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sábado, 31 de março de 2018

Na vida holística, não há raízes psicológicas

Na vida holística,
não há raízes
psicológicas

[...] Devemos compreender a insegurança, sua causa. A causa da insegurança é nossa própria limitação de percepção, nosso estado psicológico fragmentado. Mas há uma maneira de viver holística em que não existe a segurança ou a insegurança.

Assim, se o desejam, vamos nos perguntar o que é esse estado holístico da vida. A palavra holístico significa “completo”, um estado no qual não existe fragmentação (como um homem de negócios, um artista, um poeta, uma pessoa religiosa, etc.) Contudo, nós constantemente categorizamos as pessoas como comunistas, socialistas, capitalistas, etc.

Nossas vidas, se observam com determinação, estão divididas fragmentadas; e devemos compreender por que os seres humanos, que tem vivido nesta magnífica Terra durante milhões de anos, estão fragmentados, tão divididos. Como dissemos ontem, uma das principais causas da divisão se deve a que o cérebro é escravo do pensamento, o qual é limitado. Onde há limitação tem que haver fragmentação. Se estou interessado em mim mesmo, em meu progresso, em realizar-me, em minha felicidade e em meus problemas, divido toda a estrutura da humanidade em forma de “eu”. D modo que o pensamento é um dos fatores da fragmentação dos seres humanos. E o tempo é outro fator.

Alguma vez já consideraram, o que é o tempo? Segundo os cientistas interessados no tema, o tempo é uma sequência de movimentos; movimento é tempo. O tempo não é só do relógio, do cronológico, senão que também é o nascer e o pôr do sol, a escuridão da noite e a luminosidade da manhã. E também há o tempo psicológico, o tempo interno: “Sou isto e serei aquilo”; “Não sei matemática, mas algum dia a aprenderei”. Para tudo isso se requer tempo; para aprender um idioma se necessita de muito tempo. Há o tempo para aprender, para memorizar, para desenvolver uma habilidade, e também há o tempo como a entidade egoísta que diz: “Chegarei a ser algo mais”. Esse “chegar a ser” psicológico também implica tempo. E nós estamos estudando não só o tempo para aprender uma habilidade, senão também o que temos desenvolvido como um processe de conquista. Não sabe como meditar, mas cruza as pernas e aprende como controlar seus pensamentos para conquistar algum dia essa suposta meditação. De modo que pratica, pratica, pratica, e é assim que se converte em mecânico. Quer dizer, qualquer tipo de prática faz com que seja mecânico.

De modo que o tempo é o passado, o presente e o futuro. O passado consta de todas as recordações, as experiências, o conhecimento, e o que os seres humanos têm conquistado. Tudo o que permanece no cérebro como memória é o passado. É tão simples. O passado (as recordações, o conhecimento, as experiências, as tendências) está atuando agora; por isso você é o passado. E o futuro é o que você é agora, talvez, algo modificado. O futuro é o passado modificado. Por favor, observe, compreenda isso. O passado, que se modifica no presente, é o futuro. Sem uma transformação radical no presente, amanhã você será o mesmo que é hoje. Assim que o futuro é o agora; não me refiro ao futuro necessário para adquirir conhecimentos, senão ao futuro psicológico. Assim, a psique, o “eu”, o ego são o passado, são a memória. E essa memória se modifica a si mesma no agora, e assim segue. Portanto, o futuro e o passado estão no presente. Todo tempo (o passado, o presente e o futuro) é uma continuidade do agora. Isto não é complicado, mas sim, lógico. Se agora vocês não se transformam, quer dizer, neste instante, o futuro será o que são agora, o que têm sido. Pois bem: é possível nos transformar radical, fundamentalmente agora? Não no futuro.

Somos o passado. Não há duvida disso. E o passado se modifica de diferentes modos através de reações e desafios, e essa modificação se converte no futuro. Este país tem tido uma civilização durante três ou quatro mil anos; isso é o passado. Mas as circunstâncias modernas requerem que rompemos com esse passado e que deixemos essa cultura. Podem falar da cultura passada e desfrutar de sua fama, mas esse passado se esfumaçou, tem sido anulado pelas necessidades e os desafios do presente. E estes modificam para uma entidade econômica.

O passado e o futuro estão no agora. Qualquer tempo está no agora. E estamos dizendo que o pensamento e o tempo são as maiores causas de fragmentação nos seres humanos. De forma similar, queremos ter raízes e nos identificar com um grupo, com um guru, com uma família, com uma nação, etc. E a ameaça da guerra é o maior fator em nossas vidas. A guerra pode destruir nossas raízes psicológicas, e por isso estamos dispostos a matar aos demais. Estes são os maiores fatores de nossas vidas fragmentadas.

Agora, vocês escutam essa verdade ou meramente desacreditam do que se está dizendo e, portanto, se contentam com a descrição e não com a verdade, com a ideia e não com o fato? Por exemplo, quem lhes fala diz: “Qualquer tempo está no agora”. Se o compreendem, é a verdade mais maravilhosa. O escutam como uma série de palavras, como uma ideia, como uma abstração da verdade, ou o captam como a verdade que é? O que fazem? O veem, vivem com este fato? Ou fazem desse fato uma abstração, uma ideia, e se interessam por ela e não pelo fato em si? Assim atuam os intelectuais. O intelecto é, de todas as maneiras, necessário, e seguramente temos pouquíssimo intelecto porque dependemos dos outros. Quando escutam uma afirmação como: “Qualquer tempo está no agora”, ou “Você é a humanidade inteira, porque sua consciência é uma com todas as demais”, como escutam isso? Fazem disso uma abstração, uma ideia? Ou escutam essa verdade, esse fato, essa profundidade e sensação de imensidade que a envolve? As ideias não são uma imensidade; sem dúvida, o fato tem enormes possibilidades.

Assim, onde há tempo, pensamento, desejo de identificação e de ter raízes, não pode haver uma vida holística. Tudo isso impede a totalidade do viver, sua completude. Ao escutar esta afirmação, seguidamente sua pergunta deve ser: “Como deter o pensamento?”. Essa é uma pergunta natural, não é verdade? Sabemos que o tempo é necessário para aprender uma habilidade, um idioma ou um tema técnico. Mas, por sua vez, estão começando a perceber de que o fato de “chegar a ser”, o movimento de “o que é” ao “o que deveria ser” implica tempo, e que isso pode ser totalmente errado, que ser que não seja uma verdade. Desse modo, começam a questionar as coisas. Ou simplesmente dizem: “Não entendo o que você diz, prefiro seguir por minha conta”? Isso é o que, de fato, ocorre. A honestidade, igualmente que a humildade, é uma das coisas mais importantes. Quando um homem fútil cultiva a humildade, está é uma parte de sua futilidade. Porque a humildade não tem nada que ver com futilidade, com o orgulho. É um estado da mente que diz: “Não sei o que sou, vou averiguar”; nunca diz: “Eu sei”.

Bem, vocês têm escutado o fato de que todo o tempo está no agora. Podem estar de acordo ou não. E concordar ou descordar é algo terrível. Por que deveríamos concordar ou descordar? Por exemplo, não importa se estão de acordo ou desacordo com a afirmação de que o Sol nasce pelo leste. Em consequência, podemos deixar de lado nosso condicionamento de estar de acordo ou em desacordo, de modo que ambos possamos observar os fatos, que não há divisão entre os que estão de acordo e aqueles que não o estão, para que somente então possamos ver as coisas tais como são? Posso dizer: “Não vejo isso”, mas isso é algo muito diferente. Nesse caso, podemos investigar por que não vê isso. Mas se entramos nessa área de estar de acordo ou não, nos confundiremos mais e mais.

Quem lhes fala diz que vivemos vidas fragmentadas, que nossa forma de pensar está fragmentada. Alguém, um homem de negócios, ganha muito dinheiro e, a partir daí, constrói um templo ou faz obras de caridade; observem que contradição. Nunca somos realmente sinceros com nós mesmos, não sinceros no sentido de ser algo mais ou de compreender algo mais, senão melhor, ser claros e ter essa sensação de absoluta sinceridade significa não assegurar ilusões. Se diz uma mentira, sabe que a disse e o aceita: “Disse uma mentira”; não necessita encobri-la. Se se irrita, está irritado e diz que o está; não precisa lhe buscar as causas, nem dar explicações ou tratar de se livrar disso. Tudo isso é absolutamente necessário se querem investigar as coisas com mais profundidade, tal como estamos fazendo agora. Não convertam um fato em uma ideia, senão, melhor, permaneçam com o fato, o qual requer percepção com muita clareza.

Depois de escutar tudo isto, diz: “Sim, entendo isso lógica e intelectualmente”. E pergunta: “Como relaciono o que entendi lógica e intelectualmente com o que escutei? Qual é a verdade?” Assim, já se criou uma divisão entre o entendimento intelectual e a ação. Você percebe isso? Escute, tão só, escute. Não faça nada a respeito. Não pergunte: “Como posso conseguir algo? Como posso terminar com o pensamento e o tempo?”. Não posso fazê-lo. Seria absurdo, porque você é o resultado do tempo, do pensamento, e o único que faria seria dar voltas no mesmo círculo. Escute, não reaja, não pergunte como, tão só limite-se a escutar (como escutaria uma bela música ou o canto de um pássaro) essa afirmação de que qualquer tempo está contido no agora, e que o pensamento é um movimento. O pensamento e o tempo andam juntos; não são dois movimentos independentes, mas sim um único e constante movimento. Isso é um fato. Escute isso.

É evidente que vocês querem se identificar, e essa é uma das causas da fragmentação em nossas vidas, igual ao tempo e o pensamento. Assim mesmo, querem estar seguros e por isso se apegam. Estes são os fatores da fragmentação. Escutem isso; não façam nada. Agora, se escutam com muita determinação, esse mesmo escutar cria sua própria energia. Se escutam o fato do que está se dizendo e não reagem (porque tão somente escutam), isso significa que reúnem toda sua energia para escutar; significa prestar enorme atenção ao escutar. E isso mesmo elimina os fatores ou as causas da fragmentação. Se fazem algo a respeito, então atuaram sobre isso. Sem dúvida, se observam se distorção, sem preconceitos, então essa mesma observação, essa percepção, que é enorme atenção, elimina a sensação de tempo, de pensamento, etc.

Outro dos fatores que faz com que vivamos nossas vidas de forma fragmentária é o medo. Esse é um fato comum a todos os seres humanos. E os seres humanos, desde os primórdios, têm tido medo, e nunca solucionaram esse problema. Se realmente não tivessem medo, não existiriam os deuses, os rituais e as orações. Esse medo criou todos os deuses, todas as deidades e os gurus com seus absurdos. Assim, podemos analisar a questão de por que os seres humanos vivem com medo, e se é possível libertar-se totalmente do medo, e não tão só ocasional e esporadicamente? É possível ter a percepção dos objetos do medo e também das causas internas do mesmo? Você pode dizer: “Não tenho medo”, mas seu interior tem como base o medo.

O que é o medo? Você não tem medo? Se é sincero de verdade, para variar, por que não dizer: “Tenho medo”. Tenho medo da morte, de perder meu emprego, de minha esposa ou marido, de que meu guru não me reconheça como um grande discípulo, da escuridão, ou de muitas outras coisas. Não estamos falando dos objetos do medo, do medo de algo. Estamos investigando o medo per se, em si mesmo. Assim, perguntamos: qual é a causa do medo e o que é o medo sem uma causa? Existe tal coisa como o medo se não existe uma causa? Ou a palavra medo, o som do medo faz sentir medo? Por exemplo, se são capitalistas ou socialistas, quando escutam a palavra comunismo, reagem de determinado modo. E quando escutam o termo medo também reagem, ao é verdade? Claro que o fazem. Agora, é a palavra que cria o medo ou a palavra é diferente do medo? É a palavra medo diferente do fato, ou o termo cria o fato? Você deve ter isso bem claro. Se não existisse uma palavra como medo, teríamos medo? A palavra amor não é essa chama intensa. Igualmente, pode ser que a palavra medo não seja o medo, essa sensação de paralisia, de viver em um estado de nervos. Vocês já sabem o que causa o medo nas pessoas; vivem na escuridão, sempre temerosas, assustadas, e suas vidas são terríveis. Sem dúvida, a palavra não é o fato, não é a coisa. Isto deve ficar muito clara. Bem, qual é a causa do medo?

Quem lhes fala lhes perguntou qual era a causa do medo. Mas, como vocês escutaram essa pergunta? Ela tem sua própria vitalidade, sua própria energia. É uma pergunta muito importante, e não meramente intelectual. Se ficam com a pergunta e não tratam de encontrar a resposta, começa a desdobrar-se a própria questão. Suponhamos que com toda seriedade lhes digo: “Amo-lhes”. É de coração que digo. Como escutam isso? Escutam ou surgem reações? Talvez nunca tenham amado de verdade. Pode se que estejam casados, tenham sexo e filhos, e não saibam o que é o amor. Seguramente não o sabem, o que pode ser um fato, porque se amassem não criariam imagens nem divisões. Muito bem, qual é a causa do medo? Escutem, porque tentarei sugeri-lo de uma maneira respeitosa. Façam-se essa pergunta e não procurem respondê-la, porque se procuram encontrar uma resposta (de averiguar a causa para logo eliminá-la), significará que “vocês” são diferentes do medo. Mas, vocês são diferentes ou são o medo? Sim, são cobiçosos; a cobiça é diferente de vocês? Se estão irritados, a irritação é diferente de vocês? Vocês são a irritação, são a cobiça, são o medo. Claro que o são. Vocês podem ver o fato de que são a irritação, a cobiça e o medo? Ao separarem-se do medo, vocês dizem: “Devo fazer algo com o medo”. Mas já se vêm fazendo algo com o medo a cinquenta mil anos; já se tem inventado deuses, rituais, etc.

Escutem a pergunta e não a reação, não perguntem como. A palavra como deve desaparecer por completo de suas mentes. Do contrário, sempre pedirão ajuda, e sempre dependerão dos outros. Perderão toda sua vitalidade, sua independência e seu sentido de estabilidade. Se farão essa pergunta sem esperar uma resposta? Façam-na. Se você planta uma semente na terra e está viva, crescerá e através do concreto. Já viram como as lâminas das ervas se abrem através do pesado cimento! Da mesma maneira, se fazem a pergunta e a retém, descobrirão a causa. É muito simples. Posso explicá-la, mas no momento esse não é o tema principal. O importante é fazer-se a pergunta, porque são pessoas sérias e querem descobri-lo. Permitam que a mesma pergunta responda, igual a semente na terra. Nesse caso verão que a semente floresce e se murcha. Não a desenterrem continuamente para ver se cresce. Igualmente como plantam uma semente na terra, nós fazemos o mesmo com a sensação do medo em nossos corações e em nossas mentes. Se deixamos a pergunta a sós e vivemos com ela, então veremos a causa do medo, não a palavra, não a explicação, senão a verdade disso. A causa do medo é o pensamento e o tempo: “Tenho um emprego e amanhã posso perdê-lo”. “Tenho tido uma dor e agora não a tenho, mas pode ser que volte amanhã”. Não o conhecem?

Como já foi dito, o tempo é o passado e o futuro. O pensamento e o tempo são dois fatores do medo. Não podem fazer nada a respeito. Não perguntem como se pode deter o pensamento, já que é uma pergunta absurda. Precisam pensar para regressar à sua casa, para dirigir um automóvel, para falar um idioma, mas ser que o tempo não seja realmente necessário no psicológico, no interno. Diz-se que o medo existe devido a dois grandes fatores, que são o tempo e o pensamento, o que implica recompensa e castigo.

Bem, tenho escutado sua afirmação. E a tenho escutado muito bem, porque esse é um enorme problema que o ser humano não o resolveu e, portanto, está criando estragos no mundo. Você também tem me dito: “Não faça nada a respeito; formule-se a pergunta e viva com ela”, igual a uma mulher que leva a semente em suas entranhas. Formule-se essa pergunta e permita que floresça. Quando o fizer, a mesma pergunta se murchará. Não se trata de que primeiro floresça e logo se murche, senão que no próprio florescer está o murchar-se. Entendem do que falamos?

Senhores, aprendam a arte de escutar. Saibam escutar a sua esposa ou a seu esposo. Escutem ao homem de rua: sua fome, sua pobreza, seu desespero e sua falta de amor. Escutem-no. Quando o fazem, não existem problemas, não há confusão. Unicamente estão escutando e, por conseguinte, no ato de escutar, o tempo desaparece.

Krishnamurti, Bombaim, 3 de fevereiro de 1985
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Sou o passado rondando minha porta feito alma penada

Existe um estado cerebral que seja holístico?


Existe um estado cerebral que seja holístico?

O mundo está em crise, que não é meramente econômica, mas sim psicológica. Temos vivido na Terra por milhões de anos e, neste longo período, sofremos todos os tipos de catástrofes e guerras. Desapareceram civilizações inteiras e também aquelas culturas que moldaram o comportamento dos seres humanos. Houveram grandes líderes, tanto políticos como religiosos, com todos os seus enganos para os seres humanos. E depois dessa enorme evolução do cérebro humano, somos o que sempre fomos: primitivos, bárbaros, cruéis, e nos preparamos para a guerra. Hoje em dia, cada nação armamento de loja E os seres humanos ainda estão presos nessa roda do tempo. Nós não mudamos muito; ainda somos bárbaros, com todos os tipos de crenças e superstições. Mas afinal, onde estamos?

[...]Então perguntamos: mudaremos com o tempo? Ou seja, ao longo do tempo, em cinquenta mil ou um milhão de anos, mudará a mente humana, o cérebro humano? O tempo não tem nenhuma importância? Vamos falar sobre todas essas coisas.

Os seres humanos estão psicologicamente feridos. Em todo o mundo, os homens sofrem de um enorme sofrimento, dor, tristeza, solidão e desespero. Sem dúvida, o cérebro criou as coisas mais maravilhosas, tanto ideológica, como tecnológica e religiosamente. O cérebro tem uma capacidade extraordinária; mas esta é muito limitada. Tecnologicamente nós avançamos em alta velocidade; no entanto, psicologicamente, internamente, somos muito primitivos, bárbaros, cruéis, irrefletidos, insensíveis e indiferentes com o que acontece. Não apenas somos indiferentes à corrupção que se estende no campo ecológico, mas também para com a que existe em nome da religião, da política, dos negócios, etc. A corrupção não consiste apenas em passar dinheiro por debaixo da mesa ou contrabandear mercadorias no país, mas começa onde existe interesse próprio, que é a origem da corrupção.

[...] Nós usamos nossa energia, nossa capacidade, nossa compreensão intelectual em uma única direção, na tecnológica. No entanto, nunca entendemos o comportamento humano ou por que somos o que somos depois deste longo período de evolução... Nós ganhamos muito dinheiro, conseguimos ter casas grandes, carros, etc., mas psicologicamente, internamente, no subjetivo, estamos praticamente paralisados, porque dependemos dos outros para nos dizer o que devemos fazer ou pensar.

[...] Devemos investigar o seguinte: nossa relação com o mundo, que se torna mais e mais complexo; nossa relação uns com os outros, por mais íntima que seja; nossa relação com um ideal; nosso relacionamento com o nosso guru, e com o que chamamos Deus. Temos que investigar seria e profusamente essa qualidade do cérebro que compreende ou tem uma percepção direta sobre o mundo externo e todo nosso mundo interno. Deve ficar claro que nós não tentamos indicar um caminho, um método, um sistema ou de nenhuma maneira tentamos ajudá-lo. Pelo contrário, nós somos seres humanos independentes, isso não é uma afirmação cruel ou indiferente. Pelo contrário, somos como dois amigos que falam sobre essas coisas juntos, tentando entender o mundo: o meio ambiente, todas as complexidades da economia e a divisão de religiões e nações. Amizade significa que não tentamos persuadir, nos impor, nem impressionar um ao outro. Somos amigos e, portanto, há uma certa qualidade de afeto, de compreensão, de intercâmbio. Estamos nessa posição.

Assim, começamos primeiro por ver o que é o cérebro. Quem lhes fala não é um especialista do cérebro, mas tem falado com diferentes pessoas que o são. O cérebro, localizado no interior do crânio, é um extraordinário instrumento. Acumulou um enorme conhecimento de quase tudo, inventou as coisas mais incríveis, como os computadores, os velozes meios de comunicação e os instrumentos de guerra. Nesse campo, o cérebro tem liberdade absoluta para inquirir, para inventar e para investigar. Começa com o conhecimento, e acumula mais e mais saber. Se certa teoria não funciona, a descarta. Sem dúvida, o cérebro não é tão livre na hora de investigar o “eu”; está condicionado, moldado, programado para ser hindu, muçulmano, cristão, budista, etc. Como um computador, o cérebro humano está programado: que as guerras são necessárias, que temos de pertencer a certo grupo, que nossas raízes são parte do mundo, etc. E isso é verdade, não é um exagero. Todos estamos programados pela tradição, pela constante repetição dos jornais e revistas, por milhões de anos de pressão. O cérebro tem liberdade em uma direção: o mundo da tecnologia; mas este mesmo cérebro, que é enormemente capaz, se vê limitado por seu próprio interesse. Nosso cérebro, que é completamente livre em uma direção, no psicológico está atrofiado.

É possível que o cérebro humano seja totalmente livre para ter uma enorme energia? Não para fazer travessuras, não para ter mai poder e dinheiro (ainda que se deva ter um pouco de dinheiro), senão para inquirir, para descobrir uma maneira de viver livre do medo, do sentimento de solidão, do sofrimento, e para se perguntar pela natureza da morte, da meditação e da verdade. É possível que o cérebro humano, que foi condicionado durante milhões de anos, seja totalmente livre? Ou os seres humanos estão condenados a serem escravos e a nunca conhecerem o que é a liberdade? Não se trata de uma liberdade abstrata, senão da liberdade do conflito, porque vivemos nele. Um fator comum em todos os seres humanos, desde que nascem até que morrem, é essa luta constante, essa busca de segurança, por isso nunca a encontram, e ao se sentirem inseguros buscam por segurança. Assim, é possível que os seres humanos neste mundo moderno, com todas as suas complexidades, vivam sem sombra de conflito? Porque o conflito adultera o cérebro, reduz sua capacidade, sua energia e, portanto, logo se esgota. À medida que você envelhece, pode observar em si mesmo esse conflito permanente.

O que é o conflito? Por favor, não esperem que eu responda; isso não tem nenhuma graça. Faça-se essa pergunta, exercite sua mente para descobrir qual é a natureza do conflito. É evidente que onde há dualidade há conflito: “eu” e “você”, minha esposa e eu, a divisão entre o meditador e a meditação. Enquanto existir divisões entre nacionalidades, entre religiões, entre pessoas, entre o ideal e o fato, entre “o que é” e “o que deveria ser”, haverá conflito. Essa é a lei. Sempre que haja divisão, a que existe entre o árabe e o judeu, entre o hindu e o muçulmano, entre pai e filho, etc., haverá conflito. Isso é um fato. Essa divisão também é o “mais”: “Não sei, mas se me derem uns anos a mais, saberei”. Espero que entendam isto.

Quem cria essa divisão entre “o que é” e “o que devera ser”? Existe uma divisão entre o que chamo Deus, sempre que essa entidade exista, e eu mesmo; há uma divisão entre querer paz e estar em conflito. Essa é a verdadeira realidade de nossa vida cotidiana. Por isso quem lhes fala, pergunta, do mesmo modo que vocês deveriam fazê-lo: quem cria essa divisão, não só no externo senão também internamente? Por favor, façam-se essa pergunta. Quem é o responsável dessa confusão, dessa interminável luta, dor, solidão, desespero, e dessa sensação de sofrimento da qual, segundo parece, o ser humano nunca pode escapar? Quem é o responsável por tudo isso? Quem é o responsável por essa sociedade na qual vivemos? Neste país há uma enorme pobreza. Entendem tudo isso ou nunca haviam pensado nisso? Ou estão tão ocupados com sua própria meditação, com seus deuses, com suas metas, com seus problemas, que nunca pensaram nisso, que nunca o haviam questionado?

Há várias coisas implicadas nisso. Aqueles que são bastante inteligentes, conscientes e sensíveis, sempre buscaram por uma sociedade igualitária. Têm-se perguntado: pode haver igualdade de oportunidades, é possível eliminar as diferenças de classes de modo que não haja divisão entre o trabalhador e o diretor, entre o carpinteiro e o político? E nós queremos saber: há justiça no mundo? Houve diversas revoluções, como a francesa e a russa, que tentaram estabelecer uma sociedade onde houvesse igualdade, justiça e bondade. Mas não tiveram sucesso; ao contrário, de diferentes modos regressaram ao velho modelo. Assim, têm que se investigar não só por que os seres humanos vivem em constante conflito e sofrimento e por que buscam segurança, senão também a natureza da justiça. Existe realmente justiça neste mundo? Existe? Você é inteligente e o outro não é. Você goza de todos os privilégios e o outro não tem nenhum. Você vive numa enorme casa e o outro em uma cabana com apenas uma comida por dia. Logo, há realmente justiça? Não é importante descobrir por si mesmo e, portanto, ajudar a humanidade? [Sinto muito, não quis dizer “ajudar”; retiro essa palavra]. Para compreender e descobrir s na realidade existe a natureza da justiça, devemos investigar com grande afinco a natureza do sofrimento, e se de verdade é possível eliminar o auto interesse. Também devemos investigar o que é a liberdade e o que é a bondade.

Cada ser humano tem criado essa sociedade na qual vivemos, com sua cobiça, sua inveja, sua agressividade e sua busca de segurança. Nós temos criado a sociedade em que vivemos, para logo nos convertermos em escravos dessa sociedade. Entendem tudo isto? A partir do medo do ser humano, do sentimento de solidão e da busca da segurança (sem nunca entender o que é a insegurança e buscar sempre a segurança) temos criado a nossa cultura, nossa sociedade, nossas religiões e nossos deuses. Assim, pois, voltamos ao princípio. Quem estabeleceu essa divisão? Porque a divisão e o conflito existem. Isso é uma verdade absoluta. Pense nisso, senhor. Não foi o pensamento o que tem dividido o mundo em cristãos, budistas, judeus, árabes, hindus e muçulmanos? Tem sido o pensamento?

Em consequência, perguntamos: o que é o pensamento? Vivemos através da ação do pensamento. Trata-se do fator central de nossas ações. Não é certo? Por meio do pensamento ganhamos dinheiro, o pensamento me separa de você, separa o esposa da esposa, o ideal de “o que é”. Mas, o que é o pensamento? O que é pensar? Pensar não é uma atividade da memória? Por favor, senhores, não aceitem nada do que diz este que lhes fala. Devem incorporar o benefício da dúvida e questionar suas próprias experiências, suas próprias ideias. Quem lhes fala diz, como um amigo, a quem pode lhe escutar, e isso depende de vocês, que o pensamento tem criado essa divisão. O pensamento é o responsável pelas guerras e todos os deuses que o homem tem inventado. O pensamento é quem levou o homem até a Lua, criou o computador e todos estes instrumentos extraordinários do mundo tecnológico. E o pensamento também é o responsável pela divisão e o conflito entre “o que é” e “o que deveria ser”. Este último é um ideal; é algo que se deve alcançar, algo que tem que se conquistar, porém também é afastar-se de “o que é”. Por exemplo, os seres humanos são violentos. E isto se trata de um fato óbvio. Inclusive depois de um longo período de tempo, o homem não está livre da violência. Mas inventou a não violência. Não só a criou, senão que também a busca. Sem dúvida, se realmente é honesto, deve reconhecer que é violento. Ao buscar isso a que chama “não violência”, semeia sem cessar a semente da violência. Isso é algo evidente, é um fato.

Neste país se fala muito de não violência, o qual é vergonhoso, porque todos somos violentos. A violência não é só física; também se pode considerar violência a imitação, o conformismo, o afastar-se de “o que é”, de modo que a violência só pode ser eliminada completamente da mente humana, do coração humano, quando não há um oposto. O oposto é a não violência, o qual não é algo real, senão que não é nada mais do que uma fuga da violência. Se você não escapa, então só existe violência. Mas não somos capazes de enfrentar esse fato. Sempre escapamos do fato, buscamos desculpas, razões econômicas, inumeráveis métodos para superá-la, mas a violência permanece aí, e o mesmo fato de tratar de superá-la é parte da violência.

Para enfrentar a violência, é necessário prestar-lhe atenção e não escapar dela. Deve ver o que é, ver a violência que há entre homem e mulher, tanto de gênero com de outras formas. Não há violência quando se busca mais e mais, e se tenta “chegar a ser” mais e mais? Trate de ver a violência e permanecer com ela; não fuja, não tente reprimi-la, nem transcendê-la, já que tudo isso implica conflito. Viva com ela, observe-a; de fato, valorize-a, e não a traduza a partir de seus deuses, seus agrados ou desagrados. Tão só veja-a e observe-a com enorme atenção. Se presta atenção completa a algo, é como acender uma luz brilhante, e então verá todas as qualidades, as sutilezas, as implicações, verá todo o mundo da violência. Quando se vê algo com muita clareza, esse algo desaparece. Mas nos recusamos a ver as coisas desse modo.

Agora, perguntamos: quem tem criado o conflito entre os seres humanos, com o meio ambiente, com os deuses, com tudo? Alguma vez e perguntaram por que se consideram indivíduos? O são realmente? Ou têm sido programados para acreditarem que o são? Sua consciência é igual a do resto dos seres humanos: sofrem, se sentem sós, têm medo, buscam o prazer e evitam a dor. Isso mesmo ocorre com cada ser humano deste mundo, o que é um fato psicológico. Pode ser que você seja mais alto, mais moreno, mais ruivo, mas tudo isso são ornamentos externos, como o clima, a comida, etc. E a cultura também é algo externo. Não obstante, no psicológico, no subjetivo, nossa consciência é comum ao resto dos seres humanos. Pode ser que você não goste disto, mas é um fato. De modo que, psicologicamente, você não é diferente do resto da humanidade. Você é a humanidade. Não diga: “Sim”; não tem nenhum sentido só aceitá-lo como uma ideia. É um fato irrefutável que você é o resto da humanidade, e não alguém diferente. Talvez tenha um cérebro melhor, mais riquezas, mais astúcia e melhores livros; mas deixe tudo isso de lado porque são coisas superficiais, são adornos. No interior, cada ser humano deste mundo compartilha o sofrimento com você. Você percebe o que isso significa? Significa que quando diz que é o resto da humanidade, tem uma enorme responsabilidade. Significa que tem um enorme afeto, amor e compaixão, e ao essa ideia estúpida de que “todos somos um”.

Devemos investigar o que é pensar e por que se tornou tão importante. Sem a memória é impossível pensar. Se não tivéssemos memória não poderíamos pensar. Nossos cérebros (que são iguais aos do resto da humanidade, e não são pequenos cérebros independentes) estão condicionados pelo conhecimento, pela memória. E ambos se baseiam na experiência, tanto do mundo científico como do mundo subjetivo. Nossas experiências, por mais sutis, por mais espirituais e por mais pessoais que sejam, sempre são limitadas. Por isso nosso conhecimento, que é o resultado da experiência, também é limitado. Podemos somar mais e mais conhecimento, mas por mais que acrescentemos, o que acumulamos é limitado. Estamos dizendo que a experiência ao ser limitada, o conhecimento também o é, seja este do passado, do presente ou do futuro.

Conhecimento significa memória, a qual se guarda no computador ou no cérebro. Assim, o cérebro é memória. E esta dirige o pensamento, o que é um fato. Daí que o pensamento sempre é limitado. Estão de acordo? É lógico, racional, não é algo inventado; é assim. A experiência é limitada; por conseguinte, o conhecimento também é.

Continuando, perguntamos: existe outra atividade que não seja divida, que não esteja fragmentada, que não seja separada? Existe uma atividade holística que nunca seja dividida, como o “você” e o “eu”? A divisão é o que cria o conflito. Agora, como você descobrirá, por si mesmo, quer dizer, ver que o pensamento divide, que cria conflito, que forma uma sociedade e logo se separa dela? O pensamento é o único instrumento que temos tido até agora. Você pode dizer que há outro instrumento que é a intuição. Mas pode ser irracional; é possível inventar algo e viver nessa ilusão.

Com toda seriedade perguntamos (se você compreendeu a natureza do pensamento e se existe outra ação ou forma de viver que não seja fragmentada, separada como o mundo e eu, ou eu e o mundo): existe esse estado do cérebro, ou esse estado do não cérebro, que seja totalmente holístico, completo?

Se são sérios, se são livres, o descobrirão. Têm que se libertar de tudo o que têm acumulado, mas não fisicamente (por favor, não cancelem sua conta bancária, ainda que de todos os modos não o farão), senão tratem de eliminar toda acumulação psicológica. Isto se mostra muito difícil; significa que devem ser livres. Como sabem, etimologicamente a palavra liberdade também significa “amor”. Quando há liberdade, nenhuma limitação e essa enorme profundidade, também há amor. Para descobri-lo, e para que apareça essa forma de vida holística, livre de interesse próprio, você deve estar livre de atrito e conflito na relação.

Vivemos em relação. Podemos viver no Himalaia, num mosteiro, numa pequena cabana ou num palácio, mas não é possível viver sem se relacionar. Relacionar-se significar “estar relacionado”, “estar em contato com”, não só física e sexualmente, senão também estar em total contato com o outro. Não obstante, nunca estamos deste modo com o outro. Inclusive na relação mais íntima, home-mulher, cada um persegue suas ambições pessoais, suas próprias realizações, sua forma de viver oposta à do outro, do mesmo modo que duas linhas paralelas que nunca se encontram. Nesse tipo de relação, sempre existe algum conflito. Enfrentem esse fato.

Mas, o que é que cria o conflito entre dois seres humanos? Em sua relação com sua esposa, com seu esposo ou com seus filhos (que é a relação mais íntima), o que é que cria o conflito? Façam-se essa pergunta, senhores. Não se deve ao fato de terem uma imagem de sua esposa e ela ter uma imagem de você? Essa imagem que se construiu com muito, muito cuidado, seja num período curto ou muito longo, esse registrar constante no cérebro da relação com o outro, cria a imagem de sua esposa ou esposo; e essa imagem é a que divide. Em especial, quando se vive na mesma casa com todo esse caos, então foge-se tornando-se monge ou o que quer que seja. Mas ali também tem seus próprios problemas, seus próprios desejos, suas próprias buscas, que novamente se convertem em conflito.

Podemos viver sem nenhuma imagem do outro, realmente sem nenhuma imagem? Alguma vez já tentaram isso? Observem a lógica, o sentido comum: enquanto funciona o maquinário que cria as imagens, que registra insultos ou elogios, isso cria uma imagem do outro, e a imagem é o fator que cria divisão. Logo, é possível viver sem nenhuma imagem? Nesse momento descobrirá o que é a verdadeira relação, porque não haverá nenhum conflito nela, o que é totalmente necessário se se quer compreender a limitação do pensamento e investigar uma holística maneira de viver, livre de qualquer fragmentação.

Outro fator se deve a que, desde a infância, temos sido educados para que tenhamos problemas em nossas vidas. Quando somos enviados à escola, temos que aprender a ler, a escrever, etc. Aprender a escrever constitui um problema para o menino. Por favor, sigam isto com determinação. A matemática, a história, a química se convertem num problema, de modo que, desde a infância, se educa ao menino para que viva com problemas, seja o problema de Deus, ou muitíssimo mais. Por isso, nossos cérebros estão condicionados, educados, acostumados a viver com problemas, pois que desde a infância o fazemos. O que ocorre quando educamos o cérebro com problemas? Nunca os resolve, só gera outros. Quando um cérebro está treinado para ter problemas, para viver com eles, ao tratar de solucioná-los, nesse mesmo ato de solucioná-los, cria outro problema. Desde a infância temos sido treinados e educados para viver com problemas, portanto, ao estar assentados neles, nunca os solucionamos totalmente. Só um cérebro livre, que não está condicionado para ter problemas, pode solucioná-los. Ter problemas continuamente é uma de nossas marcas porque, em consequência, nossos cérebros nunca estão calmos, livres para observar, para olhar.

Por esta razão, perguntamos: é possível não ter nenhum problema e enfrentá-los? Sem dúvida, para compreendê-los e resolvê-los completamente, o cérebro deve estar livre. Observe a lógica. A lógica, junto com a razão, são necessárias. Só então se pode ir mais além da lógica e da razão. Mas se você não é lógico, se não avança passo a passo, sempre se enganará e terminará vivendo em algum tipo de ilusão. Descobrir uma maneira de viver que permita enfrentar os problemas, resolvê-los e não cair preso neles, requer uma enorme observação e atenção, perceber-se e assegurar-se de que nunca, nem por um segundo, se engana a si mesmo.

Primeiro deve haver ordem. E esta só surge quando não há problemas, quando há liberdade, mas não a liberdade para fazer o que se quer, porque isso não é liberdade em absoluto. Escolher este guru ou aquele outro, este livro ou aquele, não é mais que outra forma de confusão. Onde há escolha, não há liberdade. Você só escolhe quando o cérebro está confuso. Quando o cérebro tem clareza, então não há lugar para escolha, já que só existe percepção direta e ação correta.

Krishnamurti, 2 de fevereiro de 1985
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quinta-feira, 29 de março de 2018

Na percepção direta, o findar do tempo


Na percepção direta, o findar do tempo

K: Você vê que sua própria vida diária é mecânica, repetitiva, com falsos desejos, atividades e hábitos. É possível que um ser humano rompa com isso e fique novo a cada momento,  a cada minuto do dia? Essa é a verdadeira questão, não? Como se pode mudar isso?

I: Temos que ver que na realidade vivemos, efetivamente, de modo mecânico.

K: Se vemos que nossa vida é mecânica, que nossos prazeres, penas e ansiedades são uma repetição, como tudo isso pode terminar?

I: Às vezes termina, mas volta a começar.

K: Não creio que às vezes termine e volte a começar.

I: Se seguimos vendo todos os dias, você não acredita que começamos a nos distanciar da mente condicionada?

K: Isso significa que você considera o tempo como um meio de destruir o processo mecânico.

I: Sim.

K: Se você chega a isso eventualmente, por lentos degraus, através de perceber-se, e libertar-se do condicionamento, isso implica tempo. Você considera o tempo como meio de terminar com esta maneira mecânica de viver.

I: Exceto que, ao meu juízo, isso nos coloca em outra dimensão do tempo, não a da mente condicionada. Mas reconheço que segue sendo tempo.

K: Não sei o que é esta outra dimensão de tempo. Posso inventá-la, posso especular sobre ela, posso esperá-la; mas o fato real é que não a conheço. Não estou com ela; não faz parte de mim. Tenho que descobri-la, tenho que chegar a ela. Não devo utilizar o tempo, porque este implica esforço e continuidade. O processo mecânico segue adiante. Mas, é possível viver de tal modo que não exista o amanhã? Internamente, no psicológico, o que na realidade queremos é a continuidade do prazer, prazer que tem um amanhã.

I: A convicção subconsciente de que você o que sofrerá ou desfrutará do prazer dentro de um momento é tão forte que não sei se é possível realizar o que você disse.

K: Não é “Faça o que eu digo”, senão “Veja o que ocorre”, senhor.

I: Senhor, é possível livrar-se psicologicamente do amanhã quando se vive sob a lei natural? Quer dizer, é de dia e depois é de noite; há luz e ligo escuridão. Isto penetra muito fundo em si, certamente, ainda mais fundo que a mente condicionada.

K: Não compreendo bem, senhor.

I: Como é possível livrar-se do querer, da esperança do amanhã e a continuidade do tempo, quando se vive sob as leis naturais do dia e da noite, da escuridão e da luz? Tudo isso o faz ter a percepção do tempo.

K: É que a sucessão da noite e o dia lhe faz ter a percepção do tempo?

I: Isso só lhe faz ter a percepção da MUDANÇA, não do tempo.

I: Vejo que não é esforço que nos faz ter a percepção do tempo.

K: Espero do amanhã, porque amanhã desfrutarei. O pensar sobre a manhã me dá prazer. Vou me encontrar com alguém..., todo tipo de prazer.

I: Mas pode ser que amanhã eu não desfrute. Poderia pensar em algo que me desse medo.

K: Se me dá medo do amanhã, é a mesma coisa.

I: Como é possível temer o amanhã, se não sei o que é o amanhã?

K: Seguro de que você tem algum medo do amanhã, medo da morte, de não ser, de perder um emprego, ou de perder sua esposa. Conhecemos assim mesmo muito bem o prazer criado pelos pensamentos sobre o amanhã.

I: Seguindo o que disse esse senhor sobre a lei natural, penso que somos como o peixe dourado num aquário. Estamos tão rodeados de coisas que continuamente nos recordam o tempo, que temos que considerá-lo sem cessar. Ainda que nossa postura e a forma em que guardamos o equilíbrio são hábitos. Parece bastante difícil separar o tempo psicológico o tempo real, o do relógio, do processo vivente natural de nosso próprio corpo.

K: Muito bem, senhor; vamos olhar outra vez, de modo diferente. O que é o ato, o momento de aprender? O que é o ato de ver e de escutar? Quando você está escutando, escuta com o tempo? Está escutando com conceitos, com fórmulas, com ideias, ou simplesmente escuta? Existe esse ruído do tráfico que passa fora da sala. Como você o escuta? Escuta com irritação, com recordações, com desgosto, ou tão só se limita a escutar? Quando você vê, com o tempo, ou fora do tempo? Vê só com os olhos quando vê sua esposa ou a seu marido, ou quando se vê num espelho? Ou também vê no tempo, com desgosto, desespero, depressão, ou alguma outra reação baseada na memória?

I: Você perguntava sobre o ato de aprender, mas eu não creio que NA REALIDADE aprendemos. Tratamos de introduzir o tempo nisso. Olhamo-nos no espelho e vemos mais cabelos brancos. Os comparamos com a quantidade que havia ontem, e achamos que envelhecemos. Assim é como aprendemos, mas não creio que isso seja aprender de verdade.

K: Então, o que é aprender?

I: Creio que é ver sem o tempo.

K: Não especule sobre isso! O que é aprender? Quando você aprende?

I: Quando tem a percepção de seu condicionamento.

K: Quando você aprende? Não responda em seguida, por favor. Simplesmente veja-o. O que é o ato de aprender? Qual é o estado da mente quando ela está aprendendo?

I: Você se refere a aprender a partir do ver?

K: Para mim, ver e aprender são o mesmo.

I: É experimentar.

I: Estar aberto.

I: Mediante a concentração. Ter o anseio de descobrir.

K: Quando você aprende? Aprender é diferente de conhecer, não? Acumular conhecimento é diferente de aprender. No momento em que aprendi, isso se converte em conhecimento. Depois de haver aprendido, acrescento mais a isso. A este processo de adicionar o chamamos aprender, mas isso não é mais que a acumulação de conhecimento. Não sou contra a acumulação de conhecimento, mas nós estamos tratando de descobrir o que é o ato de aprender. Na realidade, a mente só aprende quando se acha em um estado de não conhecer. Quando não sei, estou aprendendo. Desde o momento em que tenha aprendido, o aprendido se situa no tempo; se converte em condicionamento, e com esse condicionamento atuo. Posso atuar também aprendendo?

I: Creio que às vezes você se limita a dizer em palavras que não sabe, mas isso não é o real. Eu posso dizer que não sei, mas é outra coisa perceber que isso na realidade é um fato.

K: Só se pode aprender quando há um término real.

I: Por que não há de ser a coisa real?

K: Senhor, o que tratamos de descobrir? Não estamos tratando de descobrir, não verbal ou teoricamente, senão na realidade e de modo efetivo, se é possível viver neste mundo em uma dimensão diferente que não implique esforço algum? Isto significa viver em um nível em que não haja problema; ou melhor, se surge um problema, se o enfrenta de modo tão completo que haverá terminado no minuto seguinte. Podemos seguir criando muita teorias, mas isso é demasiado pervertido e infantil. Para descobrir qualquer coisa, tem que terminar o que é conhecido, ou não deve permitir-se a interferência do que é conhecido. Tenho que aprender o que é terminar, e o terminar deve ser em completa energia.

I: Você se refere a algo mais que esquecer?

K: Certamente que sim. Esquecer é muito simples.

I: Quer deixar um pouco mais claro o que entende por terminar?

K: Olhe, senhor, é muito simples. Já experimentou alguma vez com o findar de um prazer?

I: Sim.

K: Sem esforço?

I: Sim.

K: Sem nenhuma forma de restrição, sem saber o que ocorreria depois?

I: Sim. Já cheguei a me entediar.

K: Oh, não, não, não entediar-se! Tome por exemplo seu próprio hábito prazeroso, seja o sexo, o fumar, o beber, a ambição ou alguma outra coisa. Termine com ele sem luta, sem saber o que vai se passar depois. Tome como exemplo o hábito do tabaco. Termine com ele imediatamente, sem racionalizar, sem temer o dano de fumar, sem temer o tipo de câncer que teria se seguisse fumando. Termine com o hábito.

I: Enquanto desfruta ainda dele?

K: Claro que sim, enquanto ainda desfruta dele. (Risos) Como chega-se ao ponto em que, no pleno desfrute de algo, termina-se com isso?

I: Se você segue inativo quando normalmente empreenderia alguma ação para satisfazer o desejo, e em vez de empreender essa ação, se limita a observar o desejo.

K: Como observa? Olhe, não teorize. A partir do momento em que teorizar, não poderá seguir adiante. Considere um prazer determinado que esteja desfrutando. Você se sente feliz com ele. Por que há de interrompê-lo?

Com o tempo, este prazer repetitivo se torna mecânico. Causa-lhe desgosto, e você adota outro prazer, o qual desfruta até que esse também o entedie.

I: Não o abandonaria se não visse que o prende.

K: Não quero abandonar nada. Vejo que a vida é tão terrivelmente mecânica; o prazer e a dor, o tédio com a dor e o prazer. Ao estar entediado, trato de utilizar o templo como fuga, a igreja, a meditação, os Mestres, ou a busca de conhecimento. Tudo isso é uma tentativa de escapar deste processo mecânico do viver.

Não quero teorizar. Desejo descobrir se é possível viver na realidade de um modo diferente, que não seja mecânico. Como você vai fazê-lo? O único modo, tal como posso ver agora — posso mudar a medida que penetro mais nisso — é que tem que cessar todo desperdício de energia; porque, para terminar com qualquer coisa, necessita-se de enorme energia; é necessária para escutar. O ver sem a interferência do pensamento, sem a interferência de meu condicionamento, sem preconceito, o ver mesmo, é energia total. Para escutar esse carro que passa, necessita-se de uma atenção em que não haja interferência alguma; e para atender por completo, faz falta grande energia. A atenção total requer energia não só neurologicamente, senão também no mental.

Agora estou dissipando energia. Como vou deter esta dissipação sem esforço? No momento em que faço um esforço para detê-la, isso gerará outras formas de contradição, outro desperdício. A mente compreende que tem que deter o derrame de energia. Como pode fazê-lo?

I: Vejo que a mente por si mesma não pode. Se eu, como uma totalidade, não estou convencido, não sei, não vejo e não compreendo o que deve fazer-se, não terminarei com esse derrame.

K: A própria mente, que é resultado do tempo, não pode acabar com ele, porque está formada por preconceitos, idiossincrasias, temperamentos e experiências. A própria mente, utilizando o tempo, está se desperdiçando; assim que não pode funcionar, não pode terminar com o desperdício de energia. Quando você está escutando ou quando vê, ou aprende, está utilizando só a mente, ou melhor, a totalidade de seu ser: a mente, o intelecto e as emoções?

I: Percepção total.

K: Está em funcionamento uma total percepção, atenção, intensidade, quando você escuta? Você nunca escuta a si mesmo todo tempo, evidentemente. Há momentos em que se está completamente atento, consciente, e há alguns, largos períodos de tempo nos quais não se está atento, nos quais não se dá conta tão completamente. O que você vai fazer? Em geral, diz: “Como vou me aperceber de maneira continua?” Creio que essa é uma pergunta, uma demanda errônea. O que tem que se fazer é estar atento da desatenção. Porque é a desatenção o que está gerando problemas e conflitos, não a atenção.

I: Quando não há atenção, quem há que estar atento?

K: Quando não há atenção, quem é que está atento nessa desatenção? Esse é o assunto. Quando você está atento, quando escuta, quando aprende, quando vê, existe uma entidade que esteja observando? Enquanto escuta ao que fala, descubra-o. Quando você presta sua atenção completa, com seu corpo, mente, nervos, olhos, existe um observador, um censor?

I: Não.

K: Só quando você está desatento é que isso interfere. Essa interferência cria problemas, e ainda assim se busca, em meio da desatenção, a solução dos problemas. Se você tem um problema e o escuta completamente, de modo total, sem tratar de achar resposta, sem racionalizar, sem tratar de escapar dele, senão vivendo totalmente com ele, então você verá que não existe problema em absoluto. O problema só surge quando não há atenção.

I: Creio que é muito provável que este tipo de atenção necessite de enorme energia.

K: Sim.

I: É certo. Não posso estar nesse tipo de atenção mais que por um momento. Perco-a. Não posso renová-la.

K: A atenção não pode renovar-se.

I: Durante esses momentos de atenção, você vê que existe ali algo todo o tempo.

I: O problema, como você disse, consiste em que devemos prestar intensa atenção para conservar nossas forças, mas parece que há algo em torno de minha mente de maneira continua. A razão de eu não prestar atenção total não é que não o possa, senão que NÃO QUERO. ESSE é meu problema.

K: Então, mantenha-o como seu problema. (Risos). Na forma em que vivemos, a vida está cheia de problemas, não é assim? E, se a você gosta disso, viva com isso, continue com isso. Sofra a pena e o desespero, todo o medo que é nossa vida.

I: Não, não é isso exatamente. O que eu queria dizer é que temo ao que faria essa atenção total. Há essa explosão de energia...

K: Mas, senhor, você não pode ter medo de algo que não conhece.

I: Muito bem, é um fato que não se pode, mas é possível escolher.
K: Você disse, pois: “Não posso estar atento de maneira total porque tenho medo”.

I: Exatamente.

K: Temos, pois, que examinar o medo, não o modo de nos livrarmos dele, não todos os conceitos e fugas intelectuais. O que é o medo? Provem isto comigo: escutem-no completamente, dando a ele sua plena atenção. Não podem prestar plena atenção se não têm o corpo completamente relaxado; a mente em completa calma. No físico, no emotivo e mental, têm que haver completo descanso. Psicologicamente tem que haver também quietude, calma para escutar. Escutem nesse estado. O que estão escutando: uma explicação, uma série de palavras ou a coisa que temem? Há temor se assim escutam? Vocês podem escutar as insinuações inconscientes do temor, não é assim? E, então, existe o temor?

Tomemos por exemplo, o medo da solidão, a essa sensação de isolamento. Existe uma sensação de completa solidão ainda que se esteja relacionado com muitas pessoas e tenha muitíssimos amigos. Você o sabe, e essa é provavelmente a principal causa do temor. Para escutar o sentimento de solidão, para vê-lo, senti-lo e aprender sobre ele, deve-se ter enorme energia, uma energia que não esteja disciplinada. Não há racionalização, não há explicação. Nesse estado de escutar, a mente está completamente calada com relação a essa solidão. Se você está dessa maneira atento e aprendendo sobre isso, não há entidade que esteja acumulando conhecimento a respeito. Não existe o observador nem o observado. Esta é a coisa mais difícil. A contradição, a divisão entre o observador e a coisa observada, cria o problema do conflito. É possível olhar algo de modo tão completo em que o observador não exista?

O que é comunicação? Como você se comunica? Palavras ou gestos são necessários para que possamos ser entendidos. Mas se há de haver comunicação, tanto o que fala como a pessoa com quem se comunica, tem de estar a certo nível de intensidade. Nesse estado de intensidade não há um que escuta e o outro que fala; há só o ato de escutar. Nesse estado, a mente se acha em comunhão. A comunhão implica espaço.

Uma mente que tenha problemas se embota; e uma mente embotada não pode de maneira alguma estar atenta. Quando surge qualquer problema, só uma mente que esteja atenta, intensa, aprendendo e escutando pode fazer frente, dissolver o problema e seguir adiante. Como vai encarar-se com novos problemas uma mente que já tem tantos? Há o problema da morte, do tempo, do espaço, da relação, o problema do viver, de ganhar a vida, os problemas da enfermidade, a saúde e a velhice. Como a mente vai encarar todos estes problemas de uma vez, não um por um, senão na totalidade deles de uma vez, sem esforço?

Nossos problemas são todos fragmentários, na forma em que agora os enfrentamos. Existe o problema do medo, do tédio, do desfrute: uma multidão de problemas, uma atrás do outro. Há um meio de se fazer frente a todos, não separadamente, senão, totalmente? Se trato cada problema separadamente, cada um deles demandará tempo; tenho, pois, que compreender o tempo.

I: Se você pode tratar todos os problemas de uma vez, então isso implica que eles têm uma raiz comum.

K: Isso, em parte, é verdade.

I: Se você está vivendo no presente, só tem um problema de cada vez; na realidade, todos os problemas se fundem em um só.

K: Os existencialistas dizem: “Viva no presente”. O que significa viver no presente, o presente ativo?

I: Significa que o passado não o afasta dele.

K: Por favor, penetre nisso um pouco mais, senhor. Como posso viver no presente quando sou resultado do passado e quando estou utilizando o presente como meio de chegar ao futuro? Isso significa que tenho que trazer todo o tempo: o passado, o presente e o futuro, ao imediato presente. Para viver no presente, o tempo tem que desaparecer.

I: Eu diria, senhor, que é através da percepção direta, sem tratar de fazer nada sobre isso.

K: Sim, senhora, mas olhe, por favor, na imensa dificuldade. Como o tempo vai desaparecer? Como o espaço vai desaparecer? Ou a distância entre aqui e a lua? Não diga: “Bem, se estou atenta, desaparecerá”; essa não é a resposta. Quando dizemos “Viva no presente”, isso tem que ser algo extraordinário. Porque eu sou o resultado de milhões de anos, minha mente, meu cérebro e meus hábitos são todos do tempo. Você me diz que vive no presente. Pergunto-lhe o que é que você quer dizer com isso. Como posso viver no presente quando tenho atrás de mim uma imensa história que me empurra através do presente para o futuro? Como vou viver no presente com o passado? Não posso. Por isso, tem que haver uma desaparição do tempo. O tempo tem que terminar; tem que deter-se.

I: Creio que vivo no presente quando não tenho recordações, quando simplesmente estou aqui; nesses momentos em que tenho experiência.

K: Sim, mas esses momentos vêm e vão. Isso não é suficiente. Todos temos tido esses momentos em que o tempo não significa absolutamente nada.

I: Vê-se a inter-relação entre todos os problemas, e então daí, surge uma ação.

K: O que você entende por ação? É fazer, ser, mover-se, pensar, atuar? E o que significa ação, levantar-se, ir ao trabalho e tudo o mais? Essa ação se baseia no passado, na ideia, na memória. Para nós, a ação se relaciona com o tempo. Agora estamos tratando de que tudo se ajuste ao tempo. Descobrir, viver e atuar no presente: todas essas coisas requerem a compreensão e o findar do tempo.

I: Para que o tempo termine, isso tem que significar o findar da entidade.

K: Sim, senhor, o fim da entidade.

I: Você quer explicar por que ocorre que sempre parece que o passado e o futuro são muito mais interessantes que o presente?

K: A dama quer saber por que o passado e o futuro são muito mais interessantes que o presente. Isso é bastante claro. (Risos)

I: Bem, posso fazer esta pergunta? Por que é tão difícil encarar-se com o presente?

K: Se realmente compreendemos algo, se de verdade vemos algum fato, então esse fato mesmo, essa mesma observação, traz sua própria ação. Não tenho que descobrir como tenho que atuar. O que tratamos de achar, o que tentamos descobrir por nós mesmos, é se é possível, de algum modo, viver no presente.

I: Não é impossível o não viver no presente? É o único lugar em que podemos viver.

K: Isso é uma ideia, senhor. Todos os meus atos se baseiam em ideias, em uma fórmula, em uma experiência, no conhecimento, tudo o qual pertence ao passado. Não conheço ação que não esteja relacionada com o tempo. Então chega alguém e me diz que eu viva no presente. E eu digo: “O que você quer dizer com isso? Como posso viver no presente?” Se é uma teoria, carece de valor; não tem sentido algum. Para descobrir o que significa, tenho que descobrir, compreender e perceber plenamente o tempo: tempo como espaço, como distância, como conquista gradual; e usar o meio de libertar-me de algo ou de ganhar algo. Para viver no presente, tem que findar essa maneira de pensar, olhar, de viver. Mas a totalidade de meu ser, consciente ou mesmo inconsciente, é do tempo. Como a mente pode dele sair?

I: Tem que findar todas as imagens de si mesmo.

K: Isso é uma ideia, senhor. Não é um fato.

I: O fato é que não sei muito.

K: Você não tem tempo para saber muito.

I: Mas eu me vejo criando tempo, sempre que penso. A cada momento em que estou com plena atenção, que é praticamente todo o tempo, o relógio segue avançando.

K: Sim, senhor.

I: De modo que, durante toda minha vida, estou criando tempo.

K: Como você vai terminar com ele?

I: Eu poderia simplesmente e de modo arbitrário, deixar de pensar.

K: Certamente que não. A questão é esta: pode findar o tempo? Viver no presente significa que não existe o amanhã, e isso representa que termina o prazer, o penar, a dor; não amanhã, senão agora. Não se pode viver no presente com a dor, com o desespero, com a esperança, com a ambição. Tem-se que chegar a este findar do tempo, a esta detenção ou derrubada do tempo, não de modo direto, senão de uma maneira distinta. Tem-se que chegar a isso de forma negativa. Não se sabe o que significa findar com o tempo; de modo que se tem que chegar a isso tendo a percepção de como a mente pensa, e de como ela utiliza o tempo, em forma negativa ou positiva, como meio de conseguir algo.

Existe a questão da paz. Como se vai ser pacífico, não em teoria, não como um ideal que se vai conquistar, senão na realidade? Como se vai ser pacífico quando há guerras, disputas, discussões? Tudo neste mundo está baseado na violência. Para que a paz exista, não pode haver um amanhã.

Os cientistas estão investigando esta questão do findar do espaço, que também é tempo, porque os foguetes levarão tantos meses, ou anos, para chegar em Marte. Pode haver um meio de chegar em Marte com maior rapidez. Nisto estão implicadas enormes coisas. Pode uma mente como a nossa, quem tem estado acostumada ao tempo, que tem vivido assim durante milhões de anos, findar de repente? Podemos eliminar incessantes disputas, realizações, temores e esperanças?

Da próxima vez eu gostaria de discutir sobre se é possível o findar do tempo. Talvez isso seja a criação.

Londres, 26 de abril de 1965
Diálogos com Krishnamurti
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A mente com medo mede de modo mediano

Há uma atividade cerebral que está além do pensamento?


Há uma atividade cerebral
que está além do pensamento?


DB: Acho que agora devemos descobrir se existe alguma atividade cerebral que está mais além do pensamento, você não acha? Porque se poderia perguntar, por exemplo, se a percepção faz parte das funções cerebrais.

K: Enquanto não houver uma percepção livre de escolha..., percebo e nessa percepção eu escolho.

DB: Sim, o que pode não estar totalmente claro é o que há de errado em escolher, entende?

K: A escolha implica confusão.

DB: Mas a palavra em si não indica isso explicitamente. Olhe...

K: Em última análise, sempre escolhemos entre duas coisas.

DB: A escolha pode ser entre comprar um objeto ou outro.

K: Sim, eu posso escolher entre esta mesa e aquela.

DB: Quando eu compro uma mesa eu escolho a cor.

K: Ou a mesa que é melhor.

DB: Aparentemente, não há confusão nisso. Eu não vejo porque escolher a cor que eu quero implicaria em confusão.

K: Essa escolha não implica confusão, não significa um problema.

DB: A confusão, eu diria, existe quando a escolha se aplica à psique.

K: Exatamente, isso é tudo.

DB: Tendemos a... Você sabe, a linguagem nos confunde facilmente.

K: Falamos sobre a psique que escolhe.

DB: Que na realidade escolhe para se tornar algo.

K: Sim, escolhe se tornar algo e escolhe quando existe confusão.

DB: Você quer dizer que, por causa da sua confusão, a mente escolhe, não é isso? E consciente de quem está confusa, tenta chegar a um estado melhor.

K: E a escolha implica dualidade.

DB: Sim, mas agora, à primeira vista, você diria que você introduziu outra dualidade: entre a mente e o cérebro.

K: Não, isso não é uma dualidade.

DB: É importante esclarecer isso.

K: Não há dualidade nisso.

DB: Qual é a diferença?

K: Bem, vamos dar um exemplo muito simples. Os seres humanos são violentos e por causa desse pensamento projetaram a não-violência, criando assim uma dualidade: o fato e o não-fato.

DB: Ou seja, essa dualidade existe entre um fato e algo que é uma mera projeção da mente.

K: O ideal e o fato.

DB: O ideal não é real, e o fato sim.

K: Efetivamente. O ideal não é factual.

DB: Exatamente: não é factual. Mas, por que você chama essa divisão entre ambos de dualidade?

K: Porque eles estão divididos.

DB: Bem, pelo menos eles parecem estar.

K: Eles estão divididos e todos nos debatemos entre eles, entre, digamos, os ideais totalitários comunistas e os ideais democráticos, ambos produto do pensamento, que é limitado, o qual gera uma terrível confusão no mundo.

DB: Sim, está claro que uma divisão foi criada; mas o aspecto importante disso, o que queríamos investigar, eu acho, é se dividimos algo que é indivisível: a psique.

K: Isso mesmo. Você não pode dividir a violência e a chamar a uma parte de não-violência.

DB: Certo. E você não pode dividir a psique em violência e não-violência, não é assim?
K: É o que "é".

DB: É o que é; de modo que se é violento, não pode ser dividido em uma parte violenta e outra não violenta.

K: Exatamente. Está muito claro! Portanto, podemos ficar com o que "é" em vez de inventar ideais do que "poderia" ou "deveria" ser?

Brockwood Park, segunda conversa com David Bohm
20 de junho de 1983
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"Quando você compreende, quando chega a saber,
então traz toda a beleza do passado de volta
e dá a esse passado o renascimento, renova-o,
de forma que todos os que o conheceram
possam estar de novo sobre a terra
e viajar por aqui, e ajudar as pessoas." (Tilopa)



"Nos momentos tranqüilos da meditação, a vontade de DEUS pode tornar-se evidente para nós. Acalmar a mente, através da meditação, traz uma paz interior que nos põe em contato com DEUS dentro de nós. Uma premissa básica da meditação, é que é difícil, senão impossível, alcançar um contato consciente, à não ser que a mente esteja sossegada. Para que haja um progresso, a comum sucessão ininterrupta de pensamentos tem de parar. Por isso, a nossa prática preliminar será sossegar a mente e deixar os pensamentos que brotam morrerem de morte natural. Deixamos nossos pensamentos para trás, à medida que a meditação do Décimo Primeiro Passo se torna uma realidade para nós. O equilíbrio emocional é um dos primeiros resultados da meditação, e a nossa experiência confirma isso." (11º Passo de NA)


"O Eu Superior pode usar algum evento, alguma pessoa ou algum livro como seu mensageiro. Pode fazer qualquer circunstância nova agir da mesma forma, mas o indivíduo deve ter a capacidade de reconhecer o que está acontecendo e ter a disposição para receber a mensagem". (Paul Brunton)



Observe Krishnamurti, em conversa com David Bohn, apontando para um "processo", um "caminho de transformação", descrevendo suas etapas até o estado de prontificação e a necessária base emocional para a manifestação da Visão Intuitiva, ou como dizemos no paradigma, a Retomada da Perene Consciência Amorosa Integrativa...


Krishnamurti: Estávamos discutindo o que significa para o cérebro não ter movimento. Quando um ser humano ESTEVE SEGUINDO O CAMINHO DA TRANSFORMAÇÃO, e PASSOU por TUDO isso, e esse SENTIDO DE VAZIO, SILÊNCIO E ENERGIA, ele ABANDONOU QUASE TUDO e CHEGOU AO PONTO, à BASE. Como, então, essa VISÃO INTUITIVA afeta a sua vida diária? Qual é o seu relacionamento com a sociedade? Como ele age em relação à guerra, e ao mundo todo — um mundo em que está realmente vivendo e lutando na escuridão? Qual a sua ação? Eu diria, como concordamos no outro dia, que ele é o não-movimento.

David Bohn: Sim, dissemos que a base era movimento SEM DIVISÃO.

K: Sem divisão. Sim, correto. (Capítulo 8 do livro, A ELIMINAÇÃO DO TEMPO PSICOLÓGICO)


A IMPORTÂNCIA DA RENDIÇÃO DIANTE DA MENTE ADQUIRIDA
Até praticar a rendição, a dimensão espiritual de você é algo sobre o que você lê, de que fala, com que fica entusiasmado, tema para escrita de livros, motivo de pensamento, algo em que acredita... ou não, seja qual for o caso. Não faz diferença. Só quando você se render é que a dimensão espiritual se tornará uma realidade viva na sua vida. Quando o fizer, a energia que você emana e que então governa a sua vida é de uma frequência vibratória muito superior à da energia mental que ainda comanda o nosso mundo. Através da rendição, a energia espiritual entra neste mundo. Não gera sofrimento para você, para os outros seres humanos, nem para qualquer forma de vida no planeta. (Eckhart Tolle em , A Prática do Poder do Agora, pág. 118)


O IMPOPULAR DRAMA OUTSIDER — O encontro direto com a Verdade absoluta parece, então, impossível para uma consciência humana comum, não mística. Não podemos conhecer a realidade ou mesmo provar a existência do mais simples objeto, embora isto seja uma limitação que poucas pessoas compreendem realmente e que muitas até negariam. Mas há entre os seres humanos um tipo de personalidade que, esta sim, compreende essa limitação e que não consegue se contentar com as falsas realidades que nutrem o universo das pessoas comuns. Parece que essas pessoas sentem a necessidade de forjar por si mesmas uma imagem de "alguma coisa" ou do "nada" que se encontra no outro lado de suas linhas telegráficas: uma certa "concepção do ser" e uma certa teoria do "conhecimento". Elas são ATORMENTADAS pelo Incognoscível, queimam de desejo de conhecer o princípio primeiro, almejam agarrar aquilo que se esconde atrás do sombrio espetáculo das coisas. Quando alguém possui esse temperamento, é ávido de conhecer a realidade e deve satisfazer essa fome da melhor forma possível, enganando-a, sem contudo jamais poder saciá-la. — Evelyn Underhill