O estado de atenção sem resistência
[...] Nestas últimas duas ou três semanas estive discorrendo, entre outras coisas, sobre a questão do medo e do sofrimento. Quando temos medo, ou quando nos acabrunha o sofrimento, não podemos achar-nos no estado de meditação. Para quem realmente deseja compreender a profundeza e a beleza da meditação, o medo deve cessar e nenhum sofrimento deve existir. E quando livres do medo, da amargura, de toda a estrutura psicológica da sociedade, que é feita de ambição, de avidez, de inveja, do desejo de êxito, da existência de poder, posição, prestígio — quando tudo isso foi examinado e compreendido, o cérebro se torna então tranquilo. Mas só podeis compreender e livrar-vos de toda essa agitação, se dela vos aperceberdes sem nenhum esforço. Se lutais para transformar o medo em coragem, não podeis alcançar o inteiro significado do temor. Conforme tenho explicado, o cérebro humano é o resultado de séculos de existência condicionada, “animalística”. Esse cérebro precisa ficar completamente quieto, e não podemos torná-lo quieto por meio de disciplina, de compulsão. Mas ele fica espontaneamente tranquilo ao compreender todas essas coisas sobre que estive falando.
Está agora bem claro que, para que a mente possa achar-se no estado de meditação, é imprescindível a eliminação do conflito. Existe conflito enquanto há divisão entre o pensador e o pensamento. Para a maioria de nós, o pensador está separado do pensamento, o experimentador difere daquilo que está sendo experimentado. Existindo essa divisão, será inevitável o conflito, porquanto ela é a origem do conflito. Eis porque é absolutamente necessário fazer cessar essa divisão.
O pensador é o censor, o produto condicionado de séculos de atividade egocêntrica; ele constitui o “centro” do medo, do conflito, do sofrimento.
Estou entrando paulatinamente, nisso que é meditação. Não fiqueis, até o fim, à espera de uma descrição completa de “como meditar”. O que agora estamos fazendo faz parte da meditação.
Ora, o que se precisa fazer é estar ciente do pensador, sem tentar dissolver a contradição para operar a integração do pensamento com o pensador. O pensador é a entidade psicológica que tem acumulado experiência na forma de conhecimento; é o centro que está sujeito ao tempo e resulta de influências ambientes sempre cambiantes, e desse “centro” ele olha, ele escuta, ele experimenta. Enquanto não se compreender a estrutura e a anatomia desse centro, haverá sempre conflito; a mente em conflito nenhuma possibilidade tem de compreender a profundeza e a beleza da meditação.
Na meditação não pode haver pensador, e isso significa que o pensamento deve terminar — o pensamento, que é impelido pelo desejo de alcançar resultado. A meditação nenhum interesse tem em resultados. Não é questão de respirar de uma certa maneira, de olhar para a ponta do nariz, ou de despertar a faculdade de executar certas “habilidades”, ou qualquer das restantes infantilidades e absurdos. Mas, se estivestes escutando estas palestras com plena atenção, apreendendo mais ou menos o significado do que se esteve dizendo, verificareis existir um estado mental que é sempre “meditativo”. A meditação não é coisa separada da vida. Quando conduzis um carro ou estais sentado num ônibus, quando tagarelais a esmo, quando passeais sozinho numa floresta ou observais uma borboleta que se deixa levar pelo vento — aperceber-se de tudo isso, objetivamente, faz parte da meditação.
[...] Esse estado de atenção sem resistência, sem conflito, sem se forçar a mente num canal predeterminado, é absolutamente necessário. E quando tiverdes atingido esse ponto, vereis por vós mesmos com que facilidade e suavidade se torna existente o silêncio da mente.
O silêncio que nós geralmente buscamos é o silêncio do declínio e da morte. A chamada “paz” alcançada pelos monges e outros que se retiraram do mundo é, em geral, uma condição de completa insensibilidade, um estado de embotamento. Eles de fato experimentam um certo silêncio mental, mas é o silêncio morto da “exclusão”. Já o silêncio a que me refiro é um estado de atenção em que se percebem todos os sons, todos os movimentos, todas as variações do pensamento e do sentimento. Se existe um “experimentador” ou “observador” do silêncio, não há silêncio, porém algo “projetado” pela mente. No silêncio completo, não há “experimentador do silêncio”, mas, sim, um estado de atenção em que ouvimos o avião a sobrevoar-nos, o trem que passa, e ao mesmo tempo a mente está atenta ao que se diz; ela observa, escuta tudo. Desse imenso silêncio em que a mente já nada busca, espera, deseja, exige, provém um movimento que é criação atemporal, inexprimível. Não é a criação do escritor, do pintor, do músico, porém algo que transcende tudo isso. Essa criação é energia — energia que é morte, energia que é amor — e nela não há começo nem fim. Ela só se manifesta pelo autoconhecimento, e esse processo, no seu todo, é meditação.
Espero não estejais sendo hipnotizados por minhas palavras. Com profunda investigação interior e pondo de parte, rigorosamente, toda a vossa mediocridade, inveja, avidez, desejo de fama — morrendo para toda espécie de técnica ou habilidade que houverdes adquirido, de modo que não sejais ninguém — sabereis então, por vós mesmos, o que é criação. Mas se apenas estais sendo influenciados por outrem, então, isso não é meditação.
Krishnamurti, Saanen, 9 de agosto de 1962,
O homem e seus desejos em conflito