Então, o homem que é justo, o que deve fazer? Deve buscar a verdade, Deus, ou outro nome que tenha, ou consagrar sua mente e seu coração ao aperfeiçoamento da sociedade, que é realmente o aperfeiçoamento de si próprio? Você compreende? Deve ele perseguir em profundidade a verdade ou melhorar as condições da sociedade, o que equivale a seu próprio melhoramento? Deve ele aprimorar-se em nome da sociedade ou buscar a verdade, na qual não existe absolutamente nenhum aprimoramento? Aprimoramento implica tempo, tempo para transformar-se, enquanto que a verdade não tem nada a ver com o tempo, ela é percebida instantaneamente.
De forma que o problema é extraordinariamente significativo, não? Podemos falar sobre a reforma da sociedade, mas trata-se ainda da reforma de si mesmo. Mas para o homem que está buscando o real, a verdade, não existe reforma do self, pelo contrário, existe a total cessação do self, que é a sociedade. Ele, portanto, não está preocupado com a reforma da sociedade.
Toda a estrutura da sociedade baseia-se em um processo de reconhecimento e de respeitabilidade; e, sem dúvida, senhores, um homem justo não pode buscar a reforma da sociedade, que equivale ao aperfeiçoamento de si mesmo. Ao reformara sociedade, ao identificar-se com algo bom, ele pode pensar que está se sacrificando, mas trata-se ainda de auto-aperfeiçoamento. Portanto, para o homem que está buscando o supremo, o mais elevado, não existe auto-aperfeiçoamento; nesse sentido não existe aperfeiçoamento do “eu”, não existe transformação, não existe a prática nem a ideia do “eu serei”. Isso significa realmente a cessação de toda pressão sobre o pensamento e onde não existe pressão sobre pensamento, há pensamento? A própria pressão sobre o pensamento constitui o processo do pensar, de pensar em termos de uma determinada sociedade ou em termos de reação a essa sociedade; e se inexiste pressão, existe pensamento? Apenas a mente não sujeita a essa ação do pensamento — que constitui a pressão da sociedade — apenas essa mente pode encontrar a realidade e buscando aquilo que é supremo, tal mente cria uma nova cultura. Isso é que é necessário: suscitar um tipo totalmente diferente de cultura, não reformar a sociedade atual. E tal cultura não pode emergir a menos que o homem justo persiga completamente, com total energia, com amor, aquilo que é real. O real não é encontrado em nenhum livro, nem através de nenhum líder; ele se concretiza quando o pensamento se aquieta e essa quietude não pode ser adquirida por meio de qualquer disciplina. A quietude chega quando existe amor.
(...) Interrogante: As grandes culturas sempre se basearam num padrão, mas o senhor fala de uma nova cultura livre de padrões. É possível existir uma cultura absolutamente isenta de padrões?
K: A mente não precisa estar livre de padrões para encontrar a realidade? E ao estar livre para encontrar o real não criará ela seu próprio padrão, o qual a sociedade atual poderá não reconhecer? Pode a mente que se encontra enredada em um padrão, que pensa de acordo com um padrão, que está condicionada pela sociedade, encontrar o incomensurável que não tem padrão? Esta língua que estamos falando, o inglês, constitui um padrão desenvolvido através de séculos. Se existe uma criatividade que esteja livre de padrões, essa criatividade, essa liberdade pode empregar a técnica da linguagem; mas através da técnica, do padrão da linguagem, a realidade não poderá jamais ser encontrada. Por meio da prática, de um tipo determinado de meditação, de sabedoria, de qualquer forma de experiência, todas as quais se encontram dentro de um padrão, a mente nunca entenderá o que é a verdade. Para entender a verdade, a mente precisa livrar-se dos padrões. Uma mente assim é uma mente quieta e então esta mente que é criativa pode criar sua própria atividade. Mas vejam, a maioria de nós não está nunca livre de padrões. Nunca existe um momento que a mente esteja totalmente livre do medo, do conformismo, do seu hábito de vir-a-ser algo, ou neste mundo ou no mundo psicológico, espiritual. Quando o processo de vir-a-ser, em qualquer sentido, cessa completamente, então aquilo que é Deus, verdade, concretiza-se e cria um novo padrão, uma cultura toda sua.
I: O problema da mente e o problema social da pobreza e da desigualdade precisam ser abordados simultaneamente. Por que o senhor acentua apenas um?
K: Eu estou acentuando apenas um? E acaso existe uma coisa como o problema social da pobreza e da desigualdade, da deterioração e da miséria, apartado do problema da mente? Não existe apenas um problema que é a mente? Foi a mente que criou o problema social e, tendo criado o problema, ela tenta solucioná-lo sem alterar-se fundamentalmente. De forma que o nosso problema é a mente, a mente que deseja sentir-se e que, desse modo, cria a desigualdade social e procura comprar de várias maneiras porque sente segurança na propriedade, no relacionamento ou nas ideias, que são conhecimentos. É essa necessidade incessante de segurança que cria a desigualdade, que é um problema que não poderá jamais ser solucionado até que entendamos a mente que cria a diferença, a mente que não sente amor. As leis não vão resolver esse problema, nem ele pode ser solucionado por comunistas ou pelos socialistas. O problema da desigualdade só poderá ser solucionado quando houver o amor e amor não é uma palavra para ser desperdiçada. O homem que ama não está preocupado com quem lhe seja superior ou inferior; para ele não existe nem igualdade nem desigualdade; somente um estado de ser que é amor. Nós, porém, não conhecemos esse estado, jamais o sentimos. Portanto, como pode a mente que está inteiramente voltada para as suas próprias atividades e ocupações, que já criou tamanha miséria no mundo e que vai criar ainda mais danos e destruição — como pode essa mete suscitar dentro de si mesma uma total revolução? É esse, sem dúvida, o problema. E não podemos provocar tal revolução por intermédio de qualquer reforma social senão quando a própria mente compreender a necessidade de sua total redenção, onde está a revolução.
Estamos sempre falando de pobreza, desigualdade e reforma, porque os nossos corações estão vazios. Quando houver amor não teremos problemas, porém o amor não se concretiza através e um método qualquer. Ele somente se concretiza quando você deixar de ser, isto é, quando você não mais estiver preocupado consigo mesmo, com sua posição, com seu prestígio, suas ambições e frustrações, quando você parar completamente de pensar em você, não no dia de amanhã, mas hoje. Essa ocupação consigo mesmo é idêntica à do homem que está no encalço do que ele chama de Deus ou à do homem que está empenhado em uma revolução social. E uma mente assim ocupada não pode jamais saber o que é amor.
Jiddu Krishnamurti — Bombaim, 27 de fevereiro de 1955 - Collected Works of J. Krishnamurti
Jiddu Krishnamurti — Bombaim, 27 de fevereiro de 1955 - Collected Works of J. Krishnamurti