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segunda-feira, 30 de setembro de 2013

A inteligência não está separada do amor

Só o autoconhecimento pode trazer a tranquilidade e a felicidade ao homem, porque o autoconhecimento é o começo da Inteligência e da integração. A inteligência não é mero ajustamento superficial; não é cultivo da mente, aquisição de saber. Inteligência é a capacidade de compreender as coisas da vida, é a percepção dos valores corretos.

A educação moderna, desenvolvendo o intelecto, fornece teorias e mais teorias, fatos e mais fatos, mas não nos faz compreender o processo total da existência humana. Somos altamente intelectuais; desenvolvemos mentes astuciosas, e vivemos num emaranhado de explicações. O intelecto se satisfaz com teorias e explicações, a inteligência não; e para a compreensão do processo total da existência, é necessária uma integração da mente e do coração, na ação. A inteligência não está separada do amor.

(...) Não somos criadores, porque enchemos de saber, de erudição e de arrogância nossos corações e nossas mentes; estamos cheios de citações do que outros pensaram e disseram. Mas o experimentar vem em primeiro lugar, e não a maneira de experimentar. É necessário que haja amor, para que possa haver a expressão do amor.

Está claro, pois, que a inteligência não resulta do mero cultivo do intelecto, isto é, do desenvolvimento das capacidades e conhecimentos. Há distinção entre intelecto e inteligência. Intelecto é o pensamento funcionando independente da emoção, e inteligência é a capacidade de SENTIR e RACIOCINAR; e enquanto não apreciarmos a vida com inteligência, e não apenas com o intelecto ou só o sentimento, nenhum sistema político ou educativo do mundo nos salvará do caos e da destruição.

A erudição não é comparável com a inteligência, erudição não é sabedoria. A sabedoria não é comerciável, não é artigo que se possa comprar pelo preço do estudo e da disciplina. A sabedoria não se encontra nos livros; não pode ser acumulada, guardada ou armazenada na memória. A sabedoria vem pela negação do “eu”. Ter a mente aberta é mais importante do que aprender; e podemos ter a mente aberta, não quando a atestamos com conhecimentos, mas quando estamos cônscios dos nossos próprios pensamentos e sentimentos, quando observamos com cuidado a nós mesmos e as influências que nos cercam, quando prestamos ouvidos a outrem, quando observamos o rico e o pobre, o poderoso e o humilde. A sabedoria não pode ser adquirida pelo temor e pela opressão, mas só pelo exame e pela compreensão dos incidentes de cada dia, nas relações humanas.

Com nossa busca de saber, com nossos desejos gananciosos, estamos perdendo o amor, estamos embotando o sentimento do belo, a sensibilidade à crueldade; estamos nos tornando cada vez mais especializados e cada vez menos INTEGRADOS.

A sabedoria não pode ser substituída pela erudição, e não há quantidade de explicações, não há acumulo de fatos que liberte o homem do sofrimento. A erudição é necessária, a ciência tem seu lugar próprio; mas, a mente e o coração estão sufocados pela erudição, e se a causa do sofrimento é posta de parte com uma explicação, a vida se torna vazia e sem sentido.

(...) O saber, o conhecimento de fatos, embora em constante crescimento, é por sua própria natureza limitado. A sabedoria é infinita, abarcando o saber bem como a esfera de ação; mas se nos apoderamos de um ramo, pensamos que temos a árvore toda. O conhecimento da parte nunca nos fará conhecer a alegria do todo. O intelecto jamais nos levará ao todo, porque ele é apenas um segmento, uma parte.

Separamos o intelecto do sentimento, desenvolvemos o intelecto à custa do sentimento. Somos como um tripé com uma perna mais longa do que as outras, não temos equilíbrio. Somos educados para sermos intelectuais; nossa educação cultiva o intelecto, para torna-lo penetrante, astucioso, ambicioso, e assim ele tem o papel mais importante em nossa vida. A inteligência é muito superior ao intelecto, porque é a INTEGRAÇÃO da razão e do amor; mas só pode haver inteligência, quando há autoconhecimento, a profunda compreensão do processo total de nós mesmos.

O essencial para o homem, jovem ou velho, é que viva plena e integralmente, e, por conseguinte, nosso problema mais importante é o cultivo da inteligência, que traz INTEGRAÇÃO. Atribuir-se indevida importância a qualquer uma das partes da nossa organização total, dá-nos uma visão parcial e, portanto, deformada da vida. É essa visão deformada que está causando a maioria de nossas dificuldades. Todo desenvolvimento parcial de nossa feição geral será inevitavelmente desastroso, tanto para nós como para a sociedade, e por conseguinte é deveras da maior importância que consideremos nossos problemas humanos de um ponto de vista INTEGRADO.

Ser um ente humano INTEGRADO é compreender o processo completo da nossa própria consciência, tanto oculta como evidente. Não é possível ser integrado, se atribuímos indevido valor ao intelecto. Damos muita importância ao cultivo da mente, mas dentro de nós somos insuficientes, pobres e confusos. Viver pelo intelecto é o caminho da desintegração, porque as ideias, assim como as crenças, não podem unir as pessoas, a não ser como grupos antagônicos.

Enquanto dependermos do pensamento como meio de integração, haverá desintegração; compreender a ação desintegradora do pensamento é cônscios dos movimentos do “eu”, dos movimentos do nosso próprio desejo. Devemos ter consciência do nosso condicionamento e das suas reações, tanto coletivas como pessoais. Só quando estamos perfeitamente cônscios das atividades do “eu”, com seus desejos e lutas contraditórias, suas esperanças e temores, temos a possibilidade de transcender o “eu”.

Só o amor e o pensar correto farão a verdadeira revolução, a revolução interior. Mas, como podemos ter amor? Podemos tê-lo, não pelo cultivo do ideal do amor, e sim quando não há ódio, quando não há avidez, quando a consciência do “eu”, causa de todo antagonismo, se extingue. Um homem todo entregue às atividades de exploração, ganância, inveja, nunca poderá amar.

Sem amor e sem pensar correto, a opressão e a crueldade crescerão continuamente. O problema do antagonismo do homem com o homem pode ser resolvido, não pelo cultivo do ideal da paz, mas só pelo entendimento das causas da guerra, que residem em nossa atitude perante a vida e perante nossos semelhantes; e este entendimento só há de nascer quando houver educação correta. Sem uma transformação do coração, sem boa vontade, sem a mudança interior, que nasce do autopercebimento, não haverá paz nem felicidade para os homens.

Jiddu Krishnamurti — A educação e o significado da vida     

Uma imensidão além de qualquer medida


O que acontece quando você perde alguém por morte? A reação imediata é uma sensação de paralisia, e quando você sai desse estado de choque, há o que chamamos sofrimento. Ora, o que essa palavra sofrimento significa? O companheirismo, as palavras felizes, os passeios, as muitas coisas agradáveis que vocês fizeram e esperavam fazer juntos – tudo isso é levado num segundo, e você é deixado vazio, nu, solitário. É a isso que você faz objeção, é contra isso que a mente se rebela: de repente ser deixado por sua própria conta, completamente só, vazio, sem nenhum apoio. Ora, o que importa é viver com esse vazio, apenas viver com isso sem qualquer reação, sem racionalizar, sem correr para médiuns, para a teoria da reencarnação e todas essas estúpidas tolices; viver com isto com todo o seu ser. E se você entrar nisto passo a passo, descobrirá que existe um fim para o sofrimento, um fim verdadeiro, não apenas um fim verbal, não o fim superficial que chega pela fuga, pela identificação com um conceito ou o compromisso com uma ideia. Então você descobrirá que não existe nada para proteger, porque a mente está completamente vazia e não está mais reagindo no sentido de tentar preencher esse vazio; e quando todo o sofrimento chegar ao fim, você terá iniciado outra viagem; uma viagem que não tem fim nem começo. Existe uma imensidão que está além de toda medida, mas você não pode entrar nesse mundo antes do fim total do sofrimento.

J. Krishnamurti, The Book of Life

sábado, 28 de setembro de 2013

Por que buscamos, exterior ou interiormente?

K: Buscamos por causa de nosso vazio, dirigimos-nos para o exterior a fim de preenchermos este vazio ou para fugirmos dele. Tal movimento em direção ao exterior, fugindo à pobreza interior, é conceitual, especulativo, dualista. É conflito, e não tem fim. Portanto, não busquemos o exterior!  Mas a energia que se dirigia para o exterior, volta-se da busca exterior para a busca interior; e fica a buscar, a explorar, pedindo uma certa coisa que agora chama "interior". os dois movimentos são essencialmente idênticos. Ambos devem terminar.

P: Você está simplesmente a pedir-nos que nos contentemos com esse vazio? 

K: De modo nenhum.

P: Por conseguinte, o vazio permanece, e uma espécie de perene desespero, que se torna maior ainda, se nem ao menos é permitido buscar!

K: É desespero ver esta verdade que o movimento para fora e para dentro nenhuma significação tem? Isso é contentar-se com O QUE É? É aceitação do vazio? Nada disso. Assim, pois, acabamos com o movimento para fora, com o movimento para dentro, com a aceitação; negamos todo movimento à mente que se vê frente a frente com o vazio. Então a própria mente está vazia, PORQUE O MOVIMENTO É ELA PRÓPRIA. A mente está vazia de todo movimento e, por conseguinte, não existe entidade alguma para iniciar qualquer movimento. Deixemos a mente vazia. Deixemos a mente SER vazia. A mente depurou-se do passado, do futuro e do presente. Depurou-se do "vir a ser", e "vir a ser" é tempo. Portanto, nela não há tempo; nela não há medida. E, ENTÃO, isso é o vazio? 

P: Esse estado aparece e desaparece frequentemente. Ainda que não seja o vazio, decerto não é o êxtase que você fala.

K: Esqueça o que foi dito. Esqueça também que ele aparece e desaparece. Quando ele aparece e desaparece, pertence ao tempo; existe então o observador que diz: "Ei-lo aqui — foi-se". Esse observador é a entidade que mede, compara, avalia; portanto, não é o vazio a que nos referimos. 

P: Você está me anestesiando? — e riu-se. 

K: Quando não há medida nem tempo, existe algum limite ou contorno do vazio? Você pode então chamá-lo de vazio ou nada? Então, tudo existe nele, e nada está contido nele. 

Jiddu Krishnamurti - A outra margem do caminho 




Quem é a entidade que vive com medo e o observa?

Será possível para a mente viver no presente, de forma completa e total? Só uma mente assim não tem medo. Mas, para compreender isso, você precisa compreender a estrutura do pensamento, das recordações, do tempo. E ao compreender isso — compreender não de modo intelectual, ou verbal, mas de verdade, com o coração, com a mente, com as entranhas — você ficará livre do medo; a mente, então, poderá usar o pensamento sem criar o medo. 

O pensamento, assim como a memória é, sem dúvida, necessário para a nossa vida diária. Ele é o único instrumento de que dispomos para a comunicação, para trabalhar no nosso emprego, e assim por diante. O pensamento é a resposta à memória, memória essa que foi acumulada através da experiência, do conhecimento, da tradição e do tempo. E é a partir dos antecedentes dessa memória que reagimos, e essa reação é o pensamento. Assim, o pensamento é essencial é essencial em certos níveis, mas quando o pensamento se projeta psicologicamente como futuro ou passado, criando tanto o medo quanto o prazer, a mente fica embotada e, como consequência inevitável, vem a inação. 

Então, pergunto a mim mesmo: "Por que, por que, por que fico pensando sobre o futuro e o passado em termos de prazer ou dor, sabendo que esses pensamentos criam o medo? Não será possível para o pensamento, parar, psicologicamente, pois, caso contrário, o medo jamais terá fim?"

Uma das funções do pensamento é a de ficar ocupado o tempo todo com alguma coisa. A maioria de nós deseja ter a mente sempre ocupada de modo que não possamos ver-nos como de fato somos. Temos medo de ser vazios. Temos medo de olhar nossos medos. 

(...) Vivemos uma vida de fragmentação e só podemos olhar esse medo através do fragmentário processo do pensamento. Todo o processo do mecanismo do pensamento é o de quebrar tudo em fragmentos: amo você, odeio você; você é meu inimigo, você é meu amigo; minhas idiossincrasias e tendências peculiares, meu trabalho, minha posição, meus prestígio, minha mulher, meu filho, o meu país e o seu país, o meu Deus e o seu Deus — tudo isso é a fragmentação do pensamento. E esse pensamento olha o estado total do medo, ou tenta olhar para ele, e o reduz a fragmentos. Portanto, vemos que a mente pode olhar para esse medo como um todo apenas quando não há nenhum movimento do pensamento. 

Você é capaz de observar o medo sem nenhuma opinião, sem nenhuma interferência do conhecimento que você acumulou acerca dele? Se não puder, isso significa que o que você observa é o passado, não o medo; se você puder, você, então, estará observando o medo pela primeira vez sem a interferência do passado. 

Você só pode observar quando a sua mente está quieta, da mesma forma como só pode ouvir o que uma pessoa diz quando a sua mente não está conversando consigo mesma, ocupada com seu diálogo interior acerca de seus próprios problemas e ansiedades. Será que você pode, dessa mesma forma, olhar o seu medo sem tentar resolvê-lo, sem fazer surgir o seu oposto, a coragem — na verdade, olhar para ele e não tentar fugir dele? Quando você diz: "Preciso controlá-lo, preciso me livrar dele, preciso compreendê-lo", você está tentando fugir dele. 

(...) Viver com algo vivo como o medo requer da mente e do coração uma extraordinária sutileza e que não tenham preconceitos, podendo assim acompanhar cada movimento do medo. Então, se você o observa e convive com ele — e isso não leva um dia inteiro, talvez baste um minuto ou um segundo para conhecer toda a natureza do medo — se você vive com isso por inteiro, será inevitável a pergunta: "Quem é a entidade que vive com medo? Quem é que observa o medo, que observa todos os movimentos das diversas formas de medo, da mesma forma como você percebe o fato central do medo? Será o observador uma entidade morta, um ente estático, que acumulou grande quantidade de sabedoria e informações acerca de si mesmo; será essa entidade quem observa e vive com o impulso do medo? O observador é o passado, ou ele será algo vivo?" Qual a sua resposta? Não responda para mim, responda para você mesmo. Será você, o observador, uma entidade morta a observar algo cheio de vida ou será você um organismo vivo a observar algo também cheio de vida? Porque no observador existem os dois estados. 

O observador é o censor que não deseja o medo; o observador é a totalidade de todas as suas experiências acerca do medo. O observador, então, é distinto daquilo que ele chama de medo; há um espaço entre eles; ele tenta sempre superar isso ou fugir disso e vem daí a permanente batalha entre ele mesmo e o medo — batalha essa que é um enorme desperdício de energia. 

Como pode ver, você aprende que o observador é um mero amontoado de ideias e recordações sem nenhuma substância ou validade, mas que o medo é uma realidade e que você tenta compreender um fato com uma abstração, o que, evidentemente, não conseguirá fazer. Mas, na verdade, será o observador que diz: "Eu tenho medo", distinto do que é observado, ou seja, do medo? O observador É o medo e, quando isso é compreendido, não há mais a dissipação de energia no esforço de ficar livre do medo, e desaparece o intervalo de tempo-espaço entre o observador e o observado. Quando você faz parte do medo, que não é separado dele — que você é o medo — não é possível, então, fazer nada a respeito; e o medo, como um todo, chega ao fim.   

Jiddu Krishnamurti — Liberte-se do Passado

É preciso um profundo estado de não-saber


Jesus costumava dizer repetidas vezes a seus discípulos: “Quem tem ouvidos para ouvir, ouça. Quem tem olhos para ver, veja”. Dizia isso tantas vezes, como se pensasse que as pessoas não ti­nham ouvidos e olhos. E esta é a minha experiência também: to­das as pessoas têm olhos, mas muito poucas são capazes de ver; todas as pessoas têm ouvidos, mas é raro, raríssimo até, encon­trar alguém que seja capaz de ouvir - pois apenas ouvir as pala­vras não é ouvir, e apenas ver figuras não é ver. Se não se chegar ao significado, ao conteúdo; se não se ouvir o silêncio que é a alma das palavras, então não se está ouvindo.

É preciso escutar em profundo silêncio, em profunda agnosia. Lembre-se de Dionísio, de sua palavra agnosia: um estado de não-saber. Se você sabe, o seu próprio conhecimento já é um distúr­bio; você não pode ouvir. E por isso que os eruditos, os estudio­sos, são incapazes de ouvir: eles estão cheios demais de baboseiras. A mente deles vive tagarelando por dentro; talvez estejam reci­tando shastras, escrituras, mas isso não faz diferença; o que está acontecendo por dentro não tem valor algum.

A menos que você esteja em silêncio absoluto, sem nem mes­mo um único pensamento perturbando seu íntimo, nem uma minúscula onda no lago da consciência, você não será capaz de ouvir. E, se não puder ouvir, então tudo o que você achar que ou­viu estará errado.

Por esses motivos, Jesus foi mal compreendido, Sócrates foi mal compreendido, Buda foi mal compreendido. Eles falavam com bastante clareza. É impossível melhorar as afirmações de Só­crates — elas são muito claras, quase perfeitas, tão perfeitas quanto a linguagem permite. As afirmações de Buda são muito simples, nelas não há complexidade, mas mesmo assim surgem os mal-entendidos.

De onde surge todo esse mal-entendido? Por que todos os grandes profetas, teerthankaras, todos os grandes Mestres ilumi­nados, são mal compreendidos? Pelo simples motivo de que as pessoas não sabem ouvir. Elas têm ouvidos, por isso acreditam que são capazes de ouvir. Não são surdas, não precisam de apa­relho de audição, mas por trás de seus ouvidos há excesso de ba­rulho, e elas têm a mente ocupada tentando interpretar o que está sendo dito, para comparar, analisar, argumentar, duvidar - elas se perdem em todos esses processos.


Osho, em "Filhos do Universo: Reflexões Sobre Desiderata"

sexta-feira, 27 de setembro de 2013

Qual a verdadeira vocação do homem?

Cada um de nós segue uma dada vocação — o advogado, o militar, o policial, o negociante, etc. É bem óbvio que há certas profissões prejudiciais à sociedade: o advogado, o militar, o policial, o negociante que não cuida de tornar os homens igualmente ricos. 

Quando desejamos, quando escolhemos uma dada vocação, quando estamos educando nossos filhos para seguirem determinada profissão, não estamos criando um conflito com a sociedade? Você escolhe uma profissão, e eu escolho outra; e isso não faz nascer o conflito entre nós dois? Não é isso o que está acontecendo no mundo, visto que nunca pudemos achar a nossa VERDADEIRA VOCAÇÃO? Estamos apenas sendo condicionados pela sociedade, por uma determinada civilização, a aceitar certas profissões, que geram competição e ódios entre os homens. Sabemos disso, o estamos vendo. 

Ora, existe alguma outra maneira de viver, em que você e eu possamos exercer as nossas VERDADEIRAS VOCAÇÕES? Não existe uma vocação única para o homem? Tenha a bondade de prestar atenção, senhores. Há vocações diferentes para o homem? Vemos que as há: um é funcionário de escritório, outro engraxate; um é engenheiro, outro político. Vemos que há inúmeras variedades de profissões e que todas elas estão em conflito entre si. Assim, pois, por causa da sua vocação o homem está em conflito com o homem, o homem odeia o homem. Sabemos disso. São-nos familiares esses fatos da vida, de cada dia. Pois bem, vejamos se não existe UMA SÓ vocação para o homem. Se pudermos descobrí-la, então a expressão de diferentes capacidades não produzirá conflito entre os homens. Eu afirmo existir APENAS UMA VOCAÇÃO PARA O HOMEM. Uma só, e não muitas. A VOCAÇÃO ÚNICA DO HOMEM É A DE DESCOBRIR O QUE É O REAL. Senhores, não se mostrem espantados; isto não é uma asserção mística. 

Se estamos, você e eu, aplicados a descobrir o que é a Verdade, o que constitui a nossa verdadeira vocação, então, nessa busca, não haverá competição entre nós. Não competirei com você, não lutarei contra você, ainda que você expresse essa verdade de maneira diversa. Você pode ser Primeiro Ministro, mas eu não serei ambicioso e não desejarei tomar-lhe o posto, porque estou buscando, do mesmo modo que você, a Verdade. Por conseguinte, enquanto não descobrirmos aquela verdadeira vocação do homem, estaremos necessariamente em competição uns com os outros, e haveremos de odiar-nos mutuamente; e, sejam quais forem as leis que promulgarem, nesse nível só poderão produzir mais caos. 

Não é possível, pois, desde a infância, mediante educação adequada, ministrada por verdadeiros educadores, ajudar o jovem, o estudante, a ser livre, para descobrir o que é a Verdade, a Verdade relativa a todas as coisas, e não simplesmente a Verdade em abstrato; descobrir a Verdade existente em todas as relações — a relação do jovem com a máquina, com a natureza, com o dinheiro, com a sociedade, o governo, etc.? Requer isso, não acham? — uma outra espécie de preceptores, cujo interesse seja o de ajudar o jovem, o estudante, dando-lhe liberdade, para que seja capaz de descobrir a maneira de cultivar uma inteligência nunca susceptível de ser condicionada por uma sociedade em perene decomposição. 

Não existe, pois, UMA vocação para o homem? O homem não pode existir no isolamento; ele só existe em relação. E quando, nessas relações, não há o descobrimento da Verdade respeitante ao estado de relação, há então conflito. 

Há tão-somente UMA VOCAÇÃO para vocês e para mim. E na busca dessa vocação encontraremos a expressão em que não entraremos em conflito um com o outro, em que não nos destruiremos mutuamente. Mas tudo deve começar, sem dúvida, pela educação correta, ministrada por educador adequado. O educador também necessita de educação. Fundamentalmente, o verdadeiro preceptor não é meramente um homem que transmite conhecimentos, mas aquele que faz nascer no estudante a liberdade, a revolta que o habilitará a descobrir o que é a Verdade. 

Jiddu Krishnamurti — Autoconhecimento — Base da Sabedoria  

O que — de fato — estamos buscando?

Teórica ou verbalmente, pode-se convir em que é muito importante que o indivíduo se desprenda do coletivo, mas parece-me que não se dispensa atenção suficiente a este problema; porque, só quando ocorre a criadora libertação do indivíduo existe a possibilidade de descobrir e viver uma vida totalmente diferente da que atualmente vivemos. Na atualidade, nossa vida, nosso pensar é coletivo; fazemos parte do coletivo; e se se deseja criar uma sociedade de ordem diferente, com valores diferentes, acho que é necessário o indivíduo começar a compreender todas as impressões coletivas que a mente acumulou através dos séculos. E, como disse, só quando existe liberdade exatamente no começo, pode o indivíduo libertar-se. Não se pode negar que quase todos nós somos resultado do ambiente; nossos pensamentos, atividades, crenças, nossos vários interesses, tudo está condicionado pelas numerosas influências existentes ao redor de nós; e para descobrir o que é verdade, o indivíduo tem de libertar a mente desse conglomerado de influências, empreitada essa extremamente árdua e difícil. Não me parece que estamos dando atenção suficiente a este assunto. Mas é só quando a mente se liberta dessas muitas influências, que se torna incorrupta, e só então existe a possibilidade de descobrir algo inteiramente novo — algo que não foi premeditado, que não é autoprojeção, nem resultado de qualquer meio cultural, sociedade ou religião.

Propaganda é cultivo de preconceitos; e todos nós somos dominados por preconceitos, porque fomos educados para aceitar ou rejeitar, porém, nunca para investigar o problema da influência. Dizemos estar em busca da verdade; mas o que é que a maioria de nós está buscando? Se você ficar um pouco vigilante, a auto-observação revelará que você está buscando um certo resultado; deseja uma certa satisfação, uma estabilidade ou permanência interior, que você chama por diferentes nomes, conforme o ambiente em que foi criado. E você também não está buscando o sucesso? Você deseja sucesso, não apenas neste mundo mas também no outro. Quer-me parecer que esse desejo de sucesso, de chegar a alguma parte, de tornar-se algo, é resultado de uma educação errônea. E pode a mente libertar-se totalmente desse desejo?

Não me parece que costumamos fazer esta pergunta a nós mesmos, porquanto, o que nos interessa é, tão-só, seguir um método, um sistema ou um ideal, que esperamos produzirá um resultado, nos conduzirá à certeza, ao sucesso, à final e permanente felicidade, bem-aventurança, ou seja o que for. Nossa mente, por conseguinte, está sempre empenhada no esforço para alcançar algo; e enquanto a mente estiver visando um alvo, um fim, um resultado que lhe dê satisfação completa, será inevitável a criação da autoridade e a obediência a ela. Não é exato isso? Enquanto penso que a bem-aventurança, a felicidade, Deus, a Verdade, ou o que você quiser, é um fim que se deve alcançar, haverá o desejo de alcança-lo; portanto, preciso de um GURU, uma autoridade que me ajude a conseguir o que ambiciono. Por conseguinte, me torno um seguidor, dependente de outra pessoa; e enquanto houver dependência, não se pode pensar na possibilidade de o indivíduo desligar-se do coletivo e encontrar por si mesmo a Verdade, ou descobrir qual é a coisa correta que cumpre fazer.

Assim, se você observar, verá que estamos sempre procurando alguém que nos indique o que devemos fazer. Vendo-nos confusos, dirigimo-nos a outro, em busca de conselho. O resultado é que estamos sempre seguindo e, portanto, psicologicamente, instaurando a autoridade, a qual, invariavelmente, cega-nos o pensar, impedindo-nos a tão essencial ação criadora.

Exteriormente, nesta nossa sociedade de competição, aquisição, temos de ser ambiciosos, cruéis, para não sermos expulsos ou exterminados. Interiormente, isto é, psicologicamente, somos também ambiciosos; aí também está o desejo de atingirmos uma certa culminância e, assim, vivemos a perseguir um objetivo, de nós mesmos “projetado” ou criado por outro. Percebido esse fato, que se deve fazer? Como descobrir a ação correta?

Positivamente, este problema concerne a todos nós. Vemos que há confusão dentro de nós e ao redor de nós; os velhos valores e crenças e dogmas, os guias que temos seguido, não mais nos satisfazem, perderam toda a sua força; e se percebemos esse caos em que nos encontramos, o que devemos fazer? Como descobrir qual é a ação correta? Para penetrarmos este problema, temos de perguntar a nós mesmos o que entendemos por “busca”, não acha? Todos dizemos que estamos buscando — pelo menos o dizem os que sentem verdadeiro interesse e empenho; mas antes de prosseguirmos em nossa busca, por certo devemos descobrir o que entendemos por essa palavra e o que é que cada um de nós está buscando.

Pode-se encontrar alguma coisa nova, mediante a busca? Ou só se pode achar, nessa busca, o que já se conheceu antes e que foi “projetado” no futuro? Acho muito importante esta questão. O que é que estamos buscando? E pode a mente que está buscando, encontrar uma coisa que transcende o tempo, que transcende suas próprias projeções? Isto é, digo que estou buscando a verdade, Deus, a felicidade; mas para achar isso, preciso ser capaz de reconhece-lo, não é verdade? E para ser capaz de reconhece-lo, preciso tê-lo experimentado antes. A experiência anterior é indispensável ao reconhecimento e, portanto, se sou capaz de reconhecer uma cosia, ela já existia em minha mente e, por conseguinte, não pode ser a Verdade; é apenas uma “projeção”, uma coisa saída de mim mesmo. Todavia, é isso o que está fazendo a maioria de nós. Quando buscamos, estamos a demandar uma coisa já experimentada pela mente e que ela quer de novo agarrar; por conseguinte, o que verdadeiramente nos interessa é a permanência de uma experiência que nos deu prazer, que nos deleitou. Enquanto a mente estiver buscando, é bem evidente que não poderá descobrir o que é a Verdade. Só quando já não está buscando — e isso não significa tornar-se embotada, distraída — e compreender o total “processo” da busca, é só então que se encontra a possibilidade de descobrir algo que não foi “projetado”, avaliado pela mente.

(...) O importante, por conseguinte, é descobrirmos, por nós mesmos, o que cada um de nós está buscando e se o que buscamos tem valia ou se representa apenas uma fuga. É de toda necessidade possuir autoconhecimento — conhecer a si mesmo, não como ATMAN, etc., porém saber, cada um, o que ele próprio é, de dia em dia; e isso significa observar o seu próprio modo de pensar, as influências que lhe servem de base ao pensar, e estar consciente dos movimentos conscientes e inconscientes da mente. Então, a mente é capaz de tornar-se muito tranquila; e só nessa tranquilidade é possível acontecer algo REAL.


Jiddu Krishnamurti — Da solidão à plenitude humana

Quem se interesserá por um insight purificador das células cerebrais?

Os pensamentos como servidores de confiança

Sobre a paixão pelo resgate da consciência pura que somos

Krishnamurti não oferece nada pra ninguém: só arranca!

Descontentamento: a trilha menos percorrida

Um olhar sobre o embaçamento da memória

quarta-feira, 25 de setembro de 2013

Sobre o "clarão da compreensão"

Pergunta: Se a compreensão não é permanente, se só se apresenta "num clarão", o que acontece no intervalo entre "clarões"?

Krishnamurti: É preciso compreender a natureza íntima da experiência. Para a maioria de nós a experiência é uma reação, é a "resposta" de nossa memória a um desafio. Essa memória das coisas que conhecemos pode ser muito antiga ou muito moderna, superficial ou profunda, e nós "experimentamos" de acordo com esse FUNDO.

Agora, quando há um "CLARÃO DE COMPREENSÃO", isso não constitui nenhuma "resposta" daquele fundo. Nesse momento o FUNDO está completamente em silêncio. Se o FUNDO não está em silêncio, NÃO HÁ COMPREENSÃO porque, então, você está, meramente, interpretando em termos do 'VELHO" tudo o que você ouve ou vê. O "CLARÃO DA COMPREENSÃO" não é contínuo, não é permanente. A continuidade ou permanência pertence inteiramente ao FUNDO de experiência e conhecimento que, perpetuamente, está respondendo aos desafios. A compreensão só vem num clarão; e como se verifica esse clarão? ESSE CLARÃO NÃO PODE MANIFESTAR-SE NUMA MENTE INDOLENTE, DEFORMADA, TRADICIONAL, EMBOTADA, ESTÚPIDA, nem tampouco numa mente que está em busca de poder, de posição, de prestígio. O clarão da compreensão só pode ocorrer numa mente que está alertada; e que continua alertada, mesmo quando nenhum clarão ocorre. Essa mente está completamente desperta, vigilante. Estar de todo vigilante, SEM ESCOLHA, observando cada movimento de pensamento e de sentimento, vendo tudo o que se passa — isso é muito mais importante do que aguardar o clarão da compreensão.

Jiddu Krishnamurti - O homem e seus desejos em conflito

A chama da paixão sem causa

A menos que compreendamos a paixão, acho que não seremos capazes de compreender o sofrimento. A paixão é algo que muito poucos de nós realmente já experimentaram. Poderemos ter experimentado entusiasmo, que significa envolver-se completamente num estado emocional a respeito de alguma coisa. Nossa paixão é sempre POR alguma coisa: pela música, pela pintura, pela literatura, por uma país, por uma mulher ou um homem; é sempre o efeito de UMA causa. Quando você se apaixona por alguém sempre fica num estado de grande emoção, o qual é feito DAQUELA causa; e a paixão de que falo é PAIXÃO SEM CAUSA. É estar apaixonado POR TUDO, e não simplesmente por uma certa coisa; nós em geral nos apaixonamos POR uma certa pessoa ou coisa; e acho necessário perceber muito claramente esta distinção. 

No estado de "PAIXÃO SEM CAUSA" há uma intensidade livre de todo apego; mas, quando a paixão tem causa, há apego, e apego é o começo do sofrimento. Em geral, temos apego — a uma pessoa, um país, uma crença, uma ideia — e quando o objeto de nosso apego nos é retirado ou, ainda, quando perde o seu significado, nos vemos vazios, incompletos. Esse vazio nós procuramos preenchê-lo mediante apego a outra coisa, a qual por sua vez se torna o objeto de nossa paixão. 

Enquanto vou falando, tenha a bondade de examinar seu próprio coração, sua própria mente. Eu não sou mais do que um espelho no qual você está vendo a si mesmo. Se não deseja olhar, está perfeitamente certo; mas, se deseja olhar, então olhe-se claramente, "IMPIEDOSAMENTE", com intensidade — sem nenhuma esperança de dissolver suas angústias, suas ansiedades, seu sentimento de "culpa", porém, com o propósito de compreender essa extraordinária paixão que sempre leva ao sofrimento. 

Quando a paixão tem causa, torna-se luxúria. Quando há paixão POR alguma coisa — por uma pessoa, por uma ideia, por uma certa espécie de preenchimento — então, dessa paixão, resulta contradição, conflito, esforço. Você luta para alcançar ou para conservar um certo estado, ou para recuperar outro estado que existiu e se foi. Mas a paixão a que me refiro não dá nascimento à contradição, ao conflito. Não está em relação com nenhuma causa e, por conseguinte, NÃO É UM EFEITO. 

Deixe-me sugerir-lhe que ESCUTE, simplesmente; não tente alcançar esse estado de intensidade, essa PAIXÃO QUE NÃO TEM CAUSA. Se puder escutar atentamente, com aquela naturalidade que se verifica quando a atenção não é forçada por meio da disciplina, porém, nascida do simples impulso para compreender, penso que então descobrirá por si mesmo o que é paixão. 

Há, na maioria de nós, muito pouca paixão. Podemos ser lascivos, podemos estar ansiando por alguma coisa, desejando fugir de alguma coisa, e tudo isso nos confere uma certa intensidade. Mas, se não estamos despertos e não buscamos acesso a essa chama da "PAIXÃO SEM CAUSA", nunca seremos capazes de compreender aquilo que chamamos sofrimento. Para compreender uma coisa, precisamos de paixão, intensidade da atenção completa. Onde há paixão POR ALGUMA COISA, a qual produz contradição, conflito, não pode existir aquela chama pura da paixão; e aquela chama pura da paixão precisa existir, para que possamos colocar fim ao sofrimento, dissipá-lo completamente. 

Sabemos que o sofrimento é um resultado, o efeito de uma causa. Amo alguém e essa pessoa não me ama — esta é uma espécie de sofrimento. Desejo preencher-me num certo sentido, mas para tanto não possuo capacidade; ou, se tenho capacidade, o mau estado de saúde ou outro fator qualquer impede-me o preenchimento — eis outra forma de sofrimento. Há o sofrimento da mente medíocre, da mente que está sempre em conflito consigo mesma, incessantemente lutando, tateando, submetendo-se. Há o sofrimento ocasionado pelo conflito das relações, e o sofrimento motivado pela perda de alguém, por morte. Todos conhecem essas diferentes formas de sofrimento, e todas elas resultam de uma só causa. 

Ora, nós nunca enfrentamos o fato do sofrimento; sempre tratamos de racionalizá-lo, explicá-lo; ou temos um dogma, um padrão de crença que nos satisfaz, que nos dá momentâneo conforto. Alguns tomam uma certa droga, outros dão para beber ou rezar  — qualquer coisa que sirva para diminuir a intensidade, a agonia do sofrimento. O sofrimento é a perpétua luta para nos escaparmos dele — eis o fardo de todos nós. Nunca pensamos em terminar de todo o sofrimento, de modo que a mente nunca se veja nas sombras do desespero. Não encontrando possibilidade de terminar o sofrimento, passamos, se somos cristãos, a divinizá-lo, em nossas igrejas, simbolizado nas agonias do Cristo. E, se vamos à igreja para adorar o símbolo do sofrimento, ou se tentamos racionalizar o sofrimento ou esquecê-lo tomando uma bebida — TUDO É A MESMA COISA: ESTAMOS FUGINDO AO FATO DE QUE SOFREMOS. Não me refiro à dor física, que a ciência moderna pode debelar com relativa facilidade. Refiro-me ao sofrimento, à DOR PSICOLÓGICA, que impede a clareza, a beleza, que destrói o amor e a compaixão. É possível colocar fim a todo o sofrimento? 

Acho que o terminar do sofrimento depende da INTENSIDADE DA PAIXÃO. Só pode haver paixão, quando há total abandono do "eu". Nunca pode uma pessoa "apaixonar-se" se não houver a completa ausência disso que chamamos "PENSAMENTO". Como vimos outro dia, o que chamamos pensamento é a reação de vários padrões e experiências da memória, e onde existe essa reação condicionada, NÃO HÁ PAIXÃO, NÃO HÁ INTENSIDADE. Só pode haver intensidade com a completa ausência do "eu". 

(...) Nossa maneira de compreender ao sofrimento é uma reação. REAGIMOS, tentando explicar a causa do sofrimento, ou escapar ao sofrimento; mas nosso sofrimento não tem fim. Só termina o sofrimento quando o enfrentamos como FATO, quando compreendemos e transcendemos tanto a causa como o efeito. Procurar livrar-se do sofrimento pela prática de certos exercícios, ou pelo pensar deliberado, ou pelo recorrer a qualquer das várias modalidades de fuga ao sofrimento — por nenhuma dessas maneiras se desperta na mente a EXTRAORDINÁRIA BELEZA, A VITALIDADE, A INTENSIDADE DAQUELA PAIXÃO QUE ENVOLVE E TRANSCENDE O SOFRIMENTO. 

Que é sofrimento? Ao ouvir esta pergunta, como você reage? Sua mente trata de explicar imediatamente a causa do sofrimento, e essa busca de explicação desperta lembranças dos passados sofrimentos. Dessa maneira, você reverte sempre, verbalmente, ao passado ou salta para o futuro, num esforço para explicar a causa do efeito que chamamos sofrimento. Julgo, porém, que devemos ultrapassar tudo isso. 

Sabemos muito bem o que é a causa do sofrimento: pobreza, má saúde, frustração, não ser amado, etc. E, quando terminamos de explicar as várias causas do sofrimento, não colocamos fim ao sofrimento; não aprendemos realmente a extraordinária profundeza e significação do sofrimento, assim como, também, não compreendemos aquele estado que se chama AMOR. A meu ver, as duas coisas estão relacionadas entre si — o sofrimento e o amor. E, para compreendermos o que é o amor, precisamos SENTIR a imensidade do sofrimento.

(...) Terminar o sofrimento é enfrentar o fato de nossa própria solidão, de nosso apego, de nossas pequenas exigências de fama, nossa fome de ser amados; é estar livre do interesse egocêntrico e da puerilidade da autopiedade. E, depois de ter ultrapassado tudo isso e, talvez, de ter terminado o próprio sofrimento pessoal, resta ainda o imenso sofrer coletivo, o sofrer do mundo. Uma pessoa pode colocar fim ao seu próprio sofrimento, enfrentando em si própria o fato e a causa do sofrimento — e isso deve ocorrer à mente que deseja ser completamente livre. Mas, uma vez terminado tudo isso, há ainda o sofrimento que vem da extraordinária ignorância existente no mundo — a ignorância que não é falta de instrução, de conhecimentos tirados dos livros, porém, a ignorância que o homem tem de SI PRÓPRIO. A falta de COMPREENSÃO PRÓPRIA é a essência da ignorância, causadora do imenso sofrimento existente no mundo inteiro. E que é, em verdade, o sofrimento?

Não há palavras com que explicar o sofrimento, assim como não há palavras para explicar o que é o amor. O amor não é apego, o amor não é o oposto do ódio, o amor não é ciúme. E quando uma pessoa acabou com o ciúme, com a inveja, com o apego, com todos os conflitos e agonias que sofreu, PENSANDO AMAR — quando tudo isso terminou, resta ainda saber o que é o amor, resta ainda saber o que é o sofrimento. 

Só se pode descobrir o que é o amor e o que é o sofrimento quando a mente rejeitou TODAS AS EXPLICAÇÕES e já não está mais IMAGINANDO, já não está BUSCANDO a causa, já não está se entretendo com PALAVRAS ou rememorando prazeres e dores passados. A mente deve estar completamente quieta, sem uma só palavra, um único símbolo, uma única ideia. Descobrirá então — ou ele virá por si mesmo à existência — aquele ESTADO, no qual aquilo que chamávamos amor, aquilo que chamávamos sofrimento, aquilo que chamávamos morte, SÃO A MESMA COISA. Já não haverá divisão entre o amor, o sofrimento e a morte; e, não havendo divisão, haverá beleza. Mas, para compreendermos, para nos acharmos nesse estado de êxtase, necessita-se daquela paixão resultante do total abandono do "eu".

Jiddu Krishnamurti — O Homem e seus desejos em conflito    

segunda-feira, 23 de setembro de 2013

É possível observar sem a palavra?

A revolução interior ou psicológica implica uma transformação completa, não só da mente consciente mas também da inconsciente. Pode-se facilmente modificar o padrão externo da sua existência, ou da sua maneira de pensar. Você pode deixar de pertencer a qualquer igreja que seja, ou pode abandonar uma igreja para ingressar noutra. Pode pertencer ou não pertencer a determinado partido político ou grupo religioso. Tudo isso pode facilmente ser modificado pelas circunstâncias, por seu medo, por seu desejo de maior recompensa, etc. A mente superficial pode ser facilmente modificada, porém, muito mais difícil é efetuar uma alteração no inconsciente — e é aí que se encontra o nosso problema. E o inconsciente não pode ser alterado pelo anseio, pelo desejo, pela vontade. Temos de abeirar-nos dele negativamente.

O examinar negativamente a totalidade da consciência implica o ato de escutar; implica perceber os fatos sem interferência de opiniões, juízos, condenação. Por outras palavras, requer pensar negativo. A maioria de nós, por educação e experiência,, está acostumada a ajustar-se, a obedecer, a seguir autoridades estabelecidas — autoridades morais, éticas, ideológicas. Mas o que aqui estamos examinando exige que não haja autoridade de espécie alguma; porque, assim que o indivíduo começa a INVESTIGAR, já nenhuma autoridade existe. Cada momento é um descobrimento. E como é possível a mente descobrir quando está sujeita à autoridade. A suas anteriores experiências? Assim, pois, o pensar negativo significa devassar nossas crenças assertivas, dogmáticas, nossas experiências, ansiedades, esperanças e temores; significa ver tudo isso negativamente, isto é, sem o desejo de alterá-lo ou transcende-lo, porém, observando-o simplesmente, sem avaliação.

Observar sem avaliação significa observar sem a palavra. Não sei se você já tentou alguma vez olhar uma coisa sem a palavra, o símbolo. A relação das palavras com aquilo que elas descrevem constitui o pensamento, o qual é reação da memória; e olhar um fato, SEM palavras, é olhá-lo sem a intervenção do pensamento.

Experimente-o, uma vez. Ao sair daqui, nesta manhã, olhe para as montanhas com seus capuzes de neve, ou ESCUTE aquele rio, sem nenhum pensamento — o que não significa estar dormindo. Não significa olhar com a mente “em branco”. Ao contrário, olhar uma coisa sem a intervenção do pensamento requer que você esteja totalmente desperto. E esta é uma tarefa árdua, porquanto você está condicionado, desde a infância, para julgar, para avaliar. Estamos condicionados pelas palavras... através dessa cortina de palavras olhamos e escutamos; por isso, nunca vemos, nunca ouvimos.

Eis porque é tão importante libertarmo-nos da escravidão às palavras. Tome-se a palavra “Deus”. Temos de ficar completamente livres dessa palavra, principalmente se nos considerarmos pessoas religiosas ou espirituais; porque a palavra não é a coisa. A palavra “Deus” evidentemente não é Deus; e para se compreender o que seja essa extraordinária entidade, temos de ficar livres da palavra — o que significa ficar interiormente livre de todas as influências e associações decorrentes dessa palavra. Isso, por sua vez, não implica crer ou descrer; implica que não se deve pertencer a nenhuma religião, nenhum sistema organizado de pensamento. Só então temos a possibilidade de descobrir por nós mesmos se algo existe além das palavras, além das medidas da mente.


Jiddu Krishnamurti — O homem e seus desejos em conflito 

domingo, 22 de setembro de 2013

As pessoas estão dormindo


Um garotinho estava brincando com seus blocos de madei­ra, quando o pai entrou no seu quarto.
Quieto, papai, estou construindo uma igreja.”
O pai, querendo testar o conhecimento religioso do filho, disse: “Por que devemos estar quietos na igreja?”
“Nós devemos, porque as pessoas estão dormindo.”

O homem está dormindo. Este sono não é o sono comum, é um sono metafísico. Mesmo quando você pensa que está acor­dado, você permanece adormecido.

Com os olhos abertos, andando na rua, trabalhando em seu escritório, você permanece adormecido. Não é apenas na igreja que você está adormecido, você está adormecido em todo lugar. Você está simplesmente adormecido.

Esse sono metafísico tem de ser quebrado, esse sono metafísico tem de ser completamente abandonado. A pessoa tem do tornar-se uma chama de consciência. Somente então a vida co meça a ser significativa, somente então a vida ganha significado, somente então é vida, não a vida do dia-a-dia, comum, rotina maçante - a vida tem poesia em si e mil e uma flores de lótus no coração. Então há Deus.

Deus não é uma teoria, não é um argumento. É uma expe­riência importante na vida. E a importância só pode ser sentida quando você não está adormecido. Como você pode sentir a im portância da vida estando adormecido? A vida é significante, imensamente significante. Cada momento dela é precioso. Mas você está adormecido. Apenas olhos despertos podem ver essa importância, viver essa importância.

Um desses dias houve uma pergunta. Alguém indagou: Osho, você fica nos dizendo para celebrar a vida. O que há para celebrar? Eu posso entender. A pergunta é relevante. Pare­ce não haver nada para celebrar. O que há para celebrar? A per­gunta dele é a sua pergunta, é a pergunta de todo mundo.

Mas a realidade é exatamente o contrário. Há tudo para ce­lebrar. Cada momento é tão imenso, tão fantástico, cada mo­mento traz tanto êxtase. . . Mas você está adormecido. O êxtase vem, paira ao seu redor e se vai. A brisa vem, dança ao seu redor e se vai. E você permanece adormecido. As flores desabrocham e a fragrância vem a você, mas você está adormecido. Deus fica cantando de mil e uma formas, Deus dança ao seu redor, mas você está adormecido.

Você me pergunta: O que há para celebrar? O que não há para celebrar? Tudo que uma pessoa pode imaginar está aí. Tu­do que alguém pode desejar está aí. E é mais do que você pode imaginar. É em abundância. A vida é um luxo!

Pense num homem cego. Ele nunca viu uma rosa desabro­char. O que ele tem perdido? Você sabe? Você não pode sentir nenhuma compaixão por ele? Ele tem perdido algo, algo divino. Ele não vê o arco-íris. Ele não vê o nascer nem o pôr-do-sol. Ele não vê as folhagens das árvores. Ele não vê a cor. Que escura é a consciência dele! E você tem olhos e diz: O que há para celebrar? O arco-íris está aí, o pôr-do-sol está aí, as árvores verdes estão aí, uma existência tão colorida...

Mesmo assim eu entendo. Sua pergunta é relevante. Enten­do que sua pergunta tem algum sentido. O arco-íris está aí, o pôr-do-sol está aí, o oceano, as nuvens, tudo está aí — mas você está adormecido. Você nunca viu uma rosa. Você passou por ela, você olhou a rosa — não estou dizendo que não a tenha olhado, você tem olhos, assim, você olha — mas você não a viu, não meditou sobre ela, você não deu nem um único momento de sua meditação a ela, você nunca esteve em sintonia com ela, você nunca esteve ao lado dela, sentado perto, em comunhão, você nunca disse ‘oi’ para ela, você nunca participou com ela. A vida passa, você continua aí, sem participar. Você nunca está em harmonia com a vida, por isso sua pergunta é significativa. Você tem olhos mas não vê, tem ouvidos e não ouve, tem cora­ção e não ama — você está profundamente adormecido.

Isso tem de ser entendido, eis porque continuo a repetí-lo muitas vezes. Se você entende que está adormecido, o primeiro raio do despertar entra em você. Se você pode sentir que está adormecido, então você não está mais, então você está exata­mente à beira de onde o dia se rompe — a manhã, a alvorada.

Mas a primeira coisa essencial é entender que “eu estou adormecido”. Se você pensa que não está adormecido, você nunca estará acordado. Se pensa que essa vida que você tem le­vado até agora é a vida de um ser acordado, por que então você deveria buscar e procurar caminhos para acordar a si mesmo? Quando um homem sonha e sonha que está acordado, por que ele deveria tentar acordar? Ele já acredita que está acordado. Esse é o maior truque da mente e todos estão sendo enganados por ele. O maior truque da mente é dar a você a ideia de ser aquilo que você não é, é ajudá-lo a sentir que você já é aquilo.


Osho, em "Sufis: O Povo do Caminho"

sábado, 21 de setembro de 2013

Como libertar o pensador dos seus pensamentos?

Krishnamurti: Que é pensamento? Pensamento é reação a uma condição, o que significa que o pensamento é a reação da memória; e como pode a memória, que representa o passado, criar o eterno?

Auditório: Não dizemos que a memória o cria, porque a memória é uma coisa privada de lucidez.

K: Ela é inconsciente, subconsciente, surge por si mesma, involuntariamente. Estamos agora procurando averiguar o que entendemos por pensamento. Para compreenderem esta pergunta, não consultem um dicionário, consultem a si mesmos. Que entendem por pensar? Quando dizem que estão pensando, que estão realmente fazendo? Estão reagindo. Estão reagindo através da memória do passado de vocês. Ora, que é memória? É experiência, é a acumulação da experiência de ontem, quer coletiva, quer individual. A experiência de ontem é memória. Quando nos lembramos de uma experiência? Por certo, só quando ela não se completou. Tenho uma experiência, e esta experiência fica incompleta, inacabada, e deixa marca. Essa marca eu chamo memória, e a memória reage a um novo estímulo. Essa reação da memória a uma estímulo é chamada pensar.

Auditório: Mas onde fica impressa a marca?

K: No “eu”. Final de contas, o “eu”, o “meu”, é o resultado de todas as lembranças, coletivas, raciais, individuais, etc. Esse feixe de lembranças é o “eu”, e esse “eu”, com sua memória, reage. Essa reação é chamada pensamento.

Auditório: Por que essas lembranças se reúnem em feixe?

K: Através da identificação. Reúno todas as coisas numa bolsa, consciente ou inconscientemente.

Auditório: Há então uma bolsa separada da memória.

K: A memória é a bolsa.

Auditório: Por que as lembranças se mantêm coesas?

K: Porque são incompletas?

Auditório: Mas as lembranças não têm existência, permanecem em estado de inércia, a não ser que exista alguém que as suscite.

K: Em outras palavras, aquele que se lembra é diferente da memória? Aquele que se lembra e a memória são duas faces da mesma moeda. Sem a memória não existe o que se lembra, e sem o que se lembra não existe memória.

Auditório: Porque persistimos em separar o percepiente da percepção, o que se lembra da memória? Não está aí a raiz da nossa dificuldade?

K: Nós o separamos, porque o que se lembra, o experimentador, o pensador, se torna permanente pela separação. As lembranças são obviamente transitórias; por isso o que se lembra, o experimentador, a mente se separa, porque deseja permanência. A mente que faz esforço, que luta, que escolhe, que é disciplinada, não pode evidentemente encontrar o real; porque, como dissemos, por esse mesmo esforço ela se projeta e sustenta o pensador. Pois bem, como libertar o pensador dos seus pensamentos? É isso o que estamos discutindo. Porque, o que quer que ele pense, tem de ser resultado do passado e, por conseguinte, ele cria deus, cria a verdade, com a memória, e isso, evidentemente, não é o real. Em outras palavras, a mente se move sem cessar do conhecido para o conhecido. Quando a memória funciona, a mente só pode mover-se dentro do campo do conhecido; e, movendo-se dentro do campo do conhecido, nunca poderá conhecer o desconhecido. Nosso problema, portanto, é de como libertar a mente do conhecido. Todo esforço para nos libertarmos do conhecido é prejudicial, porque o esforço vem do conhecido. Todo esforço, portanto, deve cessar. Já tentaram permanecer sem esforço? Se compreendo que todo esforço é fútil, que todo esforço constitui uma projeção adicional da mente, do “eu”, do pensador, se percebo a verdade disso, que acontece? Se percebo muito distintamente, numa garrafa, o rótulo “veneno”, não toco nela. Não há esforço algum para não sermos atraídos por ela. Identicamente — e aí está a maior dificuldade — se compreendo que todo esforço de minha parte é prejudicial, se percebo a verdade disso, fico livre do esforço. Qualquer esforço de nossa parte é prejudicial, mas não temos certeza disso, porque queremos um resultado, porque visamos uma realização — e essa é a nossa dificuldade. Por esta razão ficamos a lutar, a lutar, a lutar. Mas Deus, a verdade, não é um resultado, uma recompensa, um fim. Ele deve vir a nós, por certo, pois não podemos ir a ele. Se fazemos um esforço por alcança-lo, isso significa que buscamos um resultado, uma consecução. Mas, para que venha a verdade, precisa um homem estar passivamente consciente. O percebimento passivo é um estado no qual não existe esforço; significa perceber sem julgar, sem escolher, não em algum sentido determinado, mas em todos os sentidos; significa estarmos conscientes de nossas ações, nossos pensamentos, nossas reações relativas, sem escolha, sem condenação, sem identificação ou negação, para que a mente comece a compreender cada pensamento e cada ação, sem julgamento. Isso suscita outra questão: pode haver compreensão sem pensamento?

Auditório: Pode, de certo, se somos indiferentes a uma coisa qualquer.

K: Senhor, a indiferença é uma forma de julgamento. Uma mente embotada, uma mente indiferente, não é lúcida. Perceber sem julgamento, saber exatamente o que está ocorrendo, é lucidez. É vão, portanto, procurar Deus ou a verdade sem estarmos lúcidos agora, no presente imediato. É muito mais fácil irmos a um templo, mas isso constitui uma fuga para o domínio da especulação. Para compreendermos a realidade, precisamos conhece-la diretamente, e a realidade, evidentemente, não está no tempo e no espaço; ela está no presente, e o presente é o nosso próprio pensamento, a nossa própria ação,

Jiddu Krishnamurti — Novo acesso à vida – 4 de julho de 1948   

 
 

Atravessando o deserto do real sem Krishnamurti

quarta-feira, 18 de setembro de 2013

Existe um intervalo entre dois pensamentos?

Senhor, já notou, no seu pensar, que existe um intervalo entre dois pensamentos? Por mais triviais e por mais lúcidos que sejam esses pensamentos, existe intervalo, não existe? Não há pensamento contínuo. Se observar lucidamente, notará que há um vazio, um intervalo. O mero seguir, analisar, o estar cônscio de determinado pensamento, será completamente inútil se não tivermos compreendido ou observado o intervalo entre dois pensamentos. Porque, afinal de contas, quando sigo até o fim um determinado pensamento, por mais insignificante que ele seja, a mente que o leva até o fim continua a ser trivial, um espírito limitado, medíocre, que está julgando, comparando, condenando; e quando essa mente segue um pensamento, não pode compreendê-lo. (...) Se observo porém que existe um intervalo entre os pensamentos, se minha mente se interessa por esse intervalo e o observa com lucidez, verei então desvanecerem-se os pensamentos triviais, sem que os julgue, compare, discipline, refreie. Porque, naquele intervalo não há função de pensamento. Existe um intervalo, que apenas pode durar um segundo; mas no momento em que você deseja prolongar esse segundo para dez segundos, você colocou em ação a mediocridade. 

(...) O estarmos cônscios desse intervalo é suficiente, mas desde que o busquemos, que não procuremos criá-lo, prolonga-lo. E isso, positivamente, implica em autoconhecimento infinito, não é exato? Porque esse intervalo não pode ser conservado, é possível apresentar-se, nele, um sentimento novo e diferente. Mas no momento em você busca esse intervalo e procura prolonga-lo, a mente está intervindo nele; e quando a mente intervém, influencia, condiciona. Assim, pois, quanto mais cônscios estamos do processo do pensamento e do intervalo, tanto maior o nosso autoconhecimento — autoconhecimento que não nos veio de nenhum livro, que não está de acordo com nenhum padrão de pensamento, mas que é a compreensão de nós mesmos, tais como somos, momento por momento, dia após dia, mês por mês. Esse é um “processo” extremamente difícil. Sem aquele conhecimento, não se pode compreender a influência que condiciona, e é por isso que a mente está sujeita a toda espécie de influência e interferência, vivendo perpetuamente num estado de imitação, de dependência e de temor. 

JK - Autoconhecimento - Base da Sabedoria

terça-feira, 17 de setembro de 2013

Sobre o descobrimento da Verdade

O descobrimento do que é verdadeiro não se efetua por meio de esforço consciente. Se compreendermos isso verdadeiramente, chegaremos ao estado em que a mente reconhecerá a sua incapacidade de atender aos nossos problemas. Então talvez nos seja oferecida a possibilidade de descobrirmos uma nova fonte de ação, uma fonte diferente, cujo descobrimento nos habilitará a encontrar uma nova maneira de pensar, de sentir, de viver, de existir.

(...)A Verdade é aquilo que nunca se contaminou, que não se pode conceber, premeditar, ler nos livros, que não pode nos ser dada por outrem. A única solução para os nossos problemas é o descobrimento do que é a Verdade. Esta é a única revolução capaz de nos influir radicalmente na existência, na nossa vida de cada dia, em nossas relações diárias.

(...) Esse descobrimento do que é a Verdade não se verifica por meio do esforço consciente. Acho muito importante compreender-se que não podemos IR à Verdade. E A VERDADE SÓ PODE VIR-NOS IMPERCEPTIVELMENTE, QUANDO NÃO A ESPERAMOS. Qualquer forma de expectativa, de esperança é uma forma de "projeção" — projeção do "eu", sendo o "eu"o coletivo. (...) Esse estado só é realizável quando compreendermos o processo de nossa mente, e não quando procuramos imaginar o que ele seja, ou especular-lhe a respeito. Tão-somente ao compreendermos o processo do nosso pensar e vermos o quanto nossas mentes estão condicionadas, só então há uma possibilidade de descobrir o que é a Verdade, a qual, só ela, pode libertar-nos dos nossos problemas.

(...) O descobrimento da Verdade, porém, é um processo muito árduo. Requer pensamento amadurecido — e não fáceis soluções, conclusões, ou juízos, segundo a fórmula esquerdista ou direitista, ou tirados do que aprenderam nos seus livros ou da experiência de vocês. Requer estudo muito sério.

(...) Vocês não podem achar o que é a Verdade com uma mente frívola. Uma mente superficial, maldizente, estúpida, ambiciosa — jamais descobrirá o que é a Verdade. Uma mente frívola não pode criar senão uma coisa frívola; não pode criar senão um Deus frívolo. Nosso problema, por conseguinte, não é o de achar ou descobrir o que é Deus, mas o de percebermos como somos frívolos.

(...) O importante é descobrir-se e compreender-se O QUE É, e não, transformá-lo noutra coisa. Afinal, uma mente estúpida, mesmo quando procura tornar-se muito sagaz, muito penetrante e inteligente, contínua estúpida do mesmo modo, porque sua essência mesma é a estupidez.

(...) Só a Verdade pode libertar-nos. A compreensão apenas pode vir quando não estamos seguindo alguém, quando não existe autoridade alguma — seja a autoridade da tradição, seja a autoridade dos livros, do GURU, da nossa própria experiência. Nossa experiência é resultado do nosso condicionamento, e tal experiência não pode ajudar-nos a descobrir a Verdade.

Nessas condições, os que se sente seriamente interessados, os que desejam de verdade descobrir a Verdade relativa aos seus problemas, devem, naturalmente, colocar de lado tudo quanto é autoridade. Isto é dificílimo, porque quase todos nós estamos cheios de temor.(...) Enquanto estivermos encostados em alguém, nunca chegaremos a compreender o "processo" do nosso pensar; negaremos, assim, a nós mesmos, o descobrimento da Verdade.

(...) A Verdade — a única religião — só pode ser achada, ou, melhor, pode manifestar-se somente quando nossa mente se acha de todo tranquila, sem sentir necessidades, em "projetar", sem desejar "fazer" ou "não fazer". Isso não implica retirada para longe do mundo; não há possibilidade de retirada, não há possibilidade de isolamento. Estar em relação é — Vida. E nas nossas relações podemos descobrir o que é Verdade, o que é Amor.

(...) A Verdade tem de vir a vocês. A Verdade não pode ser chamada. E ela só pode vir quando estão abertos, quando não possuem nenhum desejo. Só quando vazia, de todo vazia, a taça de vocês, só quando sabem que estão mortos, só então se apresenta aquele estado em que vocês têm a taça sempre cheia. Só há, então, Amor, o amor infinito.

(...) Mas, no que diz respeito à maioria de nós, nosso conhecimento, nossas experiências, autoridades, compulsões, as várias atividades de nossa vida diária estão nos impedindo de experimentar diretamente algo que é verdadeiro. Por mais que me ouçam, suas mentes estão sendo estorvadas de tal maneira pela autoridade, pelo saber, pela experiência, que são incapazes de ver as coisas diretamente. Assim, pois, apenas vem a compreensão quando a mente está realmente tranquila, quando não é coagida, compelida, quando na sua tranquilidade e serenidade, a mente está receptiva. Se compreensão não é acumulação, não se pode juntar compreensão; não se pode armazenar compreensão. A compreensão vem em clarões, numa série de clarões ou num só clarão de longa duração — o que indica que a mente deve achar-se sobremodo tranquila, ESCUTANDO, sem fazer escolha alguma. Mas uma mente condicionada, uma mente disciplinada, aprisionada, limitada por conclusões — essa mente não pode compreender, não pode experimentar diretamente a Verdade. E é esse experimentar da Verdade, de momento a momento, que produz a libertação criadora.

(...) Essa atividade criadora é Amor. Sem Amor não há revolução, e o Amor não é uma ação consciente. O Amor é algo além dos limites do pensamento. Só se pode compreender, sentir, experimentar o Amor, quando a mente se acha de todo tranquila; e só então existe a possibilidade de efetuar-se uma revolução fundamental no mundo.

Jiddu Krishnamurti — Autoconhecimento — Base da Sabedoria
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A revolução está no Ser e não no vir a ser

Só pode haver revolução, quando há SER, do qual pode resultar ação verdadeira. Enquanto, porém, a mente se encontra aprisionada no perene processo de VIR A SER, não pode haver revolução, nem transformação, e não pode haver amor; apenas infelicidade, mais ódios, e maiores guerras. Que deve, pois, fazer a mente? Ela não pode passar para o outro estado. A mente que é, em sim, o processo de vir a ser, não pode passar para o outro estado e assimilá-lo; ELA NÃO PODE TORNAR-SE O SER. Não pode buscar o SER. No momento em que ela está consciente DO SER, está morto O SER; já não é O SER uma coisa vital, já não exulta, já não vive, já não age construtivamente. Que deve então fazer a mente, reconhecendo a sua IMPOSSIBILIDADE de promover uma revolução em si mesma? (...) só pode verificar-se esta revolução quando há SER e não VIR A SER. Assim, pois, todo e qualquer esforço que fizerem para revolucionar O SER, constitui justamente uma negação da revolução. Isto é, se faço um esforço para compreender aquele "estado de ser", em que há revolução radical, o ser se torna um estado morto. Assim, quando minha mente compreende essa coisa, inteiramente, ela, a mente, se torna muito tranquila; não faz, então, mais esforço para ser ou não ser;(...) A se torna tranquila, e compreende-se então, na sua totalidade, o processo do VIR A SER.

A mente não pode chamar a si O SER. O SER apenas pode manifestar-se quando a mente está de todo tranquila, quando não persegue alguma coisa, quando não busca um resultado, quando não quer tornar-se virtuosa. Porque, o "eu" é VIR A SER, o "eu" é O QUE VEM A SER; e enquanto existir o "eu" não pode haver SER. O "eu" pode colocar vestes diferentes, de cores diversas, e pensar que está se modificando, que está produzindo revolução; mas, no centro, continua presente o "eu", e ele não pode extinguir-se por meio da disciplina, de controle, de sacrifício, da observância de exemplos. O "eu" existe em virtude do próprio esforço que faz, para ser ou não ser. (...)

Toda vez que a mente faz um esforço, esse próprio esforço vai reforçar o "eu" — o "eu" que se identifica com o Estado, com o partido, com a virtude, com certo sistema de pensamento, com a religião, com qualquer coisa, enfim. Por conseguinte, não há, através desse processo, revolução nenhuma, não há transformação; há tão-somente mais desgraças, maior confusão, mais guerras, mais ódios. Quando reconheço isso, quando minha mente reconhece isso, há então tranquilidade; há aquele silêncio tão essencial AO SER; e, só então, há uma possibilidade de revolução radical.

(...) É só quando a mente já não está buscando engrandecer-se, já não está à procura de um resultado, já não está tentando produzir uma ação por meio de ideias — só então, existe a possibilidade de uma revolução que não procede da mente, que não é produto do pensamento. Tal é a revolução do SER, da verdade, do Amor. Isto não é uma coisa sentimental, uma superstição, uma miragem religiosa. Não é um mito, mas uma realidade que pode ser descoberta por cada um de nós. Esta Realidade pode encontrar-se apenas quando estamos possuídos de um sério empenho, quando sabemos escutar a algo que é verdadeiro e deixar essa Verdade operar e purificar a nossa mente de todos os seus pensamentos.

Jiddu Krishnamurti — Autoconhecimento — Base da Sabedoria



É possível observação sem palavra?

Krishnamurti: O observador é o passado; ele é o passado, a lembrança, a experiência, o conhecimento armazenado na memória. O passado é o observador, e eu observo o presente, que é o meu ciúme, a minha reação. E uso a palavra "ciúme" para esse sentimento porque o reconheço como tendo acontecido no passado. É uma lembrança do ciúme através da palavra, que faz parte do passado. Portanto, posso observar sem a palavra e sem o observador que é o passado? A palavra traz este sentimento ou há sentimento sem a palavra? Tudo isso faz parte do autoconhecimento.

Pupul: Como alguém pode observar sem a palavra?

K: Sem o observador, sem nenhuma lembrança. Isso é muito importante .

P: Como se pode resolver o problema do observador?

A: Posso dizer que na observação do observador há também a desaprovação ou a aprovação do observador a respeito dele mesmo.

K: Isso é o passado. Isso é o seu condicionamento. Esse é todo o movimento do passado, que está contido no observador.

A: Essa reprovação é a barreira.

K: Isso é o que Pupul está perguntando. Ela diz: Como eu observo o observador? Qual é o processo de observar o observador? Ouço K dizer que o observador é o passado. É isso mesmo?

P: Ao fazer essa pergunta, outro observador é criado.

K: Não, eu não crio nada. Estou simplesmente observando. A pergunta é: o que é o observador? Quem é o observador? Como observo este microfone? Eu o observo através de uma palavra que usamos para indicar que isto é um microfone; ela está registrada no cérebro como microfone, como uma lembrança; eu uso essa palavra para expressar a realidade do microfone. Isso é bastante simples.

P: Alguém observa o observador?

K: Já vou falar sobre isso. Como alguém observa o observador? Vocês não o fazem.

P: É a incapacidade de observar o observador o que dá a alguém a compreensão da natureza do observador?

K: Não. Você não observa o observador. Você só observa "o que é", e a interferência do observador. Você diz que reconhece o observador. Percebe a diferença? Vá devagar. O ciúme existe. O observador entre e diz: "Eu tive ciúme no passado. Eu conheço esse sentimento." Portanto, eu o reconheço e ele é o observador. Você não pode observar o observador por si mesmo. A observação do observador existe apenas em na sua relação com o observado. Quando o observador para a observação, então há a consciência do observador. Você não pode observar o observador. Você só pode observar o observador em relação a algo. Isso está razoavelmente claro. No momento do sentimento, não há nem o observador nem o observado; há só aquele estado. Então, o observador chega e diz que se trata de ciúme e continua a interferir naquilo que existe, evita o ciúme, reprime, racionaliza, justifica-o ou foge dele. Esses movimentos indicam o observador em relação àquilo que é.

FW: No momento em que o observador existe, existe a possibilidade de observar o observador?

K: É isso que nós estamos dizendo. Eu estou zangado ou violento. No momento da violência nada existe. Não existe você, nem observador, nem o observado. Há só o estado de violência. Então, o observador chega ao que é o movimento do pensamento. O pensamento é passado — não existe pensamento novo — e esse movimento do pensamento interfere no presente. Essa interferência é o observador, e você estuda o observador só através dessa interferência. Ele tenta fugir do que é irracional na violência, para justificá-la e assim por diante, e todas essas são abordagens tradicionais ao presente. A Abordagem tradicional é o observador.

P: Desse certo modo, portanto, o observador só se manifesta em termos de fuga ao presente.

K: Fugas ou racionalizações.

D: Ou interferências.

K: Qualquer forma de interferência no presente é a ação do observador. Não admita isso. Acabe com ela, descubra essa ação.

Par: Se não há passado não há interferência?

K: Não, não é essa a questão. O que é o passado?

P: O conteúdo acumulado e armazenado das minhas experiências.

K: E isso é o que é? Suas experiências, suas tendências e motivos, tudo isso é atividade do passado, do conhecimento. A atividade do passado só pode acontecer através do conhecimento, que é o passado. Portanto, o passado interfere no presente; o observador começa a agir. Se não há interferência, não há observador, há apenas observação.

Na observação, não há nem o observador nem a ideia de observação. É muito importante que se entenda isso. Não há nem observador nem ideia de não ter um observador; o que significa que há só observação pura, sem a palavra, sem a lembrança, sem relação com o passado. Não há nada senão a observação.

FW: Dessa forma, é possível a observação do observador?

K: Não, eu digo: A observação do observador só acontece quando o passado interfere no presente e o observador entra em ação. É só então que você toma consciência de que existe um observador. Agora, quando você percebe isso, quando tem um vislumbre disso, então, não há observador; há apenas observação.


Jiddu Krishnamurti — Diálogos sobre a visão intuitiva

P - Pupul
A- Achyut
FW - Fritz Wilhelm



Sobre o cultivo da memória

Ensinaram-nos desde a infância a cultivar a memória. A memória é essencial, num determinado nível da existência; entretanto, a memória não nos fornece a verdadeira solução de nenhum problema; ela é tão somente capaz de traduzir o problema em conformidade com sua própria condição, sua própria experiência.(...) Nessas condições, nunca receberão a experiência com a mente não condicionada; e a mente condicionada, ao criar um padrão, uma norma de ação, cria mais problemas, maiores sofrimentos e desgraças.

(...) A vida é um processo de imitação. A própria linguagem que estou usando é resultado da imitação, de cultivo da memória e do conhecimento. O adquirir informações é um processo de imitação.(...) Reconheço que a memória, a experiência, o saber são coisas essenciais em certos níveis de nossa existência; porque, se eu não soubesse fazer uso da linguagem, não teria possibilidade de comunicar-me com ninguém.

(...) Temos aqui um problema dificílimo; a mente está cultivando a memória há séculos e séculos, e ela é o único instrumento de que dispomos. E desse instrumento temos feito uso para resolver nossos problemas. Endeusamos o intelecto (não se entenda, todavia, que devemos nos tornar sentimentais, ou devotos, ou desordenados). É muito difícil enxergar as limitações da mente. Dificílimo perceber que os nossos problemas não podem ter solução por intermédio da mente, por intermédio do "processo" do pensamento, uma vez que o pensamento é sempre condicionado. Não há liberdade de pensamento, visto que o pensamento, que é memória, que é o resultado de várias experiências passadas, é condicionado, limitado; e esse pensamento, quando aplicado a resolver os nossos problemas, só pode aumentá-los e acrescentar-lhes novos problemas. Posso perceber a verdade a respeito do pensamento condicionado e deixar que ocorra uma revolução no nível inconsciente? Porque, no nível inconsciente, não há limitação, não há ajustamento, uma vez que, lá, a mente não interfere, buscando resultado; lá, a mente não se esforça, não recalca, não procura tornar-se alguma coisa; lá, ela está apenas presente. A mente pode compreender o que é a Verdade. A Verdade não é processo de análise, nem a simples observação do conhecimento. Mas a verdade só pode ser compreendida no nível inconsciente, com a mente muito tranquila, não interferindo, não traduzindo. Se percebemos isso fundamentalmente, veremos que há, aí, uma transformação radical da nossa maneira de pensar. Entretanto, como disse, a mente foi exercitada para interferir, para buscar sempre, ativamente, um resultado. É só no nível inconsciente que se pode encontrar o Amor. E só o Amor é capaz de efetuar uma revolução.

(...) Ora, sem dúvida o percebimento da Verdade não depende de nenhuma crença; pelo contrário, as crenças atuam como obstáculos ao percebimento da Verdade. Um homem que crê, que está preso ao dogma, não conhecerá nunca o Real. Jamais conhecerá aquele estado de êxtase do amor. O dogma, a crença, e a experiência são-lhe empecilhos; porque a experiência nada mais é do que conservação da memória. Um homem bem "adubado" de memória, experiência, saber, nunca descobrirá Deus; tão pouco o homem que professa continuamente a sua crença em Deus, é capaz de encontrar a Realidade. A Realidade não se manifesta senão quando a mente está tranquila, quando não é compelida, coagida, disciplinada. Quando a mente está tranquila, há, então, no nível inconsciente, revolução.

Jiddu Krishnamurti — Autoconhecimento — Base da Sabedoria

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"Quando você compreende, quando chega a saber,
então traz toda a beleza do passado de volta
e dá a esse passado o renascimento, renova-o,
de forma que todos os que o conheceram
possam estar de novo sobre a terra
e viajar por aqui, e ajudar as pessoas." (Tilopa)



"Nos momentos tranqüilos da meditação, a vontade de DEUS pode tornar-se evidente para nós. Acalmar a mente, através da meditação, traz uma paz interior que nos põe em contato com DEUS dentro de nós. Uma premissa básica da meditação, é que é difícil, senão impossível, alcançar um contato consciente, à não ser que a mente esteja sossegada. Para que haja um progresso, a comum sucessão ininterrupta de pensamentos tem de parar. Por isso, a nossa prática preliminar será sossegar a mente e deixar os pensamentos que brotam morrerem de morte natural. Deixamos nossos pensamentos para trás, à medida que a meditação do Décimo Primeiro Passo se torna uma realidade para nós. O equilíbrio emocional é um dos primeiros resultados da meditação, e a nossa experiência confirma isso." (11º Passo de NA)


"O Eu Superior pode usar algum evento, alguma pessoa ou algum livro como seu mensageiro. Pode fazer qualquer circunstância nova agir da mesma forma, mas o indivíduo deve ter a capacidade de reconhecer o que está acontecendo e ter a disposição para receber a mensagem". (Paul Brunton)



Observe Krishnamurti, em conversa com David Bohn, apontando para um "processo", um "caminho de transformação", descrevendo suas etapas até o estado de prontificação e a necessária base emocional para a manifestação da Visão Intuitiva, ou como dizemos no paradigma, a Retomada da Perene Consciência Amorosa Integrativa...


Krishnamurti: Estávamos discutindo o que significa para o cérebro não ter movimento. Quando um ser humano ESTEVE SEGUINDO O CAMINHO DA TRANSFORMAÇÃO, e PASSOU por TUDO isso, e esse SENTIDO DE VAZIO, SILÊNCIO E ENERGIA, ele ABANDONOU QUASE TUDO e CHEGOU AO PONTO, à BASE. Como, então, essa VISÃO INTUITIVA afeta a sua vida diária? Qual é o seu relacionamento com a sociedade? Como ele age em relação à guerra, e ao mundo todo — um mundo em que está realmente vivendo e lutando na escuridão? Qual a sua ação? Eu diria, como concordamos no outro dia, que ele é o não-movimento.

David Bohn: Sim, dissemos que a base era movimento SEM DIVISÃO.

K: Sem divisão. Sim, correto. (Capítulo 8 do livro, A ELIMINAÇÃO DO TEMPO PSICOLÓGICO)


A IMPORTÂNCIA DA RENDIÇÃO DIANTE DA MENTE ADQUIRIDA
Até praticar a rendição, a dimensão espiritual de você é algo sobre o que você lê, de que fala, com que fica entusiasmado, tema para escrita de livros, motivo de pensamento, algo em que acredita... ou não, seja qual for o caso. Não faz diferença. Só quando você se render é que a dimensão espiritual se tornará uma realidade viva na sua vida. Quando o fizer, a energia que você emana e que então governa a sua vida é de uma frequência vibratória muito superior à da energia mental que ainda comanda o nosso mundo. Através da rendição, a energia espiritual entra neste mundo. Não gera sofrimento para você, para os outros seres humanos, nem para qualquer forma de vida no planeta. (Eckhart Tolle em , A Prática do Poder do Agora, pág. 118)


O IMPOPULAR DRAMA OUTSIDER — O encontro direto com a Verdade absoluta parece, então, impossível para uma consciência humana comum, não mística. Não podemos conhecer a realidade ou mesmo provar a existência do mais simples objeto, embora isto seja uma limitação que poucas pessoas compreendem realmente e que muitas até negariam. Mas há entre os seres humanos um tipo de personalidade que, esta sim, compreende essa limitação e que não consegue se contentar com as falsas realidades que nutrem o universo das pessoas comuns. Parece que essas pessoas sentem a necessidade de forjar por si mesmas uma imagem de "alguma coisa" ou do "nada" que se encontra no outro lado de suas linhas telegráficas: uma certa "concepção do ser" e uma certa teoria do "conhecimento". Elas são ATORMENTADAS pelo Incognoscível, queimam de desejo de conhecer o princípio primeiro, almejam agarrar aquilo que se esconde atrás do sombrio espetáculo das coisas. Quando alguém possui esse temperamento, é ávido de conhecer a realidade e deve satisfazer essa fome da melhor forma possível, enganando-a, sem contudo jamais poder saciá-la. — Evelyn Underhill