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sexta-feira, 31 de agosto de 2012

As cinco camadas de condicionamento

Neste discurso, Swamiji descreve as cinco camadas de condicionamento que fazem com que nos identifiquemos de forma errada com a nossa idéia a respeito de nós mesmo. São elas: as idéias sobre o corpo, idéias sobre nossos desejos, idéias sobre nossa religião ou país, idéias sobre nosso idioma e finalmente, as idéias a respeito de nossa origem famíliar. Para que possamos trilhar o verdadeiro caminho do auto conhecimento, é imprescindível estar atento aos condicionamentos que fomos ensinados a alimentar desde crianças - distiguir o que de fato pertence à essência e o que nos foi ensinado pela sociedade.

Você lembra como você era quando criança?

Esse é um filme sobre você, sobre como você era,lembra?

quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Sobre Inteligência

Pergunta: Que é inteligência?

Krishnamurti: (…) A maioria das pessoas se satisfaz com uma definição do que é inteligência. (…) A mente inteligente é aquela que investiga, (…) observa, aprende, estuda. E isso significa o quê? Que só há inteligência quando não há medo, quando estais disposto a rebelar-vos contra toda a estrutura social, a fim de descobrir o que é Deus, (…) a verdade relativa a qualquer coisa.
Krishnamurti - A Cultura e o Problema Humano, pág. 19

Inteligência não é sapiência. Se pudésseis ler todos os livros do mundo, isso não vos daria inteligência. A inteligência é coisa muito sutil; ela não tem ancoradouro. Surge quando compreendeis o processo total da mente (…). A inteligência, pois, surge com a compreensão de vós mesmos; e só podeis compreender-vos em relação com o mundo das pessoas, das coisas, e das idéias. Inteligência não é coisa adquirível, como a sapiência; ela surge (…) quando não há medo; quando há sentimento de amor, (…). (Idem, pág. 19)

Compreender o falso como falso, perceber o verdadeiro no falso, reconhecer o verdadeiro como verdadeiro, eis o começo da inteligência. (…) (Reflexões sobre a Vida, 1ª ed., pág. 58)

Vamos investigar juntos o que é a inteligência. (…) Um dos fatores da inteligência é o de investigar e descobrir; explorar a natureza do falso, porque na compreensão do falso, no descobrimento do que é ilusão, está a verdade, que é inteligência. (La Llama de la Atención, pág. 113)

A inteligência tem uma causa? O pensamento tem uma causa. Um indivíduo pensa porque possui experiências passadas, informação e conhecimento acumulado através do tempo. Esse conhecimento nunca é completo, tem de andar junto com a ignorância, (…). O pensamento, por força, tem de ser parcial, limitado, fragmentado, porque é o produto do conhecimento, (…). O pensamento criou as guerras e os instrumentos da guerra (…). O pensamento criou todo o mundo tecnológico. (…) (Idem, pág. 113-114)

Que é inteligência? Inteligência é perceber o ilusório, o falso, o irreal e descartá-lo; não afirmar meramente que é falso e continuar no mesmo, sem descartá-lo por completo. (…) Ver, por exemplo, que o nacionalismo, com todo o seu patriotismo, seu isolamento, sua estreiteza de idéias é destrutivo, (…). E ver a verdade disso, é descartar o falso. Isso é inteligência. (…) Inteligência não é a engenhosa busca de argumentos, de opiniões contraditórias que se opõem umas às outras. (…) A inteligência está mais além do pensamento. (La Llama de la Atención, pág. 127-128)

Não desejo ser parcialmente inteligente, mas inteligente de maneira integral. Quase todos nós somos inteligentes “em camadas”, vós provavelmente num sentido, e eu em outro. Alguns de vós sois inteligentes nas atividades comerciais, outros nas (…) de escritório, etc. As pessoas são inteligentes de diferentes maneiras, mas não somos integralmente inteligentes. Ser integralmente inteligente significa existir sem o “eu”. (…) (A Primeira e Última Liberdade, 1ª ed., pág. 78)

Inteligência não é acumulação de experiências e de conhecimento. Inteligência é o mais alto grau de sensibilidade. Ser sensível a todas as coisas, aos pássaros, à sordidez, à pobreza, à beleza de uma árvore, à formosura de um rosto, ao ocaso, às cores, (…) ao sorriso de uma criança, às lágrimas, ao riso, à dor, à agonia, à angústia, às desditas (…) - ser totalmente sensível a tudo significa ser inteligente. E não podemos ser inteligentes se cuidamos apenas de reprimir ou de ceder. Só podemos ser sensíveis quando há compreensão. (A Suprema Realização, pág. 44)

Que é inteligência? Um homem que está assustado e ansioso; que é invejoso e ávido; cuja mente está copiando, imitando, cheia de saber e da experiência de outros; cuja mente é limitada, controlada, moldada pela sociedade, pelo ambiente - esse homem é inteligente? Vós o chamais inteligente, mas não o é, (…). (Novos Roteiros em Educação, pág. 152)

(…) Estar consciente de tudo isso, sem opção, sem ser tragado pela complexidade das questões vitais, sem resistir ao fluxo avassalador da vida, é ser inteligente. Implica também não depender das circunstâncias e, portanto, estar apto a compreender e a libertar-se da influência e das condições ambientais. (…) Mas, a inteligência supera todas as barreiras, livre de qualquer objetivo de ganho individual ou coletivo. (…) A capacidade de destruir o passado psicológico é a essência da inteligência, (…). O sofrimento é a negação da inteligência. (Diário de Krishnamurti, pág. 81)

Tem o amor uma causa? Dissemos que a inteligência não tem causa - é inteligência, (…) é luz. Quando há luz, não é minha luz ou a luz de vocês. O sol não é o sol de vocês ou meu sol; é a claridade da luz. Tem o amor uma causa? Se não tem, então o amor e a inteligência caminham juntos. (…) (La Llama de la Atención, pág. 120)

Devemos discutir também a natureza da inteligência. A compaixão tem sua própria inteligência, o amor tem sua inerente inteligência. Vamos investigar o que é inteligência. Certamente, não pode ser ela encontrada em livros. Conhecimento não é inteligência. Onde há amor, compaixão, há a beleza de sua própria inteligência. A compaixão não pode existir se você é hindu, católico, protestante, budista ou marxista.

O amor não é produto do pensamento. No entendimento da natureza do amor, compaixão, que é negar tudo aquilo que não é, ver o falso no falso é o início da inteligência. (…) Ver a natureza da desordem, e terminá-la, não continuá-la dia após dia, mas cessá-la - o fim é percepção imediata, que é inteligência. (Mind Without Measure, pág. 58-59)

Estamos perguntando o que é inteligência. Esperteza não é inteligência. Ter grande quantidade de conhecimento sobre vários assuntos - matemática, história, ciência, poesia, pintura - não constitui atividade da inteligência. O investigador do átomo pode ter extraordinária capacidade de concentração, imaginação, investigação, discussão, formulação de hipóteses e mais hipóteses, teorias e mais teorias, mas tudo isso não é inteligência. (…) (Idem, pág. 59)

Inteligência, para mim, não é o conhecimento tirado dos livros. Podeis ser mui eruditos e, apesar disso, estúpidos. Podeis haver lido muitas filosofias e, apesar disso, desconhecer a beatitude do pensamento criativo, o qual somente pode existir quando a mente e o coração começarem a se libertar (…) pelo constante apercebimento das coisas estúpidas (…). Somente então virá à existência o êxtase do que é verdadeiro. (Palestras em New York City, 1935, pág. 21)

Que é conhecimento? (…) A inteligência utiliza-se dos conhecimentos, pois ela é a capacidade de pensar com clareza, objetividade, sensatez, naturalidade. Conseqüentemente, é isenta de emoção, preconceito, preferências ou inclinações pessoais. Inteligência é a capacidade de compreensão direta. (…) Inteligência é a qualidade característica da mente sensível, viva, consciente. Ela não se prende a nenhum juízo ou avaliação pessoal, e faculta imparcialidade e lucidez ao pensamento. A inteligência em nada se deixa envolver. (…) (Ensinar e Aprender, pág. 19)

Inteligência não é inventividade, memória, ou mero exercício verbal. É muito mais do que isso. Por bem informados e talentosos que sejamos, em certo aspecto da existência, somos ignorantes em outros sentidos. O acúmulo de conhecimentos não reflete, necessariamente, uma mente inteligente. Tampouco a capacidade e o talento. Mas a sensível percepção da vida, de seus problemas, (…) contradições, (…) aflições e alegrias, revela sabedoria. (…) (Diário de Krishnamurti, pág. 81)

A maioria pensa que inteligência é resultado da aquisição de conhecimento, informação, experiência. Por ter grande soma de conhecimento e experiência, acreditamos ser capazes de fazer face à vida com inteligência. Mas a vida é uma coisa extraordinária, nunca é estacionária; como o rio, está fluindo constantemente, nunca pára. (…) (O Verdadeiro Objetivo da Vida, pág. 139)

A inteligência só é possível quando há liberdade real em relação ao ego, (…) ao “eu”, isto é, quando a mente já não seja o centro da busca de “mais e mais”; quando ela já não está subjugada pelo desejo de experiência maior, mais vasta, mais expansiva. (…) A compreensão de todo esse processo é o autoconhecimento. Quando alguém se conhece tal como é, sem um centro acumulador, desse autoconhecer provém a inteligência capaz de fazer face à vida; e essa inteligência é criativa. (Idem, pág. 140)

A dimensão diferente só pode operar através da inteligência; se não há essa inteligência, ela não pode operar. Dessa forma, na vida diária ela só pode operar quando a inteligência está funcionando. A inteligência não pode operar quando o velho cérebro está ativo, quando há qualquer forma de crença e aderência a qualquer fragmento particular do cérebro. Tudo isso é falta de inteligência. (…) Quando se descobre a limitação do velho, esta mesma descoberta é inteligência. (The Awakening of Intelligence, pág. 412)

(…) Para mim, inteligência é a mente e o coração em plena harmonia; e então verificareis, por vós mesmos (…), o que é essa realidade. (Palestras em Auckland, 1934, pág. 112-113)

A inteligência é a essência mesma da divindade; mas é evidente que a inteligência tanto pode criar como destruir, que ela governa e dirige as emoções - é o impulso que nos propele para o nosso alvo. (…) (O Reino da Felicidade, pág. 56)

(…) A inteligência pode e deve encontrar por si mesma a Verdade, deve aprender a viver sua própria vida no Reino da Felicidade. Sem um espírito cultivado e uma inteligência inata, não vos será possível aproximar-vos do alvo. (…) (Idem, pág. 56)

O êxtase da Realidade encontra-se pela inteligência desperta e no mais alto grau de intensidade. Inteligência não significa cultivo da memória ou da razão, mas, sim, uma percepção da qual é banida a identificação e a escolha. (O Egoísmo e o Problema da Paz, pág. 199)

Uma inteligência desperta tem um discernimento profundo, verdadeiro, em todos os problemas psicológicos, nas crises, nos bloqueios, etc.; não é uma compreensão intelectual, não é um (…) conflito. Ter discernimento é uma questão humana, é despertar esta inteligência; ou, tendo esta inteligência, existe o discernimento (…). Em um discernimento assim, não há conflito; (…) A partir desse discernimento, que é inteligência, surge a ação (…) instantânea. (La Totalidad de la Vida, pág. 177)

Porém, se se acham atentos a todas essas coisas e estão insatisfeitos (…) A chama do descontentamento, devido a não haver saída, (…) não haver um objeto no qual satisfazer-se, se converte em uma grande paixão.

(…) Visto que a compaixão está relacionada com a inteligência, não há inteligência sem compaixão. E só pode haver compaixão quando houver amor, o que é completamente livre de todas as recordações, ciúmes pessoais e assim por diante. (O Futuro da Humanidade, pág. 70)

Essa paixão é inteligência. Se vocês não se encontram perturbados nestas coisas superficiais (…), essa chama extraordinária se intensifica. Isso produz na mente uma qualidade de profundo e instantâneo discernimento (…), e a ação provém desse discernimento. (La Totalidad de la Vida, pág. 178)

Há uma inteligência que seja incorruptível, não baseada em circunstâncias, não pragmática, não egocêntrica, quer dizer: não fracionada, total? Há uma inteligência que seja impecável, sem frestas, que abarque toda a manifestação do homem? Para inquirir sobre isto, deve o cérebro estar livre de qualquer conclusão, (…) de movimento egocêntrico, (…) de medo, de sofrimento. Quando há o fim do sofrimento, há paixão. (…) Não há paixão “por” alguma coisa.

A paixão existe per se, por si mesma (…). Assim, se tem que descobrir (…) como se aproximar dessa paixão, que não é luxúria nem tem nenhum motivo. Há tal paixão? (…) Quando o sofrimento chega ao fim, há amor e compaixão. E quando há compaixão, (…) então essa compaixão tem sua própria quintessência e inteligência. Isto é, não pertence ao tempo nem a teoria alguma, a nenhuma tecnologia, a ninguém; tal inteligência não é pessoal nem universal, nem as palavras a exprimem. (Last Talks at Saanen, 1985, pág. 138-139)

(…) Inteligência é a atividade do todo da vida, e essa inteligência não é sua nem minha. Não pertence a nenhum país ou povo, como o amor não é cristão ou hindu, etc. Portanto, (…) pesquisem sobre tudo isto, porque nossas vidas dependem disso. Somos pessoas desafortunadas e miseráveis, sempre em conflito. (…) Temos aceitado isso como parte da vida. Mas se investigarmos tudo isso, dá-se o despertar daquela inteligência, e, quando ela se acha em operação, ação, só então há correta ação. (Mind Without Measure, pág. 59)

Não é a inteligência de um homem engenhoso, não estamos falando disso. Agora opere com essa inteligência, que não é sua nem minha - que não é do Dr. Shaimberg, do Dr. Bohm ou de outra pessoa. Esse discernimento é inteligência universal, inteligência global ou cósmica. Avançando mais nisso, tenha um discernimento na dor que não é a dor do pensamento. Então, nesse discernimento há compaixão. (La Totalidad de la Vida pág. 131)

Agora tenha um discernimento na compaixão. É a compaixão o fim de toda a vida? O fim de toda a morte? Parece sê-lo, porque a mente se esvazia de todas as cargas que o homem se impôs a si mesmo (…). Portanto, você tem esse sentimento extraordinário, tem dentro de si essa coisa tremenda. Aprofunde-se nessa compaixão. E então há algo sagrado, não contaminado pelo homem. E isso pode ser a origem de todas as coisas - que o homem mutilou. Entende? (Idem, pág. 131)

(…) A mente despida de todas as suas lembranças e óbices, funcionando espontaneamente, plenamente, a mente, vigilante e perceptiva, cria a compreensão, e isso é inteligência, (…); isso para mim é imortalidade, atemporalidade. (…) (A Luta do Homem, pág. 60)

Inteligência é o discernimento do essencial, e para discernir o essencial temos de estar livres dos obstáculos que a mente “projeta” (…) (A Educação e o Significado da Vida, pág. 39)

A chama da inteligência, do amor, só pode ser despertada quando a mente está vitalmente apercebida do próprio pensamento condicionado, com seus temores, valores e desejos. (Palestras em Nova York, Eddington, Madras, 1936, pág. 80-81)

(…) A inteligência pura é aquele estado mental em que há um percebimento isento de escolha, em que a mente está silenciosa. Nesse estado de silêncio só há o ser; nele, surge aquela Realidade (…) maravilhosa atividade criadora, que está fora do tempo. (As Ilusões da Mente, pág. 35)

Por “percebimento”, entendo um estado de vigilância em que não há escolha. Estamos simplesmente observando o que é. Mas ninguém pode observar o que é, se tem alguma idéia ou opinião a respeito do que vê, dizendo-o “bom” ou “mau”, (…) avaliando. (Experimente um Novo Caminho, pág. 99)

(…) Mas, acontece que a mente da maioria de nós está embotada, semi-adormecida; só certas partes dela se acham ativas - as partes especializadas, pelas quais funcionamos automaticamente, pela associação, pela memória, tal como um cérebro eletrônico. A mente, para ser vigilante, sensível, necessita de espaço, no qual possa olhar as coisas sem nenhum fundo de conhecimentos prévios; (…) (Idem, pág. 99-100)

Devemos ficar apercebidos, atentos. (…) Concentração é a convergência de todas as energias sobre alguma coisa na qual estamos interessados. (…) O começo do apercebimento é a natural concentração do interesse em que não há conflito de desejos e escolha, e, por isso, há a possibilidade de se compreenderem os diferentes desejos que se opõem. (…) (Palestras em Ojai e Sarobia, 1940, pág. 101)

(…) Apercebimento é a compreensão total do processo do desejo consciente e inconsciente. No princípio mesmo do apercebimento, há a percepção do que é verdadeiro; a verdade não é um resultado ou uma consecução, mas é para ser compreendida. (…) Esta compreensão não nasce da simples razão ou da emoção, porém é o resultado do apercebimento, da perfeição da ação-pensamento. (Idem, pág. 102)

A compreensão não reside nos livros. Podeis ser estudiosos de livros (…), mas, se não souberdes como viver, todo o vosso conhecimento fenece; não tem substância nem valor. Enquanto que, um momento de pleno apercebimento, de pleno entendimento consciente, produz uma paz real, perene; não uma coisa estática, mas esta paz que está continuamente em movimento, que é ilimitada. (Palestras em Auckland, 1934, pág. 72)

A percepção é o processo de libertar a mente-coração dos vínculos que causam conflitos e dores, e torná-la receptiva para o que está oculto. (…) (O Egoísmo e o Problema da Paz, pág. 122)

Eu vos asseguro que, quando houver completa nudez, (…) falta de esperança, então, num momento assim, de vital insegurança, nascerá a chama da suprema inteligência, a beatitude da verdade. (New York City, 1935, pág. 24)

Como disse (…), inteligência é a solução única que produzirá a harmonia neste mundo de conflito, harmonia entre a mente e o coração, na ação. (…) Vós próprios, mediante o vosso apercebimento, (…) é que podereis discernir o verdadeiro significado destas múltiplas barreiras limitadoras. Só isso produzirá a inteligência perdurável, que vos há de revelar a imortalidade. (Idem, pág. 27)

Isto é, se estiverdes plenamente despertos, apercebidos de uma ação que exija o vosso ser inteiro, então percebereis que todas essas perversões ocultas, inconscientes, virão à tona e vos impedirão de agir plenamente, de modo completo. Será essa a ocasião, então, de lhes fazer frente e, se a chama do apercebimento for intensa, essa chama consumirá as causas limitadoras. (Idem, pág. 32)

Ora, o apercebimento não é isso. O apercebimento é o discernir, sem julgamento, o processo de criar muros autoprotetores e limitações por detrás das quais a mente toma abrigo e conforto. (Palestras em Nova York, Eddington, Madras, 1936, pág. 38)

(…) A compreensão surge somente pelo discernimento do processo do “eu”, com sua ignorância, suas tendências e temores. Onde houver profunda e criadora inteligência, haverá reta educação, reta ação e relações retas com o ambiente. (Palestras em Ommen, Holanda, 1936, pág. 60)

A ação é vital, porém não (…) as opiniões e conclusões lógicas. (…) A autoridade do ideal e do desejo impede e perverte o verdadeiro discernimento. Quando há carência, quando a mente está cativa dos opostos, não pode haver discernimento. (…) (Palestras em Ommen, Holanda, 1936, pág. 13-14)

(…) As reações psicológicas impedem o verdadeiro discernimento. Se dependermos da escolha, do conflito dos opostos, criaremos sempre a dualidade em nossas ações, engendrando assim a tristeza, (…) (Idem, pág. 14)

(…) O discernimento é a percepção direta, sem escolha, daquilo que é, e perceber diretamente é estar livre do fundo da carência. Isto só pode acontecer quando cessa o esforço (…) entre os opostos. Os opostos são resultado da carência (…) (Palestras em Ommen, Holanda, 1936, pág. 22)

(…) Pelo discernimento sem escolha desperta-se a intuição criadora, a inteligência, que é a única a poder libertar a mente-coração dos múltiplos processos sutis da ignorância, da carência e do medo. (Palestras em Ommen, Holanda, 1936, pág. 55)

Seguir quem quer que seja é, por certo, prejudicial à inteligência.
Krishnamurti - O Verdadeiro Objetivo da Vida - Cultrix

A mente estúpida nunca se tornará inteligente mediante esforço; mas, se reconhece que é estúpida, isto basta para produzir uma transformação nela própria.
Krishnamurti - Austrália e Holanda - 1955

Ser integralmente inteligente, significa estar desacompanhado do "eu".
Krishnamurti - Quando o Pensamento Cessa - ICK

É a indagação constante, a autêntica insatisfação que faz nascer a inteligência criadora; mas é extremamente difícil manter acesos a investigação e o descontentamento; a maioria dos pais não quer que os filhos tenham essa espécie de inteligência, porque é muito desagradável morar com alguém que está sempre pondo em dúvida os valores convencionais.
Krishnamurti - A Educação e o Significado da Vida

qualquer forma de tradição -- trazida do passado --, que é utilizada para se saber se existe uma Grande Realidade, é obviamente um esforço perdido. A mente tem de estar liberta de toda a espécie de tradição e preceitos espirituais; caso contrário, ficamos completamente privados de verdadeira inteligência.
Krishnamurti

Inteligência é pensamento e sentimento em perfeita harmonia, e, portanto, a inteligência é a própria beleza, inerentemente, e não uma coisa para ser procurada.
Krishnamurti

Só existe um meio de encontrar a felicidade inteligente, que é o de vossa percepção e discernimento próprios; e só por meio da ação é que podeis dissipar os múltiplos obstáculos que vos impedem o preenchimento. Si, por vós próprios, puderdes perceber, simples e diretamente, as limitações que vos impedem de viver completo e profundo, e de como foram elas criadas, então sereis capazes de dissipar... Se cada qual de vós puder ter plenitude, viver em completa harmonia - cousa que exige grande inteligência e não a persecução de desejos egoístas - então haverá o bem estar para o todo.
Krishnamurti no Clile e no México - 1935

Para se criar um ente humano inteligente, há necessidade de uma completa revolução no pensar. Um ente humano inteligente significa um ente humano se medo, não limitado pela tradição, o que não implica que deva ser amoral. Tendes de ajudar o vosso filho a ser livre, para descobrir e para criar uma sociedade nova - e não uma sociedade amoldada a algum padrão, tal seja o de Marx, o católico ou o capitalista. Requer isso muita reflexão, interesse e amor - não meras discussões sobre o amor. Se amássemos realmente os nossos filhos heveríamos de interessar-nos pela educação correta.
krishnamurti - Autoconhecimento base da sabedoria

No mundo moderno, a educação tem se preocupado não com o cultivo da inteligência, mas do intelecto, da memória e suas habilidades. Nesse processo pouco acontece além da transmissão de informações daquele que ensina para quem é ensinado, do líder para o seguidor, produzindo um modo de vida mecânico e superficial. Nisso não há quase nada de relacionamento humano.
Krishnamurti - A Arte de Aprender - Terra Sem Caminho - Pág 221

Uma escola certamente é um lugar onde se aprende sobre a totalidade, o todo da vida. A excelência acadêmica é absolutamente necessária, mas uma escola inclui muito mais que isso. É um lugar onde tanto quem ensina quanto quem é ensinado investigam não somente o mundo exterior, o mundo do conhecido, mas também seu próprio pensar, seu próprio comportamento. A partir disso, eles começam a descobrir o próprio condicionamento e como o condicionamento distorce o pensar. Esse condicionamento é o eu, ao qual é dado uma tremenda e cruel importância. A libertação do condicionamento e de sua miséria começa com essa percepção. É somente em tal liberdade que um verdadeiro aprender pode acontecer. Nesta escola é responsabilidade do professor sustentar, junto com o aluno, uma investigação cuidadosa para com as implicações do condicionamento e, assim, terminá-lo.
Krishnamurti - A Arte de Aprender - Terra Sem Caminho - Pág 221

Todos os problemas que a humanidade hoje enfrenta, tanto psicologicamente, como nas outras esferas, são o resultado do pensamento. E nós estamos alimentando o mesmo padrão de pensamento, e o pensamento nunca solucionará nenhum desses problemas. Há contudo um outro tipo de instumento que é a inteligência.
Krishnamurti - O Futuro da Humanidade - Cultrix

Uma revolução sangrenta não produz paz perdurável nem felicidade para todos. Em lugar de meramente desejardes paz imediata neste mundo de confusão e angústia, considerai como vós, individualmente, podeis ser um centro não de paz mas de inteligência. A inteligência é essencial para a ordem, a harmonia e o bem-estar do homem. Há muitas organizações para a paz, porém, há poucos indivíduos livres, inteligentes no verdadeiro sentido da palavra. Vós deveis como indivíduos, começar a compreender a realidade; então a chama do entendimento se espalhará sobre a face da terra.
Krishnamurti - Palestras em Ommem, 1936

A maioria das pessoas são forçadas a entregar-se a trabalhos, atividades, profissões, para as quais de forma alguma estão talhadas. Passam o resto da existência batalhando contra essas circunstâncias, disparando assim todas as energias em lutas, dores, sofrimentos (…) Outros homens rompem as limitações do ambiente, depois de compreenderem o seu verdadeiro significado, passando a viver inteligentemente, em atividades criadoras, seja no mundo da arte, da ciência, seja nas profissões (…)
Krishnamurti - (A Luta do Homem, pág. 94)

terça-feira, 28 de agosto de 2012

Sobre o funcionamento da mente

PERGUNTA: Porque vossos ensinamentos são puramente psicológicos? Não contêm cosmologia, nem teologia, nem ética, nem estética, nem sociologia, nem ciência política, nem mesmo higiene. Porque vos concentrais exclusivamente na mente e seu funcionamento?

            KRISHNAMURTI: Por uma razão muito simples, meu Senhor. Se o pensante pode compreender a si mesmo, o problema inteiro está resolvido. Ele é então criação, ele é então realidade; e, então, o que faz não será anti-social. A virtude não é um fim em si mesma; a virtude traz a liberdade, e só pode haver liberdade, quando o pensante, que é a mente, deixa de existir. É por essa razão que uma pessoa precisa compreender o processo da mente, o “eu” o feixe de desejos que cria o “eu”: minha propriedade, minha esposa, minhas idéias, meu Deus. Por certo, é porque o pensante está tão confuso que as suas ações são confusas; é porque o pensante está confuso que busca a realidade, a ordem, a paz. Porque o pensante está confuso, porque é ignorante, deseja conhecimento; e porque o pensante está em contradição, em conflito, cultiva a ética, para controlá-lo, guiá-lo, ampará-lo. Assim, se posso compreender a mim mesmo, que sou o pensante, está perfeitamente resolvido o problema, não é verdade? Não serei então anti-social, não serei rico e não explorarei os pobres, não desejarei coisas e mais coisas, produzindo conflito entre os que têm e os que não têm. Não terei então casta, nem nacionalidade, não haverá separação entre um homem e outro homem. Amaremo-nos então uns aos outros, seremos bondosos. Assim, o que importa não é a cosmologia, nem a teologia, nem a higiene — embora a higiene seja necessária, e a cosmologia e a teologia inúteis; o que importa é que eu me compreenda a mim mesmo, o pensante.
            Ora, é o pensante diferente do seu pensamento? Se cessa o pensamento, onde fica o pensante? Pode a qualidade ser retirada do pensante? Se fossem retiradas as qualidades do pensante, do “eu”, continuaria ele a existir? Assim os pensamentos são o pensante, não estão separados. O pensante separou-se de seus pensamentos para proteger-se; porque pode então modificar os pensamentos, de acordo com as circunstâncias, e ao mesmo tempo permanecer destacado como “o pensante”. No momento em que o pensante começa a modificar-se, deixa de existir. Por isso, um dos estratagemas da mente é o de separar o pensante dos pensamentos, e ocupar-se então com os pensamentos, com a maneira de modificá-los, mudá-los, transformá-los — sendo tudo isso um logro, uma ilusão. Porque não há pensante, se não há pensamento, e a simples modificação dos pensamentos não elimina o pensante. Essa é urna das maneiras hábeis que o pensante tem de se proteger a si próprio, de dar permanência a si próprio; ao passo que os pensamentos são impermanentes. É assim que o “eu” se perpetua; mas o “eu” não é permanente, seja o “eu” superior, seja o “eu” inferior: tanto um como o outro estão nos domínios da memória, nos domínios do tempo.
            A razão, por que dou tanta importância e tanta urgência à psicologia da mente, é que a mente é a causa de toda ação; e se, sem a compreendermos, ficarmos apenas a reformar, a remendar, a cercear as ações superficiais, fazemos com isso obra de multo pouca valia. É o que vimos fazendo há gerações, produzindo confusão, loucura e miséria pelo mundo. Precisamos, por isso, descer à própria raiz do problema da existência, da consciência, que é o “eu”, o pensante. E sem se compreender o pensante e suas atividades, meras reformas superficiais da sociedade nenhuma significação têm — pelo menos não a têm para o homem verdadeiramente sincero e interessado. Eis porque cumpre que cada um de nós procure saber aquilo a que dá mais importância: se ao superficial, exterior, se ao fundamental. Porque, senhores, com o mundo empolgado como está da sanha de massacrar, de destruir, de jogar os homens uns contra os outros, sem dúvida chegou a hora de aqueles que são de fato sinceros, determinados, atacarem o problema radical e profundamente, em vez de cuidarem de reformas e aparos superficiais. Tal a razão por que precisais descobrir por vós mesmos aquilo a que deveis dar mais importância, sem depender, para isso, de outra pessoa. Se derdes importância, unicamente, à psicologia do pensante, porque eu o faço, sereis nesse caso imitadores e podeis ser persuadidos a imitar outro qualquer, quando o imitar-me não mais vos convier. Precisais, pois, pensar neste problema, com todo o empenho, muito profundamente, e não ficar esperando que outro venha dizer-vos a que deveis dar mais importância. Tudo isso, sem duvida, é muito evidente e muito claro. A religião organizada, o partido e a política das potências, o socialismo, o capitalismo, o comunismo, todos falharam, porque não cuidam da natureza fundamental do homem. Só lhes interessa cercear as influências ambientes; e que valor tem isso quando o homem, interiormente, está enfermo, doente e confuso? Um bom médico, por certo, não se interessa apenas pelos sintomas. Os sintomas são cinicamente sinais. Ele vai à causa, erradicando-a. Assim, o homem que tem empenho tem de ir à causa, e não jogar com palavras, superficialmente; e a causa fundamental desta miséria que reina no mundo é a falta de compreensão do processo de nós mesmos. Não queremos implantar a ordem dentro em nós, cuidando apenas da ordem externa.
            Haverá ordem externa quando houver ordem interna, porque o interior sempre prevalece sobre o exterior. As sim sendo, é evidente que se deve realçar a importância do processo psicológico, com tudo o que ele implica.
            Quando uma pessoa se compreende a si mesma, encontra a felicidade e a paz, e um homem feliz não vive em conflito com o seu próximo. Só o homem infeliz, o homem ignorante, vive em conflito; suas ações são anti-sociais, e em toda parte aonde vai causa sofrimento e mais conflito. Mas um homem que se compreende a si mesmo, vive em paz, e por conseguinte as suas ações são pacificas.
            Krishnamurti – 22 de fevereiro de 1948 – Da Insatisfação à Felicidade

Sobre o pensamento

Podemos ver por nós mesmos, se observarmos com atenção, que foi o pensamento, ainda que de forma sutil, o criador desta extraordinária estrutura humana de relacionamento, de comportamento social, de divisão; e onde há divisão, terá que haver conflito, violência. Quer se trate de diferença lingüística ou diferença de classe, ou ainda da diferença produzida pelas ideologias e sistemas, essas divisões sempre geram violência. E enquanto a pessoa não estudar em profundidade a origem da violência — não apenas a causa da violência, mas ir além disso, muito além da causalidade — jamais conseguirá, pelo menos assim me parece, libertar-se da extraordinária desgraça, confusão e violência que andam à solta pelo mundo.
            Diante disso, eu me pergunto, e perguntaremos uns aos outros: o que é a liberdade em relação ao pensamento e ao comportamento humano? Sim, pois o nosso comportamento na vida diária produz o caos no mundo. Pode haver então a completa libertação, a libertação do pensamento? E, se é possível essa libertação, qual é então o lugar do pensamento? Por favor, isto não é filosofia intelectual. Filosofia significa amor à verdade, e não a opinião especulativa, o conceito teórico ou a percepção teórica. Seu verdadeiro sentido é o amor à verdade no nosso dia-a-dia e no nosso comportamento. Para abordar o assunto com seriedade — e espero que vocês façam isso — é preciso pesquisar, estudar, e não apenas memorizar algo que supomos ser verdadeiro ou sobre o que formamos algum conceito — porque não iremos formar conceito algum. Pelo contrário, a verdade não é um conceito: este ocorre apenas quando o pensamento produz opiniões, verdades dialéticas. Com seus conceitos o pensamento se torna um instrumento de separação.
            Sendo assim, precisamos tentar encontrar por nós mesmos e é, portanto, indispensável estudar o que é o pensar, e se o pensar, ainda que bastante racional, lógico, sadio, objetivo, é capaz de promover uma revolução psicológica no nosso comportamento. O pensamento sempre é condicionado, porque o pensamento é a resposta da memória, da experiência, do conhecimento, da acumulação. O pensamento brota do condicionamento e, deste modo, jamais poderá produzir o comportamento correto. Percebem o que estou dizendo? E pergunto isso porque já tive oportunidade de encontrar inúmeros psicólogos no mundo todo que, vendo o que são os seres humanos na realidade, como é contraditório o seu comportamento, como eles são seres infelizes e miseráveis, afirmam que o procedimento adequado seria o de recompensá-los e, desse modo, condicioná-los de uma forma diferente. Ou seja, em vez de castigá-los pelo seu mau comportamento, recompensá-los pelo bom comportamento e esquecer o mau comportamento. Assim, por meio de recompensas dessa natureza, você é condicionado desde a infância a se comportar da maneira correta, ou que acreditam ser correta — não anti-social. Eles continuam a viver com o pensamento. Para eles, o pensamento é de suma importância e, a exemplo dos comunistas e de outros, eles afirmam que o pensamento precisa ser modelado, precisa ser condicionado de maneira diferente, e dessa estrutura diferente resultará um comportamento diferente. Mas vivem ainda dentro do padrão do pensar.
            Isso já foi tentado na Índia antiga pelos budistas; todas as religiões já tentaram isso. Mas o comportamento humano, com todas as suas contradições, com suas fragmentações, é o resultado do pensamento. E se pretendemos uma mudança radical no comportamento humano — não na superfície, nos limites externos da nossa existência, mas no verdadeiro âmago do nosso ser — precisamos então examinar a questão do pensamento. Você precisa ver isso, não eu. Você precisa enxergar a verdade disto: o pensamento precisa ser compreendido; é preciso saber tudo a respeito dele. Isso precisa ser de enorme importância para você, e não apenas porque o orador o afirma. O orador não tem nenhum valor. O valor está no que você aprende, e não no que memoriza. Limitando-se a repetir o que o orador diz, seja aceitando ou negando, você não terá penetrado a fundo no problema. Porém, se você quer mesmo resolver o problema humano de como viver em paz, com amor, sem medo, sem violência, precisa compreender isto profunda mente.
            Mas como se pode aprender o que é a libertação? Não a libertação da opressão, a libertação do medo, a libertação de todas as pequenas coisas que nos preocupam, mas a libertação da verdadeira causa do medo, da verdadeira causa do nosso antagonismo, da verdadeira raiz do nosso ser, na qual existe uma aterradora contradição, uma assustadora busca do prazer, e todos os deuses que criamos, com todas as igrejas e sacerdotes — você conhece toda a história. Assim, acredito, é preciso que cada um pergunte a si mesmo se quer se libertar na superfície ou no verdadeiro âmago do seu ser. E se você quer aprender o que é a libertação na verdadeira fonte de toda a existência, você então precisa estudar o pensamento. Se a questão ficou esclarecida — não em termos de explicação verbal, não a idéia que você forma a partir da explicação — mas se você sente a verdadeira necessidade, então podemos caminhar juntos. Porque, se pudermos compreender isso, teremos respondido a todas as nossas perguntas.
            É preciso, portanto, descobrir o que vem a ser aprender. Em primeiro lugar, quero aprender se é possível me libertar do pensamento — e não como utilizar o pensamento. Essa é a próxima pergunta. Mas poderá a mente chegar a ser livre do pensamento? E o que significa essa liberdade? Só conhecemos liberdade de alguma coisa — estar livre do medo, disto ou daquilo, da ansiedade, de uma dúzia de coisas. E existirá uma liberdade que não seja de alguma coisa, mas a liberdade per se, em si mesma? Mas, ao fazer a pergunta, não dependerá a resposta do pensamento? Ou será a liberdade a não-existência do pensamento? E aprender significa percepção instantânea e, portanto, não requer tempo. Não sei se vocês percebem isso. Por favor, isso é de uma importância fascinante!

Krishnamurti – Brockwood Park, 9 de Setembro de 1972

Sobre o pensamento

Podemos ver por nós mesmos, se observarmos com atenção, que foi o pensamento, ainda que de forma sutil, o criador desta extraordinária estrutura humana de relacionamento, de comportamento social, de divisão; e onde há divisão, terá que haver conflito, violência. Quer se trate de diferença lingüística ou diferença de classe, ou ainda da diferença produzida pelas ideologias e sistemas, essas divisões sempre geram violência. E enquanto a pessoa não estudar em profundidade a origem da violência — não apenas a causa da violência, mas ir além disso, muito além da causalidade — jamais conseguirá, pelo menos assim me parece, libertar-se da extraordinária desgraça, confusão e violência que andam à solta pelo mundo.
            Diante disso, eu me pergunto, e perguntaremos uns aos outros: o que é a liberdade em relação ao pensamento e ao comportamento humano? Sim, pois o nosso comportamento na vida diária produz o caos no mundo. Pode haver então a completa libertação, a libertação do pensamento? E, se é possível essa libertação, qual é então o lugar do pensamento? Por favor, isto não é filosofia intelectual. Filosofia significa amor à verdade, e não a opinião especulativa, o conceito teórico ou a percepção teórica. Seu verdadeiro sentido é o amor à verdade no nosso dia-a-dia e no nosso comportamento. Para abordar o assunto com seriedade — e espero que vocês façam isso — é preciso pesquisar, estudar, e não apenas memorizar algo que supomos ser verdadeiro ou sobre o que formamos algum conceito — porque não iremos formar conceito algum. Pelo contrário, a verdade não é um conceito: este ocorre apenas quando o pensamento produz opiniões, verdades dialéticas. Com seus conceitos o pensamento se torna um instrumento de separação.
            Sendo assim, precisamos tentar encontrar por nós mesmos e é, portanto, indispensável estudar o que é o pensar, e se o pensar, ainda que bastante racional, lógico, sadio, objetivo, é capaz de promover uma revolução psicológica no nosso comportamento. O pensamento sempre é condicionado, porque o pensamento é a resposta da memória, da experiência, do conhecimento, da acumulação. O pensamento brota do condicionamento e, deste modo, jamais poderá produzir o comportamento correto. Percebem o que estou dizendo? E pergunto isso porque já tive oportunidade de encontrar inúmeros psicólogos no mundo todo que, vendo o que são os seres humanos na realidade, como é contraditório o seu comportamento, como eles são seres infelizes e miseráveis, afirmam que o procedimento adequado seria o de recompensá-los e, desse modo, condicioná-los de uma forma diferente. Ou seja, em vez de castigá-los pelo seu mau comportamento, recompensá-los pelo bom comportamento e esquecer o mau comportamento. Assim, por meio de recompensas dessa natureza, você é condicionado desde a infância a se comportar da maneira correta, ou que acreditam ser correta — não anti-social. Eles continuam a viver com o pensamento. Para eles, o pensamento é de suma importância e, a exemplo dos comunistas e de outros, eles afirmam que o pensamento precisa ser modelado, precisa ser condicionado de maneira diferente, e dessa estrutura diferente resultará um comportamento diferente. Mas vivem ainda dentro do padrão do pensar.
            Isso já foi tentado na Índia antiga pelos budistas; todas as religiões já tentaram isso. Mas o comportamento humano, com todas as suas contradições, com suas fragmentações, é o resultado do pensamento. E se pretendemos uma mudança radical no comportamento humano — não na superfície, nos limites externos da nossa existência, mas no verdadeiro âmago do nosso ser — precisamos então examinar a questão do pensamento. Você precisa ver isso, não eu. Você precisa enxergar a verdade disto: o pensamento precisa ser compreendido; é preciso saber tudo a respeito dele. Isso precisa ser de enorme importância para você, e não apenas porque o orador o afirma. O orador não tem nenhum valor. O valor está no que você aprende, e não no que memoriza. Limitando-se a repetir o que o orador diz, seja aceitando ou negando, você não terá penetrado a fundo no problema. Porém, se você quer mesmo resolver o problema humano de como viver em paz, com amor, sem medo, sem violência, precisa compreender isto profunda mente.
            Mas como se pode aprender o que é a libertação? Não a libertação da opressão, a libertação do medo, a libertação de todas as pequenas coisas que nos preocupam, mas a libertação da verdadeira causa do medo, da verdadeira causa do nosso antagonismo, da verdadeira raiz do nosso ser, na qual existe uma aterradora contradição, uma assustadora busca do prazer, e todos os deuses que criamos, com todas as igrejas e sacerdotes — você conhece toda a história. Assim, acredito, é preciso que cada um pergunte a si mesmo se quer se libertar na superfície ou no verdadeiro âmago do seu ser. E se você quer aprender o que é a libertação na verdadeira fonte de toda a existência, você então precisa estudar o pensamento. Se a questão ficou esclarecida — não em termos de explicação verbal, não a idéia que você forma a partir da explicação — mas se você sente a verdadeira necessidade, então podemos caminhar juntos. Porque, se pudermos compreender isso, teremos respondido a todas as nossas perguntas.
            É preciso, portanto, descobrir o que vem a ser aprender. Em primeiro lugar, quero aprender se é possível me libertar do pensamento — e não como utilizar o pensamento. Essa é a próxima pergunta. Mas poderá a mente chegar a ser livre do pensamento? E o que significa essa liberdade? Só conhecemos liberdade de alguma coisa — estar livre do medo, disto ou daquilo, da ansiedade, de uma dúzia de coisas. E existirá uma liberdade que não seja de alguma coisa, mas a liberdade per se, em si mesma? Mas, ao fazer a pergunta, não dependerá a resposta do pensamento? Ou será a liberdade a não-existência do pensamento? E aprender significa percepção instantânea e, portanto, não requer tempo. Não sei se vocês percebem isso. Por favor, isso é de uma importância fascinante!

Krishnamurti – Brockwood Park, 9 de Setembro de 1972

Sobre o vazio existencial

O nosso problema está no fato de a nossa vida ser vazia e de não conhecermos o amor; conhecemos sensações, conhecemos a publicidade, conhecemos exigências sexuais, mas não há amor. E como se faz para transformar esse vazio, como encontrar essa chama sem fumaça? Esta é por certo a pergunta, não é? Então, vamos descobrir juntos a verdade desse assunto.
            Por que a nossa vida é vazia? Embora sejamos muito ativos, embora escrevamos livros e freqüentemos o cinema, embora nos divirtamos, amemos e vamos ao escritório, nossa vida é vazia, tediosa, mera rotina. Por que os nossos relacionamentos são tão superficiais, estéreis e sem muito sentido? Conhecemos a nossa vida suficientemente bem para saber que a nossa existência tem muito pouco significado; citamos frases e idéias que aprendemos — o que fulano ou beltrano disseram, o que os mahatmas, os santos mais recentes ou os antigos santos disseram. Se não for um líder religioso, seguimos um líder político ou intelectual, seja Marx, Adler ou Cristo. Somos apenas fitas gravadas que repetem, e damos a esse repetição o nome de conhecimento. Aprendemos, repetimos, e a nossa vida continua extremamente superficial, entediante e repulsiva. Por quê? Por que é assim? Por que atribuímos tanta importância às coisas da mente? Por que a mente veio a se tornar tão importante na nossa vida — quando digo mente refiro-me às idéias, ao pensamento, à capacidade de racionalizar, de avaliar, de sopesar, de calcular? Por que damos uma ênfase tão extraordinária à mente? O que não significa que devamos nos tornar emotivos, sentimentais e melosos. Conhecemos esse vazio, esse extraordinário sentimento de frustração. Por que há na nossa vida essa vasta superficialidade, esse sentimento de negação? Não há dúvida de que só podemos compreendê-lo quando o abordamos por meio da consciência do relacionamento.
            O que de fato está acontecendo nos nossos relacionamentos? Nossos relacionamentos não constituem um auto-isolamento? Não são todas as atividades da mente um processo de salvaguarda, de busca de segurança, de isolamento? Não é esse pensamento, que dizemos ser coletivo, um processo de isolamento? Não é toda ação da nossa vida um processo de auto-encerramento? Vocês podem vê-lo na sua vida diária. A família tornou-se um processo de auto-isolamento e, sendo isolada, deve existir em oposição. Assim, todas as nossas ações estão levando ao auto-isolamento, que cria essa sensação de vazio; e, sendo vazios, procuramos preencher o vazio com rádios, com barulho, com tagarelices, com fofocas, com a leitura, com a aquisição de conhecimento, com a respeitabilidade, o dinheiro, a posição social e por aí afora. Mas tudo isso é parte do processo de isolamento e, portanto, apenas reforça o isolamento. Assim, para a maioria de nós, a vida é um processo de isolamento, de negação, de resistência, de ajustamento a um padrão; e, naturalmente, nesse processo não há vida, havendo, por conseguinte, uma sensação de vacuidade, uma sensação de frustração. Claro que amar alguém é estar em comunhão com essa pessoa, não num determinado grau, mas completa, integral e profusamente; porém, nós não conhecemos esse amor. Só conhecemos o amor como sensação — os meus filhos, a minha mulher, a minha propriedade, o meu conhecimento, a minha realização; e isso é novamente um processo de isolamento. A nossa vida, em todas as direções, leva à exclusão; ela é um impulso de auto-isolamento da parte do pensamento e do sentimento; às vezes conseguimos nos comunicar com o outro. Eis por que existe esse enorme problema.
            Ora, esse é o estado atual da nossa vida — respeitabilidade, posse e vazio — e a pergunta é como proceder para irmos além dele. Como ir além dessa solidão, desse vazio, dessa insuficiência, dessa pobreza interior? A meu ver, a maioria de nós não deseja fazê-lo. A maioria de nós fica satisfeita com a maneira como é; é muito cansativo descobrir uma coisa nova, e por isso preferimos permanecer como estamos — e aí reside a verdadeira dificuldade. Temos muitas coisas que nos dão segurança; construímos paredes ao redor de nós mesmos, com as quais estamos satisfeitos e, ocasionalmente, há um murmúrio vindo de além da parede; há de vez em quando um terremoto, uma revolução, uma perturbação que logo neutralizamos. Desse modo, a maioria de nós na realidade não quer ir além do processo de auto-isolamento; tudo o que procuramos é um sucedâneo, a mesma coisa numa outra forma. Nossa insatisfação é bem superficial; queremos uma coisa nova que nos satisfaça, uma nova segurança, uma nova maneira de nos proteger — o que é, mais uma vez, o processo de isolamento. O que estamos procurando, a bem dizer, não é ir além do isolamento, mas reforçá-lo de modo que ele venha a ser permanente e livre de interferências. São poucos os que desejam derrubar as barreiras e ver o que existe para além disso que chamamos de vacuidade, solidão. Aqueles que buscam um sucedâneo para o antigo ficarão satisfeitos ao descobrir algo que proporcione uma nova segurança, mas há evidentemente quem queira ir além disso; por isso, prossigamos com eles.
            Ora, para ir além da solidão, do vazio, é preciso compreender todo o processo da mente. O que é isto que chamamos de solidão, de vazio? Como sabemos que é vazio, que é solidão? A partir de que critério vocês dizem que é isto e não aquilo? Quando vocês dizem que é solidão, que é vazio, qual é a referência? Vocês só podem sabê-lo a partir das medidas proporcionadas pelo antigo. Vocês dizem que algo é vazio, vocês o nomeiam, e julgam tê-lo compreendido. Não será o próprio ato de nomear um empecilho à sua compreensão? A maioria de nós sabe o que é a solidão, da qual estamos tentando escapar. A maioria de nós tem consciência dessa pobreza interior, dessa insuficiência interior. Não se trata de uma reação abortiva, mas de um fato; e ao lhe dar um nome não o podemos dissolver — ele está presente. Ora, como conhecemos seu conteúdo, como chegamos a saber qual é a sua natureza? Vocês conhecem alguma coisa por lhe dar um nome? Vocês me conhecem ao me chamar por um nome? Vocês só podem me conhecer quando me observam, quando têm comunhão comigo,
mas chamar-me por um nome, dizer que sou isso ou aquilo, obviamente põe fim à comunhão comigo. De modo semelhante, para se conhecer a natureza daquilo que denominamos solidão, tem de haver comunhão com ela, e a comunhão não é possível se vocês a nomeiam. Para compreender alguma coisa, é preciso antes de tudo fazer cessar o ato de nomear. Se desejam de fato entender seu filho — o que eu duvido — o que vocês fazem? Vocês olham para ele, observam-no a brincar, contemplam-no, estudam-no. Em outras palavras, vocês amam aquilo que desejam compreender. Quando vocês amam alguma coisa, há naturalmente comunhão com essa coisa, mas o amor não é uma palavra, um nome, um pensamento. Vocês não podem amar aquilo a que dão o nome de solidão porque não têm plena consciência dela, porque a abordam com medo — não medo da solidão, mas de outra coisa. Vocês não pensaram sobre a solidão porque não sabem de fato o que ela é. Não riam; isto não é um argumento inteligente. Pensem bem no assunto enquanto falamos e verão todo o seu alcance.
            Logo, aquilo que denominamos o vazio é um processo de iso lamento que é o produto do relacionamento cotidiano, porque, no relacionamento, consciente ou inconscientemente, estamos procurando a exclusão. Vocês querem ser o proprietário exclusivo daquilo que lhes pertence, da mulher ou do marido, dos filhos; querem caracterizar a coisa ou pessoa como meu, o que evidentemente significa aquisição exclusiva. Esse processo de exclusão deve inevitavelmente levar a um sentimento de isolamento; e como nada pode viver em isolamento, há conflito, e estamos tentando escapar desse conflito. Todas as formas de fuga que podemos conceber — as atividades sociais, a bebida, a busca de Deus, a puja, a realização de cerimônias, a dança e outras diversões — estão no mesmo nível: e se vemos na vida diária esse processo total de fuga do conflito e queremos suplantá-lo, temos de compreender o relacionamento. Só quando a mente não está escapando de nenhuma maneira é possível estar em comunhão direta com aquilo a que damos o nome de solidão: o só; e para haver comunhão com isso, tem de haver afeição, tem de haver amor. Em outras palavras, vocês têm de amar a coisa para compreendê-la. O amor é a única revolução, e o amor não é uma teoria nem uma idéia; ele não segue nenhum livro nem padrão de comportamento social.
            Logo, a solução do problema não vai ser encontrada nas teorias, que servem somente para aumentar o isolamento. Ela só será encontrada quando a mente, que é pensamento, não estiver empenhando em fugir da solidão. A fuga é um processo de isolamento, e a verdade é que só pode haver comunhão quando há amor. Só então é resolvido o problema da solidão.

KRISHNAMURTI – SOBRE O AMOR E A SOLIDÃO - CULTRIX

Sobre trabalho, emprego e rotina


PERGUNTA: Falais tanto na necessidade de incessante vigilância. Mas o meu trabalho me embota de maneira tão irresistível, que falar de vigilância após um dia de labor, é o mesmo que deitar sal numa ferida.

KRISHNAMURTI: Senhor, esta questão é importante. Se vos apraz, vamos examiná-la com toda a atenção, para ver o que ela implica. Pois bem, a maioria de nós se embota nisso que se chama trabalho, emprego, rotina. Os que amam o trabalho e os que são forçados a trabalhar por necessidade — tanto uns como outros estão embotados. Tanto os que amam o trabalho como os que a ele resistem são homens embotados, não é verdade? Quando um homem ama o seu trabalho, que faz ele? Pensa nele da manhã à noite, está constantemente ocupado com ele. Tão identificado se acha com o seu trabalho que não pode vê-lo objetivamente: ele próprio é a ação, o trabalho; e a uma pessoa em tais condições que acontece? Vive numa gaiola, vive isolado no seu trabalho. Nesse isolamento pode ele ser muito proficiente, muito inventivo, muito sutil, mas, sem embargo, está isolado; e se torna embotado, porque está resistindo a qualquer outra espécie de trabalho, a qualquer outra espécie de ação. O seu trabalho, por conseguinte, é uma forma de fuga da vida: da sua esposa, dos seus deveres sociais, de inumeráveis exigências, etc. E há o homem da outra categoria, o homem que, como a maioria de nós, é obrigado a fazer algo que detesta, e o faz com relutância. É o trabalhador de fabrica, o funcionário do banco, o advogado, etc.

Agora, que é que nos faz embotados? É o trabalho em si? Ou é a nossa resistência ao trabalho, ou o nosso empenho em evitar outros contactos? Compreendeis bem este ponto? Espero que eu o esteja expondo claramente. Isto é, o homem que ama o seu trabalho, está tão fechado nele, tão preso, que ele se torna uma devoção. Por conseguinte, o seu amor ao trabalho é uma fuga da vida. E o homem que resiste ao seu trabalho, que preferiria estar fazendo outra coisa, para esse há o conflito incessante da resistência àquilo que está fazendo. Nosso problema, pois, é: O trabalho torna a mente embotada? Ou o embotamento é produzido pela resistência ao trabalho, num dos casos, ou pelo uso do trabalho como meio de evitar os choques da vida, no outro caso? Isto é, a ação, o trabalho, torna a mente embotada, ou a mente se torna embotada por causa da fuga, do conflito, da resistência? É bem evidente que não é o trabalho, porém a resistência que torna a mente embotada. Se não opondes resistência e aceitais o trabalho, que acontece? O trabalho não vos embota, porque só uma parte da vossa mente fica ocupada com o trabalho que tendes de executar. O resto do vosso ser, o inconsciente, o oculto, fica ocupado com os pensamentos em que de fato tendes interesse. Logo não há conflito. Poderá isso parecer um tanto complexo; mas se examinardes com muita atenção, vereis que a mente se embota, não por causa do trabalho, mas por causa da resistência ao trabalho ou da resistência à vida. Digamos, por exemplo, que tenhais de executar um determinado serviço que levará umas cinco ou seis horas. Se dizeis “Que aborrecimento, que coisa horrível, preferiria fazer outra coisa qualquer” — o vosso espírito está evidentemente resistindo a esse trabalho. Uma parte da vossa mente está desejando que estivésseis fazendo outra coisa. Esta divisão produzida pela resistência, causa o embotamento, porque estais desperdiçando esforço, desejando que estivésseis fazendo outra coisa. Mas se não resistis e fazeis o que é realmente necessário, nesse caso dizeis: “Preciso ganhar o meu sustento, e hei de ganhá-lo corretamente”. Mas a profissão adequada não significa o exército, a polícia, ou a advocacia, — porque esses prosperam na discórdia, na desordem na astúcia, no subterfúgio, etc. Este é um problema bastante difícil, e talvez o examinemos mais tarde, se houver tempo.

Assim, se estais ocupado com um serviço que tendes de fazer para ganhar o vosso sustento, e se resistis a ele, a mente se embota, é claro; porque essa resistência é a mesma coisa que fazer funcionar um motor acionando ao mesmo tempo o freio. Que acontece ao pobre motor? O seu funcionamento se torna falho, não é verdade? Se já dirigistes automóvel, sabeis o que acontecerá se se fizer uso constante do freio: não só o freio se gasta, mas também o motor. É exatamente isso o que fazeis, quando resistis ao trabalho. Mas, se aceitais a tarefa que tendes de executar, e a executais o mais inteligente e o mais cabalmente possível, que acontece então? Porque já não estais resistindo, as outras camadas da vossa consciência continuarão ativas, independentemente do que estais fazendo; estais aplicando apenas a mente consciente ao trabalho, e a parte inconsciente, a parte oculta da mente está ocupada com outras coisas muito mais vitais e muito mais profundas. Embora estejais em presença do trabalho, o inconsciente funciona independente dele.    

Agora, se observais, que acontece realmente na vossa vida de cada dia? Digamos, por exemplo, que estejais interessado em achar Deus, em ter paz. Esse é o vosso interesse real, com o qual está ocupada tanto a vossa mente consciente como a inconsciente: encontrar a felicidade, encontrar a realidade, viver com retidão, com beleza, com lucidez. Mas tendes de ganhar o vosso sustento, porque não existe coisa tal como viver no isolamento: tudo o que existe, que é, está em relação. Estais interessado na paz, mas o vosso trabalho diário estorva esse  interesse, e por isso resistis a ele. Dizeis: “Quizera dispor de mais tempo para pensar, para meditar, para exercitar-me no violino, etc.” Quando assim procedeis, quando apenas resistis ao trabalho que tendes de executar, essa própria resistência é um desperdício de esforço, que torna a mente embotada; mas, se, por outro lado compreendeis que todos nós fazemos coisas que têm de ser feitas — escrever cartas, conversar, lavar o estábulo — e por conseguinte não resistis, mas dizeis: “tenho de fazer esse trabalho”, vós o fareis de bom grado e sem enfado. Não havendo resistência, vereis que, no momento em que terminardes o trabalho, a vossa mente estará em paz. Porque o inconsciente, as camadas mais profundas da mente estão interessadas na paz, vereis que a paz começará a surgir. Não há, pois, divisão entre a ação, que poderá ser rotina, que poderá ser desinteressante, e a vossa busca da realidade: as duas coisas são compatíveis quando não há resistência por parte da mente, quando a mente não se torna embotada por causa dessa resistência. É a resistência que cria a divisão entre a paz e a ação. A resistência se baseia numa idéia, e a resistência não pode produzir ação. É só a ação que liberta, e não a resistência ao trabalho.
            Importa, pois, compreender que a mente se torna embotada por causa da resistência, da condenação, da reprovação, da fuga. A mente não está embotada, quando não há resistência. Quando não há reprovação, nem condenação, ela está cheia de vitalidade, ativa. A resistência é mero isolamento, e a mente do homem que, consciente ou inconscientemente, está sempre procurando isolar-se, se torna em botada por causa dessa resistência.

Krishnamurti – Novo Acesso à Vida – 8 de agosto de 1948

Todo seguir é um mal


PERGUNTA. Com certeza, senhor, apesar de tudo o que tendes falado a respeito do seguir, estais bem cônscio de que sois continuamente seguido. Como agis a esse respeito, já que isso segundo vós mesmo — é um mal?

KRISHNAMURTI: Senhores, nós sabemos que seguimos: seguimos o guia político, seguimos o guru, seguimos um padrão ou uma experiência. Toda nossa cultura e educação está baseada na imitação, na autoridade, no seguir.
            Afirmo que todo o seguir é um mal, inclusive o seguir a mim próprio. O seguir é uma coisa maligna, destrutiva; e, entretanto, a mente segue, não é verdade? Ela segue Budha, segue Cristo, segue uma idéia, uma Utopia perfeita — porque a mente se acha num estado de incerteza, e quer a certeza. O seguir é uma exigência de certeza. Visto que exige a certeza, a mente está criando a autoridade — política, religiosa, ou a autoridade própria e está sempre a copiar; por conseguinte está lutando incessantemente. O seguidor jamais conhece a liberdade que há em não seguir. Só se pode estar livre, havendo incerteza e, não, quando a mente está a perseguir a certeza.
            A mente que está seguindo, está imitando, está criando a autoridade e, portanto, com medo. Este é que é realmente o problema. Todos nós sabemos que seguimos, todos aceitamos certas teorias, certas idéias, alguma utopia ou outra coisa qualquer, porque, muito profundamente, no consciente e bem assim no inconsciente, lá está o temor. A mente que não teme não cria o oposto e não tem o problema do seguir; não tem guru, não tem padrão; ela está viva.
            A mente se acha num estado de temor — medo da morte, medo de alguma coisa; e para ser livre entrega-se ela a várias atividades que conduzem à frustração; e surge, então, o problema: “pode a mente ficar livre do temor?” (não “como” ficar livre?). “Como ficar livre?” é uma pergunta de colegial. Desta pergunta resultam todos os problemas a luta, a consecução ele um fim e, por conseguinte, o conflito dos opostos, Pode a mente ficar livre do temor?
            Que é o temor? O temor só existe em relação com alguma coisa Tenho medo da opinião pública, tenho medo de meu patrão, de minha mulher, de meu marido; tenho medo da morte; tenho medo da solidão; medo de não alcançar, de não conhecer a felicidade nesta vida, de não conhecer Deus, a verdade, etc,. O medo, pois, está sempre em relação com alguma coisa.
            Que é esse medo? Se pudermos compreender a questão do desejo, o problema do desejo, poderemos, suponho, compreender o temor e ficar livres dele.
            “Eu desejo ser alguma coisa” — eis a raiz de todos os temores. Quando desejo ser alguma coisa, meu desejo de ser essa coisa e o fato de que não sou essa coisa criam o temor, não só num sentido restrito, mas também no mais amplo sentido. Nessas condições, enquanto existir o desejo de ser algo, tem de haver temor.
            Estar livre do desejo não é a projeção mental de um estado que o meu desejo me diz ser o estado em que devo achar-me. Temos de ver, com toda a simplicidade, o fato do desejo, temos de estar simplesmente cônscios dele — como vemos num espelho, sem deformação, a nossa imagem, o nosso rosto, tal como é e não como desejamos que seja. O reflexo da vossa imagem no espelho é muito exato; se puderdes estar cônscio do desejo em igual sentido, sem condenação; se simplesmente o observardes vendo-lhe todas as facetas, todas as atividades, vereis, então, que o desejo tem um significado inteiramente diverso.
            O desejo da mente é de todo diferente do desejo em que não há escolha. O que combatemos é o desejo da mente — o desejo de “vir a ser alguma coisa”. É por causa dele que seguimos e que temos gurus. Todos os livros sagrados vos levam à confusão, porque vós os interpretais de acordo com o vosso desejo e, por conseguinte, só enxergais o reflexo dos vossos próprios temores e ansiedades, nunca a Verdade. Assim, pois, só a mente que se acha num estado sem desejo algum, só essa mente é que não segue e não tem guru. Ela está totalmente cônscia de qualquer movimento; só então pode manifestar-se a bem-aventurança do real.

Krishnamurti – As Ilusões da Mente

Transformação sem esforço

Reunião feita pelo Paltalk em 03-09-2012.
Para participar, acesse:


Pensamos ser necessário o conflito, o esforço, para se operar a transformação. Tal esforço, muito evidentemente, supõe disciplinamento, controle, constante exercício, o ajustamento da pessoa ao que deveria ser. Estamos, na maioria, acostumados com essa maneira de pensar, e sobre ela se fundam as nossas atividades, a nossa perspectiva, e os nossos valores. O que deveria ser, o ideal, assumiu uma extraordinária predominância em nossas vidas. Para mim é totalmente errônea uma tal maneira de pensar, e uma vez que vos achais aqui para conhecer o que eu tenho para dizer-vos, tende a bondade de escutá-lo, sem o rejeitardes.
            No meu entender, só é possível transformação radical quando não há esforço, quando a mente não está tentando tornar-se alguma coisa, não está tentando ser virtuosa — o que não significa que não o deva ser. Enquanto há esforço para se alcançar a virtude, está havendo continuidade do “eu”, pois é ele que se está esforçando para ser virtuoso, o que, afinal, é meramente outra forma de condicionamento, uma modificação de o que é. Nesse processo está contida esta outra questão: Quem é que faz o esforço e qual o objetivo a que visa esse esforço. O objetivo, evidentemente, é o automelhoramento. Mas, enquanto fizermos qualquer esforço para melhorarmos a nós mesmos, não haverá virtude. Isto é, enquanto houver ideais de qualquer espécie, temos de fazer esforços para nos adaptarmos, nos ajustarmos a um dado ideal, ou nos tornarmos esse ideal. Se sou violento e tenho o ideal da não-violência, existe em mim um conflito, uma luta entre o que é e o que deveria ser. Esta luta, este conflito, é um estado de violência e não um estado de liberdade, de isenção de violência.
            Ora bem, posso olhar para o que é — o estado de violência — sem fazer do seu oposto um ideal? Neste caso, de certo, só me interessa a violência e não a maneira de me tornar não-violento, porque o próprio processo de me tornar não-violento é uma forma de violência. Posso, pois, encarar a violência, sem nenhum desejo de transformá-la num outro estado? Tende a bondade de seguir-me com paciência, até o fim. Posso considerar o estado a que chamo “violência”, ou avidez, ou inveja, ou seja o que for, sem tentar modificá-lo ou mudá-lo? Posso considerá-lo sem reação alguma, sem avaliá-lo, sem lhe dar nome algum?
            Estais prestando atenção? Tende a bondade de “experimentar” o que estou dizendo, para verdes a coisa diretamente, agora, e não quando voltardes para casa.
            Se uma pessoa é violenta, pode considerar esse estado a que deu o nome de “violência”, sem condená-lo? O “não condenar” é um processo extraordinariamente complexo, porque a própria verbalização do sentimento, a própria palavra “violência” é condenatória. E pode-se olhar esse sentimento, esse estado que denominamos “violência”, sem lhe dar nome algum? Quando não lhe damos nome, que está acontecendo? A mente é toda constituída de palavras, não é verdade? Todo pensar é um processo de verbalização. E quando não se dá nome a esse sentimento, quando não lhe aplicamos o termo “violência”, não está ocorrendo uma revolução extraordinária, na atenção que estamos dando ao sentimento?
            Consideremos o assunto de outra maneira. A mente divide a si mesma em violência e não-violência, de modo que há dois supostos estados: o estado que ela deseja alcançar, e o estado que é. Está, aí, a funcionar um pro cesso dualista, e, no meu sentir, só é possível a transformação radical quando cessa completamente esse processo dualista, isto é, quando a totalidade da consciência, da mente, pode dar atenção completa a “o que é”. E a mente não pode dar essa atenção completa se há qualquer tendência de condenação, qualquer desejo de modificar o que é, qualquer forma de distração, verbalizar, dar nome. Quando é completa a atenção, vereis que essa atenção, em si, é “o bom”, e “o bom” não é o esforço que se faz para transformar o que é noutra coisa diferente.
            Isto talvez seja uma explicação muito complicada de um fato que é muito simples. Enquanto a mente tem o desejo de transformação, qualquer transformação que conseguir será apenas uma “continuidade modificada” de “o que é”, porquanto a mente não pode conceber a transformação total. Só pode haver transformação total quando a mente presta atenção total a “o que é”, e a atenção não pode ser completa se há qualquer forma de verbalização, condenação, justificação ou avaliação.

Krishnamurti – AUSTRÁLIA E HOLANDA - 1955

Você é realmente um indivíduo?

             Que entendemos por indivíduo? Uma pessoa que é controlada e dominada pelos seus temores, suas decepções, suas ansiedades, os quais criam uma certa série de circunstâncias que a escravizam e a forçam a se ajustar a uma estrutura social. É isto o que entendemos por indivíduo. Por meio de nossos temores, nossas superstições, nossas vaidades e nossas ansiedades, criamos certo conjunto de circunstâncias das quais nos tornamos escravos. Quase perdemos nossa individualidade, nossa unicidade. Quando examinardes a vossa ação na vida diária, verificareis que ela é apenas uma reação a um conjunto de padrões, a uma série de idéias.
            Por favor, acompanhai o que estou dizendo e não digais que incito o homem a libertar-se de modo a poder fazer o que bem entender — de modo a produzir ruína e desastre.
            Antes de tudo desejo esclarecer que somos apenas reações a uma série de padrões e idéias que criamos por meio de nosso sofrimento e temor, por meio de nossa ignorância, por meio de nosso desejo de posse. A essa reação chamamos ação individual, mas para mim isto não é absolutamente ação. É uma constante reação em que não há ação positiva.
            Di-lo-ei de outro modo. No presente o homem é apenas vacuidade de reação, nada mais. Ele não age baseado na integridade de sua natureza, na sua plenitude, na sua sabedoria; ele age meramente baseado numa reação. Afirmo que o caos, a completa destruição está tendo lugar no mundo por não agirmos baseados em nossa plenitude, mas em nosso temor, em nossa falta de entendimento. Uma vez que nos tornemos conscientes do fato de que o que chamamos individualidade é apenas uma série de reações nas quais não há plenitude de ação; uma vez que compreendamos que essa individualidade é apenas uma série de reações nas quais há contínuo vazio, um vácuo, então agiremos harmoniosamente.
            Como podereis descobrir o valor de um dado padrão que mantendes? Não o fareis agindo em oposição a esse padrão, mas pesando, comparando o que realmente pensais e sentis com o que ele exige. Verificareis que o padrão exige certas ações, enquanto a vossa ação instintiva tende para outra direção. Que fareis então? Se fizerdes o que pede o vosso instinto, a vossa ação vos conduzirá ao caos, porque nossos instintos - foram pervertidos através de séculos pelo que chamamos educação — educação essa que é inteiramente falsa. O vosso próprio instinto requer um tipo de ação, mas a sociedade, que nós individualmente criamos no decorrer dos séculos, sociedade de que nos tornamos escravos, exige outro tipo de ação. E quando agis de conformidade com a série de padrões exigidos pela sociedade não estais agindo com plenitude de compreensão.
            Refletindo realmente sobre as exigências de vossos instintos e as da sociedade, descobrireis como podereis agir com sabedoria. Essa ação liberta o individuo; não o aprisiona. Mas a libertação do indivíduo exige grande ardor, grande busca na profundeza da ação; não é o resultado da ação oriunda de um impulso momentâneo.
            Assim, tendes de reconhecer o que sois agora. Por melhor que tenhais sido educado, sois apenas parcialmente um verdadeiro indivíduo; a maior parte de vosso ser é determinada pela reação para com a sociedade que criastes. Sois apenas uma engrenagem numa tremenda máquina a que chamais sociedade, religião, política, e, enquanto fordes uma tal engrenagem, a vossa ação será oriunda da limitação; ela vos conduzirá somente à desarmonia e ao conflito. O caos atual resultou de vossa ação. Mas se agísseis partindo de vossa plenitude descobriríeis o verdadeiro valor da sociedade e o instinto que origina a vossa ação; então esta seria harmoniosa, não um compromisso.
            Antes que tudo, portanto, precisais tornar vos consciente dos falsos valores estabelecidos através dos séculos e aos quais vos escravizastes; precisais tornar-vos consciente dos valores para descobrir se são falsos ou verdadeiros, e isto precisais fazê-lo por vós mesmo. Ninguém o poderá fazer por vós — e aí reside a grandeza e a glória do homem. Desse modo, pela descoberta do verdadeiro valor dos padrões, libertais a mente dos falsos padrões transmitidos através do tempo.
            Mas tal libertação não significa ação impetuosa, instintiva, conduzindo ao caos; significa ação nascida da plena harmonia da mente e coração. (...)


            (...) O homem em geral vê a vida apenas pela tradição do tempo, que traz em sua mente e coração; enquanto para mim a vida é fresca, renovadora, movente, nunca estática. A mente e o coração do homem estão sobrecarregados com o inquestionado desejo de conforto, que, necessariamente, deve originar autoridade. Pela autoridade ele enfrenta a vida e assim é incapaz de compreender o pleno significado da experiência, o único que pode libertá-lo do sofrimento. Ele se consola com os falsos valores da vida e se torna simplesmente máquina, uma engrenagem na estrutura social ou no sistema religioso. Não se pode descobrir o que é valor verdadeiro enquanto a mente está à procura de consolo; e desde que a maioria das mentes estão procurando consolo, conforto, segurança, não podem descobrir o que a verdade é. Assim a maioria das pessoas não são indivíduos; são meras engrenagens de um sistema. Para mim, indivíduo é uma pessoa que por meio do interrogar, descobre valores verdadeiros; e só se pode realmente interrogar quando se está em sofrimento. Quando sofreis, percebeis que a vossa mente se torna aguda, sensível; nesse momento não sois teórico; e apenas neste estado da mente podeis interrogar qual o verdadeiro valor dos padrões da sociedade, a religião e a política erigiram em torno de nós. Apenas neste estado podemos interrogar, e quando interrogamos, quando descobrimos verdadeiros valores, então somos indivíduos verdadeiros. Nunca antes. Isto é, não somos indivíduos enquanto estamos inconscientes dos valores a que nos acostumamos pelas seguranças, pelas religiões, pela busca de crenças e ideais. Somos simplesmente máquinas, escravos da opinião pública, escravos dos inúmeros ideais que as religiões colocaram ao nosso redor, escravos dos sistemas econômicos e políticos que aceitamos. E desde que todos são dentes de engrenagem nesta máquina, jamais podemos descobrir verdadeiros valores, valores duradouros, os únicos em que reside a eterna felicidade, a eterna realização da verdade.

Krishnamurti – 8 de julho de 1933 – 2ª Palestra em Stresa – Do livro: Palestras e Respostas a perguntas feitas por KRISHNAMURTI – Itália e Noruega - ICK

Qual é a verdadeira função do pensamento?

            Realmente não o sei, porém, descubramo-lo. Tem alguma importância o pensamento? Se o tem, qual é o seu lugar em nossa vida? Não estamos oferecendo opiniões sobre ele. Não é questão do que pensais, ou de que eu penso, ou o que pensa algum de vós, isso não tem valor algum. Vamos a descobrir a verdade do assunto. Para fazer isto, temos que duvidar, estar em expectativa, observar, escutar, tatear, e não repetir simplesmente uma reação ou uma recordação. Por haver lido algum livro de filosofia, ou sobre o pensar, podeis recordá-lo ou citá-lo, porém, não estamos aqui para citar o que os outros disseram. Esse senhor formulou uma pergunta séria. Eu estava dizendo que o pensamento é conflito, que é destrutivo, e ele o reconheceu e pergunta, “Que quereis dizer com isso? Se o pensamento é destrutivo, então, qual é a verdadeira função do pensamento? Qual é o justo lugar do pensamento em nossa vida?”
            Bem, agora, antes de responder a esta pergunta, temos que descobrir que é pensar, não é assim? Então, poderemos situá-lo, poderemos dar a sua reta significação. Porém, sem compreender todo o processo do pensar, o oferecer somente umas poucas palavras em resposta não satisfaz a pergunta.
            Que é, pois, pensar? Rogo-vos não me respondais; é muito fácil dizer o que é o pensar, porém, isso não põe fim a nossa indagação. Eu vos faço uma pergunta: Que é pensar? E que ocorre então? Entre minha pergunta e vossa resposta há um espaço, um intervalo de tempo em que vossa memória está atuando. Dizeis: “Que quer ele dizer? Onde li algo sobre isso?”, etc, etc. Se a pergunta é muito familiar, se vos pergunto qual é o vosso nome, vossa resposta é imediata, porque não tendes que pensar. Porém, se vos pergunto algo que não sabeis, vacilais, há um intervalo de tempo durante o qual estais investigando, buscando em vossa memória para descobrir. Assim, vosso pensar é a resposta de vossa memória, verdade? Rogo-vos olhais vagarosamente, é muito interessante si o examinais vagarosamente.
            Quando é uma pergunta com a qual estais familiarizado, vossa resposta é instantânea. Quando não estais muito familiarizados com a pergunta, necessitais de tempo, e durante esse período estais buscando em vossa memória a resposta. E quando se faz uma pergunta sobre a qual não tens na memória nenhuma informação acumulada, observais, buscais e dizeis: “Não sei”. A) Vossa resposta é instantânea. B) Tardais algum tempo em responder. C) Dizeis “Não sei”. Porém, quando dizeis “Não sei”, estais esperando saber, aguardando a que sejais informados, esperando ir à biblioteca e consultá-lo; estais esperando uma resposta. Assim é que quando dizeis “não sei”, é um “não sei” condicionado. Esperai sabê-lo dentro de uns poucos dias ou anos, o qual é condicional. Há também o caso d) em que se diz: “Não sei”, e que não é condicionado; a mente não está esperando, não está buscando na esperança de chegar a uma resposta. Simplesmente disse: “Não sei”.
            Bem, agora, a), b) e c) são todos um processo do pensar, não é assim? Se a um cristão lhe perguntais se existe Deus, imediatamente ele dirá: “claro que sim!”. Se lhe fazeis a um comunista a mesma pergunta, dirá: “Que estais dizendo? Claro que não existe!” Seu Deus é o estado, porém, este é um assunto diferente. Assim, nossa a qualquer fato está de acordo com nosso condicionamento, com nossa memória. Se a memória é aguda, clara, ativa, vívida, nossas respostas são firmes, e esse é todo o processo do que chamamos pensar. Seja nosso pensar sensível ou complexo, seja ignorante ou muito erudito e cientifico, se baseia nesse processo.
            Porém, existe o ponto em que dizeis: “Realmente não sei”, e nele não estais esperando uma resposta. Nenhum livro o pode lhes dizer. Não há nenhuma recordação que os diga: “É isto”. Seguramente que esse é de todo diferente dos outros três processos; A), B) e C) não são o mesmo que D), em que todo o pensar cessou, porque não sabeis e não estais a espera de que se vos diga.
            Bem, agora, de que ponto de vista estais fazendo a pergunta sobre “Qual é o verdadeiro valor do pensamento?” A fazeis para receber uma resposta como em A), B) e C)? Ou é que fazeis esta pergunta no estado da mente representado por D), no qual não há pensamento? E que relação tem o pensamento com o estado da mente representado por D)?
            Estou sendo claro ou se está fazendo isto demasiado complexo?
            O pensamento tem valor em certo nível, verdade?
            Quando vais ao trabalho, quando fazeis algo em qualquer campo de atividade, é evidente que o pensamento tem valor; em todas essas coisas tem que haver o pensamento. Porém, tem algum valor o pensamento quando dizeis: “Não sei”, quer dizer, quando a mente passou por A), B) e C) e se acha por completo num estado de não-saber?
            Como foi assinalado, se sois cristãos e alguém vos pergunta se existe Deus, respondereis de acordo com vosso condicionamento, direis que existe, e vosso pensar tem então certo valor, que depende de vosso código de moralidade, de como vos comportais, se vais a igreja, e tudo mais. Porém, o homem que diz, “Não sei se há Deus ou não”, que não afirma nem nega que haja um Deus, e que na realidade se encontra sem nenhum e portanto minha mente não dá valor algum ao pensamento, para descobrir; porque se utiliza seu pensamento para descobrir, volta ao conhecido. Captais isso?
            Pois bem, tenho que negar os três: A), B) e C), para descobrir. Compreendeis? Tenho que negar ou recusar a estrutura do pensamento e da crença, e estar num estado de não-saber. Não se utiliza então o pensamento em absoluto, e, portanto, minha mente não dá valor algum ao pensamento.  Porém, esta tem valor, evidentemente, em todos os demais campos.
            Como sabeis, o conhecimento tem sido acumulado pela experiência, pelo pensamento; e o pensamento, que em si mesmo é o produto do conhecimento, tem importância no campo do conhecimento. No campo do conhecimento tendes que ter pensamento. Porém, o conhecimento, que é o conhecido,  não vai vos ajudar a encontrar a encontrar o desconhecido; a mente tem que livrar-se pois do conhecido, e essa é uma de nossas dificuldades.
            Espero que isso tenha algum sentido para todos vocês.
           
Krishnamurti – 9 de julho de 1963
Do livro: TRAGEDIA DEL HOMBRE Y DEL MUNDO: A MENTE MECANICA
Editorial “SER” – 1967 - Impresso na Argentina
Título da obra em inglês: TALKS BY KRISHNAMURTI IN EUROPE – 1962 E 1965


O que é liberdade?


Muitos filósofos têm escrito sobre a liberdade. Falamos sobre liberdade — liberdade para fazer o que quisermos, para ter o emprego de que gostamos, liberdade para escolher uma mulher ou um homem, liberdade para ler qualquer livro, ou liberdade para não ler absolutamente nada. Somos livres, e o que fazemos com essa liberdade? Usamos essa liberdade para nos expressarmos, para fazer aquilo de que gostamos. A vida está se tornando cada vez mais permissiva — você pode fazer amor no parque ou no jardim.
            Temos toda espécie de liberdade, e o que temos feito com ela? Pensamos que onde há escolha há liberdade. Eu posso ir à Itália ou à França: é uma escolha. Mas a escolha dá liberdade? Por que temos que escolher? Se você é realmente lúcido, tem uma compreensão exata das coisas, não há escolha. Disso resulta uma ação correta. Apenas quando há dúvida e incerteza é que começamos a escolher. A escolha, então, se vocês me permitem dizê-lo, constitui um empecilho para a liberdade.
            Nos estados totalitários não há liberdade alguma, pois eles têm a idéia de que a liberdade produz a degeneração do homem. Portanto, eles controlam, reprimem — vocês sabem o que está acontecendo.
            Então, o que é liberdade? É algo que se baseia na escolha? É fazer exatamente o que queremos? Alguns psicólogos dizem que, se você sente alguma coisa, não deve reprimi-la ou controlá-la, mas deve expressá-la imediatamente. Jogar bombas é liberdade? — veja apenas a que reduzimos a nossa liberdade!
            A liberdade está lá fora, ou aqui dentro? Onde você começa a procurar pela liberdade? No mundo exterior — onde você expressa o que quer que você queira, a tal liberdade individual — ou a liberdade começa dentro de você, para então se expressar inteligentemente fora de você? Compreendeu a minha pergunta? A liberdade só existe quando não há confusão dentro de mim, quando, psicologicamente, religiosamente, não há o perigo de eu cair em nenhuma armadilha — você entende? As armadilhas são inúmeras: gurus, sábios, pregadores, livros excelentes, psicólogos e psiquiatras — tudo armadilhas. E se estou confuso e há desordem, não preciso, primeiro, me livrar dessa desordem antes de falar em liberdade? Se não tenho nenhum relacionamento com minha mulher, com meu marido, ou com outra pessoa — porque nossos relacionamentos são baseados em imagens — surge o conflito, que é inevitável onde há divisão. Então, não deveria eu começar por aqui, dentro de mim, na minha mente, no meu coração, a ser totalmente livre de todos os medos, ansiedades, desesperos, e das mágoas e feridas de que sofremos por causa de alguma desordem psíquica? Observe tudo por si mesmo e livre-se disso!
            Mas, aparentemente, nós não temos energia. Nós nos dirigimos aos outros para que nos dêem energia. Falando com o psiquiatra nós nos sentimos aliviados — a confissão e tudo o mais. Sempre dependendo de alguma outra pessoa. E essa dependência, inevitavelmente, causa conflito e desordem. Então, temos de começar a compreender a profundeza da liberdade; precisamos começar com aquilo que está mais perto: nós mesmos. A grandeza da liberdade, a verdadeira liberdade, a dignidade, a sua beleza, está em nós mesmos quando a ordem é completa. E essa ordem só vem quando somos uma luz para nós mesmos.

Krishnamurti – Perguntas e Respostas – Ed. Cultrix
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"Quando você compreende, quando chega a saber,
então traz toda a beleza do passado de volta
e dá a esse passado o renascimento, renova-o,
de forma que todos os que o conheceram
possam estar de novo sobre a terra
e viajar por aqui, e ajudar as pessoas." (Tilopa)



"Nos momentos tranqüilos da meditação, a vontade de DEUS pode tornar-se evidente para nós. Acalmar a mente, através da meditação, traz uma paz interior que nos põe em contato com DEUS dentro de nós. Uma premissa básica da meditação, é que é difícil, senão impossível, alcançar um contato consciente, à não ser que a mente esteja sossegada. Para que haja um progresso, a comum sucessão ininterrupta de pensamentos tem de parar. Por isso, a nossa prática preliminar será sossegar a mente e deixar os pensamentos que brotam morrerem de morte natural. Deixamos nossos pensamentos para trás, à medida que a meditação do Décimo Primeiro Passo se torna uma realidade para nós. O equilíbrio emocional é um dos primeiros resultados da meditação, e a nossa experiência confirma isso." (11º Passo de NA)


"O Eu Superior pode usar algum evento, alguma pessoa ou algum livro como seu mensageiro. Pode fazer qualquer circunstância nova agir da mesma forma, mas o indivíduo deve ter a capacidade de reconhecer o que está acontecendo e ter a disposição para receber a mensagem". (Paul Brunton)



Observe Krishnamurti, em conversa com David Bohn, apontando para um "processo", um "caminho de transformação", descrevendo suas etapas até o estado de prontificação e a necessária base emocional para a manifestação da Visão Intuitiva, ou como dizemos no paradigma, a Retomada da Perene Consciência Amorosa Integrativa...


Krishnamurti: Estávamos discutindo o que significa para o cérebro não ter movimento. Quando um ser humano ESTEVE SEGUINDO O CAMINHO DA TRANSFORMAÇÃO, e PASSOU por TUDO isso, e esse SENTIDO DE VAZIO, SILÊNCIO E ENERGIA, ele ABANDONOU QUASE TUDO e CHEGOU AO PONTO, à BASE. Como, então, essa VISÃO INTUITIVA afeta a sua vida diária? Qual é o seu relacionamento com a sociedade? Como ele age em relação à guerra, e ao mundo todo — um mundo em que está realmente vivendo e lutando na escuridão? Qual a sua ação? Eu diria, como concordamos no outro dia, que ele é o não-movimento.

David Bohn: Sim, dissemos que a base era movimento SEM DIVISÃO.

K: Sem divisão. Sim, correto. (Capítulo 8 do livro, A ELIMINAÇÃO DO TEMPO PSICOLÓGICO)


A IMPORTÂNCIA DA RENDIÇÃO DIANTE DA MENTE ADQUIRIDA
Até praticar a rendição, a dimensão espiritual de você é algo sobre o que você lê, de que fala, com que fica entusiasmado, tema para escrita de livros, motivo de pensamento, algo em que acredita... ou não, seja qual for o caso. Não faz diferença. Só quando você se render é que a dimensão espiritual se tornará uma realidade viva na sua vida. Quando o fizer, a energia que você emana e que então governa a sua vida é de uma frequência vibratória muito superior à da energia mental que ainda comanda o nosso mundo. Através da rendição, a energia espiritual entra neste mundo. Não gera sofrimento para você, para os outros seres humanos, nem para qualquer forma de vida no planeta. (Eckhart Tolle em , A Prática do Poder do Agora, pág. 118)


O IMPOPULAR DRAMA OUTSIDER — O encontro direto com a Verdade absoluta parece, então, impossível para uma consciência humana comum, não mística. Não podemos conhecer a realidade ou mesmo provar a existência do mais simples objeto, embora isto seja uma limitação que poucas pessoas compreendem realmente e que muitas até negariam. Mas há entre os seres humanos um tipo de personalidade que, esta sim, compreende essa limitação e que não consegue se contentar com as falsas realidades que nutrem o universo das pessoas comuns. Parece que essas pessoas sentem a necessidade de forjar por si mesmas uma imagem de "alguma coisa" ou do "nada" que se encontra no outro lado de suas linhas telegráficas: uma certa "concepção do ser" e uma certa teoria do "conhecimento". Elas são ATORMENTADAS pelo Incognoscível, queimam de desejo de conhecer o princípio primeiro, almejam agarrar aquilo que se esconde atrás do sombrio espetáculo das coisas. Quando alguém possui esse temperamento, é ávido de conhecer a realidade e deve satisfazer essa fome da melhor forma possível, enganando-a, sem contudo jamais poder saciá-la. — Evelyn Underhill