Será possível para a mente viver no presente, de forma completa e total? Só uma mente assim não tem medo. Mas, para compreender isso, você precisa compreender a estrutura do pensamento, das recordações, do tempo. E ao compreender isso — compreender não de modo intelectual, ou verbal, mas de verdade, com o coração, com a mente, com as entranhas — você ficará livre do medo; a mente, então, poderá usar o pensamento sem criar o medo.
O pensamento, assim como a memória é, sem dúvida, necessário para a nossa vida diária. Ele é o único instrumento de que dispomos para a comunicação, para trabalhar no nosso emprego, e assim por diante. O pensamento é a resposta à memória, memória essa que foi acumulada através da experiência, do conhecimento, da tradição e do tempo. E é a partir dos antecedentes dessa memória que reagimos, e essa reação é o pensamento. Assim, o pensamento é essencial é essencial em certos níveis, mas quando o pensamento se projeta psicologicamente como futuro ou passado, criando tanto o medo quanto o prazer, a mente fica embotada e, como consequência inevitável, vem a inação.
Então, pergunto a mim mesmo: "Por que, por que, por que fico pensando sobre o futuro e o passado em termos de prazer ou dor, sabendo que esses pensamentos criam o medo? Não será possível para o pensamento, parar, psicologicamente, pois, caso contrário, o medo jamais terá fim?"
Uma das funções do pensamento é a de ficar ocupado o tempo todo com alguma coisa. A maioria de nós deseja ter a mente sempre ocupada de modo que não possamos ver-nos como de fato somos. Temos medo de ser vazios. Temos medo de olhar nossos medos.
(...) Vivemos uma vida de fragmentação e só podemos olhar esse medo através do fragmentário processo do pensamento. Todo o processo do mecanismo do pensamento é o de quebrar tudo em fragmentos: amo você, odeio você; você é meu inimigo, você é meu amigo; minhas idiossincrasias e tendências peculiares, meu trabalho, minha posição, meus prestígio, minha mulher, meu filho, o meu país e o seu país, o meu Deus e o seu Deus — tudo isso é a fragmentação do pensamento. E esse pensamento olha o estado total do medo, ou tenta olhar para ele, e o reduz a fragmentos. Portanto, vemos que a mente pode olhar para esse medo como um todo apenas quando não há nenhum movimento do pensamento.
Você é capaz de observar o medo sem nenhuma opinião, sem nenhuma interferência do conhecimento que você acumulou acerca dele? Se não puder, isso significa que o que você observa é o passado, não o medo; se você puder, você, então, estará observando o medo pela primeira vez sem a interferência do passado.
Você só pode observar quando a sua mente está quieta, da mesma forma como só pode ouvir o que uma pessoa diz quando a sua mente não está conversando consigo mesma, ocupada com seu diálogo interior acerca de seus próprios problemas e ansiedades. Será que você pode, dessa mesma forma, olhar o seu medo sem tentar resolvê-lo, sem fazer surgir o seu oposto, a coragem — na verdade, olhar para ele e não tentar fugir dele? Quando você diz: "Preciso controlá-lo, preciso me livrar dele, preciso compreendê-lo", você está tentando fugir dele.
(...) Viver com algo vivo como o medo requer da mente e do coração uma extraordinária sutileza e que não tenham preconceitos, podendo assim acompanhar cada movimento do medo. Então, se você o observa e convive com ele — e isso não leva um dia inteiro, talvez baste um minuto ou um segundo para conhecer toda a natureza do medo — se você vive com isso por inteiro, será inevitável a pergunta: "Quem é a entidade que vive com medo? Quem é que observa o medo, que observa todos os movimentos das diversas formas de medo, da mesma forma como você percebe o fato central do medo? Será o observador uma entidade morta, um ente estático, que acumulou grande quantidade de sabedoria e informações acerca de si mesmo; será essa entidade quem observa e vive com o impulso do medo? O observador é o passado, ou ele será algo vivo?" Qual a sua resposta? Não responda para mim, responda para você mesmo. Será você, o observador, uma entidade morta a observar algo cheio de vida ou será você um organismo vivo a observar algo também cheio de vida? Porque no observador existem os dois estados.
O observador é o censor que não deseja o medo; o observador é a totalidade de todas as suas experiências acerca do medo. O observador, então, é distinto daquilo que ele chama de medo; há um espaço entre eles; ele tenta sempre superar isso ou fugir disso e vem daí a permanente batalha entre ele mesmo e o medo — batalha essa que é um enorme desperdício de energia.
Como pode ver, você aprende que o observador é um mero amontoado de ideias e recordações sem nenhuma substância ou validade, mas que o medo é uma realidade e que você tenta compreender um fato com uma abstração, o que, evidentemente, não conseguirá fazer. Mas, na verdade, será o observador que diz: "Eu tenho medo", distinto do que é observado, ou seja, do medo? O observador É o medo e, quando isso é compreendido, não há mais a dissipação de energia no esforço de ficar livre do medo, e desaparece o intervalo de tempo-espaço entre o observador e o observado. Quando você faz parte do medo, que não é separado dele — que você é o medo — não é possível, então, fazer nada a respeito; e o medo, como um todo, chega ao fim.
Jiddu Krishnamurti — Liberte-se do Passado