Fortemente sentimos ter chegado o tempo
em que cada indivíduo precisa mudar drasticamente, isto é, separar-se
integralmente de tudo que colheu do passado, dado o fato de haver compreendido.
Em você, ainda não ocorreu um suficiente despedaçamento, um corte radicalmente
relativo ao passado, e um tal decepar somente se produz, quando você realmente
estiver ansioso de achar algo que lhe dê uma satisfação perdurável,
entendimento, consolação para substituir aquilo que de você for retirado.
Sem esse corte absoluto
relativamente ao passado, você jamais chegará a criar coisa alguma, quer em si
mesmo, quer na sociedade. O elemento mais essencial para o entendimento, vem a
ser a destruição de todas as barreiras criadas com aquilo que se apresenta no
presente, mas você quer continuar pelo mesmo velho caminho, ter seus Mestres,
seus Gurus, seus ritos, cerimônias e conciliar tudo isso, com aquilo que se
apresenta à você.
De maneira alguma lhe é possível,
viver ao mesmo tempo com o passado e com o futuro. Você pode se dizer fraco, e
por isso necessitar de apoio de alguém que lhe encoraje. Porém, isto não
constitui real encorajamento. Se você confiar em terceiros para a sua
felicidade e crescimento, se tornará ainda mais fraco, em vez de se fortificar.
Portanto, não espere por salvação vinda do exterior, seja de que forma for,
pois do contrário, você somente adotará novos convencionalismos, no lugar dos
antigos.
O que necessitamos, é criar homens
fortes, que se achem seguros de sua salvação, certos quanto ao seu propósito e
que não busquem o conforto, ou as autoridades exteriores, o encorajamento de
terceiros. O estar assim concentrado, exige uma contínua observação. Estar
desprevenido e não pensar claramente, é o maior infortúnio que possivelmente
pode lhe atingir. O não estar percebido determina a busca de conforto. Você tem
que pensar constantemente em seu propósito de vida, não artificialmente, porém,
entenda cheio de equilíbrio e autovigilância.
De nada serve todos os seus estudos,
se ao mesmo tempo, em si mesmo, não existir a vida genuinamente nascida do
claro entendimento. Não nos preocupamos com a invenção de teorias, de novas
filosofias, de novos sistemas ou combinações destas coisas, mas sim,
integralmente com ideias, pensamentos e sentimentos que possam ser vividos, que
devem ser vividos. Achamos aquilo que, para nós, é absoluta certeza, aquilo que
é a Realidade Absoluta — não a relativa, porém, Absoluta.
Portanto, queremos demonstrar que as
ideias por nós encontradas, podem ser vividas por todos, e precisam ser vividas
por todos. Elas não são para os especialmente privilegiados. A perfeição não é
uma excentricidade, porém, uma coisa natural. Trata-se do resultado do
constante esforço e observação, apercebimento, auto recolhimento. Resulta de
contínuo focalização dos esforços na direção dessa Realidade, a qual não pode
ser afetada por nenhuma circunstância exterior, por nenhuma autoridade externa,
por qualquer influência, tristezas ou prazeres externos. Se você concorda com
isto que falamos, deveria se esforçar para se desembaraçar de todas as dependências
externas.
Aquilo que atingimos, precisa ser
atingido por você. Não é privilégio de uns poucos, é a flor de toda a
humanidade, do mundo dos mortais. Assim como cada qual no mundo é colhido pela
roda do tempo e espaço, do sofrimento e tristeza, da dor e prazer, desejamos
que você se retire dessa roda, a roda do que é transitório, do que não é
essencial, do irreal, do ilusório, e mediante este retirar, estabelecer por si
mesmo, uma certeza absoluta, a qual não possa ser contestada.
Você tem buscado há anos e, apesar
disso, ainda não pode sustentar com segurança sua opinião, seja contra quem
for. Você está incerto, não sabe se o que dizemos é real ou irreal. Você não
poderá se manter firme perante os outros, sem estremecer, enquanto não
conquistar essa certeza, enquanto não sentir que obteve sucesso, enquanto não
sentir que obteve êxito, enquanto não souber que o que dizemos é realidade, e
em virtude de ter se fortificado.
Não buscamos por pessoas que
meramente concordem com aquilo que dizemos. Porém, se você concorda, então deve
fazê-lo tão integralmente, se opondo a tudo o mais, sendo uma chama que destrua
tudo o mais. Você tem que ser ou uma coisa ou outra, não pode permanecer
neutro. Se você for essa chama, então seu ser inteiro, seu semblante, sua atitude,
seu afeto, seus pensamentos, seu ambiente físico, tudo em você, deverá ser a
expressão deste fato. Porém, se você não concorda, esqueça isto, e seja
contrário, com tanta violência como seria a favor. É assim que entendemos as
coisas, porque o caminho que você vem trilhando, não produziu e não produz coisa
alguma.
Até que ponto você tem modificado a
gente do exterior, até que ponto tem alterado as suas próprias circunstâncias,
a sua própria vida? Sua concordância com o que dizemos, não produziu nenhuma
mudança e, portanto, na realidade, você não concorda. Você, como as pessoas
ordinárias, se acha amedrontado, é fraco, tão medroso quanto às superstições,
autoridades, convencionalismo, como os de fora. Sua concordância não produziu
homens fortes, gente indiferente a tudo, porém, segura de sua própria força.
Você não pode ter ambas as coisas,
não pode cultuar uma imagem e, ao mesmo tempo, falar de liberdade. Não pode
adorar quadros, e a despeito disso, falar da realidade. Não pode ser escravo e,
ao mesmo tempo, falar da autonomia psicológica que vem da certeza interna, do
verdadeiro entendimento que nasce da observação.
Você não pode estar filiado a
sistemas e, ao mesmo tempo, falar da verdade de toda a vida. Você deve ser uma
coisa ou outra, deve ser quente ou frio. Se for quente, então precisa incinerar
todas as coisas externas, destruir todas as ervas daninhas, as superstições, os
medos, os deuses, as irrealidades, as coisas não essenciais da vida. Se você
for frio, então, deixe de lado o que estamos lhe dizendo, e seja egoísta,
estreito e temeroso. Por favor, não
alimente medos a este respeito, e certifique-se de uma coisa ou de outra. Não
há vantagem em a todo o instante, estar se esforçando para alcançar uma coisa
e, depois de a ter obtido, deturpá-la para adaptar à outra. Você não pode
torcer, não pode conciliar as duas, a antiga e a nova. Por esse meio, você só
criará maiores tristezas, desentendimentos e lutas.
Não estamos nos esforçando para lhe
estimular à uma coisa ou à outra. Não nos importamos que você concorde conosco
ou não, visto que oportunamente, você concordará. Se não for agora, o fará
dentro de uma centena de milhões de anos, pois falamos daquilo que é a Flor da
Vida, a fragrância, a formosura de toda a humanidade.
Você não pode, ao mesmo tempo,
pertencer à luz e às trevas, à certeza e à incerteza, ao essencial e ao
não-essencial. Se os seus pensamentos, emoções e ideias, pertencerem ao domínio
do transitório, então você jamais encontrará aquilo do estamos lhe falando. Para
você descobrir se tais coisas são as sementes que produzirão a Flor do Eterno,
você tem que passar por um processo de eliminação, de completo desapego de
todas as coisas que tiver adquirido, visto que suas ideias não têm suas raízes
no Eterno, porque você ainda não descobriu aquilo que é Eterno. Uma vez que
você o tenha descoberto, seu ideal naturalmente tomará a forma dessa
imortalidade, dessa certeza da qual falamos.
Falamos a respeito dessa Vida que é
a vida de todos, mutante e imutável, constante e variável, à qual tem de chegar
todo ser humano, todas as vidas individuais no mundo, pois que a imperfeição
cria a individualidade; e a perfeição que é Vida, que é Verdade — Absoluta, não
a relativa, não a condicionada — você tem que verificar que não existe caminho
para ela. Não pode haver estradas para ela — pois a Verdade não tem caminhos. O
oceano recebe todos os rios. Um rio pode atravessar um país, outro rio pode
passar por outro, experimentando diferentes climas nutrindo diversas árvores,
diferentes raças, diversos tipos de pessoas, ou correr através das areias
desertas: e, contudo, todos eles vão para o mesmo mar. A Verdade é semelhante
ao Oceano, sem caminhos e sem rotas fixas.
A vida é livre, incondicionada,
ilimitável e, para atingi-la, é preciso não trilhar qualquer caminho que seja
limitado e restrito. Pois a Verdade é o Todo, e não a parte. Você não pode
chegar à Verdade com a mente não depurada, apenas parcialmente evoluída, e com
emoções semi evoluídas, visto que a Verdade é a harmonia e o equilíbrio
perfeito da mente e do coração, que é a Vida. Todo homem e mulher, toda a coisa
na vida está buscando, esmiuçando, lutando, na tristeza, na dor e no êxtase,
por essa liberdade que não pode ser perturbada, a qual é perfeição, o
preenchimento de toda a vida.
Você necessita ser livre, não
pertencente a nenhum Deus, religião ou crença. Não se incline diante de nenhuma
autoridade, passada ou presente, pois toda autoridade é improdutiva. Se a sua
mente e o seu coração, estiverem estrangulados pelo culto, pela prece, pelo
medo, pela incerteza, então suas ideias não poderão ter sua raiz no Eterno,
nessa imortalidade que é perfeição. Portanto, afaste-se de todas essas coisas,
pois sendo escravo de todas essas coisas, você vive à sua sombra; e como você poderá
entender a luz do sol?
Ninguém pode levá-lo para o sol, a
não ser que você o faça por si mesmo. É bem infantil falar em salvação por
intermédio de terceiros, pois ninguém pode salvá-lo. Você mesmo tem que fazer o
formidável esforço para sair da sombra. Se você permanecer nela, então diga: “Nas
trevas me agito e nelas sinto prazer”. Você tem pleno direito a isso. Porém, se
você quiser gozar da luz, da sua claridade, pureza e serenidade, então você tem
que sair da treva.
Krishnamurti, 1929