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quinta-feira, 12 de abril de 2018

O problema supremo de nossa existência


O problema supremo de nossa existência

Pretendo falar nesta tarde a respeito do medo, do sofrimento e da “inocência”.

Todos nós temos muitas experiências, e cada experiência deixa sua marca; cada pensamento, cada influência molda-nos de certa maneira a mente. E é uma coisa essencial morrermos para tudo o que temos experimentado, para que a mente se torne jovem, fresca e “inocente”. Só uma mente “inocente”, que embora tenha passado por milhares de experiências está morta para o passado — só ela pode perceber a verdade e transcender as criações humanas. E o medo, assim me parece, é uma das forças corruptoras e destrutivas que tornam impossível essa “inocência”.

O medo é tempo psicológico. Não há medo, quando não temos o tempo psicológico. Se não há um amanhã, para o qual nos estamos movendo, e não há lembranças do passado, o medo, em todas as suas formas, deixa de existir. Nasce o temor quando o pensamento se projeta no futuro, ou se compara com o que ele próprio foi antes. Psicologicamente, o tempo é pensamento, tanto consciente como inconsciente; e é o pensamento que cria o temor.

Temos toda espécie de medo: medo da morte, medo de adoecer, medo da velhice, medo de perder as satisfações que temos experimentado, medo da opinião pública, de não nos preenchermos, de não termos êxito, de sermos ninguém. Como tememos, buscamos vários meios de fuga, tanto exterior como interiormente; e, para a maioria de nós, a religião se tornou um extraordinário meio de fuga ao medo. Para compreender o medo, temos de compreender o mecanismo do pensar, todo o mecanismo do pensamento.

Como já salientei, releva escutar o que se diz, sem concordar nem discordar; porque nós estamos considerando fatos e não ideias. Estamos considerando fatos, independentemente de que sejam agradáveis ou desagradáveis. E se somos capazes de considerar o fato que é o medo, escutar-lhe todo o conteúdo, ver sua estrutura, estou bem certo de que então a mente ficará num instante livre do medo.

Mas nós não sabemos escutar, porque estamos sempre procurando fugir ao medo; queremos dissolvê-lo, descobrir uma maneira de nos livrarmos dele, descobrir sua causa. Chamamos ao fato “medo”, e a palavra se torna então da máxima importância; por essa razão, nunca escutamos o fato.

O descobrimento da causa do medo não é libertação do medo. Com muita análise, investigação, é possível conhecermos a causa do medo; mas, no final de tudo, continuamos a temer. E, se não estivermos realmente livres do temor, qualquer espécie de busca, qualquer espécie de investigação só produzirá mais ilusão ou desfiguração. O homem verdadeiramente religioso, se posso empregar esta palavra, não tem medo, psicologicamente, interiormente. Por “homem religioso” entendo um “homem total”, e não aquele que é meramente sentimental ou que foge ao mundo, narcotizando-se com ideias, ilusões, visões. A mente de um homem religioso é muito tranquila, sã, racional, lógica; e dessa mente é que necessitamos, e não de uma mente sentimental, emotiva, medrosa, enredada em seu especial condicionamento.

Ora, desejo, se possível, examinar esta questão do medo de maneira tal, que, no próprio ato de escutar, o ouvinte deixe de temer.

Como sabeis, desejamos ficar livres do medo para todo o sempre. Não existe tal coisa: “ficar livre para todo o sempre”. Para se compreender isso, é preciso compreender a continuidade. O que dá continuidade a uma coisa, agradável ou desagradável, é o pensar nela. Ao pensarmos a respeito de uma coisa, damos-lhe continuidade. Damos continuidade ao medo com o pensar sobre ele — mas isso não significa que não devamos investigar o mecanismo total do temor.

Como disse, o medo é o tempo, no sentido psicológico, e o tempo é pensamento. Tempo é o mecanismo de “vir a ser”, evitar, preencher-se. Sou isto e quero ser aquilo. O tempo, por conseguinte, é o fator do medo. Quando vos vedes diretamente em presença de uma coisa, qualquer que ela seja, nesse momento não há medo. Mas o pensar a seu respeito atemoriza.

O pensamento é reação da memória. A memória, no sentido comum, é necessária, porque do contrário nos poríamos à frente de um ônibus em movimento ou tomaríamos nas mãos uma serpente venenosa. Mas, quando a memória cria o pensamento como reação, ela se torna um empecilho e gera medo. Isso é um fato psicológico.

A morte é o desconhecido; mas, ao dizermos que tememos a morte, não estamos realmente com medo ao desconhecido, porém com medo de deixar o conhecido, de deixarmos as coisas que temos experimentado, fruído, construído. O pensamento é essa memória do conhecido, e a respectiva reação; o pensamento, pois, nunca pode ser livre. Não há liberdade de pensamento, porquanto o pensamento está sempre condicionado, é sempre reação da memória. E para se ficar totalmente livre do medo, cumpre compreender a formação da memória como continuidade.

Como mecânico, cientista, engenheiro, etc., necessitais da continuidade da memória, pois, do contrário, não poderíeis exercer vossas funções. Mas a continuidade do pensamento como feixe de lembranças relativas ao “eu” e ao “meu”, e as reações desse pensamento condicionado, tudo isso é tempo psicológico, medo. O pensar na morte — o súbito findar de tudo o que conhecemos — gera medo e dá-lhe continuidade. Assim, para que o medo termine, é necessário que o pensamento termine. Podeis dizer: “isto é uma coisa estapafúrdia. Como posso eliminar o pensamento? Se ponho fim a todo o pensar, como poderei ganhar o meu sustento? Como poderei continuar no meu emprego no dia de amanhã?”

Há duas espécies diferentes de pensar: pensar para exercer uma função, e pensar no sentido de servir-se dessa função como meio de adquirir posição. A continuidade psicológica do pensamento, que se forma quando utilizamos a função como meio de adquirir autoridade, posição, prestígio — é essa continuidade que gera o temor.

Tende a bondade de ouvir-me. Isto não significa que devais aceitar o que estou dizendo, mas, sim, escutar simplesmente. Não vos estou contando fábulas; não estou dizendo nada de extraordinário. Apenas assinalo o fato de que o tempo, no sentido psicológico, causa medo. O tempo é o veículo do pensamento; e o homem que deseja ficar completamente livre do medo tem de pôr fim ao pensamento. Isso requer atenção — não concentração, porém atenção total a cada pensamento. Se puderdes dar atenção a cada pensamento, importante ou sem importância, profundamente significativo ou sem muita significação, vereis então que nesse estado de atenção completa ocorre o findar do pensamento.

O medo gera a “culpa”, a ansiedade; e a ansiedade, em qualquer forma, é o começo do sofrer. Há o sofrimento de não ser amado; o sofrimento que experimentamos quando alguém a quem estamos profundamente apegados, sofre ou está a morrer. E nós temos divinizado o sofrimento. Isso é verdade principalmente em relação ao cristianismo, que sempre o considerou uma coisa sublime. Ide a uma igreja, e lá encontrareis o “Crucificado”. Não há fim à amargura, para a maioria de nós, porque entronizamos o sofrimento e na sua sombra vivemos até o fim de nossos dias. O sofrimento tornou-se coisa muito respeitável. É algo que todo homem civilizado conhece e guarda fechado em seu coração; e quando ele vai à igreja, rende-lhe adoração, ou, por várias maneiras, procura evitá-lo.

Mas, há o findar do sofrimento. Ele deve terminar completamente, porque, do contrário, nunca poderá existir a mente religiosa a que me refiro. O sofrimento não nos leva à verdade; mas tem grande significação, porque algo nos indica. Infelizmente, a maioria de nós evita essa indicação, essa sugestão, e sofre continuamente. Se examinardes profundamente, vereis que o sofrimento é autopiedade, embora possais dar-lhe outro nome. Perdestes alguém — marido, mulher, filho — e vosso sofrimento é a pena que sentes de vós mesmos, por terdes ficado só. Todos conhecemos essa autopiedade resultante da solidão; e a autopiedade, em qualquer forma que seja, a preocupação a respeito de si mesmo, é o começo do sofrimento. O sentimento de inferioridade e a luta para se tornar superior, o conflito e o triunfo que há em alcançar, atingir, a dor da frustração — tudo isso faz penar.

Como deveis saber, poucos de nós fazemos frente ao sofrimento. Provavelmente, não sabemos mesmo o que é sofrer. Já explico o que quero dizer. Temos experimentado diretamente a fome, o sexo; mas não estou certo de que já experimentamos diretamente o sofrimento. Nós permanecemos com o que é agradável, queremos continuar nesse estado; mas o sofrimento procuramos evitar, nunca queremos encará-lo. O desejo de encontrar uma saída, um meio de fuga, nas palavras, nas ideias, na crença, na bebida, no que quer que seja — impede-nos de encarar diretamente o fato da amargura.

Se perdemos o filho, se mulher ou marido nos abandona, ficamos a sofrer. Que sucedeu realmente? Vemo-nos abandonados, sós, sem ninguém mais em quem nos amparar. Nós nos tínhamos identificado completamente com aquela pessoa e, agora, que ela se foi, sentimo-nos desorientados. O fato é que, psicologicamente, somos dependentes, e esse fato provoca outros fatos, ou sejam várias maneiras de fugir, que só podem perpetuar o medo e a aflição.

Assim sendo, torna-se dificílimo encarar e experimentar diretamente o sofrimento real. A palavra “sofrimento” tem certos e sugestivos significados, e, para se sentir qualquer coisa direta e totalmente, é necessário estar-se livre da palavra. Mas vós sois escravos da palavra — palavras tais como “inglês”, “francês”, “indiano”, “cristão”, “hinduísta”. Analogamente, a palavra “sofrimento” tem em vós extraordinária influência. A palavra, o símbolo, tem séculos de propaganda religiosa a ampará-lo: que é necessário suportar o sofrimento, que pelo sofrimento virá a redenção, a paz, etc. Tudo isso condicionou a mente, e vós nunca rompeis esse condicionamento. Mas, para deixardes de sofrer, tendes de espedaçar todos os símbolos, rejeitar todas as palavras e encarar diretamente o fato. E não podeis encarar o fato, que é vossa autopiedade, se o retrato que está sobre o piano ou sobre a lareira se torna sumamente importante, porque nesse caso estais identificado com uma ideia, uma lembrança, uma coisa morta e acabada, estais vivendo no passado. Libertar-se completamente do passado, destruí-lo totalmente, com toda a sua história, todas as suas memórias, é o findar da amargura.

Assim como o medo desfigura a mente, produzindo várias formas de ilusão e corrupção, assim também o sofrimento torna a mente embotada, insensível; porque, no sofrimento, a mente está toda interessada em sua própria escuridão, sua própria autopiedade, sua própria solidão. E eu vos garanto — não digo que devais crê-lo, mas garanto-vos que o sofrimento pode findar e que, então, veem-se todas as coisas de maneira nova, cada incidente, cada movimento da vida, de maneira nova. É só quando a mente está livre do sofrimento e de toda espécie de medo, que há “inocência”. E a mente precisa ser “inocente”, embora tenha vivido um milênio; porque só a mente nova, inocente, jovem, é capaz de perceber o que se encontra além das limitações humanas.

Mas tudo isso requer muita atenção, verdadeira seriedade, que não significa “fazer uma cara solene”, mas, sim, ser capaz de seguir velozmente um dado pensamento, até o fim, deixando que ele se desdobre por inteiro, sem obstáculos; e isso não é possível se tendes amarras no passado.

Podeis vir a estas reuniões e ficar escutando seriamente, ou despreocupadamente, com meia-atenção, mas palavras e discursos não podem alterar o fato de que temos medo e de que sofremos. A maioria de nós jamais experimentou um estado de “inocência”, ainda que estejamos dispostos a argumentar, discutir, escrever, “utilizar” a respeito de tudo isso, sobre quem tem razão e quem não a tem, o que se deve fazer e o que se não deve fazer. Se sois rico ou remediado, podeis procurar um analista; mas nenhum agente externo, nenhum esforço pode libertar-vos do sofrimento ou do medo. O que traz a liberdade é a atenção, que significa olhar o fato face-a-face, de dentro do vazio, e ver as coisas tais como são, sem desfigurá-las. Nesse estado de atenção se apresenta uma “inocência” que é virtude, que é humildade.

Krishnamurti, Londres, 7 de junho de 1962,
O homem e seus desejos em conflito


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"Quando você compreende, quando chega a saber,
então traz toda a beleza do passado de volta
e dá a esse passado o renascimento, renova-o,
de forma que todos os que o conheceram
possam estar de novo sobre a terra
e viajar por aqui, e ajudar as pessoas." (Tilopa)



"Nos momentos tranqüilos da meditação, a vontade de DEUS pode tornar-se evidente para nós. Acalmar a mente, através da meditação, traz uma paz interior que nos põe em contato com DEUS dentro de nós. Uma premissa básica da meditação, é que é difícil, senão impossível, alcançar um contato consciente, à não ser que a mente esteja sossegada. Para que haja um progresso, a comum sucessão ininterrupta de pensamentos tem de parar. Por isso, a nossa prática preliminar será sossegar a mente e deixar os pensamentos que brotam morrerem de morte natural. Deixamos nossos pensamentos para trás, à medida que a meditação do Décimo Primeiro Passo se torna uma realidade para nós. O equilíbrio emocional é um dos primeiros resultados da meditação, e a nossa experiência confirma isso." (11º Passo de NA)


"O Eu Superior pode usar algum evento, alguma pessoa ou algum livro como seu mensageiro. Pode fazer qualquer circunstância nova agir da mesma forma, mas o indivíduo deve ter a capacidade de reconhecer o que está acontecendo e ter a disposição para receber a mensagem". (Paul Brunton)



Observe Krishnamurti, em conversa com David Bohn, apontando para um "processo", um "caminho de transformação", descrevendo suas etapas até o estado de prontificação e a necessária base emocional para a manifestação da Visão Intuitiva, ou como dizemos no paradigma, a Retomada da Perene Consciência Amorosa Integrativa...


Krishnamurti: Estávamos discutindo o que significa para o cérebro não ter movimento. Quando um ser humano ESTEVE SEGUINDO O CAMINHO DA TRANSFORMAÇÃO, e PASSOU por TUDO isso, e esse SENTIDO DE VAZIO, SILÊNCIO E ENERGIA, ele ABANDONOU QUASE TUDO e CHEGOU AO PONTO, à BASE. Como, então, essa VISÃO INTUITIVA afeta a sua vida diária? Qual é o seu relacionamento com a sociedade? Como ele age em relação à guerra, e ao mundo todo — um mundo em que está realmente vivendo e lutando na escuridão? Qual a sua ação? Eu diria, como concordamos no outro dia, que ele é o não-movimento.

David Bohn: Sim, dissemos que a base era movimento SEM DIVISÃO.

K: Sem divisão. Sim, correto. (Capítulo 8 do livro, A ELIMINAÇÃO DO TEMPO PSICOLÓGICO)


A IMPORTÂNCIA DA RENDIÇÃO DIANTE DA MENTE ADQUIRIDA
Até praticar a rendição, a dimensão espiritual de você é algo sobre o que você lê, de que fala, com que fica entusiasmado, tema para escrita de livros, motivo de pensamento, algo em que acredita... ou não, seja qual for o caso. Não faz diferença. Só quando você se render é que a dimensão espiritual se tornará uma realidade viva na sua vida. Quando o fizer, a energia que você emana e que então governa a sua vida é de uma frequência vibratória muito superior à da energia mental que ainda comanda o nosso mundo. Através da rendição, a energia espiritual entra neste mundo. Não gera sofrimento para você, para os outros seres humanos, nem para qualquer forma de vida no planeta. (Eckhart Tolle em , A Prática do Poder do Agora, pág. 118)


O IMPOPULAR DRAMA OUTSIDER — O encontro direto com a Verdade absoluta parece, então, impossível para uma consciência humana comum, não mística. Não podemos conhecer a realidade ou mesmo provar a existência do mais simples objeto, embora isto seja uma limitação que poucas pessoas compreendem realmente e que muitas até negariam. Mas há entre os seres humanos um tipo de personalidade que, esta sim, compreende essa limitação e que não consegue se contentar com as falsas realidades que nutrem o universo das pessoas comuns. Parece que essas pessoas sentem a necessidade de forjar por si mesmas uma imagem de "alguma coisa" ou do "nada" que se encontra no outro lado de suas linhas telegráficas: uma certa "concepção do ser" e uma certa teoria do "conhecimento". Elas são ATORMENTADAS pelo Incognoscível, queimam de desejo de conhecer o princípio primeiro, almejam agarrar aquilo que se esconde atrás do sombrio espetáculo das coisas. Quando alguém possui esse temperamento, é ávido de conhecer a realidade e deve satisfazer essa fome da melhor forma possível, enganando-a, sem contudo jamais poder saciá-la. — Evelyn Underhill