O silêncio não pode ser experimentado pelo “eu”
[...] PERGUNTA: Se a compreensão não é permanente, se só se apresenta “num clarão”, que acontece no intervalo entre “clarões”?
KRISHNAMURTI: É preciso compreender a natureza íntima da experiência. Para a maioria de nós a experiência é uma reação, é a “resposta” de nossa memória a um desafio. Essa memória das coisas que conhecemos pode ser antiga ou moderna, superficial ou profunda, e nós “experimentamos” de acordo com esse fundo. As novas experiências vão sendo acumuladas, armazenadas, e tornam, assim, cada vez mais forte o fundo.
Ora, quando há um “clarão de compreensão”, isso não constitui nenhuma “resposta” daquele fundo. Nesse momento, o fundo se mantém em silêncio. Se ele não está em silêncio, não há compreensão, porque, então, apenas interpretais em termos do “velho” aquilo que ouvis ou vedes. O “clarão da compreensão” não é contínuo, não é permanente. A continuidade ou permanência pertence inteiramente ao fundo de experiência e conhecimento que, perpetuamente, está respondendo aos desafios. A compreensão só vem num clarão; e como surge esse clarão? Esse clarão não pode verificar-se na mente indolente, deformada, tradicional, embotada, entorpecida, nem tampouco naquela que visa ao poder, à posição, ao prestígio. O clarão da compreensão só pode ocorrer na mente alertada; e que continua alertada, mesmo quando nenhum clarão ocorre. Essa mente está sempre desperta, vigilante. Estar vigilante, sem diferenciar, observando cada movimento de pensamento e de sentimento, vendo tudo o que se passa — isso é bem mais importante do que aguardar o clarão da compreensão.
[...] PERGUNTA: Quando a mente está perfeitamente quieta, silenciosa, quem está consciente desse silêncio?
KRISHNAMURTI: Quando sois alegre, feliz, no momento em que vos cientificais desse estado, já não sois feliz. Já notastes isso? Não? No momento em que vos identificais com a felicidade, acabou-se a felicidade. Ela é então, apenas, uma lembrança. O silêncio não pode ser experimentado pelo “eu”. Talvez examinemos esta questão quando eu voltar a falar sobre a meditação.
INTERPELANTE: Uma das causas de conflito em mim é a questão de saber o que é correto fazer.
KRISHNAMURTI: Senhor, que é compaixão? Não é um estado de simpatia, piedade, consideração? E nele, por certo, não há o sentimento de ajuda a outrem. Estou aqui ajudando a todos os que me ouvem? Espero que não. Digo-o a sério. Se tenho o sentimento de vos estar ajudando, nesse caso considero-me uma pessoa de maior saber e, desse modo, torno-vos meus seguidores. Não nos referimos a ajudar-nos uns aos outros mas, sim, procuramos descobrir o verdadeiro; e esse descobrimento exige imensa compaixão. Nesse estado de compaixão, podemos dar ajuda, dar simpatia a outro, mas não há conflito interior.
Krishnamurti, Saanen, 7 de agosto de 1962,
O homem e seus desejos em conflito