Como se livrar do processo mecânico do pensar?
Esta é nossa última palestra. Desde o começo destas reuniões, temos considerado como tornar existente uma mente nova, uma mente religiosa — não no sentido ortodoxo — uma mente sem raízes em crenças, dogmas, sistemas. Essa mente não só é necessária em todos os tempos, mas também essencial no presente período de tamanha crise em todo o mundo. É possível, não teoricamente, porém realmente, criar uma mente nova ou transformar a mente atual, tão confusa, embotada e insensível, em algo totalmente diferente? Pela prática, pela disciplina, por meio de um certo exercício que force a mente a ajustar-se a um padrão, podemos consegui-lo? Ou tem a mente a capacidade de perceber direta e imediatamente o que é falso e, assim, pela negação, perceber o que é verdadeiro?
Importa esclarecer o que se entende por negação e o que é pensamento positivo. Em geral começamos a pensar partindo de uma base, uma conclusão, uma experiência. Adotamos uma posição, isto é, cremos numa certa coisa — crença essa baseada na experiência, no conhecimento, na tradição — e, nessa base, pensamos e agimos. Essa posição, em regra, é a da segurança psicológica. Ela consiste, o mais das vezes, numa ideia, que chamamos “crença”, num ideal, num exemplo — que é ainda uma ideia, e ideia é sempre palavra. Buscamos refúgio nas palavras, e essa é a base em que nos firmamos; dela agimos, dela pensamos. Considero ilógica essa posição; no entanto, todos os nossos juízos, avaliações, considerações, investigações partem daí — de uma posição, de uma ideia, de uma conclusão que nos impede de investigar o que é verdadeiro e o que é falso, ou de ver diretamente, incontinenti, a realidade.
Ora, é-nos possível inquirir, eliminar a crença, eliminar nosso condicionamento hinduísta, cristão, etc., e investigar? É assim que age o cientista; ele nunca parte de uma conclusão; possui conhecimentos, mas não permite que interfiram em sua investigação. Mas nossa existência não é assim tão precisamente delineada, porque temos medo, desejamos segurança, desejamos tantas coisas na vida, desejamos nome, posição, poder, liberdade e algo mais; e tudo isso constitui a base em que estamos firmados e de onde queremos investigar. Deixa de haver investigação desde que adotamos uma posição de onde passamos a observar. A investigação negativa, ao contrário (se posso empregar aqui o termo “investigação”) significa estar livre de conclusões, de dogmas, de crenças, de condicionamento, para investigar. Tal investigação, pensareis, impede a ação. Perguntareis: “Como se pode viver, agir, e estar com a mente em constante investigar?”
Toda ação resulta de ideia, da experiência, de conhecimento; é desse ponto de partida que agimos; e pensamos não ser possível agir se permanecermos apenas num estado de constante investigação. A ação, quer insignificante, quer extremamente complexa, quer completamente desinteressada (não egoísta) etc., não deixa de existir quando prevista, controlada, moldada de antemão? Não deve a ação ser sempre livre e provir sempre de investigação? Assim, do pensar negativo (que não significa buscar resultados positivos, porém, sim, negar todas as posições positivas adotadas pela mente, e investigar partindo dessa negação) não resulta ação muito mais significativa, muito mais eficaz do que a ação procedente de conclusões? Vida é ação, não é? Nossa vinda aqui, o escutar esta palestra, o meu falar, o vosso escutar, tudo o que fazemos é ação; e baseamos essa ação numa conclusão. Nossas ações estão confinadas ou limitadas pela ideia que temos, e ideia é resultado de experiência. A ideia nasce do conhecimento; e, com esse fundo fixo, mais ou menos confinado, limitado, condicionado, queremos atuar sobre a vida; e a vida está sempre em movimento; sempre mudando; resulta daí, portanto, contradição, e da contradição sofrimento; e, por diferentes maneiras, tratamos de fugir ao sofrimento.
Vede, senhores — se me permitis expressar-me diferentemente — os mais de vós aqui presentes sois provavelmente hinduístas ou estais ligados a um dado movimento ou crença; e, com esse fundo, com essas ideias, com esse pensar condicionado, enfrentais a vida, enfrentais o mundo moderno, que se está transformando tão vertiginosamente; assim, entre o mundo que está mudando e a mente que se recusa a mudar, estabelece-se a contradição. Vós adotastes uma posição — como hinduísta, católico, etc. — e com essa tradição ides ao encontro da vida; e o resultado é contradição. É possível enfrentarmos a vida sem tomarmos posição de espécie alguma?
Extraordinárias transformações estão ocorrendo exteriormente; mas o exterior sempre influencia o interior e, por isso, dividimos o exterior e o interior como se fossem coisas separadas. Afinal de contas, a vida interior, o íntimo estado psicológico, tem o mesmo movimento da vida exterior, movimento semelhante ao vaivém da maré. E para compreender a maré que “entra” é preciso compreender a maré que “sai”; impende compreender o mundo; e se não se compreender o "movimento exterior, o movimento interior nenhum valor tem. Assim, o importante não é dividir a vida em “mundo exterior” e “mundo interior”, porém compreender a totalidade desse movimento. Não compreendereis a totalidade desse movimento se adotais uma posição, de qualquer espécie que seja.
A mente religiosa é aquela que não está ligada a nada; só ela pode descobrir o que é verdadeiro e o que é falso. Só ela pode descobrir se há, ou não, uma Realidade, Deus, uma coisa Atemporal — mas não a mente ligada a alguma coisa, a mente que crê ou não crê. Por certo, não tem mente religiosa o homem que vai à igreja, que pratica puja e toda espécie de artifícios. A mente religiosa vê a falsidade de tudo isso, totalmente, completamente; assim sendo, porque é livre e não está firmada numa posição, numa base, da qual parte para investigar, ela inicia sua investigação livremente. Essa mente, por conseguinte, é desapaixonada, sã, racional, capaz de raciocinar — e tal é, afinal de contas, a característica da mente científica. Mas a mente científica não é uma mente religiosa. A mente científica está interessada em examinar uma certa parte da existência, um segmento da vida; a mente científica, portanto, não pode compreender a totalidade que a mente religiosa compreende.
Para se ter essa mente religiosa, necessita-se de uma revolução, não econômica ou social, porém psicológica — uma revolução na psique, no próprio mecanismo de nosso pensar. Ora, como fazer despontar essa mente? Vemos a necessidade dessa mente — da mente nova, sem fronteiras; da mente nova, não ligada a nenhum grupo, raça, família, cultura ou civilização; da mente nova que não resulta da moralidade social. A moralidade social não é moralidade nenhuma, pois só lhe interessa a moral sexual; cada um pode ser ambicioso, cruel, vão e invejoso, à vontade. E a moral social é a inimiga da mente religiosa.
Assim, como nascerá a mente religiosa, a mente nova? Como trataríeis de obtê-la? Esta não é uma pergunta retórica. A todos nós se apresenta este problema: como ter uma mente fresca, jovem, nova — pois a mente velha não resolveu coisa alguma e multiplicou os seus problemas. Como trataríeis disso, que empreenderíeis para suscitar essa mente? Precisais de algum sistema, algum método? Vede, por favor, a importância desta pergunta que estou fazendo, vede o seu significado. Necessitamos de uma mente nova, que é de essencial importância; mas como alcançá-la? Por meio de algum método — que é sistema, prática, ação que se repete dia por dia? Um método pode produzir a mente nova? Averiguai, investigai isso junto comigo; não vos limiteis a ouvir-me e depois tornar a pensar que necessitais de uma prática, um método, para adquirirdes a mente nova.
Sem dúvida, todo método implica prática continuada, dirigida por um certo caminho, para a obtenção de determinado resultado — e isso, afinal, significa adquirir um hábito mecânico, e, por meio desse hábito mecânico, suscitar uma mente que não é mecânica. É isso, essencialmente, o que o método implica. Dizeis “Disciplina”, mas toda disciplina se baseia num método ajustado a um certo padrão; e o padrão vos promete um resultado, predeterminado pela mente que já tem uma dada crença, que já adotou uma certa posição. Assim, pode um método, no sentido mais amplo ou mais restrito da palavra, produzir aquela mente nova? Se não pode, então o método, como hábito, deve desaparecer completamente, porque falso. Não importa se foi Sankara, Buda ou o santo mais moderno que vos preconizou o método, ele é completamente falso, porque todo método só serve para condicionar a mente de acordo com o resultado desejado. Mas, sabeis o que é a mente nova — a mente fresca, jovem, “inocente”? Como podeis sabê-lo? Não podeis sabê-lo; tendes de descobri-la. Por conseguinte, deveis abolir todo o processo mecânico da mente. Escutai, apenas; não importa se fazeis ou deixais de fazer alguma coisa: isso depende de vós. Segui as minhas palavras. A mente deve livrar-se de todo o processo mecânico do pensamento. Não é, pois, verdadeira a ideia de que um método, sistema, disciplina, hábito, produzirá essa mente. Portanto, tudo isso tem de ser abolido completamente, por serem coisas mecânicas. A mente mecânica é uma mente tradicional, não está apta a enfrentar a vida, que não é mecânica; o método, consequentemente, tem de ser posto de parte. Desse modo, que se deve fazer para alcançar a mente nova?
O conhecimento — que é experiência — vos dará a mente nova? Experiência é a reação a um desafio, e o desafio, por certo, é de acordo com vossa memória, de acordo com vosso condicionamento. O conhecimento, pois — que é experiência — vos ajudará a alcançar a mente nova? Não deve a mente nova achar-se num estado de “não experiência”? Se me permitis, vou estender-me um pouco sobre este tópico; e, talvez, depois, possamos compreender melhor por meio de perguntas. Há desafio e “resposta” (reação). Vivemos dessa maneira. A cada instante a vida nos desafia, e nós “respondemos”. Respondemos segundo o nosso condicionamento hinduísta, muçulmano, etc. Se rejeitais o desafio externo — e mui poucos o fazem — criais vosso próprio desafio interno, psicológico — as incertezas interiores e vossas reações a elas. E tudo isso, tanto a reação externa como a interna, baseia-se na experiência. E essa experiência sempre se acumula como conhecimento, como tempo. Notai, por favor, não ser difícil o que estou dizendo. Basta vos observardes para verdes que estamos tratando apenas de fatos, e não de teorias. Sendo o tempo experiência, na forma de conhecimento, ele produzirá a mente nova? Claro que não, porque a própria expressão “mente nova” sugere algo novo, totalmente novo, que não pode ser produzido pela experiência. A experiência é sempre o passado — isto é, tempo. Percebe-se assim — se se acompanhou o que estive dizendo — que nem o hábito, nem a experiência como conhecimento, produzirão a mente nova, e tampouco a alcançaremos por meio do tempo.
Se negardes tudo isso — como não podeis deixar de fazer, se tiverdes penetrado em vós mesmos e vos examinado — vereis então que a total negação de tudo o que sabeis, de toda experiência, toda tradição, todo movimento nascido do tempo, é o começo da mente nova. Para negar totalmente, necessita-se de energia. Em geral recebemos energia da resistência — há necessidade de explicar isso? Recebemos energia da fuga; recebemos energia da inveja, da ambição, da avidez, da brutalidade, do desejo de amor. Mas essa energia cria a correspondente contradição, e esta dissipa a energia. A maioria de nós não tem energia para negar e permanecer nesse estado de negação, que constitui a mais elevada forma de pensar. Mas essa negação gera energia, porque nela não há contradição.
Assim, a mente religiosa, ou mente nova, é a mente revolucionária. Porque, então, a mente já não é ambiciosa, invejosa; percebeu o significado da inveja, da ambição, da autoridade e, por conseguinte, livrou-se delas — não no fim, porém no presente, imediatamente. E essa negação é própria da meditação. Meditação não é essa coisa simplória consistente em repetir palavras, sentado à frente de uma imagem, procurando ter visões e todas as correspondentes sensações; meditação é, sim, o percebimento constante que nos faz ver o falso e negá-lo totalmente. Essa negação provê energia — não a energia que nasce do conflito, não a energia recomendada pela chamada gente religiosa, que nos manda ser celibatários toda a vida, etc. etc.; tudo isso são formas de resistência e, por conseguinte, contradição.
Pode-se ver realmente a totalidade desse mecanismo, compreendê-lo completamente, quando não nos colocamos num “ponto alto” para, daí, o examinarmos. Só a mente religiosa pode ir muito longe, só a mente religiosa pode descobrir o que transcende as medidas da mente.[...]
PERGUNTA: O desafio é, às vezes, de tal ordem que nos paralisa, e não há “resposta” (reação) adequada. É possível não nos sentirmos como que paralisados e reagirmos prontamente ao desafio?
KRISHNAMURTI: Esse senhor diz: Uma pessoa pode sentir-se aniquilada pela reação a um “desafio”. Morreu meu filho, e a reação é imediata; e essa reação é de tal maneira lancinante, abaladora, que fico paralisado. Isso pode durar um ano, dois anos, ou um dia. A pergunta desse senhor, se a compreendo bem, é: É possível reagirmos imediatamente, sem sermos aniquilados pela reação? Morre meu filho, e isso é um choque terrível, um inesperado, desgraçado, não desejado incidente em minha vida; isso me deixa como que paralisado. E a questão é: É necessário ficar paralisado, deixar-me aniquilar pela reação? Naturalmente, não se pode firmar um princípio geral a esse respeito. Tudo depende do grau de sensibilidade ou de embotamento da pessoa, do grau de afeição, e de muitas e complexas razões para esse tremendo sentimento de paralisação, aniquilamento; mas esses terríveis incidentes não são frequentes em nossa vida. Há só uma ou duas espécies de “desafio” que nos abalam verdadeiramente; mas a todas as horas há desafios secundários, dos quais estamos ou não estamos apercebidos — desafios secundários, e não aqueles de natureza Incomum, mais importante. Em geral, não sabemos que eles estão ocorrendo; vivemos tão embotados, tão “imunizados”, no mundo que nos mesmos criamos! E para a mente em tais condições, “desafio e reação” são coisas inexistentes. É assim que vive a maioria dos sannyasis, dos santos, dos monges: atrás de uma muralha de ideias. Renunciaram ao mundo para viverem num mundo deles próprios, num mundo de ideias; eles não querem ser perturbados; para eles não há “desafio”, pois encontraram um refúgio, um abrigo perenemente satisfatório. Assim sendo, não há, para eles, “reação e desafio”. Quase todos gostaríamos de estar numa situação dessas, onde nada nos atingisse. Comumente, desejamos estar onde nada nos atinja (tal é justamente nossa ideia de Deus, nossa ideia de paz de espírito, etc.). Mas a vida não nos deixa em sossego. Meu filho morre, minha mulher me abandona por outro homem, perco o emprego, perco meu dinheiro, há doença, há morte; tudo é desafio. E eu me acostumei a depender de uma conclusão, das coisas que aprendi, da tradição, etc. Por conseguinte, minha reação é fraca.
Se me permitis penetrar mais nesta questão, indago, ampliando vossa pergunta: É possível a mente estar tão atenta e tão sensível a todas as horas, que cada desafio seja “respondido” completa e imediatamente, e seja alcançado um estado sem “desafio e reação” e em que a mente já não se ache em “estado de experimentar?” Refleti sobre isso. Podeis rejeitá-lo, podeis dizer que é uma teoria muito interessante; mas, como quer que seja, considerai-o, olhai-o. Quando compreendeis uma coisa completamente, quando, por exemplo, compreendeis totalmente a autoridade, já não há, então, problema algum relativo à autoridade, e nenhuma “experiência” de autoridade pode atingir-vos. Pela mesma maneira, se considerais a totalidade da vida, com todas as suas complexidades, e ficais assim livre da inveja, da avidez, do ciúme, da ambição, da autoridade, há então necessidade de “experiência”? A meu ver, só nesse estado a mente pode compreender o que é verdadeiro, o que é falso, e se algo existe além do tempo. Só nesse estado pode ela estar livre do “conhecido” e, por conseguinte, não se achar num mundo de experiência, de “desafio e reação”, e de conhecimento; só essa mente pode descobrir o atemporal.
PERGUNTA: A mente nova será da mesma natureza que a vida?
KRISHNAMURTI: Não entendo bem a significação desta pergunta. É uma pergunta teórica, não? Não estou fazendo pouco caso de vossa pergunta — se a mente nova será da mesma natureza que a vida. Não estamos aqui interessados em ideias, símbolos, comparações; ou temos a mente nova, ou não a temos. Se a temos, nada mais há que dizer; se não a temos, de que maneira podemos tê-la? É isso que interessa, e não o “como é ela?”.[...]
PERGUNTA: Pode-se viver neste mundo sem nenhuma contradição, psicologicamente?
KRISHNAMURTI: Pode-se viver neste mundo num estado em que, psicologicamente, não haja contradição? Desejo experimentar esse estado. Ele deve existir. Como devo proceder? Achais muito difícil isso? Simplifiquemos.
Sabeis o que é a morte? Tendes presenciado a morte — a continuidade da morte, nos cortejos fúnebres, na diária cremação de cadáveres. — Eu desejo saber o que é morrer, enquanto estou vivo, e não quando ficar velho, achacado. Desejo saber o que é morrer enquanto vivo e em plena posse de minhas faculdades, enquanto meu cérebro pode raciocinar, enquanto ele não enfermar. Desejo conhecer o estado, o sentimento de morrer, de estar morto. Desejo conhecê-lo, não porque ele me assuste, mas porque, como disse, um motivo não me pode levar muito longe — pois o motivo predetermina o percurso.
Por consequência, vejo que a mente desejosa de saber o que é a morte deve estar livre de medo. Cabe-me, pois, investigar o que é o temor. Pode-se viver neste mundo sem medo? Assim sendo, investigo, vejo, confiro, estou apercebido de cada movimento de pensamento. E é só então, quando não há medo e, por conseguinte, nenhum motivo — que posso descobrir o que é a morte. Isso significa que tenho de abandonar totalmente tudo o que conheço. Devo morrer para todas as coisas conhecidas — minha família, minha tradição, minha virtude, tudo. É possível morrer? Eu digo que sim, mas o dizê-lo não tem para vós nenhuma validade; só tem valia quando morreis para todas as coisas conhecidas. Ao morrerdes diariamente para “o conhecido”, e jamais acumulando, descobrireis então o que é a morte. E o descobrimento do que é a morte vem com a compreensão da totalidade do medo e, por conseguinte, com a libertação do medo; e o estar livre do medo é a fonte da energia.[...]
PERGUNTA: Não elegestes uma autoridade para libertar-vos de todas as autoridades, inclusive de si própria? (i.e., dessa própria autoridade que elegestes).
KRISHNAMURTI: Esse senhor diz que eu tenho uma autoridade que me liberta de todas as autoridades, inclusive de si própria. Deveria eu aceitar uma tal autoridade? Se eu encontrasse uma autoridade que destruísse todas as anteriores autoridades, inclusive a si própria, deveria eu aceitar essa autoridade? Nenhuma autoridade pode, em tempo algum, libertar-vos de qualquer outra autoridade; e se o faz, essa autoridade fica enraizada em vós; portanto, não destruístes a autoridade, só trocastes a antiga autoridade por uma autoridade nova. Se essa autoridade negou as demais autoridades e vos ajudou a libertar-vos de todas as autoridades, inclusive de si própria, onde a necessidade de aceitar qualquer autoridade que seja? Vejo que a autoridade é uma coisa perniciosa. Penetrei-a e examinei-a bem. — Não me pergunteis nada sobre a autoridade do policial, a autoridade do Governo, etc.; não desejo apreciar este ponto agora. A compreensão da autoridade é de absoluta necessidade para a mente livre; e só a mente livre pode descobrir, e não aquela que está entravada. Se compreenderdes o pleno significado da autoridade, não porque outra pessoa vos manda olhar ou vos diz que só podereis ser livre quando vos libertardes da autoridade — se compreenderdes, como resultado de vosso próprio exame, vosso próprio indagar, vossa própria investigação, em cada dia de vossa vida, vereis então que não há autoridade nenhuma. Não tendes necessidade de aceitar autoridade de espécie alguma, inclusive a minha própria. Mas isso requer extraordinária compreensão, percepção dos fatos.
A questão é se a mente religiosa é a mente individual ou a coletiva. Ou será outra coisa? Senhor, a vossa mente, aquela de que vos servis, é uma mente individual, quer dizer, independente? Vossa mente é independente? Ou ela é meramente “coletiva”, ação do “coletivo”, modificada no presente por várias experiências, incidentes e acidentes? Vossa mente é individual? Podeis exercer um cargo técnico, uma função mecânica; vossa mente é individual? Não pertenceis ao “coletivo”? Todos sois hinduístas, cristãos, católicos, budistas, comunistas, hindus ou russos — vós sois o “coletivo”. O perceberdes que sois o “coletivo”, o perceberdes este fato e libertardes a mente do “coletivo” — isso só é possível mediante auto-investigação, mediante autoconhecimento. E o libertar a mente de suas limitações, pelo autoconhecimento, suscita uma mente nova, que não é individual, nem coletiva, porém algo de todo novo.
Posso dizer-vos uma coisa, senhores? Em primeiro lugar, muito vos aprecio a amabilidade de terdes vindo ouvir minhas palestras. Mas elas serão totalmente inúteis, sem valor algum, puras cinzas, se vos estivestes nutrindo apenas de palavras, de ideias, de teorias, para serem acrescentadas às velhas teorias que já possuís. Porém, se estivestes escutando de maneira que o próprio escutar constituísse um ato de auto-invetigação, de autoconhecimento, neste caso, estas palestras terão real significação; então, elas vos levarão ao Infinito.
Krishnamurti, Varanasi, 14 de janeiro de 1961, A mutação Interior