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segunda-feira, 30 de abril de 2018

Sobre a incapacidade de manter real intimidade

sexta-feira, 27 de abril de 2018

A quieta inquietude como portal da maturidade

quarta-feira, 25 de abril de 2018

domingo, 22 de abril de 2018

Onde mora o sofrimento, não há amor

Esta tarde, se me permitis, gostaria de falar sobre o tempo, o sofrimento e a morte. E um vasto campo a percorrer numa hora. E a comunicação é sempre difícil. A comunicação profunda requer uma certa intensidade — um encontro de duas mentes ao mesmo nível, ao mesmo tempo e com a mesma intensidade. De outro modo a comunhão não é possível. Intelectualmente ou verbalmente, pode-se concordar ou discordar, mas isso não é comunhão. Comunhão é um relacionamento extraordinariamente intenso. E essa intensidade no relacionamento entre as duas mentes deve existir ao mesmo tempo e ao mesmo nível; se assim não for, a comunhão torna-se meramente verbal, interpretativa, superficial. Falar da morte, do sofrimento e do tempo requer infinita paciência. Paciência não é aquilo que cultivamos para adquirir uma certa técnica ou formar um certo hábito. Para se investigar profundamente uma coisa, especialmente no campo psicológico, requer-se uma certa disposição da mente, para avançar passo a passo sem saltar para qualquer conclusão, em momento algum, sem nunca criar conceitos ou fórmulas, mas prosseguir apenas de observação em observação, de compreensão em compreensão, cada vez mais esclarecedoras. É neste sentido que estou a usar a palavra paciência. Isso precisa de um extraordinário estado da mente — não uma mente superficial, que concorda ou discorda, ou que compara o que está a ouvir com o que já leu ou ouviu; essa mente não está num estado de comunhão.

Temos que conversar esta tarde sobre uma coisa que requer extraordinária atenção — não concentração — uma atenção em que não há nenhuma exclusão, nem sequer daquele terrível barulho que se está a ouvir, uma atenção em que ele não pode interferir. Só nesse estado de atenção, podemos estar em perfeita comunhão para investigar algo que é extraordinariamente difícil.

Mas, para compreender qualquer coisa temos de experimentá-la diretamente, e não verbalmente. Na realidade, para experimentarmos uma coisa é preciso que vós e eu estejamos juntos, para termos uma só visão, um só ouvido, um só olhar, uma só voz, para compreender; de outro modo, vós e eu não estaremos no mesmo ponto, ao mesmo nível, com a mesma intensidade. Temos de compreender este problema do “tempo”. Porque, se o não compreendermos, não compreenderemos essa coisa extraordinária que se chama “morte”.

Com a palavra compreender não estou a referir-me a uma compreensão verbal, intelectual, fragmentária, ou a uma mente cheia de informação, que acumulou grande quantidade de conhecimentos e que compra, julga, avalia, em função daquilo que acumulou — essa mente não está num estado de compreensão; não está capaz de compreender. Aliás, compreender é outro extraordinário fenômeno da mente. Só compreendemos quando escutamos totalmente, completamente, com todo o nosso ser — com a mente, o coração, o corpo, os olhos, os nervos, inteiramente — só então compreendemos uma coisa por completo; nunca nos entregamos inteiramente à compreensão. Nunca nos damos completamente à coisa alguma.

Temos de dar-nos completamente a esta compreensão do tempo, do sofrimento e da morte. E não podemos dar-nos se não houver compreensão do medo e do tempo. A morte tem de ser um fenômeno muito extraordinário, tal como a vida. E para a compreendermos, para a examinarmos com o coração e não com as palavras, precisamos de uma mente penetrante, lúcida, que possa raciocinar logicamente, equilibradamente, com inteira confiança — não a confiança de quem vos está a falar, mas a vossa própria confiança. De outro modo, não poderemos fazer a viagem àquela terra desconhecida, e se não pudermos fazer essa viagem, não teremos vivido.

Assim, vamos falar sobre o tempo. Provavelmente, a maior parte de nós nunca pensou sobre ele ou, se o fez, pensou no que nos acontecerá amanhã ou daqui a dez anos. Provavelmente, não pensamos nele como um fator na vida. Com a palavra “tempo” refiro-me ao tempo psicológico e não ao tempo cronológico, que é indicado pelo relógio — ontem, hoje, amanhã, a próxima hora, e o que cada um irá fazer depois desta reunião. Provavelmente, pensamos nisso, porque fomos forçados a fazê-lo, mas não fomos mais além, para investigar, para descobrir, por nós mesmos, o extraordinário significado do tempo. Nunca levamos o tempo a uma crise.

Evitamo-lo sempre. Nunca pesquisamos com cuidado isso a que se chama passado, presente e futuro, essa continuidade de existência que é o passado, o presente e o futuro, com toda a confusão, a ansiedade, sentimentos de culpa, dores, alegrias e tudo o mais por que a mente passa, ao longo deste período de tempo chamado ontem, hoje e amanhã.

Se não compreendermos plenamente o significado do tempo, não seremos capazes de compreender o que é o sofrimento.

E onde há sofrimento, não há amor; e sem amor, nunca compreenderemos o que é a morte. Assim, tendes de fazer a viagem com este que vos está a falar — mas não verbalmente, porque isso é muito superficial e nada significa. Temos de fazer a viagem com a totalidade do nosso ser, sem nenhuma resistência ou concordância, dando-nos completamente a essa compreensão.

O tempo, para quase todos nós, é um movimento do passado, que se expressa no presente e condiciona o futuro. E o tempo é também um mecanismo gradual de realização. Servimo-nos do “tempo” para adiar; servimo-nos dele como meio de mudarmos “isto” para “aquilo”. Mas será possível não haver “tempo nenhum”?

O tempo só existe para o homem que pensa em termos de passado, o qual se projeta, através do presente, no futuro — as suas realizações pessoais, o seu cultivar da virtude e das suas capacidades, a sua aquisição de técnicas, etc. Tudo isto pertence ao nível da realização pessoal, do desenvolvimento e da acumulação. Assim, servimo-nos do tempo, e a mente que está enredada neste uso do tempo é incapaz de compreender isto — que provavelmente não existe tempo algum.

Consideremos um homem que tem estado num emprego trinta ou quarenta anos da sua vida — como cientista, engenheiro, físico, burocrata, etc. Como pode um homem, que só tem vivido para o emprego, durante este longo período de anos, compreender profundamente alguma coisa que não seja o emprego, a rotina? As suas células cerebrais estão exaustas, emperradas, distorcidas, gastas; não estão frescas, jovens, vibrantes, despertas, cheias de vitalidade. As suas reações são lentas. Tem sido, provavelmente, movido pela ambição, pela avidez, pelo desejo de posição, de poder e sempre a servir-se do tempo. O tempo fá-lo murchar, deteriora-lhe a mente. Essa mente — e geralmente as nossas mentes são assim — quando aborda este problema do tempo, é incapaz de compreender o seu pleno significado. Mas essa mente precisa de compreender o tempo, e só poderá compreendê-lo quando tiver consciência do problema e de que tem estado a ser destruída por quarenta anos de rotina. Quando essa mente perceber isso, ela pode “comprimir” a totalidade do tempo num só minuto — e compreender inteiramente — isso é levar o tempo a uma crise.

O tempo é existência contínua — o que “foi”, o que “será” e o que “é”. Só conhecemos isso. As nossas lembranças, as nossas experiências, as coisas que ouvimos e armazenamos, as experiências com que nos encontramos no passado, e que dão mais força ao passado — tudo isso nos dá continuidade de existência. A memória, o prazer, as dores, os insultos, as iras, as desumanidades, os virulentos estados de ódio, a inveja o ciúme, a competição, o ímpeto da ambição, e o desejo impiedoso — é a essa continuidade de existência que chamamos vida. Nunca reduzimos toda essa existência a um só minuto, para a compreendermos, e continuamos a repetir, a repetir, a repetir... e isso a que chamamos vida fica preso na rede do tempo, e assim há sempre um amanhã, cheio de dor, de ansiedade, de sofrimento.

É o tempo que dá a dor e o prazer. Porque o pensamento tem continuidade: pensamos em qualquer coisa que nos dá prazer — sexo, posição social, ou o que vamos alcançar — e continuamos a pensar nisso, dando-lhe assim continuidade. É o que acontece quando pensamos numa dor, como evitá-la, etc. — esse pensar dá continuidade à dor. Observemo-nos a nós mesmos, por favor: observemos como damos continuidade à existência a que chamam vida, e que é cheia de ansiedade, de desespero, de agonia, com prazeres passageiros porque pensamos constantemente nisso. Portanto, estamos a viver no tempo, no tempo psicológico. E, assim, o passado, com todas as suas lembranças, com todas as suas cicatrizes, de prazer, de dor, com todas as coisas que adquiriu, que ouviu, e com a tradição — molda o presente, e o presente molda o futuro. E assim nos tornamos escravos do tempo.

Temos de descobrir por nós mesmos — sem nos ser dito por outro — se o tempo realmente existe. Se na realidade não tivéssemos “amanhã”, toda a nossa vida se transformaria imediatamente; então deitaríamos fora todas as inutilidades que nos ocupam a mente, todas essas coisas que acumulamos, “aprendemos” e ouvimos dizer; e ficaríamos assim com imensa energia. Quando isso acontece, não temos nenhum “tempo” e, portanto, não existe “tempo”.

E, então, a mente que não tem tempo pode olhar a morte com olhos completamente diferentes. A morte não é então algo distanciado por um intervalo de anos, com a velhice, com inúmeras agonias e dores; ela não está lá e nós aqui — esse espaço é que é o tempo. E este “tempo” que nos apavora, é dele que temos medo e não da morte. E esse tempo traz decadência; não traz enriquecimento, não traz maturidade. Não o comparemos com o fruto de uma árvore — esse precisa de tempo, de sol, de chuva, de sombra, de alimento; e então, quando esse fruto está maduro cai. Mas nós não temos tempo. Se contamos com o tempo, ficamos envolvidos em sofrimento. Estamos então a pensar em termos do que “foi”, do que “será”, do que “deveria ser”. E para compreendermos o sofrimento, a dor, a dor física, a ansiedade emocional, o desgosto de ter perdido alguém — não devemos depender do tempo, não devemos ter tempo.

Não sei se conheceis realmente o sofrimento. Quase todos nós evitamos encarar o sofrimento, ou o veneramos ou o aceitamos. Entra-se numa igreja, na Europa ou neste país, e vemos como se presta culto ao sofrimento! E aqui, neste país, temos explicações para o sofrimento: o karma, etc., nunca recusamos totalmente, com todo o nosso ser, o sofrimento psicológico, aceitamo-lo — e é isto o que há de triste no sofrimento.

Que é o sofrimento? Algum de vós conhece realmente o sofrimento? A palavra “sofrimento” está associada a certas lembranças — as lembranças relacionadas com a autopiedade, a lembrança das coisas passadas, das coisas que se fizeram ou não se fizeram, na companhia do amigo, da mulher, do filho, de quem quer que seja. A lembrança, o retrato, a palavra, o símbolo que faz sentir sofrimento; e então dizemos, “temos de o evitar, temos de encontrar uma razão para ele”; e então começamos a inventar a olhar o futuro — como meio de dominar alguma coisa. Se não existisse nenhum tempo, nenhum “amanhã”, então não aceitaríamos o sofrimento, pois não passaríamos em nenhum “tempo” — e é o pensamento que gere o sofrimento. Não sei se já reparastes que o sofrimento ou é pessoal ou é o sofrimento do ser humano — o ser humano que sofre, que é coagido, forçado a fazer coisas, a crer e a aceitar isto ou aquilo, por meio de uma propaganda de mil ou dez mil anos. Há o sofrimento do homem como um todo, e o sofrimento de um determinado ser humano. O meu filho morre: tenho na mente o seu retrato. Nesse filho investira todas as minhas esperanças, todos os meus prazeres; era o meu “eu” prolongando-se nessa pessoa, e ela morreu. E fico despojado de tudo o que tinha; vejo-me subitamente sozinho, subitamente isolado de tudo.

Sabeis o que significa estar sozinho? Alguma vez tivestes, realmente, a experiência desse estado de completo isolamento, em que não há relação com coisa alguma, nenhuma identificação com alguém — com a nossa mulher, com os filhos, com a terra de onde somos — um estado em que se está completamente separado de tudo? Quando uma pessoa se sente sozinha, o seu passado nada significa, as suas experiências perderam a sua importância; o seu trabalho, a sua família nada significam; mesmo que esteja rodeada de uma multidão, não está em relação com coisa alguma. Não sei se já passastes realmente por esse estado de isolamento. Se não, nunca conhecereis o fim do sofrimento. Porque esse é o caminho que faz parte de vós — esse intenso e completo isolamento, essa separação. E consciente ou inconscientemente, estamos sempre a fugir desse isolamento — por meio da bebida, do sexo, dos deuses, das orações, por meio de toda a espécie de ilusão.

Este isolamento tem de ser compreendido. Cada um de nós, no segredo da mente, conhece este isolamento, não no sentido de o experimentar, mas de o conhecer verbalmente, através dos sinais interiores — de ocasionais vislumbres dele. Conhecemo-lo mas não somos capazes de o compreender, de “viver com ele”, de o enfrentar, fugimos dele e tentamos preencher-nos de muitas maneiras. Mas ele continua inexoravelmente presente. Assim, quando o meu filho morre, fico confrontado com isso, mas traduzo o meu sofrimento em todo o gênero de fugas a esse isolamento. Conhecemos dúzias de fugas — penso em encontrar o meu filho no céu, tenho certas conclusões e explicações, como a reencarnação. Mais uma vez o “tempo” se introduz — ou seja, hei de encontrar-me com o meu filho, farei isto com ele, é o meu karma, é isto, é aquilo. Ao fugirmos, damos entrada ao tempo. E no momento em que admitimos o tempo, abrimos também a porta ao sofrimento e, assim, o sofrimento e o tempo causam o declínio, a deterioração da mente.

Assim, quando há sofrimento, não devemos fugir do isolamento, mas compreendê-lo completamente. Sabeis o que significa “viver com uma coisa” desagradável ou agradável? “Viver com uma coisa” exige muita energia. Viver com uma árvore, com a família, com a sujidade, a sordidez, com qualquer coisa, exige enorme energia; de outro modo, habituamo-nos a isso. Provavelmente já vos habituastes ao pôr do sol, à água do rio que corre calmo, a refletir o céu. Quando nos habituamos a alguma coisa não mais reparamos nela. No momento em que nos habituamos a ela, não estamos a viver, e é isso que fazemos.

Acomodamo-nos aos governos, às nossas famílias, aos nossos conflitos, ao nosso sofrimento, à sujidade, à sordidez, à miséria, a tudo, porque nos habituamos a essas coisas. A princípio, há um choque, dor; e depois, gradualmente, encontramos maneiras e meios de nos habituarmos a isso, o que significa tempo. Acostumo-me à morte do meu filho; portanto, aceito o sofrimento, e daí vem a autopiedade. Se não houver autopiedade, compreenderemos o sofrimento, saberemos enfrentá-lo imediatamente, porque o sofrimento deve terminar.

E o fim do sofrimento é o começo da sabedoria. Não se pode ter sabedoria lendo livros ou frequentando escolas. A sabedoria só vem ao homem quando o sofrimento acaba. Isso significa que temos de compreender este problema do pensamento e do tempo. Gostamos do sofrimento! Se retirássemos o retrato daquele que amamos da parede do nosso quarto ou da “parede” da nossa mente, consideraríamos isso uma coisa terrível. Não amamos realmente essa pessoa; amamos a lembrança da pessoa que outrora nos dava satisfação. Não pensamos na pessoa, em que todas as suas fases, dos nossos conflitos com ela, na nossa ansiedade, na nossa rivalidade. Nada disso guardamos. Apenas queremos conservar o retrato de que gostamos e de que não queremos abandonar. Por que se o abandonamos, ficamos sozinhos, isolados, perdidos. E assim o sofrimento começa de novo.

Mas o homem que rejeita o sofrimento, que não o aceita, que não tem nenhuma “filosofia”, nenhuma igreja, nem fórmulas, nem crenças — só esse homem pode olhar essa coisa extraordinária chamada sofrimento — e para que o sofrimento deixe de existir, tem de se investigar todo este problema da memória, e compreender quando a memória é necessária e quando é prejudicial. Se uma pessoa chega até aqui, não verbalmente, mas de fato, pode então encarar a morte.

Há a velhice, e as penas da velhice — a deterioração das capacidade físicas. Passamos quarenta anos a desgastar-nos num emprego e a nossa mente perde a sua agilidade, a sua frescura. Já as perdemos na juventude. Observai-vos, por favor. Não escuteis apenas o “orador”; o que ele está a dizer será de muito pouco valor se não estiverdes a observar-vos realmente a vos mesmos. Cada um tem, pois, de observar o mecanismo, o decorrer do seu pensamento, não o rejeitando, não condenando mas observando o fluir, o mecanismo real do seu próprio pensamento.

Nunca penetramos no problema da morte. Encontramos sempre crenças e consolações, ideias e fórmulas para nos protegerem contra a morte. Mas a morte existe para todos — desde o maior dos filósofos à pobre mulher que passa na rua. Para a maior parte das pessoas, a morte é algo separado da vida, porque não compreendem a vida. A vida é um enorme campo de batalha, onde vamos existindo. O sofrimento, a dor, a ansiedade, a afeição, a simpatia, o ódio, o medo constante, os falsos deuses, os templos, a corrupção, a competição — tudo isso é a vida. Não a compreendemos. Mas agarramo-nos desesperadamente a ela, porque isso e tudo o que conhecemos. Não conhecemos mais nada e nada mais queremos conhecer.

E assim, não compreendemos o viver, evitamos a morte, e pomo-la à distância, longe de vós e de mim. Mas para compreender a vida temos de dar-nos à vida. Para compreender a dor, a ansiedade, o desespero, a afeição, temos de dar-nos, de dar todos o nosso ser, a essa compreensão. Veremos, então, que o viver e o morrer não são separados. Para viver, temos de morrer todos os dias; de outro modo, não podemos viver. Viver meramente da memória, de retratos, de fórmulas, de crenças — não é viver. No momento em que compreendermos, no momento em que dermos o nosso ser à vida, veremos que estamos a morrer — não no sentido de desaparecer, declinar, degenerar. Estou a falar de morrer psicologicamente.

Quando morremos psicologicamente, estamos sempre a viver com a morte. E então a morte não é uma coisa distante, temível, que nos apavora. Porque, para viver completamente, em cada minuto, em cada dia, temos de morrer para o passado, para cada minuto, para cada dia — e isso é exatamente o que de fato ira acontecer quando morrermos fisicamente. Então, não poderemos discutir com a morte, não podemos adia-la, pedindo-lhe o favor de mais um ano. Ela lá estará, quer nos agrade, quer não. O homem que tem medo da morte não está a viver, porque tem medo da vida.

Compreendei este fato tão simples da vida: não sabemos viver, se estamos sempre a viver na dor e na ansiedade, no medo, na esperança e no desespero; essa “vida” é um campo de batalha. Viver, segundo entendo, é o viver em que nada disso existe, quando já não se esta a competir com ninguém, quando há um total, completo — e não fragmentário — findar do sofrimento. E isso é possível — o completo fim do sofrimento. E quando assim vivermos, veremos que, para viver, temos de morrer para tudo o que conhecemos. Então, a vida e a morte não estão separadas.

Espero que estejais a escutar não apenas as palavras, não com a intenção de colher algumas ideias, para as refutar ou confirmar, ou para dizer que o “orador” tem ou não tem razão. Estamos a fazer uma viagem juntos e para viajar, não podeis viajar com palavras; tendes de andar de verdade; ouvindo não só o som dos vossos passos, mas também escutando as vossas palavras, os vossos pensamentos, os vossos sentimentos.

Vereis então que quando vos libertais do conhecido do passado, morreis para ele, e então não vos importará saber se ha ou não reencarnação. E, além disso, que é que continua? Só o vosso pensamento, a vossa memória e que continua — não a chamada “essência espiritual”. Se e a essência espiritual, não é possível pensar sobre ela. No momento em que se pensa a seu respeito ela é trazida para o campo do tempo, o campo do sofrimento; portanto, não se trata da essência espiritual mas meramente de um produto do pensamento. Quando falamos da alma como algo que continuará, estamos ainda na esfera do pensamento. Onde só o pensamento domina, esse pensamento cria o medo. E fica-se então aprisionado em todo esse círculo vicioso do tempo, do sofrimento e do medo da morte.

Assim, para compreender a morte, o sofrimento e o tempo, temos de dar-nos à vida. E para viver temos de ser altamente sensíveis — em vez de vivermos agarrados as nossas tradições. Temos de ser sensíveis com os nervos, com os olhos, com todo o corpo, com a mente, com o coração. E não podemos ser sensíveis se ficamos habituados a alguma coisa — habituados ao sexo, à cólera, à família que temos à nossa volta, a sujidade de uma rua, ao encanto do pôr do sol, na limpidez do céu, ou habituados às nossas próprias vulgaridades, às nossas crueldades, aos nossos gestos e palavras que nunca observamos.

Temos, pois, de estar extremamente espertos e sensíveis. Saberemos então o que significa morrer, e o que significa viver totalmente — no sentido de que a nossa mente não tem futuro, não tem “amanhã”, porque não tem passado, está liberta dele; já não procura “vir a ser” — está simplesmente a fluir, esta a viver está em movimento. E para uma coisa que esta em movimento, que flui, não há morte. A morte só existe para quem deseja a continuidade. Mas se em cada minuto morremos para tudo — para cada prazer, para cada dor, para cada hábito, bom ou mau — então saberemos por nós mesmos, o que existe além da morte, o que existe além da agonia desta vida. Alem, existe algo — não porque o digo. Vós é que tendes de descobri-lo. Mas, para descobrir, não deve haver sofrimento; porque onde mora o sofrimento, não existe o amor. E sem amor nunca compreenderemos o que e a morte.

Krishnamurti, Madrasta, 26 de janeiro de 1964,
O despertar da sensibilidade

A incapacidade de sentir com intensidade e força

Um dos maiores problemas com que se confronta cada um de nós é, parece-me, uma total falta de intensidade no sentir. Temos uma certa agitação emocional constante, relativamente às nossas atividades — o que se deve fazer ou o que não se deve fazer. Entusiasmamo-nos com coisas que, na realidade, não têm qualquer importância. Mas, segundo me parece, há falta de paixão — não por um determinado fim a atingir, não por algum objetivo a alcançar; refiro-me à capacidade de sentir com intensidade e força.

Geralmente, temos mentes muito superficiais — mentes limitadas, estreitas, presas a uma rotina fútil — que vão funcionando sem problemas, a não ser que aconteça um acidente qualquer; há então perturbação, mas, depois delas, as nossas mentes voltam ao estado anterior, submetendo-se a uma nova rotina. A mente superficial não é capaz de encarar problemas. Tem problemas inumeráveis, todo o problema da existência. Mas invariavelmente traduz esses problemas extraordinariamente significativos, que são os problemas da vida, de acordo com o seu entendimento superficial, estreito, limitado, e procura desviar esta caudalosa corrente da vida para os seus acanhados estreitos canais. E é com isso que estamos confrontados agora — e talvez sempre tenhamos estado. Mas muito mais agora, dado que o desafio é muito mais forte, e exige uma resposta igualmente intensa, igualmente enérgica, igualmente viva.

Esta paixão a que nos referimos não é coisa que se possa cultivar facilmente, tomando determinada droga, ficando hipnotizado por certos ideais, etc.. Ela vem naturalmente — tem de vir. Estou a usar propositadamente a palavra paixão. Em geral, só empregamos esta palavra em relação ao sexo; ou quando se sofre intensamente, “apaixonadamente”, tentando-se então terminar esse sofrimento. Mas estou a usar a palavra paixão no sentido de um estado da mente, um estado de ser, um estado da nossa íntima essência — se tal coisa existe — que sente intensamente, que é altamente sensível — igualmente sensível à sujidade, à sordidez, à pobreza, às enormes fortunas e à corrupção, à beleza de uma árvore, de um pássaro, ao correr da água, ao lago que reflete o céu crepuscular. E necessário sentir tudo isso fortemente, intensamente. Porque sem paixão a vida torna-se vazia, superficial e sem muito sentido. Se somos incapazes de ver a beleza de uma árvore e de sentir intensa afeição e interesse por ela, não estamos vivos. Uso as palavras “não estamos vivos” intencionalmente, porque, neste país, a religião parece estar completamente divorciada da beleza.

Se não somos sensíveis a essa extraordinária beleza da vida, à beleza de um rosto, às linhas de um edifício, à forma de uma árvore, ao voo de um pássaro, à canção da manhã — se não estamos atentos a tudo isso, se não sentimos intensamente tudo isso, então, obviamente, a vida, que é cooperação e relação, não tem nenhum sentido; estamos então a funcionar mecanicamente. É sobre isso que gostaria de falar esta tarde.

Esta paixão não é devoção, não é sentimentalismo; e nada tem em comum com sensualidade. Se a paixão tem algum motivo, ou se é inspirada por algum motivo, ou se é paixão por alguma coisa, torna-se prazer e dor. Por favor compreendamos isto. Não tenho agora de entrar cm detalhes, pois vamos continuar a investigar esta questão. Se a paixão é estimulada sexualmente, ou se é paixão por alguma coisa que se deseja atingir, se tem uma causa, se tem um fim em vista, então, nessa chamada paixão há frustração, há dor, há a exigência da continuação do prazer e, portanto, o medo de não ter esse prazer, a preocupação de evitar a dor. Assim, a paixão com um motivo, ou a paixão que é estimulada, acaba invariavelmente em desespero, dor, frustração, ansiedade.

Estamos a falar da paixão que não tem motivo algum — e que é completamente diferente. Se existe ou não, é a vós que pertence descobrir. Mas sabemos que a paixão que é estimulada termina em desespero, em ansiedade, em dor, ou na exigência de uma determinada forma de prazer. E nisso há conflito, há contradição, há uma exigência constante. Estamos a referir-nos a uma paixão sem motivo. Essa paixão existe. Não tem nenhuma relação com qualquer ganho ou perda pessoal, nem com as mesquinhas exigências de um determinado prazer, ou a preocupação de evitar a dor. Sem essa paixão não há possibilidade de se cooperar verdadeiramente, e cooperação é vida, que é relação. Tal cooperação não é a favor de uma ideia; coopera-se, não porque se é levado a isso pelo Estado, nem porque se quer ter uma recompensa ou evitar uma punição, nem porque se trabalha por um certo ideal econômico, por uma utopia; coopera-se, mas não no sentido de trabalhar em comum por algum ideal — tudo isso, para nós, não leva à verdadeira cooperação.

Estou a referir-me ao espírito de cooperação. Se não cooperamos, não pode haver autêntico relacionamento. A vida exige que vós e eu cooperemos, façamos coisas juntos, trabalhemos juntos, sintamos juntos, vivamos juntos, compreendamos coisas juntos. E este “sentido de união” tem de ser ao mesmo tempo, tem de ter a mesma intensidade e estar ao mesmo nível; de outro modo não há união. Se observarmos bem este mundo tão triste e destrutivo, vemos que a mente se está a tornar mecânica, rotineira e, no aspecto tecnológico, está a ser mantida num estreito canal. E, portanto, o sentido de intensidade, a capacidade de sentir intensamente em relação a alguma coisa desaparece gradualmente. E se não somos capazes de sentir intensamente, é óbvio que a mente está sensibilizada, está entorpecida, está com medo, etc...

Assim, a paixão de que estamos a falar é um estado de ser. E realmente um estado extraordinário, como hão de ver se nele penetrarem, um estado sem mancha de sofrimento, sem autopiedade, sem medo. E para o compreender, temos de compreender o desejo. Especialmente os que foram criados com ideias e sanções religiosas de uma dada sociedade, onde a chamada religião tem uma grande influência, pensam que, para “realizar” o que chamam Deus, a mente tem de estar sem desejo; acham que a ausência de desejo, o não ter desejo, é uma das primeiras e mais importantes condições. Provavelmente conheceis todos os livros que falam disto, todas as citações dos livros religiosos, e tudo o resto. Conseguimos matar toda a paixão, exceto num único aspecto — sexualmente. E conseguimos dominar o desejo. A sociedade, a religião, a vida em comum — de tudo isso fizemos uma coisa sem vitalidade, porque temos a ideia de que um homem, um ser humano que sente de modo muito forte, muito próximo de um desejo intenso, não tem possibilidade de compreender aquilo a que se chama Deus.

Que mal há no desejo? Todos o temos, o sentimos, muito intensamente ou de maneira vaga; todos sentem desejo, de uma ou de outra espécie. Que mal há nele? Por que aceitamos tão facilmente subjugar, destruir, perverter, reprimir o desejo? Porque, evidentemente, o desejo traz conflito — o desejo de riqueza, posição, fama, etc. E alcançar fama, adquirir posses, desejar com muita força, implica conflito, perturbação; e não desejamos ser perturbados. E só isso que procuramos essencialmente, profundamente — não ser perturbados. E quando nos vemos perturbados tentamos encontrar uma saída dessa situação e voltar a instalar-nos num estado reconfortante, onde nada nos venha perturbar.

Assim, o desejo é olhado por nós como uma perturbação. Reparemos nisto, por favor. Estamos a apontar fatos psicológicos — não se trata de uma questão de aceitar ou não aceitar, de concordar ou discordar. São fatos, e não opiniões minhas. O desejo torna-se assim uma coisa que é preciso controlar, reprimir; e, portanto, esforçamo-nos nesse sentido — custe o que custar, não vamos deixar-nos perturbar, e tudo o que possa perturbar deve ser reprimido, “sublimado” ou posto de lado.

Como dissemos outro dia e de novo dizemos em cada palestra, o que é importante não é ouvir as palavras, mas escutar realmente. Há grande beleza no escutar. Esta tarde, vimos da janela um pássaro, um alcião. Tinha um bico comprido e penas brilhantes, de cor intensamente azul. Estava a chamar, com o seu canto, e outra ave da mesma espécie, outro alcião, respondia ao longe. Ficar apenas a escutá-lo — sem dizer, “É um alcião. Como é belo!”, ou “Como é feio!”, “Quem me dera que aquela espécie de corvo parasse de grasnar!” — não sei se já alguma vez escutaram com esse estado de espírito. Escutar, simplesmente — quando não há nada a lucrar, quando não há qualquer objetivo utilitário; escutar, quando não se está a tentar alcançar, ou evitar, alguma coisa. Ou olhar o sol poente, aquele esplendor do entardecer, aquele brilho de Venus, aquele pequeno retalho de lua crescente — olhar, apenas, e sentir intensamente tudo isso.

Se escutarmos, de fato, nessa feliz disposição, tranquilamente, sem qualquer tensão, então o próprio ato de escutar é um verdadeiro milagre. Milagre, porque nessa ação, nesse momento, compreendemos tudo o que está contido no ato de escutar, de perceber, de ver; foram eliminadas todas as barreiras, e há espaço, entre nós e o mundo, e aquilo que estamos a escutar. Precisamos de ter esse espaço para observar, ver, escutar; quanto mais amplo, quanto mais profundo ele for, mais beleza e profundidade haverá. E algo de qualidade diferente surge quando há esse espaço entre nós e aquilo que estamos a escutar.

Não estou a ser poético, sentimental ou romântico. Mas, na realidade, não sabemos escutar, escutar simplesmente — escutar a nossa mulher, ou o nosso marido, que está a implicar, a questionar, a zangar-se ou a arreliar-nos. Quando apenas escutamos, compreendemos muito; e os céus abrem-se-nos largamente. Façamos isso, de quando em quando; não o tentemos apenas — façamo-lo, e descobriremos por nós mesmos.

Espero que estejais a escutar dessa maneira. Porque aquilo de que estamos a falar é algo que está além da mera palavra. A palavra não é a coisa. A palavra “paixão” não é paixão. Sentir aquilo que transcende a palavra, e deixar-se “captar” por isso, sem qualquer volição, sem diretiva ou objetivo, escutar aquilo a que se chama desejo, escutar os nossos próprios desejos — e temos tantos, vagos ou intensos — então, quando os escutarmos, veremos o enorme mal que fazemos quando reprimimos o desejo, quando o distorcemos, quando queremos satisfazê-lo, quando queremos fazer alguma coisa em relação a ele, quando temos uma opinião a seu respeito.

A maior parte das pessoas perdeu o sentir apaixonado. Talvez o tenha tido outrora, na juventude — talvez apenas num vago murmúrio — tornar-se rico, alcançar a fama, e viver uma vida burguesa, respeitável... Mas a sociedade — que é o que nós somos — reprime o sentir. E, assim, cada um é levado a ajustar-se àqueles que estão “mortos”, que são “respeitáveis”, que não têm sequer uma centelha de paixão; e passa então a fazer parte deles, perdendo assim o sentir apaixonado.

Para compreender todo este problema do desejo, temos de compreender o esforço. Porque, desde o momento em que vamos para a escola até morrermos, vivemos num constante esforço; a nossa mente, a nossa psique, é um campo de batalha. Nunca há um momento de quietação, de descompressão, de liberdade; estamos sempre a batalhar, a lutar, a esforçar-nos, a adquirir, a evitar, a acumular — é isto a nossa vida! Não estou a descrever uma coisa que não existe. A nossa vida é esforço constante. Não sei se já notastes que quando não fazemos qualquer esforço o que não quer dizer estagnar ou dormir — quando todo o nosso ser está tranquilo, sem esforço, então vemos as coisas com muita clareza e penetração, com vitalidade, energia, paixão.

Fazemos esforço, porque somos impelidos por dois ou mais desejos contrários. Estamos sempre a opor um desejo a outro desejo, o desejo de ter e o desejo de não ter — se temos realmente este problema... Mas se temos um só desejo, não há então problema nenhum. Procuramos satisfazê-lo implacavelmente, lógica ou ilogicamente, com todas as suas consequências — dor, prazer. Mas como em geral somos um pouco civilizados — embora não demais... — temos esses desejos contrários e assim há sempre uma batalha.

Há o preceito religioso que manda viver sem desejo — o padrão, o ideal estabelecido por este ou aquele instrutor, este ou aquele “guru”, por meio de uma constante repetição. Há o padrão implantado na consciência, através de séculos de propaganda, a que chamam “religião”. E há também, por outro lado, o desejo instintivo de cada um, em face das exigências, das pressões, das tensões cotidianas. Há assim contradição entre o padrão religioso e o desejo. E a pessoa tem de reprimir um e aceitar o outro, ou recusar o outro e não abandonar aquele que tem — e tudo isso implica esforço.

Para mim, todo o ato de “vontade”, todo o ato de desejo — e o desejo é uma reação — tem de trazer consigo esforço e contradição, e implica, portanto, uma mente dividida, dilacerada entre desejos inumeráveis. Por exemplo, vê-se uma determinada coisa, um carro, um belo carro; tomamos contacto com ele por meio dos sentidos, e vem-nos então o desejo de o possuir. Ou podemos ter qualquer outra forma de desejo — mas podemos sempre observar por nós mesmos como o desejo nasce. Quando nasce em nós qualquer desejo, temos também consciência do desejo de o reprimir — desejo este inculcado pela tradição, e que está profundamente enraizado nas pessoas. Mas quando um desejo nasce, temos de dar-lhe atenção, de o compreender, de escutar todos os indícios e sinais. Temos de o escutar — em vez de o negar, de o reprimir, de o pôr de lado ou de fugir-lhe. Não é possível fugir dos desejos.

Os “santos” e “yogis” são impelidos, dilacerados pelo desejo. Quando se vestem como ascetas e se cobrem de cinzas, pensam que levam uma vida simples. Nada disso. Interiormente estão em ebulição, tendo, ou não, consciência disso — e não sabem o que hão de fazer. E assim tornam a sua vida e a sua congregação de “santos” uma coisa feia, desumana, envenenada, cheia de ressentimentos. Porque quando não se compreende o desejo, cria-se inimizade e antagonismo. E por mais que se pregue a fraternidade isso não terá qualquer significado se não se compreender essa coisa tão simples chamada desejo. Se negamos o desejo, se dizemos, por exemplo, “Já passei por uma provação com esse desejo e não devo tê-lo mais”, então estamos meramente a comparar o desejo presente com uma experiência que já tivemos e se tornou uma lembrança que irá controlar o desejo. E assim ficamos de novo enredados na batalha.

Mas, ao nascer cada desejo — mesmo que da coisa mais simples — temos de observá-lo, de vê-lo nascer, viver, florescer, ganhar vitalidade. E se não o reprimirmos, se não o compararmos, se ele não for dominado pela lembrança daquela passada experiência, e se pudermos observá-lo com aquele espaço de que falamos, veremos então que esse desejo se vai transformando num sentir intenso e sem objeto, se vai transformando apenas num sentir. Mas para quase todos nós, a vontade é que é importante, necessária, ou pelo menos pensamos que o é. A vontade é uma corda tecida de muitos desejos. E no momento em que existe vontade, vontade de levar até ao fim, ou vontade de negar, está-se num estado de resistência. E, portanto, regressa-se outra vez a um estado de conflito.

Estamos a falar de uma mente amadurecida, que compreende o conflito. A mente que compreende o conflito, que compreende toda esta questão de desejo, com todos os seus problemas, está amadurecida — e só essa mente pode compreender o que é real, o que é verdadeiro. Só ela, e não a mente que reprime o desejo, pode compreender a realidade. Porque para compreender o que é verdadeiro, precisamos de paixão. A paixão é uma energia extraordinária que nos impele e que não é estimulada, nem movida pelo desejo. E uma chama, e sem ela nenhuma transformação podemos criar no mundo, porque o mundo está cheio de problemas.

E como fazemos parte do mundo, estamos cheios de problemas — os conflitos entre marido e mulher, a desumanidade, o problema da fome, neste país, na Ásia, em geral, etc.; os problemas da guerra; a chamada “paz”; o problema da cooperação. Há problemas, e não podemos evitá-los. Em nós, existem a cada minuto e, consciente ou inconscientemente, estão a afetar a nossa mente. E, ou os compreendemos quando eles surgem, quando tomamos consciência deles — e compreendê-los é resolvê-los em nós, imediatamente — ou os transportamos para o dia seguinte. Transportá-los para o dia seguinte é o verdadeiro problema — e não se resolveremos, ou não, os problemas. Porque quando os transportamos para o dia seguinte, a mente torna-se embotada, entorpecida; damos tempo ao problema para se enraizar na nossa mente. Portanto, submetemos as células do cérebro a uma pressão, a uma tensão que as fatiga. Um cérebro cansado não tem possibilidade de compreender. Precisamos de uma mente fresca, em cada dia. Assim, temos de compreender os problemas, e não de os adiar.

E para compreender um problema, a primeira condição é não dizer “Tenho de o resolver, tenho de encontrar uma resposta, preciso de descobrir uma saída; como é que vou encontrar a solução correta?” — não nos inquietarmos com o problema, como um cão com um osso. Mas é só isso o que fazemos, e quanto mais nos afligimos, tanto mais sérios nos julgamos. Observai, por favor, as vossas mentes, a vossa vida, e não as palavras que se estão a dizer. Para resolver problemas — resolvê-los e não adiá-los — temos de olhar para eles; temos de ser bastante sensíveis, para observar as implicações, o significado, a natureza íntima de um problema. Isso significa que temos de o escutar — escutar todos os seus “murmúrios”, todo o seu significado, não apenas verbalmente, mas ver, sentir, tocar o problema, com os olhos, nariz, ouvidos, com todo o nosso ser. Isso significa não ficar enredado na palavra que aponta para o problema. Não sei se compreendeis que a palavra não é o problema. A palavra “árvore” não é árvore. Mas, para quase todos nós, a palavra é que é importante e não o que está por trás da palavra; o símbolo tem muito mais significado do que o fato.

A mente tem, assim, de estar desperta, cheia de vitalidade, a observar, a escutar cada problema. O problema existe, e não podemos negá-lo. Um problema significa uma resposta a um desafio, e podemos responder totalmente, completamente ou de modo inadequado. Uma resposta inadequada ao desafio é que cria o problema. Não estamos sempre despertos, não somos capazes de estar atentos, sensíveis, nas vinte e quatro horas do dia; assim, as nossas respostas são inadequadas, e é isso que cria o problema; além disso, não enfrentamos o problema imediatamente. Enfrentar completamente o problema imediato — um pensamento, um sentimento — não é tentar resolvê-lo, não é fugir dele, não é compará-lo, não é dizer, “Este é o modo de o resolver” — todas as coisas vagas e absurdas de que a mente e o cérebro se ocupam, na esperança de compreender o problema. Encarar o problema de modo completo é escutá-lo, estar sensível a ele. E não podemos estar sensíveis ao problema se estamos a fugir dele, se o estamos a reprimir, se já temos para ele uma “resposta”.

Começamos assim a ver que a mente tem de estar desperta e sensível. Estou a usar a palavra mente para designar a interação entre o cérebro e a “coisa” que controla o cérebro, pois a mente não é formada apenas pelos nervos, pelas células cerebrais; ela é aquilo que não só é transcendente, mas também é constituída por células — a coisa total. A mente de quase todos nós está sobrecarregada de inúmeros problemas, e em cada dia lhes juntamos outros. Assim, todo o nosso ser se torna embotado, e perdemos toda a sensibilidade. E quando não somos sensíveis, fazemos esforço. Vejamos, por favor, o círculo vicioso em que estamos enredados.

Assim, é necessário compreender o desejo. Temos de compreender o desejo, e não de “viver sem desejo”. Se se mata o desejo, fica-se paralisado. Quando olhamos aquele pôr do sol à nossa frente, o próprio ato de olhar é um encantamento, se somos realmente sensíveis. Isso também é desejo — o encantamento. E se não somos capazes de ver o pôr do sol e de nos encantarmos com ele, não somos sensíveis. Se vemos um homem rico num belo automóvel e não somos capazes de gostar de ver isso — não porque desejamos tal coisa, mas simplesmente por vermos alguém a guiar um belo carro — ou se, ao vermos um pobre ser humano, sujo, andrajoso, inculto, desesperado, não sentimos uma pena imensa, afeição, amor, não somos sensíveis. Como podemos então encontrar a Realidade se não temos essa sensibilidade, esse sentir profundo?

Temos, assim, de compreender o desejo. E para compreender cada incitamento do desejo, temos de ter espaço, e de não tentar preencher esse espaço com os nossos pensamentos ou lembranças, ou com a preocupação de como satisfazer ou destruir esse desejo. Dessa compreensão nasce, então, o amor. Geralmente, não temos amor, não sabemos o que ele significa. Conhecemos o prazer, conhecemos a dor. Conhecemos a inconsistência do prazer e, provavelmente, a continuidade da dor. E conhecemos o prazer sexual e também o prazer de alcançar fama, posição, prestígio, e o prazer de exercer um enorme domínio sobre o próprio corpo, como os ascetas, de manter um “Record”... — conhecemos todas estas coisas. Falamos interminavelmente acerca do amor; mas não sabemos o que ele significa, porque não compreendemos o desejo, que é o começo do amor.

Sem amor não há verdadeira moralidade; o que há é ajustamento a um padrão, social ou supostamente religioso. Sem amor não há virtude, integridade. O amor é espontâneo, real, vivo. E a bondade não é uma coisa que se possa criar pelo exercício constante; é espontânea, como o amor. A virtude não é uma lembrança de acordo com a qual funcionamos como ser humano “virtuoso”. Se não temos amor, não somos bondosos. Podemos frequentar templos, levar uma vida familiar extremamente respeitável, seguir as regras da moral social, mas não somos bondosos. O nosso coração é estéril, vazio, está embotado, entorpecido, por não compreendermos o desejo. A vida, portanto, torna-se um constante campo de batalha e o esforço só termina com a morte. Só termina com a morte, porque só sabemos viver com esforço.

Assim, para compreender o desejo precisamos de compreender, de escutar, cada movimento da mente e do coração, cada alteração, cada mudança do pensamento e do sentir, precisamos de observar o desejo, de nos tornarmos sensíveis, despertos a ele. Não podemos tornar-nos sensíveis ao desejo se o condenarmos ou se o compararmos. Temos de estar muito atentos ao desejo, porque ele nos dará uma compreensão imensa. E dessa compreensão nasce a sensibilidade. Somos então sensíveis — e não só fisicamente sensíveis — à beleza, à sujidade, às estrelas, ao sorriso ou às lágrimas, e sensíveis também a todos os murmúrios, a todos os sussurros que nos povoam a mente, aos nossos secretos medos e esperanças.

E desse escutar, desse observar, vem a paixão, esta paixão igual ao amor. Só neste estado se é capaz de cooperar. E, porque se é capaz de cooperar, também só neste estado se pode saber quando não se deve cooperar. Assim com esta profunda compreensão e vigilância, a mente torna-se eficiente, lúcida, cheia de vitalidade e de vigor; e só uma mente assim pode viajar para muito longe.

Krishnamurti, Madrasta, 22 de janeiro de 1964,
O despertar da sensibilidade

O medo impede a percepção libertária

Esta tarde gostaria de falar sobre o medo. Temos de o examinar profundamente, e não procurar, apenas, algum remédio superficial ou um conceito ou um ideal para ser aplicado como meio de se ficar livre do medo, pois desse modo isso nunca é possível.

Gostaria não só de examinar tudo isto verbalmente, mas também de ir além da palavra, para investigar, não verbalmente, se é de fato possível ficarmos completamente livres do medo, tanto do medo biológico, fisiológico, como do medo psicológico.

Para quase todos nós, a palavra ocupa um lugar muito importante. Somos escravos das palavras. O nosso pensar é verbal, e sem palavras dificilmente podemos pensar. Há talvez um modo não verbal de pensar; mas, para compreender o pensar não verbal, temos de nos libertar da palavra, do símbolo, do pensamento verbal. Para a maioria de nós, porém, a palavra, o símbolo, ocupa um lugar extraordinariamente importante na nossa vida. E, assim, a mente é escrava das palavras — palavras como “indiano”, “hindu”, “brâmane”, etc.

Para penetrarmos muito profundamente neste problema do medo, temos não só de compreender o significado da palavra, mas também — se possível — de libertar a mente da palavra, e desse modo compreender profundamente o significado do medo.

Para investigar muito profundamente, é indispensável um sentido de humildade — mas não como “virtude”. A humildade não é uma “virtude”, é um estado de ser — ou somos humildes ou não somos. Não podemos buscá-la, nem cultivá-la; não podemos ser vaidosos e pôr uma camada de humildade sobre essa vaidade — como a maioria de nós tenta fazer. Vamos aprender sobre o medo. E para aprender sobre o medo e a sua enorme importância na nossa vida, a sua escuridão e os seus perigos, temos de investigar o que ele é. E, portanto, é preciso esse estado de humildade sem medo, uma humildade sem desejo de recompensa, e não cultivada.

Para a maioria de nós, a “virtude” é meramente uma coisa que cultivamos como meio de resistir às exigências dos nossos próprios desejos e também às experiências de uma determinada sociedade, em que acontece vivermos. Mas a virtude, a bondade, não está contida na esfera do tempo. Não se pode “acumular” virtude, não se pode cultivá-la. Ela é, por exemplo, ser bom e não tornar-se bom. Estas duas coisas são totalmente diferentes. Florescer em bondade é inteiramente diferente de tornar-se “bom”. Tornar-se “bom” é um meio de alcançar uma recompensa, de evitar uma punição ou de resistir a alguma coisa, e nisso não há florescimento.

Do mesmo modo, deve haver humildade como um estado imediato, e não como um estado que se adquire. Só nesse estado de humildade é possível perceber globalmente, compreender, e aprender. Pois — quando se trata de matérias não técnicas — só há aprender, e não “ser ensinado” e “adquirir conhecimentos”. Podemos adquirir conhecimentos, informação sobre matemática. Mas sobre o medo, temos de aprender, não de livros, não com estudos de psicologia mas através da observação de nós mesmos. E não se pode aprender se não há humildade. Assim, cada um tem de ser, simultaneamente, mestre e discípulo de si mesmo, e esse discípulo é a mente que está a aprender. A pessoa cuja mente está a aprender não é um discípulo submisso, que aceita, que segue. Aquele que se submete, que segue, não está a investigar o que é a Verdade; está apenas a ajustar-se a um padrão de “bom comportamento”, do qual espera obter, como recompensa final, aquilo a que chama a Verdade.

A humildade é, pois, um estado da mente, no qual não há medo. A humildade é diferente do respeito. Pode-se respeitar outrem, e porque há essa consideração, não há desrespeito. Respeitamos o governador, o primeiro-ministro, mas tratamos rudemente o nosso empregado; nisto há desrespeito. Assim, a humildade é completamente diferente do respeito; é uma qualidade da mente. E só a mente que tem humildade é capaz de aprender. Portanto, só em humildade se pode observar, com precisão, cada movimento do pensamento. Porque, então, a mente está num estado de aprender, num estado de atenção — não de concentração. Examinaremos a atenção e a concentração noutra oportunidade, quando falarmos da meditação.

Esta tarde, estamos a tratar do medo. Estamos a investigar se é de fato possível — não verbalmente, não idealmente, não teoricamente, mas realmente — ficarmos livres do medo, profunda, fundamental e radicalmente livres. Não sei se alguma vez cada um de nós fez esta pergunta a si mesmo — provavelmente não. Aceitamos o medo, o medo psicológico, como inevitável e, portanto, tentamos reprimi-lo ou fugir dele. Mas quando fazemos essa pergunta a nós mesmos, se é de fato possível ficarmos completamente, totalmente, livres do medo, descobrimos por nós próprios uma coisa extraordinária, que é um estado em que a mente não só tem humildade, mas também a qualidade de estar em completa inocência. Vamos examinar isso esta tarde.

Estamos a falar do medo — e não de uma dada espécie de medo. Há várias espécies de medo, interna e externamente, dentro e fora de nós. Exteriormente há perigo. Medo significa perigo — o perigo de se perder um emprego, o perigo de se morrer, de se sofrer um acidente; o medo de não se alcançar uma certa posição, de não se ter sucesso pessoal, de não se ter dinheiro suficiente; o medo da pobreza, do desconforto, da doença, da dor. A dor física é relativamente fácil de ser encarada; há uma solução — recorrer ao médico ou aceitá-la. Podemos aceitar uma dor física quando temos a consciência, a percepção de que essa dor física não distorce a mente, não torna o pensamento amargo e ansioso, e também quando a mente está atenta a si mesma, de modo a não criar nem temer algum mal futuro. Pode-se enfrentar tudo isso de maneira bastante inteligente, com bastante equilíbrio e compreensão. Mas do que estamos a tratar é do medo psicológico, que é muito mais complexo, e que precisa de uma investigação intensa e de uma extraordinária atenção para ser examinada. Pode-se compreender muito bem que se há medo psicológico, de qualquer espécie ou forma, esse medo distorce todo o percebimento.

Como disse no outro dia, não estais apenas a escutar ou apenas a ouvir palavras, mas estais a escutar e a ouvir ao mesmo tempo. O “orador” está apenas a usar palavras para comunicar. A natureza da palavra e a compreensão da palavra dependem de ambas as partes — de vós e de mim. Mas a arte de escutar é inteiramente vossa. Se só escutais as palavras e não ides diretamente aonde elas indicam, ficareis parados a ouvir as palavras, e não ireis mais longe. E, como disse, estamos a aprender. Para aprender tem de haver humildade, para aprender é preciso escutar, é preciso ouvir. E ouvir realmente, escutar, aprofundar, tudo isso exige atenção, e na verdadeira atenção não há resistência. Por exemplo, ouve-se o som da buzina daquele carro, a voz do corvo, um barulho de tosse; mas, ao mesmo tempo, está-se tão atento que se ouve a palavra e se percebe intelectualmente o seu significado, através dos ouvidos, do sistema nervoso, etc. E, além de tudo isso, há o estado de aprender. E só assim a mente pode examinar profundamente este problema do medo.

Todos temos medos psicológicos, de várias espécies. A maioria de nós aceita-os constrangidamente, por não encontrar outra solução. Conhecemos várias formas de medo: medo da morte, medo da opinião pública; medo de não sermos capazes interiormente, de alcançar, de conseguir, de chegar a determinado objetivo, de ter êxito em alguma coisa; medo do que pode acontecer se não nos ajustarmos; e, também, o medo implantado por um ideal a alcançar.

Por favor, demos um pouco de atenção a isto. Geralmente, somos idealistas bastante “simples” — simples no sentido de não refletirmos muito sobre o assunto. Somos conformistas, sempre a dizer “sim” e nunca “não”. Estamos a ajustar-nos e somos levados pela sociedade a conformar-nos, a imitar, a condescender.

E isso o que está a acontecer presentemente neste país. Todos vós sois ideologicamente não-violentos. Aceitais isso talvez só verbalmente, e não efetivamente. Mas tendes pregado isso e apontado incessantemente o seu valor mortal. Os “homens de religião”, os políticos, e todos os que querem ter sucesso na política, pregam esta mesma coisa, em todo o mundo, usando-a, no começo, como instrumento político, como meio de ação. Tendes aceitado e seguido isso, durante anos, como um ideal. Mas de súbito, tem lugar um incidente e todos vos tornais militaristas, com igual ardor. E ninguém recusa esta enorme contradição. Toda uma geração que aceitava a não-violência está agora a ser treinada para aceitar a violência!

Vedes a importância de compreender esse estado da mente que aceita coisas contraditórias com igual facilidade? Certamente que essa mente, porque aceita ideais, pode ser levada a seguir determinada direção, como qualquer rebanho. Mas a mente que compreende o medo, essa não tem ideais; por isso, não pode ser dirigida por propaganda nenhuma, por nenhum político, por nenhum livro, por nenhum instrutor, nem pela sociedade. Essa mente, que não se deixa guiar, ou que não se está a ajustar a nenhum padrão de ideais, enfrenta cada minuto de cada ação e de cada pensamento, compreendendo todos os movimentos do pensamento e do sentir, o presente, o factual, o que é — muito mais significativo do que “o que deveria ser”.

“O que deveria ser” é o ideal; é portanto inexistente, ilusório, sem nenhum significado. Mas o que é, o real, é de imensa significação; só este pode ser transformado, e não “o que deveria ser”. Assim, com uma completa compreensão dos ideais, podemos varrê-los todos. E ficaremos, portanto, com uma carga a menos — o que não significa que, com isso, nos tornamos diferentes... Quando varremos o ideal, ficamos realmente frente a frente com o fato, com o que é o fato de que somos violentos. E podemos então enfrentar o fato. Mas se ficamos todo o tempo a “tornar-nos” não-violentos, a enganar-nos, a hipnotizar-nos, estamos num estado de ilusão. Tais pessoas geralmente são neuróticas. Mas aquele que está completamente atento a si mesmo não tem ideais; move-se de fato para fato — os seus fatos psicológicos, o que é.

E assim foi afastado um dos fatores do medo. Compreendamos, por favor, o enorme significado disto. No momento em que ficamos livres de ideais — que são enexistentes, sem realidade — ficamos frente a frente com o que é, com o fato de que somos violentos. E quando nos apercebemos de que somos violentos, podemos enfrentar isso adequadamente. Não há assim hipocrisia, não há dissimulação, nem se põe nenhuma máscara de não-violência, enquanto se arde em ódio interiormente! Assim, se compreendemos isso, não verbalmente mas de fato, ficamos livres dessa enorme contradição entre “o que deveria ser” e o que é. Eliminamos de uma só vez esta contradição; e ficamos, portanto, capazes de encarar todo esse problema do conformismo, do ajustamento. Então, já não haverá ajustamento, mas apenas compreensão do fato da violência.

A nossa sociedade está baseada na violência — violência que é competição, ambição, cada um apenas interessado em si próprio, isolando-se dos outros. Podemos dizer, “Deves amar o próximo”. E excelente! Mas, então, não se pode ser ambicioso ao mesmo tempo. O amor e a ambição não podem coexistir; contudo, no emprego, está-se em competição, para uma posição melhor, um trabalho melhor, mais dinheiro — conhecemos o sistema todo...

Assim, temos de compreender todo este mecanismo dos ideais: como projetamos estes ideais para fugirmos do fato, e como os ideais estimulam e criam ajustamento, contradição e conflito, provocando, portanto, medo.

Precisamos de compreender toda essa estrutura dos ideais. Mas não se pode compreender só intelectualmente. “Compreensão intelectual” é coisa que não existe; quando se diz “Compreendo intelectualmente”, o que se quer dizer é que se compreende o significado da palavra. Compreensão implica compreender com a totalidade da mente — emocionalmente, verbalmente, intelectualmente, isto é, com a totalidade de nosso ser; e esse compreender é completo e instantâneo. Se compreendermos isto — relativamente aos ideais, ao ajustamento, à contradição — teremos então eliminado um dos principais fatores do medo.

Por favor, enquanto o “orador” fala, observai tudo isto, em vós mesmos; não ouçais apenas as palavras, só para concordar e dizer “Que é que vai dizer a seguir?” O que vou dizer a seguir, o que virá ainda não sei; o que virá a seguir será igualmente difícil se não o investigardes em vós mesmos. Estamos a andar, a viajar juntos, aliviando a mente de um dos principais fatores do medo.

Há ainda toda esta questão da disciplina — que é entendida como “treinar-nos psicologicamente” para nos ajustarmos a um determinado padrão, o padrão chamado religioso ou o padrão moral de uma dada sociedade. Mas, na realidade, a palavra disciplina significa aprender. Não sei se já alguma vez refletistes sobre o que é a disciplina e se de fato já tentastes disciplinar-vos — não teoricamente, mas efetivamente — para verdes se podeis disciplinar-vos, e quais as consequências disso. Se já o tentastes, tereis visto que há resistência — resistência a um determinado desejo, a um determinado impulso ou a uma forte tendência; resistência ou repressão que significa controle.

Toda a repressão, toda a resistência, todo o controle é contrário ao aprender. Se aprendemos a respeito de alguma coisa, a respeito da cólera, por exemplo, não só estamos conscientes de que estamos encolerizados, como também observamos a causa, o motivo da cólera, sendo a cólera a reação, e assim por diante. Examinamos tudo isso, compreendemo-lo. Nesse mecanismo de compreender não há resistência, não há necessidade de controle, porque dessa compreensão nasce uma diferente espécie de disciplina, que é o ato de aprender.

Não sei se estais a entender tudo isto. Aquilo de que precisamos é de uma mente livre, e não de uma mente disciplinada — disciplinada no sentido comum do termo — uma mente treinada para se ajustar a um determinado padrão. A mente “disciplinada” é uma mente morta; é rotineira, estreita, limitada, pequena; nunca é livre. E só a mente livre pode compreender, ir além, fazer uma viagem infinita dentro de si mesma.

Assim, a mente que está meramente a “disciplinar-se” — o que significa resistir, controlar — não tem possibilidade de compreender a natureza do medo.

Tenta-se descobrir a causa do medo. Diz-se, “Tenho medo por causa disto”, e pensa-se que é muito importante encontrar a causa do medo; mas não é isso o que é importante. Pensamos que, compreendendo a causa, ficaremos livres do medo. Se observarmos bem, veremos que, embora possamos conhecer a causa, o medo ainda continua. Assim, a mera pesquisa psicológica da causa do medo não nos liberta do medo. Isso é apenas um dos fatores.

Mas há então o fator real, que requer muita compreensão. Vamos examiná-lo agora. Em todos nós existe o “observador”, o “pensador”, e o pensamento — dois estados separados; um deles é o pensador, o observador, o experienciador, e o outro é a coisa experienciada, a coisa observada, neste caso o pensamento. Os dois, no que diz respeito à maioria de nós, estão separados; há uma enorme divisão entre eles. Observai, por favor; não aceiteis nem rejeiteis o que está a ser dito. Observai-vos a vós mesmos; deixai que o “orador” seja apenas um espelho em que vos estais a observar, para verdes a realidade e não aquilo que gostaríeis de ver.

Há uma divisão entre o pensador e o pensamento. E então surge a questão: como lançar uma ponte entre o pensador e o pensamento? O pensamento cria a ideia, que é pensamento racionalizado; ou muitos pensamentos racionalizados são reunidos, constituindo uma ideia, uma conclusão, um conceito. Há o pensador e há o conceito, que ele formula por meio do pensamento, e que se torna o padrão. Portanto, o pensador separa de si o conceito. E, por isso, há conflito entre o pensador e o pensamento, porque o pensador, (em função desse padrão), está sempre a tentar corrigir o pensamento, a tentar alterá-lo, modificá-lo, ou dar-lhe continuidade.

Ora, será real esta divisão? Vemos que esta separação existe. Mas haverá, na verdade, um pensador separado do pensamento? Quando não pensamos em coisa nenhuma, onde está o pensador? Escutai, por favor. Não estou a pôr uma questão retórica, para responderdes, para concordardes ou discordardes. Se fizerdes esta pergunta a vós próprios, como estais a fazer agora, tereis de descobrir, de observar, se, quando não há nenhum pensamento, há algum centro a partir do qual se pensa.

Só existe pensamento e é o pensamento que cria o pensador, por várias razões psicológicas — por desejar segurança, ou então como um meio de ter mais experiências, de ter um centro de onde atuar, etc., etc...

Há, assim, esta divisão entre o pensador e o pensamento; e portanto há conflito. Enquanto existir essa divisão, terá de haver medo. O pensador procura então controlar o medo, dominá-lo; tenta resistir ao medo, livrar-se dele. Está, portanto, sempre a olhá-lo como se fosse uma coisa separada de si próprio, e por isso nunca se liberta do medo. Esta é, aliás, uma das principais causas da continuidade do medo. Enquanto há divisão entre o observador e a coisa observada, há contradição, há divisão: o medo ali e ele (o observador) aqui. E, observando o medo, o observador quer livrar-se dele; portanto, tenta todos os métodos para se ver livre do medo.

Se não há pensador, mas apenas o estado de medo — o estado de medo, e não a entidade que sente o medo — então é possível compreender o medo, examiná-lo. Vamos então examiná-lo um pouco.

Que é realmente o medo — o medo psicológico? E um estado em que se é sensível a um perigo, psicologicamente — o perigo de perder a nossa companheira, de perder o emprego, etc.. Que é este medo psicológico? Na verdade, ele significa “tempo”. Se não houvesse “tempo” não haveria medo. Podemos pensar em determinada coisa, pensar no perigo, pensar em perder o emprego, pensar na morte, pensar no intervalo entre a realidade atual e o que poderá acontecer — o intervalo de “tempo” é a causa do medo. Se não houvesse nenhum “tempo”, se não houvesse um “amanhã”, correspondente ao pensamento, “que irá acontecer amanhã”, se a mente se ocupasse apenas a encarar o estado real de medo, que aconteceria então?

Há o tempo cronológico, indicado pelo relógio. Mas se não houver tempo psicológico — não só o tempo do “amanhã” mas também o tempo do “ontem” — isto é, se o pensamento não se ocupar com “o que poderá acontecer amanhã”, ou se não voltar ao que já aconteceu, para o relacionar com o presente — vemo-nos então confrontados, não com o medo, mas apenas com um estado.

Se vos tendes observado a vós mesmos — sabeis o que realmente acontece quando sentis medo, quando há um “perigo” psicológico? Suponhamos, por exemplo, que tenho medo que se descubra o que “eu” sou. Se isso se descobrisse, “eu” poderia perder a minha reputação, a minha posição, etc.. Assim ponho uma máscara. E atrás dessa máscara, há sempre ansiedade, um sentimento de culpa, e o sentimento de que preciso de estar sempre vigilante, para nunca tirar a máscara e deixar ver o que está atrás dela. Esse é o meu estado real. O que se vê é a máscara e não o meu estado; mas o que está atrás da máscara é o meu verdadeiro estado, e eu tenho medo disto. Então, o que se passa? Não estais suficientemente interessados em mim para tirar-me a máscara e olhar. Porque tendes as vossas próprias máscaras, e muitas — isso não vos interessa. Mas eu penso que podereis, talvez, olhar. O “podereis” é o futuro, e o passado e alguma coisa que eu fiz e que podereis descobrir. Estou enredado no “tempo”. Foi o mecanismo do pensamento que criou esse “tempo” e nesse “tempo” — que pode ser uma fração de segundo, um dia, ou dez anos — o pensamento está enredado. O pensamento criou esse “tempo”, imaginando que podereis olhar o que esta atrás da minha máscara. Assim, é o pensamento que cria o medo — o medo surge porque existe “tempo”. Mas não podemos pôr isso de lado, não podemos dizer: “não terei medo do tempo”. O que temos e de compreender este mecanismo, extraordinariamente sutil.

Então, se investigarmos suficientemente esta questão, descobriremos também que, de fato, nunca experimentamos realmente esse estado de medo. Não é o mesmo estado de quem está fisicamente à beira de um precipício ou se vê frente a frente com uma cobra venenosa. Então, imediatamente, lá está o medo, e isso exige uma reação imediata.

Provavelmente, a maioria de nós nunca olhou face a face o estado de medo psicológico, porque chegamos a ele através das palavras e são as palavras que geram o medo. Vejamos. Tomemos, por exemplo, a palavra “morte”. Não vou falar da morte agora; trataremos disso noutra reunião. Estamos a referir-nos a palavras como “Deus”, “morte”, “comunismo”, etc. A palavra tem uma influência extraordinariamente importante. A palavra “morte” evoca toda a espécie de imagens e de medos — a palavra ou o símbolo, ou uma coisa que vemos transportar na rua, um corpo morto, que é um símbolo. Assim, é a palavra que cria esse medo.

Compreendemos, pois, o que está implicado nesse extraordinário mecanismo do medo — palavra, “tempo”, ideal, “disciplina”, ajustamento, e essa divisão entre o experienciador e a coisa experienciada. Vemos que tudo isso está implicado, quando começamos a investigar o medo, e temos de o compreender totalmente, e não em fragmentos. E se chegamos até aí, temos de ir muito mais fundo ainda, investigando toda a questão do consciente e do inconsciente.

A maioria de nós vive na superfície. Todas as nossas atividades, toda a nossa rotina, todas as nossas sensações são superficiais. Nunca mergulhamos, nunca vamos até à profundidade da nossa consciência, para compreender. E para compreender, a mente superficial, que está sempre ativa, tem de ficar quieta.

A mente tem de estar totalmente livre do medo, porque se há qualquer sombra de medo, em qualquer nível da nossa consciência, qualquer medo inexplorado, oculto, dissimulado, isso projetará uma ilusão que trará obscuridade. A mente que quer de fato compreender o que é verdadeiro, o real — o extraordinário estado da mente que compreende aquilo a que se chama Verdade — não deve ter, psicologicamente, medo de espécie alguma. Há o medo físico — quando se encontra uma serpente, salta-se para longe dela — isso é perfeitamente natural; esse medo é necessário; se não existe, a pessoa torna-se neurótica. É uma reação normal de uma mente sã. Mas estamos a falar do medo psicológico, que é um estado neurótico. A mente que deseje realmente compreender, fazer uma viagem de exploração e de aprofundamento dessa coisa extraordinária chamada Realidade — onde não há medida, nem tempo, nem ilusão, e que está além da imaginação — essa mente tem de estar completamente livre do medo. Essa mente, portanto, nunca estará vivendo no passado nem no futuro. Mas não traduzamos isto apressadamente como uma coisa “no presente”, como alguns dos filósofos mais famosos, filósofos decepcionados, falam do presente — isto é, viver completamente “no presente”, aceitar tudo “no presente” — o bom, o mau, o indiferente — viver nele e tirar o melhor partido possível. Não preciso de nomear essa filosofia — o que disse é suficiente; sabemos o que ela é.

Assim, a mente que está atenta a tudo o que está ligado ao medo, não se interessa pelo passado, mas quando o passado se apresenta, encara-o adequadamente, em vez de fazer dele um degrau para o futuro. Essa mente, portanto, está a viver no presente ativo e, sendo assim, compreende cada movimento do pensamento, do sentir, e também do medo, logo que ele surge.

Há muito que aprender. O aprender não tem fim. E com ele não há medo, não há ansiedade. Devemos fazer desse aprender parte de nós mesmos, para nunca ficarmos prisioneiros das coisas que aconteceram no passado ou poderão acontecer no futuro, para nunca ficarmos enredados no “tempo” como pensamento. Só a mente que se libertou de todo este medo pode estar vazia. E então, nesse estado de vazio, pode compreender o que é supremo e inominável.

Krishnamurti, Madrasta, 19 de janeiro de 1964,
O despertar da sensibilidade

Pode a mente estar totalmente livre?

Para se compreender completamente uma coisa, trivial ou importante, tem de se lhe dar uma atenção total, desbloqueada e livre. De outro modo não é possível compreender — especialmente aquelas coisas que requerem cuidadoso estudo e intimo conhecimento. Para se prestar atenção tem de haver liberdade; se assim não for a atenção não é possível. Não podemos dar-nos completamente a uma determinada coisa se não estamos livres. E para compreender essa coisa extraordinária a que se chama Verdade — simples e ao mesmo tempo complexa — temos de dar-lhe essa atenção sem bloqueios. E, como disse, a liberdade é essencial. Porque a Verdade não pertence a nenhuma religião, a nenhum sistema, nem pode ser encontrada em livro algum. Não podemos aprendê-la de outro, nem a ela ser levados por outro. Temos de compreendê-la inteiramente e de entregar-nos a ela assim, temos de chegar à Verdade livres, descondicionados e num estado em que a mente se compreende a si mesma, libertando-se de toda a ilusão.

A liberdade — ser livre — está a tornar-se cada vez mais difícil. À medida que a sociedade vai sendo mais complexa, e a industrialização se torna mais vasta, mais profunda e mais organizada, há cada vez menos liberdade para o homem. Como se pode observar, quando o Estado se torna todo-poderoso ou quando ele alcança bem-estar social, preocupação desse Estado com os cidadãos é tão completa que há cada vez menos liberdade exterior. E exteriormente a pessoa torna-se escrava da sociedade, da pressão da sociedade; nesta pressão da existência organizada, a existência tribal deu lugar ao controlo centralizado, organizado, industrializado. Há cada vez menos liberdade exterior. Onde há mais “progresso” há menos liberdade. Isto é evidente, é um fato observável em toda a sociedade que se torna mais complexa, mais organizada.

Assim, exteriormente há a pressão do controle, a moldagem da mente do indivíduo — tecnologicamente, industrialmente. Sendo exteriormente tão constrangida, a pessoa tende naturalmente a entrincheirar-se psicologicamente, interiormente, cada vez mais, num determinado padrão de existência. Isto é também um fato evidente.

Assim, para quem é bastante sério para investigar se há, de fato, uma Realidade, para descobrir o que é a Verdade — a Verdade não construída pelo homem; com o seu medo, o seu desespero; a Verdade que não é uma tradição, uma repetição, um instrumento de propaganda — para se descobrir isso, tem de haver completa liberdade. Exteriormente, poderá não existir liberdade, mas interiormente, tem de haver absoluta liberdade.

Compreender esta questão da liberdade é das coisas mais difíceis. Não sei se já refletistes profundamente sobre isso. Ainda que já tenhais pensado no assunto, sabeis o que significa ser livre? Por liberdade não entendo uma libertação abstrata, ideal — isso é demasiado teórico e distante, pode não ter qualquer realidade; pode ser uma invenção de uma mente cheia de desespero, de medo, de agonia, que construiu verbalmente, intelectualmente, um modelo, na esperança de alcançar um determinado estado verbal, mas isso não é uma realidade. Não estamos a falar de liberdade como uma abstração mas como uma realidade; falamos da liberdade cotidiana, interior, em que psicologicamente não há sujeição a coisa alguma. Será isso possível? Teoricamente, idealmente, talvez seja possível. Mas aqui não nos interessam ideias, nem teorias, nem esperanças de tipo religioso e especulativo; só nos interessam fatos.

Psicologicamente, interiormente será possível a mente estar totalmente livre? Exteriormente, pode-se ir para o emprego todos os dias, pertencer a uma certa categoria de pessoas, a uma determinada sociedade, etc. — isso é inevitável, é absolutamente necessário para ganhar a vida. Mas deverão as tensões e as pressões do condicionamento exterior, do ajustamento externo ao padrão de uma determinada sociedade — deverá isso dominar a psique, todo o mecanismo do nosso pensamento? E haverá realmente completa liberdade psicológica? Porque sem liberdade, sem absoluta liberdade psicológica, nenhuma possibilidade existe de descobrir a Realidade, de descobrir o que é Deus — se tal ser existe. A liberdade é absolutamente necessária mas a maioria de nós não deseja ser livre — esta é a primeira coisa que temos de reconhecer.

Assim, será possível estarmos psicologicamente livres, de modo a podermos descobrir, por nós mesmos, o que é a Verdade? Porque no próprio mecanismo ou no próprio ato de compreender o que é a Verdade, ficamos capazes de ajudar o nosso semelhante; de outro modo, não podemos ajudar; de outro modo criamos mais confusão, mais sofrimento para o homem — o que, aliás, é óbvio, como mostram todas as coisas que estão a acontecer.

A verdade que é comunicada por outro, que é descrita ou ensinada por outro — por muito sábio ou inteligente que seja — não é Verdade. Somos nós que temos de ir descobri-la, de compreendê-la. Retiro a expressão “ir descobri-la” — não podemos “ir descobrir” a Verdade; não podemos pôr-nos à procura, consciente e deliberadamente, para a encontrar. Temos de encontrar inesperadamente a Verdade “no escuro”, desprevenidamente. Mas não podemos assim encontrá-la se, no íntimo, a nossa mente, a nossa psique, não estiver completa e totalmente livre.

Para descobrir qualquer coisa, mesmo no campo científico, a mente tem de estar livre. Tem de estar descondicionada para ver o que é novo. Mas, em geral, infelizmente, a nossa mente não é fresca, nova, inocente — para ver, observar, compreender. Estamos cheios de experiências, não só das experiências que acumulamos recentemente — com “recentemente” quero dizer nos últimos cinquenta ou cem anos — mas também da experiência humana imemorial. Estamos confusos e bloqueados por tudo isso, que constitui o nosso conhecimento, consciente ou inconsciente; o conhecimento consciente é o que adquirimos através da instrução que recebemos neste mundo moderno, no nosso tempo.

Ora, é importante, quando estais a ouvir estas palavras, que escuteis realmente. Penso que há diferença entre escutar e ouvir. Podemos ouvir palavras e interpretá-las, dando-lhes o nosso próprio significado ou o significado segundo um certo dicionário, e ficar ao nível da comunicação puramente verbal. E quando se ouvem palavras dessa maneira, intelectualmente, há concordância ou discordância. Prestemos um pouco de atenção a isto, por favor. Não estamos a trocar opiniões. Não estamos a investigar dialeticamente a verdade de opiniões. Estamos a investigar, a tentar compreender a Verdade — não a verdade de opiniões, não a verdade do que outros disseram. Se escutarmos — o que é inteiramente diferente de ouvir, apenas — então não há nem concordância nem discordância. Estamos realmente a escutar, para descobrir o que é verdadeiro e o que é falso — e isso não depende do nosso julgamento ou opinião, do nosso conhecimento, ou do nosso condicionamento.

Temos assim de escutar, se queremos ser verdadeiramente sérios. Se se deseja ser superficial, estar apenas entretido com um passatempo intelectual, também está certo. Mas se somos realmente sérios e sentimos a urgência de descobrir o que é a Verdade, temos de escutar. O ato de escutar não implica concordância ou discordância. E é essa a beleza do escutar. Então compreendemos totalmente. Se escutarmos aquele corvo, veremos que estamos a dar atenção tão completamente que não comparamos, que não interpretamos o som, como o som produzido por um corvo. Estaremos a escutar puramente o som, sem interpretação, sem identificação e, portanto, sem comparar. E assim o ato de escutar.

Ora, se estamos a comunicar verbalmente — e isso é o que nos é possível fazer — então temos não apenas de ouvir a palavra — isto é, a natureza e o significado dessa palavra — mas também de escutar, sem concordar ou discordar, sem comparar, sem interpretar, temos realmente de dar toda a atenção. Então, veremos, por nós mesmos, imediatamente, o significado de tudo o que a palavra liberdade implica. Pode-se compreendê-lo instantaneamente. A compreensão, o ato de compreender é imediato, quer aconteça amanhã ou hoje. O estado de compreensão é, portanto, intemporal; não é um mecanismo gradual, um mecanismo acumulativo.

Assim, não estamos só a comunicar verbalmente uns com os outros, mas estamos também, realmente, a escutar-nos uns aos outros. Estais a escutar-vos a vós mesmos, ao mesmo tempo que estais a ouvir este que vos está a falar. O que ele está a dizer não é importante, mas o que escutais é importante — vede, por favor, que isto não é um jogo intelectual. Porque é o ouvinte, cada um de vós, que tem de descobrir o que é a Verdade; é o ouvinte que tem de compreender toda a estrutura, toda a anatomia, toda a profundeza e plenitude da liberdade. O “orador” está apenas a comunicar verbalmente. E se estais só a ouvir as palavras e dizeis: “Essa é a sua opinião”, “Esta é a minha opinião”, “Concordo”, “Discordo”, “Foi isso que Buda ou Shankara disse” — então, vós e eu não estamos a comunicar. Então, estamos apenas a entreter-nos com opiniões — pelo menos vós estais. Assim, temos de ver com muita clareza, logo desde o começo, para que não estejamos só a ouvir a comunicação verbal — a palavra, o significado e a natureza da palavra — mas também a escutar.

Tendes assim uma dupla tarefa — ouvir as palavras e escutar. Naturalmente, a palavra que ouvis tem um significado e esse significado evoca certas respostas, certas lembranças, certas reações. Mas, ao mesmo tempo, tendes de escutar sem reação, sem opiniões, sem julgamento, sem comparação. A vossa tarefa é assim muito maior que a do “orador”, e não o contrário, que é aquilo a que geralmente se está habituado: o orador faz o trabalho todo e fica-se apenas a ouvir, a concordar ou discordar, e depois cada um vai-se embora muito animado e satisfeito, intelectualmente estimulado. Mas tal estado não tem qualquer valor — para isso também se pode ir a um cinema.

Mas, quando uma pessoa é verdadeiramente séria, essa seriedade exige uma atenção completa, uma atenção aprofundada, que vai até ao fim. Essa pessoa sabe certamente a arte de escutar. E se sabeis esta arte, não é preciso dizer mais nada. Então escutareis a voz do corvo, do pássaro, o sussurrar da brisa entre a folhagem; e escutar-vos-eis também a vós mesmos, os murmúrios da vossa mente, o vosso coração, e os sinais vindos do vosso inconsciente. Estareis então num estado de penetrante e intensa escuta e, portanto, já não andareis entretidos com opiniões.

Assim, se somos realmente sérios, escutamos dessa maneira; e precisamos de escutar assim. Porque, como disse, a liberdade é absolutamente necessária para a compreensão do que é a Verdade. Sem essa compreensão, a vida torna-se muito superficial, vazia, tornamo-nos meros autômatos. E no ato de compreender o que é verdadeiro — ou seja, no ato de escutar — a vida começa de maneira nova.

A nossa mente não tem frescura. A nossa mente já viveu milhares de anos — por favor não metamos nisto a reencarnação; se o fizermos não estaremos a escutar. Ao usar as palavras “milhares de anos” não me estou a referir só a “nós”, mas ao homem. Somos o resultado da existência milenar do homem. Somos uma consciência vastíssima; só que nos apropriamos de uma parte dela, construímos um muro à sua volta, confinamo-la, e agora dizemos “Isto é a minha individualidade”. E ao dizer “milhares de anos”, não estou a falar dessa clausura — essa clausura de arame farpado que, na maioria dos casos, cada um de nós é. Estou a falar daquele estado de consciência que é imenso, vasto, que tem passado por milhares de experiências e que está debaixo da crosta, do fardo, do peso da tradição, do conhecimento acumulado, de toda a espécie de esperança, de medo, desespero, ansiedade, agonia, avidez, ambição — não só a ambição dos que estão enclausurados, mas também a ambição do homem. Assim, as nossas mentes estão embotadas pelo passado — isto é, aliás, um fato psicológico; não se trata de uma opinião contra outra opinião.

Assim, com essa mente, com essa psique que tem passado por tantas experiências, que conserva todas as cicatrizes, todas as lembranças, todos os movimentos do pensamento, como memória — com essa mente é que vamos ao encontro da vida. E é com tudo isso que queremos ir ao encontro daquilo que desejamos descobrir — a Verdade. E não podemos, evidentemente.

Como em relação a qualquer outra coisa, temos de ter uma mente fresca, nova. Para olhar uma flor, ainda que a tenhamos visto muitíssimas vezes, para olhar essa flor de maneira nova, como se a estivéssemos a ver pela primeira vez na vida, temos de ter uma mente nova uma mente fresca, inocente, extremamente acordada. De outro modo, não a podemos ver — só vemos as lembranças que projetamos nessa flor, e não vemos lealmente a flor. Por favor, compreendamos isto.

Uma vez que tenhamos compreendido o ato de ver como um ato de escutar, teremos aprendido uma coisa extraordinária na vida, algo que nunca mais nos deixará. Mas a nossa mente está tão gasta, tão embotada, pela sociedade, pelas circunstâncias, pelos nossos medos e desesperos, por todas as desumanidades, pelos insultos e as pressões, que se tornou mecânica, insensível, entorpecida, indolente. E com essa mente queremos compreender; é evidente que não podemos.

Assim, a questão é: Será possível ficarmos livres de tudo isso? De outro modo, nem a flor seremos capazes de ver. Não sei se, quando vos levantais, de manhã cedo, vedes o Cruzeiro do Sul, o céu estrelado. Se já contemplastes realmente o céu — do que duvido — talvez tenhais olhado os astros, talvez conheçais os seus nomes e as posições. E depois de os terdes olhado alguns anos, alguns dias ou semanas, já vos esquecestes de as ver e apenas dizeis: “Aquele ali é Júpiter, Marte”, etc... Mas acordar de madrugada, olhar pela janela ou ir à rua para ver o céu como uma coisa nova, com olhos desnevoados, com uma mente desobstruída — só assim se pode compreender aquela beleza, aquela profundidade, e o silêncio que existe entre nós e aquilo. Só assim somos capazes de ver. E, para isso, temos de estar livres; não podemos trazer toda a carga da nossa experiência, para olhar.

A nossa pergunta é, então: Será possível estarmos libertos do conhecimento? Conhecimento é o que no passado se foi acumulando. Toda a experiência que se tem é imediatamente traduzida, guardada, registrada; e com esse registro vamos fazer face à experiência seguinte. Portanto, nunca compreendemos uma experiência; ficamos só a traduzir cada desafio de acordo com a resposta do passado e, assim, a fortalecer o registro. E o que acontece no cérebro eletrônico, no computador. Só que somos apenas uma pobre imitação desse maravilhoso instrumento mecânico chamado computador. Será possível sermos livres? De outro modo não poderemos descobrir o que é a Verdade — pode-se falar acerca dela incessantemente como os políticos citam o Gita.

Temos pois de investigar. E essa investigação não é meramente verbal, intelectual: é o estado da mente que está a escutar.

O conhecimento acumulado torna-se a nossa autoridade — sob a forma de tradição, de experiência, daquilo que se leu, daquilo que se aprendeu, e da autoridade reivindicada por aqueles que dizem que sabem. No momento em que uma pessoa diz que sabe, não sabe! A Verdade não é algo acerca do qual se possa ter conhecimento acumulado. Tem de ser percebida, de momento a momento — como a beleza de uma árvore, do céu, do pôr do sol.

Assim, o conhecimento torna-se a autoridade que guia, que molda, que encoraja, que dá força para continuar. Por favor, prestemos atenção a tudo isto, porque temos de compreender a anatomia da autoridade — a autoridade do governo, a autoridade da lei, a autoridade do polícia, a autoridade psicológica que é constituída pelas nossas próprias experiências e pelas tradições que nos foram transmitidas, consciente ou inconscientemente; tudo isso se torna o nosso guia, se torna um sinal de advertência quanto ao que “se deve fazer” e o que “não se deve fazer”. Tudo isso se encontra nos domínios da memória. E isso é realmente aquilo que somos. A nossa mente é o resultado de milhares de experiências com as suas lembranças e as suas cicatrizes, o resultado das tradições transmitidas pela sociedade e pela religião, e das tradições educativas. Com essa mente tão carregada de memória, tentamos compreender o que não pode ser compreendido por meio da memória. Precisamos, pois, de libertar-nos da autoridade.

Não sei se compreendeis o significado dessa palavra “autoridade”. O significado da palavra, em si, é o “originador”, aquele que origina algo novo. Reparai na vossa própria religião. Não sei se sois verdadeiramente religiosos — provavelmente não. Vai-se ao templo, murmura-se uma série de palavras, repetem-se certas frases — é a isso que se chama “ser religioso”. Vede que enorme peso de tradição os chamados “guias espirituais” e “homens santos” implantaram nas vossas mentes — tal como o Gitá e os Upanishads; Shankara e outros intérpretes do Gitá. Estes baseiam-se no Gitá, para o interpretar, e vós continuais a interpretar. Considerais essa interpretação uma coisa muito extraordinária e chamais religioso ao homem que interpreta. Mas essa pessoa está condicionada pelos seus próprios medos; presta culto a uma imagem esculpida pela mão ou pela mente. Essa tradição é inculcada em cada um, não por uma propaganda recente, mas por uma propaganda de milênio — as pessoas aceitam-na, e isso molda o seu modo de pensar.

Sendo assim, se desejamos ser livres, temos de pôr de lado tudo isso — pôr de lado os “Shankaras”, os “Budas”, todos os livros e instrutores religiosos — para sermos nós mesmos, para podermos investigar. De outro modo, não poderemos saber a extraordinária beleza e significado da Verdade, e nunca saberemos o que é o Amor.

Assim, podereis vós, que fostes moldados por Shankara, por tantos “homens santos”, pelos templos, apagá-los a todas da vossa mente? Tendes de fazê-lo. Tendes de ficar completamente sós, desajudados, sem desesperar e sem nada temer; só então sereis capazes de investigar. Mas para apagar, para negar totalmente — em vez de dizer negativamente “Deixemos isso” — para negar completamente — temos de compreender toda a anatomia e estrutura, toda a essência de autoridade: temos de compreender o homem que procura a autoridade. Não podemos afastar da autoridade o homem que a deseja porque isso é o seu único refúgio, o seu pão de cada dia — como também o é do político, do sacerdote ou do “filósofo”.

Mas se queremos compreender essa coisa extraordinária chamada Verdade, não devemos aceitar a autoridade psicológica. Porque só a mente fresca, inocente, que é jovem e vibrante, pode compreender estas coisas, e não a mente que se deixa guiar pelo passado, que é moldada, enfraquecida e subjugada por ele. Ou uma coisa ou outra. Ou dizemos “Não é possível ficar-se livre do passado, deste conhecimento, desta autoridade que a mente procura, na sua pobreza, no seu desespero, para se apoiar; a mente nunca poderá ficar livre da autoridade, do passado, das coisas que aprendeu, adquiriu, acumulou”. Ou então dizemos que a mente e capaz de se libertar do passado. Mas temos de investigar; não podemos apenas dizer que a mente pode, ou não pode, ser livre; isso é apenas entretermo-nos com uma opinião, o que não tem nenhum valor temos de deixar isso aos “filósofos”. Se queremos descobrir, temos de investigar se isso é possível ou não; não podemos apenas aceitar ou negar.

Temos, pois, de aprender acerca do conhecimento e da autoridade. Quando estamos a aprender não há contradição, exatamente porque estamos a aprender. Mas se estamos só a adquirir conhecimentos, então não há contradição. Reparemos, nisto, por favor. Se estamos apenas a acumular conhecimentos, ficaremos em conflito, porque a coisa sobre a qual estamos a adquirir conhecimentos é uma coisa viva, que se move, que muda; e, portanto, entre o que acumulamos e a realidade, há contradição. Mas se estamos a aprender sobre ela, então a contradição não existe, portanto não há conflito. Assim, a mente que está a aprender está a enriquecer-se de energia, porque não a dissipa num estado de conflito. Mas quando a mente está a acumular e a adicionar, olhando e observando com base no conhecimento acumulado, então há contradição, então há conflito e, portanto, dissipação de energia.

Assim, o homem que aprende não tem conflito, mas o homem que está apenas a acumular informação, para viver segundo um determinado padrão, estabelecido por ele próprio ou pela sociedade a que pertence, ou por alguma personalidade religiosa, seja ela quem for — esse homem está em contradição e, portanto, em conflito.

E, como dissemos noutro dia, o conflito é a própria essência da desintegração. O conflito não surge apenas do passado, mas também em relação ao presente. Surge também quando temos ideias — que devemos ser isto ou aquilo, que devemos estar em tal ou tal estado — ideais “maravilhosos”, “nobilitantes”. É muito importante compreender a natureza de um ideal. O ideal não é a realidade. Uma ideia projetada pela mente que está em conflito torna-se um ideal, segundo o qual essa mente “deveria” viver; e, portanto, a mente continua em conflito, em contradição. Mas a mente que está a escutar um fato, não um ideal — essa mente não está em conflito, está a mover-se de fato para fato. Portanto, uma mente assim encontra-se num estado de energia. E sem essa energia não podemos ir muito longe; estamos a dissipá-la em contradições, na luta para nos tornarmos “aquilo” e não “isto”.

Temos assim de observar, de escutar, de ver o fato — o que é — e de ficarmos com o fato. E isto é extraordinariamente difícil.

E claro que nunca refletistes sobre tudo isto, ou então nada disto vos acontece naturalmente, tal como as chuvas caem do céu. Provavelmente estais a ouvir estas coisas pela primeira vez, ou lestes alguma coisa a este respeito. Como este “orador” tem falado sobre isto muitas vezes, direis: “Lá volta ele às mesmas coisas”. Mas se estais a escutar, se percebeis a intenção do “orador”, vereis então o fato, isto é, que o que tendes é conhecimento acumulado, e ficareis com esse fato, não fugireis dele. O fato é que sois o passado em relação com o presente; o passado poderá ser modificado, alterado, mas estais ainda a mover-vos, a existir, sempre no passado.

Então, que entendemos por “ficar com o fato”? Ficar, ou viver, com o fato, não é aceitá-lo, nem é negá-lo, mas escutá-lo — escutar todos os seus subtis movimentos, as indicações que diretamente nos dá, as perguntas, as respostas a que ele leva; não é negá-lo, porque não se pode negar um fato — se o fizermos poderemos acabar num hospital de alienados. É isto, pois, o que realmente significa observar o fato e viver com ele.

Ora, quando vivemos com alguma coisa ou pessoa — com a nossa mulher, com os nossos filhos, com uma árvore, com uma ideia que temos — ou nos acostumamos tanto a ela que ela “deixa de existir”, ou vivemos realmente com ela, dando-lhe inteira atenção. No momento em que nos acostumamos a uma coisa, tornamo-nos insensíveis. Se me acostumo àquela árvore, sou insensível a ela. Se sou insensível à árvore, sou também insensível à sujidade, insensível às pessoas, insensível a tudo.

Pelo contrário, estar atento a uma coisa é não ficar habituado a ela, não ficar acostumado, insensível — à sujidade, à miséria, à família, à mulher, aos filhos. Para não nos habituarmos a uma coisa é preciso ter muita atenção e, portanto, muita energia. Espero que estejais a entender isto.

Assim, a mente que quer compreender o que é verdadeiro tem de compreender, mas não de modo idealista, todo o significado do que é a liberdade. A liberdade não é uma libertação a alcançar em algum mundo celestial, mas sim a liberdade cotidiana, que é estar livre do ciúme, do apego, da competição, da ambição — que significa o mais: “Tenho de ser melhor”; “sou isto e tenho de me tornar aquilo”. Mas quando observamos o que somos, não há então o tornarmo-nos alguma coisa mais, além daquilo que somos; então, há uma transformação imediata de aquilo que é.

Sendo assim, a mente que deseja ir muito longe tem de começar pelo que está muito perto. E não podemos ir muito longe se ficamos meramente a verbalizar acerca de algo que o homem cria e a que chama Verdade ou Deus. Temos de começar pelo que está muito perto, para lançar a base correta. E, precisamente, para lançar essa base tem de haver liberdade. Temos pois de ter a nossa base na liberdade, e em plena liberdade — e então já não será uma “base”; será um movimento, e não uma coisa estática.

Só quando a mente compreende a extraordinária natureza do conhecimento, da liberdade e do aprender, é que o conflito cessa; só então a mente se torna perfeitamente lúcida e precisa. Não fica presa em opiniões e pareceres; encontra-se num estado de atenção e, portanto, num estado de completa energia e completo aprender. Só quando a mente está tranquila é capaz de aprender — que não significa “aprender a respeito de quê?”. Só essa mente serena pode aprender, e o importante não é “a respeito de quê” ela aprende, mas sim o estado de aprender; o estado de silêncio em que ela está a aprender.

Krishnamurti, Madrasta, 15 de janeiro de 1964,
O despertar da sensibilidade

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"Quando você compreende, quando chega a saber,
então traz toda a beleza do passado de volta
e dá a esse passado o renascimento, renova-o,
de forma que todos os que o conheceram
possam estar de novo sobre a terra
e viajar por aqui, e ajudar as pessoas." (Tilopa)



"Nos momentos tranqüilos da meditação, a vontade de DEUS pode tornar-se evidente para nós. Acalmar a mente, através da meditação, traz uma paz interior que nos põe em contato com DEUS dentro de nós. Uma premissa básica da meditação, é que é difícil, senão impossível, alcançar um contato consciente, à não ser que a mente esteja sossegada. Para que haja um progresso, a comum sucessão ininterrupta de pensamentos tem de parar. Por isso, a nossa prática preliminar será sossegar a mente e deixar os pensamentos que brotam morrerem de morte natural. Deixamos nossos pensamentos para trás, à medida que a meditação do Décimo Primeiro Passo se torna uma realidade para nós. O equilíbrio emocional é um dos primeiros resultados da meditação, e a nossa experiência confirma isso." (11º Passo de NA)


"O Eu Superior pode usar algum evento, alguma pessoa ou algum livro como seu mensageiro. Pode fazer qualquer circunstância nova agir da mesma forma, mas o indivíduo deve ter a capacidade de reconhecer o que está acontecendo e ter a disposição para receber a mensagem". (Paul Brunton)



Observe Krishnamurti, em conversa com David Bohn, apontando para um "processo", um "caminho de transformação", descrevendo suas etapas até o estado de prontificação e a necessária base emocional para a manifestação da Visão Intuitiva, ou como dizemos no paradigma, a Retomada da Perene Consciência Amorosa Integrativa...


Krishnamurti: Estávamos discutindo o que significa para o cérebro não ter movimento. Quando um ser humano ESTEVE SEGUINDO O CAMINHO DA TRANSFORMAÇÃO, e PASSOU por TUDO isso, e esse SENTIDO DE VAZIO, SILÊNCIO E ENERGIA, ele ABANDONOU QUASE TUDO e CHEGOU AO PONTO, à BASE. Como, então, essa VISÃO INTUITIVA afeta a sua vida diária? Qual é o seu relacionamento com a sociedade? Como ele age em relação à guerra, e ao mundo todo — um mundo em que está realmente vivendo e lutando na escuridão? Qual a sua ação? Eu diria, como concordamos no outro dia, que ele é o não-movimento.

David Bohn: Sim, dissemos que a base era movimento SEM DIVISÃO.

K: Sem divisão. Sim, correto. (Capítulo 8 do livro, A ELIMINAÇÃO DO TEMPO PSICOLÓGICO)


A IMPORTÂNCIA DA RENDIÇÃO DIANTE DA MENTE ADQUIRIDA
Até praticar a rendição, a dimensão espiritual de você é algo sobre o que você lê, de que fala, com que fica entusiasmado, tema para escrita de livros, motivo de pensamento, algo em que acredita... ou não, seja qual for o caso. Não faz diferença. Só quando você se render é que a dimensão espiritual se tornará uma realidade viva na sua vida. Quando o fizer, a energia que você emana e que então governa a sua vida é de uma frequência vibratória muito superior à da energia mental que ainda comanda o nosso mundo. Através da rendição, a energia espiritual entra neste mundo. Não gera sofrimento para você, para os outros seres humanos, nem para qualquer forma de vida no planeta. (Eckhart Tolle em , A Prática do Poder do Agora, pág. 118)


O IMPOPULAR DRAMA OUTSIDER — O encontro direto com a Verdade absoluta parece, então, impossível para uma consciência humana comum, não mística. Não podemos conhecer a realidade ou mesmo provar a existência do mais simples objeto, embora isto seja uma limitação que poucas pessoas compreendem realmente e que muitas até negariam. Mas há entre os seres humanos um tipo de personalidade que, esta sim, compreende essa limitação e que não consegue se contentar com as falsas realidades que nutrem o universo das pessoas comuns. Parece que essas pessoas sentem a necessidade de forjar por si mesmas uma imagem de "alguma coisa" ou do "nada" que se encontra no outro lado de suas linhas telegráficas: uma certa "concepção do ser" e uma certa teoria do "conhecimento". Elas são ATORMENTADAS pelo Incognoscível, queimam de desejo de conhecer o princípio primeiro, almejam agarrar aquilo que se esconde atrás do sombrio espetáculo das coisas. Quando alguém possui esse temperamento, é ávido de conhecer a realidade e deve satisfazer essa fome da melhor forma possível, enganando-a, sem contudo jamais poder saciá-la. — Evelyn Underhill