A maioria das pessoas, talvez,
especialmente, aquelas que aqui se reuniram — hão rejeitado a maior parte das
coisas da vida, seja filosoficamente, religiosamente ou socialmente. E, em
virtude dessa mesma decepção desenvolveram como era natural, uma atitude muito
critica. Pela parte que me toca, sou de todo em todo partidário da critica. Desejo
que me critiqueis agudamente. Porém, a critica pode ser superficial ou profunda,
e, por “profunda” entendo eu a inspirada pelo desejo real de descobrir essa
verdade central que dissolve as múltiplas dificuldades com as quais todos se
defrontam. A critica pode ser construtiva ou destrutiva. Quando se dirige à coisas puramente superficiais,
passageiras, de aparências efêmeras, não vos poderá ajudar a encontrar essa
verdade que é central. Assim, por favor, apercebei-vos de que deveis criticar com uma intenção definida e não tendo
em vista qualquer motivo passageiro. Por exemplo, se estiverdes fatigados,
vossa critica denotará fadiga; será inofensiva, não terá valor. Se, porém,
criticardes para descobrir a verdade fundamental, viva, da qual vos falei — que
não depende de maus humores, circunstâncias e tempos
— então a vossa crítica será valiosa.
No que a mim respeita, aquilo de
que vos falo não foi tirado de livros. Não foi colhido em obras de espécies
várias, digerido e depois transmitido em linguagem diferente para que o pudésseis
entender. Em absoluto não se trata dessa espécie de explicação, dessa espécie
de entendimento quanto à realidade fundamental. O que estou avançando é produto
de minha própria experiência. Assim como um rio tem que abrir caminho para o
oceano, assim também a realidade última não pode vir até ele; ele é que tem de
descobri-la mediante seus próprios esforços, por meio da luta contínua, pelo
fato de se encontrar à todo o instante sobre o que é essencial. A realidade do
qual vos estou falando é aquela que reside oculta no coração de todos e a qual,
como indivíduo, eu descobri e a vivo. É a luz desta que deveis criticar. O que tendes a decidir é se o que eu
digo tem algum valor para a vida, à todo movimento diário que ela efetua.
Por toda a parte onde tenho
andado, a critica com a qual as pessoas se preocupam à meu respeito, quase
sempre se refere a superficialidades e raramente merece uma resposta. Por
exemplo, perguntaram-me outro dia por que é que, — se encontrei essa realidade
que digo ter descoberto — porque é que experimento, sinto fadiga e não passo
bem. Naturalmente que, se viajar da Índia para a América e vice-versa,
ficar-se-á fisicamente cansado. Não me sinto doente, gozo de toda energia como
outra qualquer pessoa, porém, reservo a minha
energia para particular objetivo. Se aqui estivesse trabalhando para
levantar tendas, não possuiria a energia
necessária para fazer conferências, portanto, prefiro reservar minha
energia para conferenciar, pois que este é a minha área de ação. Pessoalmente,
não me interessa o conferenciar ou não. Se quiserdes escutar, falarei; se não
quiserdes, poremos fim à isto. À mim ou particularmente, isto não me acarretará
diferença alguma. Na Índia, também, perguntaram-me certas pessoas porque é que
me barbeio duas vezes ou uma só vez ao dia. Uma tal critica desperdiça energia. O que deveríeis criticar
à todo o instante era o fato de se, pela vossa observação verificais estar eu
realmente vivendo essa realidade que digo haver atingido — se estou
evidenciando essa perfeição do Eu
que digo ter realizado. Para isto fazerdes de maneira apropriada, tendes que
compreender aquilo de que vos estou falando. Não digo isto afrontosamente. Para
compreender-se uma coisa é necessário averiguar tudo quanto com ela se
relaciona. Do mesmo modo quando vos rebelásseis contra, seja o que for, deveríeis
estar seguros de contra o que vos rebelais.
Antes de tratar à fundo desta
realidade, desejaria que isto ficasse firmado, pelo menos em vossas mentes. — Tenho que fazer frente
à isto por toda a parte por onde ando, porém, não me importa. Mas vós, que vos
reunis aqui todos os anos, gastando tempo, deveríeis ter acabado já, com essa espécie superficial de critica. Não
deveis perguntar a vós mesmos porque é que eu não vivo em uma tenda, porque é
que eu vivo em uma cabana ou porque moro em um castelo! (Estou morando em uma
choupana se é que sabeis disto).
Por favor compreendei, porque
isto é muito sério, pelo menos para mim. Antes quisera eu, de há muito, que de
todo não viésseis à estes Acampamentos, do que, vindo todos os anos, permanecêsseis assim superficiais. A
critica somente é de valor quando adestra a vossa observação de modo a poder
ela, à seu devido tempo, voltar-se sobre vós mesmos. Esta é a verdadeira
finalidade da critica. Eu costuma criticar à todos e à tudo; porém, depois, voltei
esta critica sobre mim mesmo, comecei a crescer, comecei a destruir o não
essencial. Por isso que
deveis criticar. Deixai que a atitude critica se desenvolva plena, forte, mesmo
violentamente; porém, posto que a princípio seja pessoal e dependente de
maneiras, circunstâncias e limitações, deixai que gradualmente se liberte à si
própria do elemento pessoal até que por fim sejais capazes, em toda a vossa
critica, de aferrar-vos à essa coisa essencial que deve ser o vosso guia.
Agora, para averiguardes se o que
digo é aplicável, tendes que possuir a capacidade de adaptá-lo às vossas
próprias vidas e mediante um processo de separar o joio do trigo, de
aproximar-vos cada vez mais da origem das coisas, até que cada qual de vós,
como indivíduo chegue
a viver esta realidade. Isto é tudo o que me preocupa! Não me
preocupam comunidades, bens materiais, quais as espécies de pessoas que me
acompanham ou que vem à estes Acampamentos. Preocupo-me, porém, se cada qual de vós como indivíduo está vivendo
esta realidade; pois que, do meu ponto de vista, o indivíduo é tudo. Nele está
o universo inteiro; e à partir do momento que entre na realidade, estará em paz
com o universo inteiro e tornar-se-á uma chama viva que virá a expurgar o mundo de todas as suas
coisas não essenciais, idiotas e infantis.
Uma vez que tenhais alcançado
esta realidade, este princípio
fundamental do ser, uma vez que tenha que tenhais chegado ao entendimento
disto, por meio da critica impessoal,
então mediante vossos próprios esforços estareis dissipando a treva que rodeia
a vida de todos os seres humanos, treva que eu domino “o não essencial”.
Como disse, vou descrever o que é
a realidade. Esforçar-me-ei por descrevê-la, posto que seja indescritível. Para
entender aquilo que não é nem experiência mística nem desdobramento oculto, tendes que vos
libertar do elemento pessoal de manias, gostos e desgostos. Tendes que vir a
mim com aquela frescura e ânsia de desconforto e de tristeza; com o desejo real
de compreender. Por outras palavras: tendes que a isto trazer uma mente realmente ponderada, não uma
mente que simplesmente aflore a superfície das coisas, porém, uma mente que
examine cuidadosa
e impessoalmente, que analise, afim de por vós próprios possais
descobrir essa realidade central que
nenhuma espécie de hábitos ou de ambientes podem perturbar.
Assim, sugeriria eu que durante
esta quinzena, antes de começarmos o acampamento maior, — posto que bom seja o
sentirdes bem estar físico por meio de diversões, exercícios, etc. — conservásseis
ao mesmo tempo essa mente perscrutadora, observadora e ponderada. Cada qual de
vós pode contribuir, ou para o argumento da tristeza no mundo pela vossa ignorância,
pela vossa falta de reflexão, pela ponderação entusiástica. Isto, porém,
somente pode ser obtido por meio do esforço individual e da individual purificação.
Por esta maneira, somente podereis chegar a estabelecer dentro de vós — e
portanto em vosso redor, essa felicidade perdurável que provêm da auto-realização.
Krishnamurti em Reunião de Verão, Eerde, 16 de julho de 1930