Para você possuir o verdadeiro
apercebimento de si mesmo, necessita ser constantemente concentrado, o que é
algo muito difícil. Você não pode encontrar a si mesmo, se dissipar toda sua
energia em conversas e murmúrios. Aquilo do qual falamos, não é nada
extraordinário, pois é a consumação da vida individual e universal. Para você
entender isto e trazer a teoria para a prática, na ação diária, deve se
libertar de todas as influências objetivas externas.
Até agora você tem tido certos
padrões, os quais têm seguido, porém, pela revolta, pela destruição da
autoridade, pela sua própria inclinação, esses padrões foram destruídos. Agora
você necessita estabelecer um novo valor, por si mesmo, um verdadeiro padrão
que atue como um guia.
Para o fim de encontrar os retos
valores e padrões, você tem que passar por um processo de eliminação. Não se
trata simplesmente de fazê-lo mental e emocionalmente, deve ser produzido um
correspondente resultado físico à sua renúncia, à sua rejeição. Observe que
renuncia e auto sacrifício são coisas que na verdade, não existem para o homem
que realmente compreende. E como haveriam de existir? Esforce-se para deixar de
lado todas as coisas que lhe foram impostas, que você adquiriu, a fim de poder
verificar qual o núcleo de sua inteira substância; para encontrá-lo,
naturalmente você tem de deixar de lado todas essas coisas. Ora, isto não é
renúncia, e sim, depuração.
Para possuir essa autonomia
psicológica no que se refere às coisas externas, para descobrir sua verdadeira substância,
você tem que se libertar do medo da salvação, visto que ninguém lhe salvará,
exceto você mesmo. Nenhum edificar de igrejas, nenhuma concepção pessoal de
deuses, de imagens, de preces, de cultos, ou cerimonias de nenhuma espécie, lhe
dará esse interno entendimento e tranquilidade a que nos referimos.
Dedicamo-nos em produzir homens
fortes e incorruptíveis no mundo, de visão clara e que deem lugar a uma geração
que tenha claro entendimento. Portanto, você precisa se libertar dos antigos e
modernos deuses. O que você está esforçando por fazer? Libertar-se ou ser
criança fraca que necessite sempre ser guiada e ajudada? A seu tempo, você deve
tornar-se forte, libertar-se de todos os deuses, por ser você mesmo,
potencialmente, semelhante a um deus. Assim, por que adorar algo externo que
não tem valor? É curioso que você sempre adora aos deuses e jamais ao homem do
campo, jamais a si mesmo ou aos seus colegas de trabalho. Quem é o deus que
você cultua? Certa deidade remota, ao passo que ainda nem sequer sabe, como há
de ser amistoso para com seus semelhantes!
Depois você precisa se libertar da
tradicional ideia de bem e do mal. O que você faz presentemente? Cria novas
crenças, novas tradições, novos temores, novos deuses, novos mestres, novos
gurus. E nós lhe falamos acerca de algo ao qual todos os deuses, toda a
humanidade tem de chegar. Você cultua somente os estágios intermediários, que
não têm valor real. Se você quiser modificar a sociedade e destruir a sombra
que sobre ela existe projetada, e torna-la saudável, pura e forte, você mesmo
necessita ser forte e se libertar de todo o temor dessas coisas. Você precisa
destruir essas coisas que são falsas e não essenciais, que criam superstições e
caos e, para fazê-lo, você necessita de estar para além do alcance das garras
do medo.
Depois necessita ainda libertar-se
do medo da punição e do estímulo da recompensa. Pela sua própria substância
você será recompensado; pelo seu próprio pensamento será punido; e ninguém mais
lhe pode impulsionar ou embaraçar, recompensar ou punir. Assim, você precisa se
libertar dessa alternativa mundial: “se você executar a ação assertiva, será
recompensado; se fizer o mal, irá para o inferno”.
Sua vida inteira é regida pela ideia
da punição e da recompensa. Talvez você tenha colocado de lado o céu e o
inferno tradicionais das religiões, porém inventou outros, igualmente
desastrosos e irreais, igualmente falsos. Para descobrir sua própria pureza,
entendimento e força, você tem que se libertar da noção de recompensa e do
castigo. Precisa se libertar do medo dos convencionalismos quanto ao que os
seus semelhantes possam dizer, coisa que, na verdade, é ainda muito mais difícil
do que se libertar do medo dos deuses. Os convencionalismos foram feitos para
os débeis, e os débeis são produto dos convencionalismos.
Porém, o libertar-se do medo dos
convencionalismos, não significa licenciosidade. As convenções foram feitas
para forçar as pessoas fracas a manterem-se no caminho considerado reto. Porém,
se você estiver liberto do medo das convenções, isto significa que você tem que
levar a pratica uma exigência maior quanto a si mesmo, no que se refere a ação
correta. Você tem que mudar, tem que se libertar dos temores convencionais, do
que pensam seus semelhantes, família e sociedade, e tem que se libertar do medo
do seu guru, enfim, de todos esses inumeráveis e imaturos temores.
E depois, você precisa ainda se
libertar do temor da perda e do lucro, financeiro, físico, emocional e mental.
Você é responsável por si mesmo. Certifique-se de que isto é verdadeiro em
relação a tudo que é mutável: perda e ganho de dinheiro, de poder, de amor, de
todas as inúmeras coisas que implicam perda e lucro. Atente-se a isso, e você
verificará a exatidão do que estamos falando.
E deve inda ter lugar a libertação
do medo da vida e da morte. Na Vida, não pode existir em dado momento o
nascimento e em outro a morte. É somente a expressão física que muda. E todos
correm muito mais em direção a morte do que a Vida. Você se interessa mais pelo
que acontece depois da morte do que pelo que acontece durante a Vida, porque
para você existe vida e morte, que é nascer e morrer. Assim como existe noite e
dia, escuridão e luz, assim também existe na existência há nascimento e morte.
Você tem que se libertar do temor desta, pelo fato de pretender descobrir sua
própria pureza e estabelecer seu próprio padrão individual.
Em seguida, você precisa deixar de temer
a solidão, assim como o anseio por estar em relação. A maioria dos indivíduos,
por causa do medo, não pode se manter só, quer alguém sobre quem descansar,
necessita ser encorajado ou desencorajado, alguém que lhe teça elogios. Você
deseja louvores, lisonjas — toda a sua religião é esta: recompensa e castigo,
que são companhia e solidão. Assim como você não pode ter o ouro purificado sem
ação do fogo, assim também você não pode produzir homens fortes sem a
adversidade. É preciso eu você chore e se ria a fim de chegar a compreender e,
no entanto, na Vida não há nem riso, nem pranto. Você precisa se capaz de se
manter só, indiferente à companhia, e a solidão, visto que tais coisas não
existem. Porque, se você tiver amor à Vida, verá que a Vida não possui nem
solidão nem companhia: A VIDA É!
Você deve também libertar-se do
temor da incerteza. A maioria das pessoas acham-se todas inseguras. Para elas
foi erguido um padrão que veio a ser destruído e acham-se agora na insegurança.
Querem que os guias averiguem e depois as informem. Ora, os guias não o farão,
porque não há mais guias nem crenças para serem guiadas. Você tem que averiguar
por si mesmo, tem que assegurar-se se tais coisas são certas, para além de toda
dúvida e quando por tal modo tiver se assegurado, estará liberto desse temor da
incerteza.
Portanto, você tem que duvidar de
todas as coisas, a fim de que, em seu êxtase de dúvida, possa se certificar.
Não duvide quando se sentir fatigado, não duvide quando se sentir infeliz,
assim como todos o podem fazer. Você deve duvidar somente em seus momentos de
êxtase, porque então poderá verificar se o que fica é verdadeiro ou falso.
Você deve também se libertar de toda
autoridade. A autoridade em assuntos espirituais não pode ser mantida por um
instante sequer. É a sua experiência pessoal que tem importância, não a
autoridade. Centenas de vezes, todas as religiões do mundo disseram que,
somente por meio de seu próprio entendimento, só por meio da rejeição de tudo,
você achará. E apesar disso, você segue a autoridade, porque isto lhe convém
muito mais. Liberte-se do temor da autoridade, a qual pode ser decepada como uma
árvore e, inteiramente destruída.
Em seguida, você necessita
libertar-se do desejo de conforto, tanto físico como emocional e mental. O conforto
cria o desejo de abrigar-se, e o abrigo assume sempre a forma de um deus. E
esse deus é conservado em um tabernáculo, igreja ou templo. Tal deus nasce do
medo. Assim, liberte-se do conforto e do encorajamento físico, emocional e
mental. Não é uma fria filosofia fria o que lhe damos. Falamos a respeito da
Vida, que não é quente nem é fria, que não é nem uma filosofia, nem um grande
sistema.
Uma vez ainda você necessita
libertar-se do amor e do ódio, isto é, libertar-se de cuidados sobre se você é estimado
ou não. Você deve ser indiferente ao ser ou não odiado. Suas ações devem
nascer, não do amor, porém do intrínseco desejo. Você não deve deixar que nem o
amor e nem ao ódio, deturpem o seu julgamento. Se você fizer certas coisas ou
se modificar de certa maneira, em virtude de amar a alguém, isso não é
verdadeiro amor nem motivo verdadeiro para a ação. A ação deve brotar de
motivos impessoais.
Depois, há ainda o medo da não
expressão de si mesmo. Como você pode se expressar, se não sabe aquilo que é?
Para procurar saber o que você é, primeiro tem que se libertar de todas essas
coisas.
Medo do desejo, medo da ambição,
ciúme, inveja, competição, e além disso, o medo da dor e da tristeza — e de
tudo isto você precisa libertar-se, a fim de descobrir o que permanece e o que
é Eterno. Você imagina que é livre e traduz essa liberdade, dando-lhe uma
expressão física. Se você quiser alterar a sociedade, não pode pertencer a uma
parcialidade, qualquer que seja ela.
De nada lhe serve mudar o título. É
preciso que haja completo afastamento, e é este o único meio de avançar. O que
fica depois deste processo de eliminação, de afastamento, de destruição de
todas as coisas não essenciais, é uma mente calma, um coração que não pode ser
perturbado, plácido, enérgico, entusiasta. Equilibrado, forte, seguro,
estático, claro e puro. Resolutos e determinados são amente e o coração daquele
que rejeitou todas essas coisas.
E quando você tiver atingido isto,
poderá envergar a capa do Eterno, não antes. Você não pode se tornar
incorruptível se existir em sua mente e coração, uma parcela que seja de
corruptibilidade.
Krishnamurti