Na percepção direta, o findar do tempo
K:
Você vê que sua própria vida diária é mecânica, repetitiva, com falsos desejos,
atividades e hábitos. É possível que um ser humano rompa com isso e fique novo
a cada momento, a cada minuto do dia?
Essa é a verdadeira questão, não? Como se pode mudar isso?
I:
Temos que ver que na realidade vivemos, efetivamente, de modo mecânico.
K:
Se vemos que nossa vida é mecânica, que nossos prazeres, penas e ansiedades são
uma repetição, como tudo isso pode terminar?
I:
Às vezes termina, mas volta a começar.
K:
Não creio que às vezes termine e volte a começar.
I:
Se seguimos vendo todos os dias, você não acredita que começamos a nos
distanciar da mente condicionada?
K:
Isso significa que você considera o tempo como um meio de destruir o processo
mecânico.
I:
Sim.
K:
Se você chega a isso eventualmente, por lentos degraus, através de perceber-se,
e libertar-se do condicionamento, isso implica tempo. Você considera o tempo
como meio de terminar com esta maneira mecânica de viver.
I:
Exceto que, ao meu juízo, isso nos coloca em outra dimensão do tempo, não a da
mente condicionada. Mas reconheço que segue sendo tempo.
K:
Não sei o que é esta outra dimensão de tempo. Posso inventá-la, posso especular
sobre ela, posso esperá-la; mas o fato real é que não a conheço. Não estou com
ela; não faz parte de mim. Tenho que descobri-la, tenho que chegar a ela. Não
devo utilizar o tempo, porque este implica esforço e continuidade. O processo mecânico
segue adiante. Mas, é possível viver de tal modo que não exista o amanhã?
Internamente, no psicológico, o que na realidade queremos é a continuidade do
prazer, prazer que tem um amanhã.
I:
A convicção subconsciente de que você o que sofrerá ou desfrutará do prazer
dentro de um momento é tão forte que não sei se é possível realizar o que você
disse.
K:
Não é “Faça o que eu digo”, senão “Veja o que ocorre”, senhor.
I:
Senhor, é possível livrar-se psicologicamente do amanhã quando se vive sob a
lei natural? Quer dizer, é de dia e depois é de noite; há luz e ligo escuridão.
Isto penetra muito fundo em si, certamente, ainda mais fundo que a mente
condicionada.
K:
Não compreendo bem, senhor.
I:
Como é possível livrar-se do querer, da esperança do amanhã e a continuidade do
tempo, quando se vive sob as leis naturais do dia e da noite, da escuridão e da
luz? Tudo isso o faz ter a percepção
do tempo.
K:
É que a sucessão da noite e o dia lhe faz ter a percepção do tempo?
I:
Isso só lhe faz ter a percepção da MUDANÇA, não do tempo.
I:
Vejo que não é esforço que nos faz ter a percepção do tempo.
K:
Espero do amanhã, porque amanhã desfrutarei. O pensar sobre a manhã me dá
prazer. Vou me encontrar com alguém..., todo tipo de prazer.
I:
Mas pode ser que amanhã eu não desfrute. Poderia pensar em algo que me desse
medo.
K:
Se me dá medo do amanhã, é a mesma coisa.
I:
Como é possível temer o amanhã, se não sei o que é o amanhã?
K:
Seguro de que você tem algum medo do amanhã, medo da morte, de não ser, de
perder um emprego, ou de perder sua esposa. Conhecemos assim mesmo muito bem o
prazer criado pelos pensamentos sobre o amanhã.
I:
Seguindo o que disse esse senhor sobre a lei natural, penso que somos como o
peixe dourado num aquário. Estamos tão rodeados de coisas que continuamente nos
recordam o tempo, que temos que considerá-lo sem cessar. Ainda que nossa
postura e a forma em que guardamos o equilíbrio são hábitos. Parece bastante
difícil separar o tempo psicológico o tempo real, o do relógio, do processo
vivente natural de nosso próprio corpo.
K:
Muito bem, senhor; vamos olhar outra vez, de modo diferente. O que é o ato, o
momento de aprender? O que é o ato de ver e de escutar? Quando você está
escutando, escuta com o tempo? Está escutando com conceitos, com fórmulas, com
ideias, ou simplesmente escuta? Existe esse ruído do tráfico que passa fora da
sala. Como você o escuta? Escuta com irritação, com recordações, com desgosto,
ou tão só se limita a escutar? Quando você vê, com o tempo, ou fora do tempo?
Vê só com os olhos quando vê sua esposa ou a seu marido, ou quando se vê num
espelho? Ou também vê no tempo, com desgosto, desespero, depressão, ou alguma
outra reação baseada na memória?
I:
Você perguntava sobre o ato de aprender, mas eu não creio que NA REALIDADE
aprendemos. Tratamos de introduzir o tempo nisso. Olhamo-nos no espelho e vemos
mais cabelos brancos. Os comparamos com a quantidade que havia ontem, e achamos
que envelhecemos. Assim é como aprendemos, mas não creio que isso seja aprender
de verdade.
K:
Então, o que é aprender?
I:
Creio que é ver sem o tempo.
K:
Não especule sobre isso! O que é aprender? Quando você aprende?
I:
Quando tem a percepção de seu condicionamento.
K:
Quando você aprende? Não responda em seguida, por favor. Simplesmente veja-o. O
que é o ato de aprender? Qual é o estado da mente quando ela está aprendendo?
I:
Você se refere a aprender a partir do ver?
K:
Para mim, ver e aprender são o mesmo.
I:
É experimentar.
I:
Estar aberto.
I:
Mediante a concentração. Ter o anseio de descobrir.
K:
Quando você aprende? Aprender é diferente de conhecer, não? Acumular
conhecimento é diferente de aprender. No momento em que aprendi, isso se
converte em conhecimento. Depois de haver aprendido, acrescento mais a isso. A
este processo de adicionar o chamamos aprender, mas isso não é mais que a
acumulação de conhecimento. Não sou contra a acumulação de conhecimento, mas
nós estamos tratando de descobrir o que é o ato de aprender. Na realidade, a
mente só aprende quando se acha em um estado de não conhecer. Quando não sei,
estou aprendendo. Desde o momento em que tenha aprendido, o aprendido se
situa no tempo; se converte em condicionamento, e com esse condicionamento
atuo. Posso atuar também aprendendo?
I:
Creio que às vezes você se limita a dizer em palavras que não sabe, mas isso
não é o real. Eu posso dizer que não sei, mas é outra coisa perceber que isso
na realidade é um fato.
K:
Só se pode aprender quando há um término real.
I:
Por que não há de ser a coisa real?
K:
Senhor, o que tratamos de descobrir? Não estamos tratando de descobrir, não
verbal ou teoricamente, senão na realidade e de modo efetivo, se é possível
viver neste mundo em uma dimensão diferente que não implique esforço algum?
Isto significa viver em um nível em que não haja problema; ou melhor, se surge
um problema, se o enfrenta de modo tão completo que haverá terminado no minuto
seguinte. Podemos seguir criando muita teorias, mas isso é demasiado pervertido
e infantil. Para descobrir qualquer coisa, tem que terminar o que é conhecido,
ou não deve permitir-se a interferência do que é conhecido. Tenho que aprender
o que é terminar, e o terminar deve ser em completa energia.
I:
Você se refere a algo mais que esquecer?
K:
Certamente que sim. Esquecer é muito simples.
I:
Quer deixar um pouco mais claro o que entende por terminar?
K:
Olhe, senhor, é muito simples. Já experimentou alguma vez com o findar de um
prazer?
I:
Sim.
K:
Sem esforço?
I:
Sim.
K:
Sem nenhuma forma de restrição, sem saber o que ocorreria depois?
I:
Sim. Já cheguei a me entediar.
K:
Oh, não, não, não entediar-se! Tome por exemplo seu próprio hábito prazeroso,
seja o sexo, o fumar, o beber, a ambição ou alguma outra coisa. Termine com ele
sem luta, sem saber o que vai se passar depois. Tome como exemplo o hábito do
tabaco. Termine com ele imediatamente, sem racionalizar, sem temer o dano de
fumar, sem temer o tipo de câncer que teria se seguisse fumando. Termine com o
hábito.
I:
Enquanto desfruta ainda dele?
K:
Claro que sim, enquanto ainda desfruta dele. (Risos) Como chega-se ao ponto em
que, no pleno desfrute de algo, termina-se com isso?
I:
Se você segue inativo quando normalmente empreenderia alguma ação para
satisfazer o desejo, e em vez de empreender essa ação, se limita a observar o
desejo.
K:
Como observa? Olhe, não teorize. A partir do momento em que teorizar, não
poderá seguir adiante. Considere um prazer determinado que esteja desfrutando.
Você se sente feliz com ele. Por que há de interrompê-lo?
Com
o tempo, este prazer repetitivo se torna mecânico. Causa-lhe desgosto, e você
adota outro prazer, o qual desfruta até que esse também o entedie.
I:
Não o abandonaria se não visse que o prende.
K:
Não quero abandonar nada. Vejo que a vida é tão terrivelmente mecânica; o
prazer e a dor, o tédio com a dor e o prazer. Ao estar entediado, trato de
utilizar o templo como fuga, a igreja, a meditação, os Mestres, ou a busca de
conhecimento. Tudo isso é uma tentativa de escapar deste processo mecânico do
viver.
Não
quero teorizar. Desejo descobrir se é possível viver na realidade de um modo
diferente, que não seja mecânico. Como você vai fazê-lo? O único modo, tal como
posso ver agora — posso mudar a medida que penetro mais nisso — é que tem que
cessar todo desperdício de energia; porque, para terminar com qualquer coisa,
necessita-se de enorme energia; é necessária para escutar. O ver sem a
interferência do pensamento, sem a interferência de meu condicionamento, sem
preconceito, o ver mesmo, é energia total. Para escutar esse carro que passa,
necessita-se de uma atenção em que não haja interferência alguma; e para
atender por completo, faz falta grande energia. A atenção total requer energia
não só neurologicamente, senão também no mental.
Agora
estou dissipando energia. Como vou deter esta dissipação sem esforço? No
momento em que faço um esforço para detê-la, isso gerará outras formas de
contradição, outro desperdício. A mente compreende que tem que deter o derrame
de energia. Como pode fazê-lo?
I:
Vejo que a mente por si mesma não pode. Se eu, como uma totalidade, não estou
convencido, não sei, não vejo e não compreendo o que deve fazer-se, não
terminarei com esse derrame.
K:
A própria mente, que é resultado do tempo, não pode acabar com ele, porque está
formada por preconceitos, idiossincrasias, temperamentos e experiências. A
própria mente, utilizando o tempo, está se desperdiçando; assim que não pode
funcionar, não pode terminar com o desperdício de energia. Quando você está
escutando ou quando vê, ou aprende, está utilizando só a mente, ou melhor, a
totalidade de seu ser: a mente, o intelecto e as emoções?
I:
Percepção total.
K:
Está em funcionamento uma total percepção, atenção, intensidade, quando você
escuta? Você nunca escuta a si mesmo todo tempo, evidentemente. Há momentos em
que se está completamente atento, consciente, e há alguns, largos períodos de tempo
nos quais não se está atento, nos quais não se dá conta tão completamente. O
que você vai fazer? Em geral, diz: “Como vou me aperceber de maneira continua?”
Creio que essa é uma pergunta, uma demanda errônea. O que tem que se fazer é
estar atento da desatenção. Porque é a desatenção o que está gerando problemas
e conflitos, não a atenção.
I:
Quando não há atenção, quem há que estar atento?
K:
Quando não há atenção, quem é que está atento nessa desatenção? Esse é o
assunto. Quando você está atento, quando escuta, quando aprende, quando vê,
existe uma entidade que esteja observando? Enquanto escuta ao que fala,
descubra-o. Quando você presta sua atenção completa, com seu corpo, mente,
nervos, olhos, existe um observador, um censor?
I:
Não.
K:
Só quando você está desatento é que isso interfere. Essa interferência cria
problemas, e ainda assim se busca, em meio da desatenção, a solução dos
problemas. Se você tem um problema e o escuta completamente, de modo total, sem
tratar de achar resposta, sem racionalizar, sem tratar de escapar dele, senão vivendo totalmente com ele, então
você verá que não existe problema em absoluto. O problema só surge quando não
há atenção.
I:
Creio que é muito provável que este tipo de atenção necessite de enorme
energia.
K:
Sim.
I:
É certo. Não posso estar nesse tipo de atenção mais que por um momento. Perco-a.
Não posso renová-la.
K:
A atenção não pode renovar-se.
I:
Durante esses momentos de atenção, você vê que existe ali algo todo o tempo.
I:
O problema, como você disse, consiste em que devemos prestar intensa atenção
para conservar nossas forças, mas parece que há algo em torno de minha mente de
maneira continua. A razão de eu não prestar atenção total não é que não o
possa, senão que NÃO QUERO. ESSE é meu problema.
K:
Então, mantenha-o como seu problema. (Risos). Na forma em que vivemos, a vida
está cheia de problemas, não é assim? E, se a você gosta disso, viva com isso,
continue com isso. Sofra a pena e o desespero, todo o medo que é nossa vida.
I:
Não, não é isso exatamente. O que eu queria dizer é que temo ao que faria essa
atenção total. Há essa explosão de energia...
K:
Mas, senhor, você não pode ter medo de algo que não conhece.
I:
Muito bem, é um fato que não se pode, mas é
possível escolher.
K:
Você disse, pois: “Não posso estar atento de maneira total porque tenho medo”.
I:
Exatamente.
K:
Temos, pois, que examinar o medo, não o modo de nos livrarmos dele, não todos
os conceitos e fugas intelectuais. O que é o medo? Provem isto comigo: escutem-no
completamente, dando a ele sua plena atenção. Não podem prestar plena atenção se
não têm o corpo completamente relaxado; a mente em completa calma. No físico,
no emotivo e mental, têm que haver completo descanso. Psicologicamente tem que haver
também quietude, calma para escutar. Escutem nesse estado. O que estão
escutando: uma explicação, uma série de palavras ou a coisa que temem? Há temor
se assim escutam? Vocês podem escutar as insinuações inconscientes do temor,
não é assim? E, então, existe o temor?
Tomemos
por exemplo, o medo da solidão, a essa sensação de isolamento. Existe uma
sensação de completa solidão ainda que se esteja relacionado com muitas pessoas
e tenha muitíssimos amigos. Você o sabe, e essa é provavelmente a principal
causa do temor. Para escutar o sentimento de solidão, para vê-lo, senti-lo e
aprender sobre ele, deve-se ter enorme energia, uma energia que não esteja
disciplinada. Não há racionalização, não há explicação. Nesse estado de
escutar, a mente está completamente calada com relação a essa solidão. Se você
está dessa maneira atento e aprendendo sobre isso, não há entidade que esteja
acumulando conhecimento a respeito. Não existe o observador nem o observado.
Esta é a coisa mais difícil. A contradição, a divisão entre o observador e a
coisa observada, cria o problema do conflito. É possível olhar algo de modo tão
completo em que o observador não exista?
O
que é comunicação? Como você se comunica? Palavras ou gestos são necessários
para que possamos ser entendidos. Mas se há de haver comunicação, tanto o que
fala como a pessoa com quem se comunica, tem de estar a certo nível de
intensidade. Nesse estado de intensidade não há um que escuta e o outro que
fala; há só o ato de escutar. Nesse estado, a mente se acha em comunhão. A comunhão
implica espaço.
Uma
mente que tenha problemas se embota; e uma mente embotada não pode de maneira
alguma estar atenta. Quando surge qualquer problema, só uma mente que esteja
atenta, intensa, aprendendo e escutando pode fazer frente, dissolver o problema
e seguir adiante. Como vai encarar-se com novos problemas uma mente que já tem
tantos? Há o problema da morte, do tempo, do espaço, da relação, o problema do
viver, de ganhar a vida, os problemas da enfermidade, a saúde e a velhice. Como
a mente vai encarar todos estes problemas de uma vez, não um por um, senão na totalidade deles de uma vez, sem esforço?
Nossos
problemas são todos fragmentários, na forma em que agora os enfrentamos. Existe
o problema do medo, do tédio, do desfrute: uma multidão de problemas, uma atrás
do outro. Há um meio de se fazer frente a todos,
não separadamente, senão, totalmente? Se trato cada problema separadamente,
cada um deles demandará tempo; tenho, pois, que compreender o tempo.
I:
Se você pode tratar todos os problemas de uma vez, então isso implica que eles
têm uma raiz comum.
K:
Isso, em parte, é verdade.
I:
Se você está vivendo no presente, só tem um problema de cada vez; na realidade,
todos os problemas se fundem em um só.
K:
Os existencialistas dizem: “Viva no presente”. O que significa viver no
presente, o presente ativo?
I:
Significa que o passado não o afasta dele.
K:
Por favor, penetre nisso um pouco mais, senhor. Como posso viver no presente
quando sou resultado do passado e quando estou utilizando o presente como meio
de chegar ao futuro? Isso significa que tenho que trazer todo o tempo: o
passado, o presente e o futuro, ao imediato presente. Para viver no presente, o tempo tem que desaparecer.
I:
Eu diria, senhor, que é através da
percepção direta, sem tratar de fazer nada sobre isso.
K:
Sim, senhora, mas olhe, por favor, na imensa dificuldade. Como o tempo vai
desaparecer? Como o espaço vai desaparecer? Ou a distância entre aqui e a lua?
Não diga: “Bem, se estou atenta, desaparecerá”; essa não é a resposta. Quando
dizemos “Viva no presente”, isso tem que ser algo extraordinário. Porque eu sou
o resultado de milhões de anos, minha mente, meu cérebro e meus hábitos são
todos do tempo. Você me diz que vive no presente. Pergunto-lhe o que é que você
quer dizer com isso. Como posso viver no presente quando tenho atrás de mim uma
imensa história que me empurra através do presente para o futuro? Como vou
viver no presente com o passado? Não posso. Por isso, tem que haver uma
desaparição do tempo. O tempo tem que terminar; tem que deter-se.
I:
Creio que vivo no presente quando não tenho recordações, quando simplesmente
estou aqui; nesses momentos em que tenho experiência.
K:
Sim, mas esses momentos vêm e vão. Isso não é suficiente. Todos temos tido
esses momentos em que o tempo não significa absolutamente nada.
I:
Vê-se a inter-relação entre todos os problemas, e então daí, surge uma ação.
K:
O que você entende por ação? É fazer, ser, mover-se, pensar, atuar? E o que
significa ação, levantar-se, ir ao trabalho e tudo o mais? Essa ação se baseia
no passado, na ideia, na memória. Para nós, a ação se relaciona com o tempo.
Agora estamos tratando de que tudo se ajuste ao tempo. Descobrir, viver e atuar
no presente: todas essas coisas requerem a compreensão e o findar do tempo.
I:
Para que o tempo termine, isso tem que significar o findar da entidade.
K:
Sim, senhor, o fim da entidade.
I:
Você quer explicar por que ocorre que sempre parece que o passado e o futuro
são muito mais interessantes que o presente?
K:
A dama quer saber por que o passado e o futuro são muito mais interessantes que
o presente. Isso é bastante claro. (Risos)
I:
Bem, posso fazer esta pergunta? Por que é tão difícil encarar-se com o
presente?
K:
Se realmente compreendemos algo, se de verdade vemos algum fato, então esse
fato mesmo, essa mesma observação, traz sua própria ação. Não tenho que
descobrir como tenho que atuar. O que tratamos de achar, o que tentamos
descobrir por nós mesmos, é se é possível, de algum modo, viver no presente.
I:
Não é impossível o não viver no presente? É o único lugar
em que podemos viver.
K:
Isso é uma ideia, senhor. Todos os
meus atos se baseiam em ideias, em uma fórmula, em uma experiência, no
conhecimento, tudo o qual pertence ao passado. Não conheço ação que não esteja
relacionada com o tempo. Então chega alguém e me diz que eu viva no presente. E
eu digo: “O que você quer dizer com isso? Como posso viver no presente?” Se é
uma teoria, carece de valor; não tem sentido algum. Para descobrir o que
significa, tenho que descobrir, compreender e perceber plenamente o tempo:
tempo como espaço, como distância, como conquista gradual; e usar o meio de
libertar-me de algo ou de ganhar algo. Para
viver no presente, tem que findar essa maneira de pensar, olhar, de viver.
Mas a totalidade de meu ser, consciente ou mesmo inconsciente, é do tempo. Como a mente pode dele
sair?
I:
Tem que findar todas as imagens de si mesmo.
K:
Isso é uma ideia, senhor. Não é um fato.
I:
O fato é que não sei muito.
K:
Você não tem tempo para saber muito.
I:
Mas eu me vejo criando tempo, sempre que penso. A cada momento em que estou com
plena atenção, que é praticamente
todo o tempo, o relógio segue avançando.
K:
Sim, senhor.
I:
De modo que, durante toda minha vida, estou criando tempo.
K:
Como você vai terminar com ele?
I:
Eu poderia simplesmente e de modo arbitrário, deixar de pensar.
K:
Certamente que não. A questão é esta: pode findar o tempo? Viver no presente
significa que não existe o amanhã, e isso representa que termina o prazer, o
penar, a dor; não amanhã, senão agora. Não se pode viver no presente com a dor,
com o desespero, com a esperança, com a ambição. Tem-se que chegar a este
findar do tempo, a esta detenção ou derrubada do tempo, não de modo direto,
senão de uma maneira distinta. Tem-se que chegar a isso de forma negativa. Não
se sabe o que significa findar com o tempo; de modo que se tem que chegar a
isso tendo a percepção de como a mente pensa, e de como ela utiliza o tempo, em
forma negativa ou positiva, como meio de conseguir algo.
Existe
a questão da paz. Como se vai ser pacífico, não em teoria, não como um ideal
que se vai conquistar, senão na realidade? Como se vai ser pacífico quando há
guerras, disputas, discussões? Tudo neste mundo está baseado na violência. Para
que a paz exista, não pode haver um amanhã.
Os
cientistas estão investigando esta questão do findar do espaço, que também é
tempo, porque os foguetes levarão tantos meses, ou anos, para chegar em Marte.
Pode haver um meio de chegar em Marte com maior rapidez. Nisto estão implicadas
enormes coisas. Pode uma mente como a nossa, quem tem estado acostumada ao
tempo, que tem vivido assim durante milhões de anos, findar de repente? Podemos
eliminar incessantes disputas, realizações, temores e esperanças?
Da
próxima vez eu gostaria de discutir sobre se é possível o findar do tempo.
Talvez isso seja a criação.
Londres, 26 de abril de 1965
Diálogos com Krishnamurti
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