KRISHNAMURTI: Senhores, que significa “meio de vida”? É ganhar o suficiente para as nossas necessidades, que são alimento, roupa e morada, não é verdade? A dificuldade relativa ao meio de vida só surge quando nos servimos das coisas essenciais à vida — alimento roupa e morada — como meios de agressão psicológica. Isto é, quando me sirvo das necessidades, das coisas indispensáveis, como meios de engrandecimento pessoal, surge então problema relativo ao meio de vida; e a nossa sociedade está essencialmente baseada, não no suprimento das coisas essenciais, mas no engrandecimento psicológico, no uso das coisas essenciais para expansão psicológica de nós mesmos. Senhores, tendes de pensar nisso a fundo, por uns instantes. Sem dúvida o alimento, o vestuário e o teto poderiam ser produzidos em abundancia, pois para tanto há suficientes recursos científicos; mas o clamor pela guerra é maior, não apenas por parte dos mercadores de guerra, mas também por parte de cada um de nós, cada um de nós é violento. Há suficientes conhecimentos científicos para suprir todas as necessidades do homem; isso já foi calculado, e tudo poderia ser produzido em tal escala, que nenhum homem passaria necessidade. Mas porque não se realiza isso? Porque ninguém se satisfaz apenas com alimento, roupa e morada; cada um quer mais. E esse “mais” é o poder. Mas seria irracional ficarmos satisfeitos apenas com as coisas necessárias à vida. Ficaremos satisfeitos com as coisas necessárias, no seu sentido exato — que é estar livre do desejo de poder — quando tivermos encontrado o imperecível tesouro interior a que chamamos Deus, a verdade, ou como quiserdes. Se puderdes encontrar essas riquezas imperecíveis dentro em vós, vos sentireis satisfeito com poucas coisas, e essas poucas coisas podem ser fornecidas.
Mas, somos por desventura levados pelos valores sensoriais. Os valores dos sentidos se tornaram mais importantes do que os valores do real. Afinal de contas, toda a nossa estrutura social, nossa civilização atual está essencialmente baseada nos valores sensoriais. Os valores sensoriais não são meros valores dos sentidos, mas valores do pensamento porque o pensamento é também produto dos sentidos; e quando o mecanismo do pensamento, que é intelecto, é cultivado, há então em nós um predomínio do pensamento, que é também um valor sensorial. Assim, enquanto vivermos em busca do valor sensorial — do tato, do paladar, do olfato, da percepção, ou do pensamento — o exterior será sempre muito mais importante do que o interior; e a simples rejeição do exterior não nos dá acesso ao interior. Podeis repudiar o exterior e vos retirar para uma floresta ou uma caverna, e lá pensar em Deus; mas essa própria rejeição do exterior, esse próprio pensar em Deus, é ainda de natureza sensorial, porque o pensamento está baseado nos sentidos, e todo o valor baseado nos sentidos trás, infalivelmente, a confusão, — como está acontecendo no mundo de hoje. O que é sensorial predomina, e enquanto a estrutura social estiver edificada nessa base será sempre muito difícil a escolha do meio de vida.
Qual é, então, o meio de vida correto? Esta pergunta só poderá ser respondida quando houver completa revolução na atual estrutura social, não uma revolução segundo a fórmula da direita ou a da esquerda, mas completa revolução de valores não baseados nos sentidos. Agora, aqueles que têm lazeres, como as pessoas mais idosas, aposentadas, que passaram os anos de mocidade procurando Deus ou várias formas de distração, se essas pessoas aplicassem realmente o seu tempo, as suas energias, em descobrir a solução correta, poderiam agir como intermediários, como instrumentos para a realização da revolução mundial. Mas isso não lhes interessa. Interessa-lhes a segurança. Trabalharam tantos anos para fazer jus às suas pensões que preferem passar confortavelmente o resto da vida. Dispõem de tempo, mas são indiferentes; só lhes interessa uma certa abstração chamada Deus e que nenhuma conexão apresenta com o real; sua abstração, porém, não é Deus, é uma forma de fuga. E os que vivem empenhados em incessantes atividades, esses estão no meio da torrente e não dispõem de tempo para procurar as soluções dos vários problemas da vida. Assim, aqueles que se interessam por essas coisas, pela realização de uma transformação radical no mundo, resultante da compreensão de si próprios, - só deles se pode esperar algo.
Senhores, é fácil reconhecer a profissão errada. Ser soldado, policial, ou advogado, é obviamente uma profissão injusta — porque esses vivem do conflito, da dissensão. E o grande negociante, o capitalista, vive da exploração. O grande negociante pode ser um indivíduo, ou pode ser o Estado; se o Estado se incumbe de grandes negócios, não cessa de explorar a vós e a mim. E como a sociedade está baseada no exército, na polícia, na lei, no grande negociante, isto é, no princípio da dissensão, da exploração e da violência, como podemos sobreviver, vós e eu, que desejamos exercer uma profissão decente, justa? Temos crescente desemprego, exércitos cada vez maiores, forças policiais mais numerosas, com seus serviços secretos, os grandes negócios se hipertrofiam, formando vastas empresas que com o tempo passam às mãos do Estado, pois o Estado se tornou uma grande, empresa, em certos países. Dada essa situação de exploração, essa sociedade edificada sobre a dissensão, como ireis encontrar um meio de vida correta? É quase impossível, não é verdade? Ou tendes de retirar-vos a formar com uns poucos uma comunidade autárquica, cooperativa, ou sucumbis essa máquina formidável. Mas, como sabeis, a maioria de nós não têm verdadeiro empenho em encontrar o meio de vida, correto. Cada um está interessado em obter um emprego e nele se manter, na esperança de promoções e de salários cada vez mais altos. Porque o que desejamos é segurança, garantia, uma posição permanente, e não a revolução, radical. Não são os que estão satisfeitos consigo mesmos, os que estão contentes, mas só os aventureiros, que fazem experiência com a própria vida, com a própria existência, que descobrem as coisas reais, uma nova maneira de viver.
Assim, antes que possa haver um meio de vida correto, é necessário que se reconheçam os meios de vida evidentemente falsos: o exército, a advocacia, a polícia, as grandes empresas que aliciam as pessoas e as exploram, em nome do Estado, do capital, ou da religião. Quando percebeis o falso e o desarraigais, há transformação, há revolução, e essa revolução pode criar uma nova sociedade. Procurar, como indivíduo, um meio de vida justo, é bom, é excelente, mas não resolve o vasto problema. O vasto problema só é resolvido quando vós e eu não estamos, à procura de segurança. Não há coisa tal como a segurança. Que acontece quando procurais a segurança? Que está acontecendo no mundo, no presente? Toda a Europa quer segurança, clama por segurança, e que sucede? Todos querem segurança por meio do seu nacionalismo. Afinal de contas, vós sois nacionalistas porque desejais a segurança, e pensais que por meio do nacionalismo a tereis. Já se têm provado repetidas vezes que não se pode ter segurança por meio do nacionalismo, pois o nacionalismo é um processo de isolamento, provocador de guerras, sofrimentos e destruição. Assim o meio de vida justo, em vasta escala, deve começar com aqueles que compreendem o que é falso. Quando batalhais contra o falso estais criando o meio de vida justo. Quando batalhais contra toda a estrutura da dissensão, da exploração por parte da esquerda ou da direita, ou contra a autoridade da religião e dos sacerdotes — essa é a profissão correta, no momento atual. Porque os que assim procedem criarão uma nova sociedade, uma nova civilização. Mas, para batalhar, precisais ver como toda a clareza e precisão o que é falso, a fim de que o falso desapareça. Para descobrirdes o que é falso cumpre percebê-lo lucidamente, observar todas as coisas que estais fazendo, pensando e sentindo; e, como resultado disso, não apenas descobrireis o que é falso, mas virá também uma nova vitalidade, uma nova energia, e essa energia determinará que espécie de trabalho deveis ou não deveis fazer.
Krishnamurti – Do livro: Novo Acesso a Vida – Editora ICK – 15 de agosto de 1948