Quando desejamos, quando escolhemos uma dada vocação, quando estamos educando nossos filhos para seguirem determinada profissão, não estamos criando um conflito com a sociedade? Você escolhe uma profissão, e eu escolho outra; e isso não faz nascer o conflito entre nós dois? Não é isso o que está acontecendo no mundo, visto que nunca pudemos achar a nossa VERDADEIRA VOCAÇÃO? Estamos apenas sendo condicionados pela sociedade, por uma determinada civilização, a aceitar certas profissões, que geram competição e ódios entre os homens. Sabemos disso, o estamos vendo.
Ora, existe alguma outra maneira de viver, em que você e eu possamos exercer as nossas VERDADEIRAS VOCAÇÕES? Não existe uma vocação única para o homem? Tenha a bondade de prestar atenção, senhores. Há vocações diferentes para o homem? Vemos que as há: um é funcionário de escritório, outro engraxate; um é engenheiro, outro político. Vemos que há inúmeras variedades de profissões e que todas elas estão em conflito entre si. Assim, pois, por causa da sua vocação o homem está em conflito com o homem, o homem odeia o homem. Sabemos disso. São-nos familiares esses fatos da vida, de cada dia. Pois bem, vejamos se não existe UMA SÓ vocação para o homem. Se pudermos descobrí-la, então a expressão de diferentes capacidades não produzirá conflito entre os homens. Eu afirmo existir APENAS UMA VOCAÇÃO PARA O HOMEM. Uma só, e não muitas. A VOCAÇÃO ÚNICA DO HOMEM É A DE DESCOBRIR O QUE É O REAL. Senhores, não se mostrem espantados; isto não é uma asserção mística.
Se estamos, você e eu, aplicados a descobrir o que é a Verdade, o que constitui a nossa verdadeira vocação, então, nessa busca, não haverá competição entre nós. Não competirei com você, não lutarei contra você, ainda que você expresse essa verdade de maneira diversa. Você pode ser Primeiro Ministro, mas eu não serei ambicioso e não desejarei tomar-lhe o posto, porque estou buscando, do mesmo modo que você, a Verdade. Por conseguinte, enquanto não descobrirmos aquela verdadeira vocação do homem, estaremos necessariamente em competição uns com os outros, e haveremos de odiar-nos mutuamente; e, sejam quais forem as leis que promulgarem, nesse nível só poderão produzir mais caos.
Não é possível, pois, desde a infância, mediante educação adequada, ministrada por verdadeiros educadores, ajudar o jovem, o estudante, a ser livre, para descobrir o que é a Verdade, a Verdade relativa a todas as coisas, e não simplesmente a Verdade em abstrato; descobrir a Verdade existente em todas as relações — a relação do jovem com a máquina, com a natureza, com o dinheiro, com a sociedade, o governo, etc.? Requer isso, não acham? — uma outra espécie de preceptores, cujo interesse seja o de ajudar o jovem, o estudante, dando-lhe liberdade, para que seja capaz de descobrir a maneira de cultivar uma inteligência nunca susceptível de ser condicionada por uma sociedade em perene decomposição.
Não existe, pois, UMA vocação para o homem? O homem não pode existir no isolamento; ele só existe em relação. E quando, nessas relações, não há o descobrimento da Verdade respeitante ao estado de relação, há então conflito.
Há tão-somente UMA VOCAÇÃO para vocês e para mim. E na busca dessa vocação encontraremos a expressão em que não entraremos em conflito um com o outro, em que não nos destruiremos mutuamente. Mas tudo deve começar, sem dúvida, pela educação correta, ministrada por educador adequado. O educador também necessita de educação. Fundamentalmente, o verdadeiro preceptor não é meramente um homem que transmite conhecimentos, mas aquele que faz nascer no estudante a liberdade, a revolta que o habilitará a descobrir o que é a Verdade.
Jiddu Krishnamurti — Autoconhecimento — Base da Sabedoria