Há uma atividade cerebral
que está além
do pensamento?
DB:
Acho que agora devemos descobrir se existe alguma atividade cerebral que está
mais além do pensamento, você não acha? Porque se poderia perguntar, por
exemplo, se a percepção faz parte das funções cerebrais.
K:
Enquanto não houver uma percepção livre de escolha..., percebo e nessa percepção
eu escolho.
DB:
Sim, o que pode não estar totalmente claro é o que há de errado em escolher,
entende?
K:
A escolha implica confusão.
DB:
Mas a palavra em si não indica isso explicitamente. Olhe...
K:
Em última análise, sempre escolhemos entre duas coisas.
DB:
A escolha pode ser entre comprar um objeto ou outro.
K:
Sim, eu posso escolher entre esta mesa e aquela.
DB:
Quando eu compro uma mesa eu escolho a cor.
K:
Ou a mesa que é melhor.
DB:
Aparentemente, não há confusão nisso. Eu não vejo porque escolher a cor que eu
quero implicaria em confusão.
K:
Essa escolha não implica confusão, não significa um problema.
DB:
A confusão, eu diria, existe quando a escolha se aplica à psique.
K:
Exatamente, isso é tudo.
DB:
Tendemos a... Você sabe, a linguagem nos confunde facilmente.
K:
Falamos sobre a psique que escolhe.
DB:
Que na realidade escolhe para se tornar algo.
K:
Sim, escolhe se tornar algo e escolhe quando existe confusão.
DB:
Você quer dizer que, por causa da sua confusão, a mente escolhe, não é isso? E
consciente de quem está confusa, tenta chegar a um estado melhor.
K:
E a escolha implica dualidade.
DB:
Sim, mas agora, à primeira vista, você diria que você introduziu outra
dualidade: entre a mente e o cérebro.
K:
Não, isso não é uma dualidade.
DB:
É importante esclarecer isso.
K:
Não há dualidade nisso.
DB:
Qual é a diferença?
K:
Bem, vamos dar um exemplo muito simples. Os seres humanos são violentos e por
causa desse pensamento projetaram a não-violência, criando assim uma dualidade:
o fato e o não-fato.
DB:
Ou seja, essa dualidade existe entre um fato e algo que é uma mera projeção da mente.
K:
O ideal e o fato.
DB:
O ideal não é real, e o fato sim.
K:
Efetivamente. O ideal não é factual.
DB:
Exatamente: não é factual. Mas, por que você chama essa divisão entre ambos de
dualidade?
K:
Porque eles estão divididos.
DB:
Bem, pelo menos eles parecem estar.
K:
Eles estão divididos e todos nos debatemos entre eles, entre, digamos, os
ideais totalitários comunistas e os ideais democráticos, ambos produto do
pensamento, que é limitado, o qual gera uma terrível confusão no mundo.
DB:
Sim, está claro que uma divisão foi criada; mas o aspecto importante disso, o
que queríamos investigar, eu acho, é se dividimos algo que é indivisível: a
psique.
K:
Isso mesmo. Você não pode dividir a violência e a chamar a uma parte de
não-violência.
DB:
Certo. E você não pode dividir a psique em violência e não-violência, não é
assim?
K:
É o que "é".
DB:
É o que é; de modo que se é violento, não pode ser dividido em uma parte
violenta e outra não violenta.
K:
Exatamente. Está muito claro! Portanto, podemos ficar com o que "é"
em vez de inventar ideais do que "poderia" ou "deveria" ser?
Brockwood Park, segunda conversa com
David Bohm
20 de junho de 1983