "A análise não é o verdadeiro caminho". Esse estado, por certo, é o estado de negação; nele, a mente pode observar, porque não está então traduzindo, interpretando, julgando, porém apenas observando. Isso, podeis fazer em qualquer lugar — sentado num ônibus, no escritório, quando vos fala o patrão, quando falais com vossa mulher, vossos filhos, vosso vizinho, quando ledes o jornal. Com essa mente, pode ser observada cada reação do inconsciente; e, se o fizerdes intensamente — não apenas ocasionalmente, dia sim, dia não — se vos conservardes sobremodo vivo, vereis que não mais sonhareis. Que necessidade há de sonhos simbólicos, quando a cada minuto do dia o inconsciente vos está revelando a suas reações, descerrando o seu condicionamento, suas "memórias", suas ansiedades — quando tudo está sendo revelado, ao mesmo tempo que estais observando? A mente é então semelhante a uma tela em branco, na qual o inconsciente projeta o seu retrato, de momento a momento; de modo que, quando dormis, a mente, o cérebro, repousa. E ele necessita de repouso, porque esteve afanosamente ativo durante a dia, não só exercendo sua ocupação, mas também observando. O cérebro se torna, assim, sobremodo sensível — muito mais do que por meio da análise e da introspecção. A mente, o cérebro, que, durante o sono, se acha em absoluto repouso, se renova. Tem a energia necessária para ir mais longe ainda — mas não vou tratar disso agora.
[...] O desvelar do inconsciente se verifica quando a mente se acha num estado de negação, num estado de vazio; quer dizer, quando está observando, sem interpretar.
Krishnamurti, Saanen, 11 de julho de 1963,
Experimente um novo caminho