Para nós a vida é o único mestre,
aprendemos por meio da experiência da alegria e da tristeza, do êxito e da
falência. Ninguém jamais respondeu as nossas perguntas, exceto a própria vida,
e ela não fala por meio de palavras, suas lições são experiências. Em nossa libertação
de tudo quanto é relativo, nos tornamos a própria vida; — o oceano que é todas
as coisas — tornou-se o mestre. Porém, deve também surgir em nossa mente a
ideia de que seu ensinamento não se evidencia primariamente por meio das
palavras. As palavras apenas escondem, ocultam a verdade que elas se esforçam
por expressar; somente na própria vida do homem, é que o Eterno se torna o
transitório, é aí que tem lugar a quadratura do círculo e não na linguagem ou
no símbolo.
As palavras dos grandes instrutores
constituem a menor parte de seu ensinamento; o efeito produzido por suas vidas,
sempre está fora de toda a proporção com as palavras que proferem. Eles são os Despertadores
de uma nova vida, que neles já está plenamente consciente e que vagamente se
agita nos seus semelhantes. Visto que a doutrina que eles ensinam possa se
encontrar em ensinos precedentes, no entanto, ela é inteiramente nova, pelo
fato de a viverem por um modo em que jamais pudera anteriormente ser vivida. A
coisa nova que despertam é um modo de viver e não uma doutrina. Despertam uma
nova faculdade no homem, uma nova resposta para a vida, e fazem isto por meio
da vida que vivem, e por serem o que são. No entanto, aquilo que trazem, não é
estranho à humanidade de seus dias. Acima de tudo, eles são Homens
Representativos, nos quais já se encontra liberto, aquilo que nas multidões, procura
por libertação. Assim, eles o trazem à vida e o fazem nascer em outros.
Portanto, são Despertadores antes do que mestres do Mundo. Não ensinam uma
doutrina, vivem uma vida; não possuem discípulos, porém, filhos nascidos de uma
vida que é a deles.
Quando os “discípulos” tentam
propagar-lhes a doutrina, é sinal seguro de que essa vida já está se perdendo.
Aqueles que quiserem ajudar na obra do Despertar, tem que viver uma vida nova,
e não pregar uma nova doutrina. Portanto, livros e conferências são coisas
secundárias. Sem a vida da qual eles são as centelhas, não terão significado.
Portanto, o supremo trabalho do Despertar,
é o de viver uma vida. O que devemos mostrar aos outros, não é quão exatamente
nos é possível repetir as palavras de algum mestre, e ainda menos o como desdenhamos
àqueles que não compreendem, mas sim, o como vivemos.
A arte da vida, uma ova arte de
viver, deve ser nossa atividade criativa. Nenhuma arte é mais exigente, do que
esta arte de viver; nossos pensamentos, sentimentos, palavras e ações, são
todos parte dessa nova criação. Pelo fato de ser criação, pode afetar os
outros, neles despertar a vida. Só assim podemos “ensinar”, e somente assim.
Mais importante do que a publicação dos nossos livros, é a propagação da vida
que despertamos. E isto somente pode ter lugar por parte do homem, na obra de
arte que é a sua própria vida. Sem isto, os livros perderão sua significação no
decurso de uma geração, pois que devem nascer de uma corrente viva de vida.
Esta nova criação é essencialmente
obra do indivíduo, ninguém pode ajudar a outrem neste sentido, nada pode ser
utilizado como apoio ou auxílio. Porém, é em nossas relações para com os
demais, com o nosso trabalho, que o nosso novo modo de viver se evidencia,
sendo a vida de comunidade a orquestração da nossa música.
Necessitamos criar escolas nas quais
a nova vida seja uma realidade vivida, e não um ensinamento repetido com frases
de bolso que venham constituir os primórdios de uma nova ortodoxia. Permitimo-nos
imaginar tais escolas no futuro, em todos os países.
Neste caso é o amor da vida que
reina, e não o pensamento da fuga ou o refúgio da vida. Aqui o homem será o seu
próprio libertador, e não um deus qualquer, por ele criado. Nestes dias, a vida
não será atada pelo dogma, pelo rito ou pela autoridade, porém, fluirá livre e
oportunamente.
Tais escolas modernas deveriam ser
como oásis num deserto; homens sedentos de realidade, de vida livre, a elas
recorreriam e, na atmosfera de uma nova vida, encontrariam a orientação
perdida, a solução de suas inquietudes. Pois a vida é a única solucionadora dos
problemas e inquietudes do homem, de suas interrogativas e perplexidades.
Pensamos que um lugar como este,
deveria ser o primeiro dentre essas escolas. Uma vez que o novo modo de vida
tivesse sido estabelecido pelo grupo dali, poderia ramificar-se e serem
fundadas outras escolas semelhantes. O que se necessita em primeiro lugar, é de
um grupo de pessoas suficientemente sinceras para cooperarem neste trabalho de
criação. Sem as pessoas adequadas para principiar, nada pode ser executado.
Em segundo lugar, é necessário
revisar o modo de vida exterior. Esta nova vida dificilmente poderá ser vivida
em ambientes que expressem o desejo do conforto de uma idade passada. Uma certa
severidade do ambiente é necessária para manter o indivíduo desperto, pois o
conforto alimenta o sono, os objetos supérfluos têm um efeito de distração e
desintegração. A mais completa simplicidade nos dispositivos para a vida, e uma
atmosfera de tranquilo recolhimento e infatigável observação sobre o que é
real, todas essas coisas necessitam ser criadas para fazer da nova vida uma
realidade. O conforto é que faz adormecer a vigilância e a intensidade da vida,
toda a agitação e tumulto que afogam a voz da vida, todas as distrações que mais
não são que substitutos para uma vida que não tem propósito, tudo isso deve ser
deixado de lado; o trabalho deve ser feito na tranquilidade de uma perseverança
amplamente desperta.
Então um estrangeiro deprimido e
fatigado pela vida, que tenha perdido a orientação e ande em busca de certeza,
pode vir a uma dessas escolas e, em sua atmosfera, despertar para uma nova
vida. Não há necessidade de pregar homilias sobre o que se deve ou não fazer; a
vida é uma nova moral e, se estiver desperta em um homem, a todo instante será
um guia seguro.
Assim, a nova escola pode ser um oásis
no deserto, nela os homens virão beber da vida para depois se retirarem renovados,
bastando-se a si mesmos, apercebidos de sua meta.
Para nós esta é a maneira de ensinar
de que agora se necessita, e é uma tarefa e um propósito para as muitas
propriedades existentes por todo mundo no sentido de continuarem os nossos
trabalhos.
Naturalmente, na vida de cada
indivíduo, tem que ter lugar a mesma criação de vida nova, pois que a criação
individual é sempre a base para o esforço em comunidade.
Ninguém necessita esperar por uma
comunidade ou uma nova escola; cada qual pode ser um oásis de vida em torno de
si para todos, pode ser um mestre pela vida que ele próprio viver. Pois ensinar
é, primordialmente, viver.
Krishnamurti, 1929