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sábado, 21 de abril de 2018

A silenciosa mente iluminada

Nesta manhã desejo falar sobre um assunto talvez estranho para os ouvintes. Afigura-se-me uma das coisas mais importantes da vida o clarificar a mente, o esvaziá-la de toda experiência e pensamento, de modo que ela se torne fresca, nova, sã; porque só a mente sã pode, com sua liberdade, descobrir o verdadeiro. Esta sanidade não é um estado permanente. Não significa que a mente alcançou um resultado e aí se deixa ficar. É o estado da mente que, achando-se desimpedida, é capaz de renovar-se a todo instante, sem esforço. E essa renovação, essa liberdade para descobrir, é de imenso significado, já que a maioria das pessoas vive superficialmente; vive com os seus conhecimentos e informações e os julga suficientes. Mas, sem a meditação, nossa vida é bem superficial. Por “meditação” não entendo contemplação ou oração. Para a pessoa achar-se no “estado de meditação”, ou, melhor, para nele entrar naturalmente, sem esforço, deve primeiro compreender a mente superficial, a mente vulgar, aquela que em regra se satisfaz com informações. Tendo acumulado conhecimentos ou adquirido uma certa capacidade técnica, que nos habilita a exercer determinada especialidade, para vivermos neste mundo com leviandade, contentamo-nos em viver nesse nível, sem nenhuma compreensão de qualquer problema psicológico que acaso se apresente. Parece-me, pois, sobremodo relevante observar a superficialidade da mente, e investigar se ela pode transcender a si própria.

Quanto mais conhecimento e preparo uma pessoa tem, tanto maior a sua capacidade na vida diária; e é óbvio que necessitamos desses conhecimento, desse preparo, dessa capacidade, pois não podemos “jogar fora” as máquinas e a ciência e volver ao estado primitivo. Isso seria proceder como algumas pessoas ditas “religiosas” que querem retornar a uma tradição ou ressuscitar antigos conceitos e fórmulas filosóficas, destruindo, dessa maneira, a si próprias e ao mundo em que vivem. A Ciência, a Matemática, as técnicas atualmente à disposição do homem, são coisas absolutamente necessárias. Mas o viver neste mundo tecnológico, de conhecimentos e ilustração que rapidamente se avolumam, tende a tornar-nos superficiais; e, em geral, contentamo-nos em permanecer nesta superficialidade, visto que o conhecimento e a tecnologia nos fazem ganhar mais dinheiro, mais confortos, mais da chamada “liberdade” — coisas essas bem respeitadas numa sociedade degradada e em desintegração. Assim, para poder ultrapassar a si própria, deve a mente compreender as limitações da tecnologia, do conhecimento e da ilustração, e ficar livre dessas limitações.

Como se pode observar, as nossas atividades, as nossas emoções, as nossas reações neurológicas são pouco profundas, superficiais. Vivendo, como vive a maioria, na superfície, procuramos alcançar as profundezas, penetrando cada vez mais, porquanto depressa nos cansamos dessa maneira leviana de viver. Quanto mais inteligentes, mais intelectuais, e apaixonados formos, tanto mais perceberemos a superficialidade de nossa existência; ela se torna cansativa, aborrecida, e sem significação. Assim, trata a mente superficial de descobrir a finalidade da vida ou de procurar uma fórmula que lhe dê sentido. Luta essa mente para viver consoante uma ideia por ela própria concebida, ou uma crença que aceitou; eis porque age sempre de maneira superficial. É necessário perceber com toda a clareza esse fato.

O que nesta manhã vamos fazer é tirar, uma por uma, as camadas superficiais, para penetrarmos até à origem, até à última profundeza das coisas. A superficialidade se perpetua pela experiência, e por esta razão releva compreender o inteiro significado da experiência.

Em primeiro lugar, vemos quanto a especialização tecnológica de toda espécie tende a tornar a mente estreita, vulgar, limitadaqualidades que constituem a verdadeira essência do burguês. Então, superficial que é, ela busca o que chama “significado da vida”, projetando, ao mesmo tempo, um padrão que lhe é grato, lucrativo, aprazível, e a esse padrão se ajusta. Esse mecanismo lhe confere uma certa determinação, certo ímpeto, um senso de realização.

Cumpre também compreender profundamente essa coisa chamada experiência. Vivendo uma vida superficial, estamos sempre em busca de experiências mais amplas e profundas. Por esta razão é que tantos frequentam as igrejas, tomam Mescalina, experimentam LSD, ácido lisérgico e várias outras drogas, em busca de novas excitações, estímulos e sensações. Buscamos também experiência através da arte, da música, de novas, mais modernas formas de expressão.

Pois bem; a mente que deseja achar-se numa grande profundidade — achar-se, e não produzir esse estado — deve compreender todas essas coisas. “Compreender” não é entender apenas intelectualmente uma comunicação verbal, porém, antes, perceber incontinenti a verdade relativa à questão. Essa percepção imediata é compreensão. Pode-se argumentar e discutir interminavelmente a propósito de opiniões, mas isso não fará nascer a compreensão. Requer-se, isto sim, sensibilidade, percebimento, uma certa hesitação, uma atitude experimental, que nos dão a capacidade de aprender com rapidez.

Assim, qual é a natureza da experiência? Todos desejamos novas experiências, não é verdade? Estamos cansados do “velho”, das coisas que nos têm causado dor ou sofrimento. A rotina do escritório, dos rituais religiosos, dos rituais do culto do Estado — de tudo isso estamos fartos, cansados, exaustos, daí desejarmos novas experiências, novas diretrizes e em diferentes planos. Mas, por certo, só a pessoa que não busca nem acumula experiência poderá viver em profundidade.

Resulta a experiência de um desafio e uma “resposta”. A reação pessoal a um desafio pode ser adequada ou inadequada, conforme nossa maneira de ser, nosso condicionamento. Isto é, “respondemos” a cada desafio conforme o nosso fundo, nossa própria limitação. Essa “resposta” a desafio é experiência; e toda experiência deixa um resíduo, que chamamos conhecimento.

Por outras palavras, no passar por várias experiências, a mente atua como uma peneira, na qual cada experiência deixa um certo sedimento. Esse sedimento é memória, e com essa memória vamos ao encontro da próxima experiência. Assim, cada experiência — por mais ampla e profunda e vital que seja — deixa novo depósito de sedimento, ou memória, tornando, assim, mais forte o nosso condicionamento.

Por certo, isto não é uma opinião, não é questão de crerdes no que dizemos. Se vos observardes, vereis ser isso o que realmente sucede. Este orador descreve como é peculiar à mente o acumular experiência, e observais esse “mecanismo” em vós mesmos. Portanto, não há nada para crer, nem estais sendo hipnotizados por palavras.

Assim, pois, cada experiência, de qualquer natureza que seja, deixa um sedimento que se torna o passado, convertido em memó­ria, e nesse sedimento vivemos. Esse sedimento é o “eu”, a verdadeira estrutura da atividade egocêntrica. Percebendo a natureza limitada dessa atividade egocêntrica, buscamos novas e mais amplas experiências, ou perguntamos como se pode romper essa limitação, a fim de encontrar algo superior. Mas, toda busca dessa natureza é ainda atividade de acumulação, e só vai aumentar os restos, o sedimento da experiência, seja a experiência de um minuto, de um dia, seja a de dois milhões de anos.

Ora, vós tendes de ver esse fato com toda a clareza. Deveis ter consciência dele, assim como tendes consciência de estar com fome. Quando sentis fome, ninguém precisa dizer-vos nada — trata-se de uma experiência pessoal, vossa. Analogamente, deveis perceber claramente, por vós mesmos, que toda experiência — de afeto, de compaixão, de orgulho, de ciúme, de inspiração, de medo, qualquer uma — deixa na mente um resíduo; e que a constante repetição e a sobreposição de novas camadas a esse resíduo ou sedimento constituem a totalidade do mecanismo de nosso pensar, de nosso existir. Toda atividade nascida desse mecanismo, em qualquer nível que seja, há de ser inevitavelmente superficial; e a mente que deseja investigar a possibilidade de descobrir um estado de originalidade, ou um mundo não contaminado pelo passado, deve compreender esse processo de experiência.

Surge, assim, a questão: é possível ficar-se livre de toda atividade egocêntrica, sem nenhum esforço, sem se tentar dissolvê-la e, dessa maneira, convertê-la num problema?

Espero estar esclarecendo bem a questão; se não, o que direi mais adiante ficará completamente obscuro.

Agora, a palavra “meditação” significa, em geral, pensar a respeito de uma coisa, investigá-la, refletir profundamente nela; ou pode significar um estado mental contemplativo, independente do mecanismo de pensamento. É uma palavra de pouca significação nesta parte do mundo, porém sobremodo significativa no Oriente. Muito se tem escrito sobre o assunto, e há escolas que advogam diferentes métodos ou sistemas de meditação.

A meditação, para mim, não é nenhuma dessas coisas. Meditação é o total “esvaziamento” da mente — e não se pode esvaziar a mente à força, de acordo com um certo método, escola ou sistema. Mais uma vez é necessário perceber a extrema falácia de todos os sistemas. A prática de um sistema de meditação é busca de experiência; é esforço para alcançar uma experiência mais elevada, ou a experiência final; e quem compreende a natureza da experiência rejeita tudo isso, que se acaba para sempre, porque sua mente já não está seguindo ninguém; ela não busca experiência, e nenhum desejo tem de visões. A busca de visões, o intento de aumentar a sensibilidade por meios artificiais, — drogas, disciplinas, rituais, adoração, oração — constitui atividade egocêntrica.

Nossa questão, pois, é a seguinte: Como pode a mente que se tornou superficial por influência da tradição, pela ação do tempo, da memória, da experiência — como pode essa mente libertar-se, sem esforço, de sua superficialidade? Como pode tornar-se tão desperta que a busca de experiência nada mais signifique? Compreendeis? A mente iluminada não pede mais luz — ela própria é luz; e toda influência, toda experiência que penetra nessa luz, nela se consome de instante a instante, de modo que a mente está sempre clara, imaculada, indene. Só a mente iluminada, a mente sã, pode ver o que está fora dos limites do tempo. E como pode nascer esse estado de espírito?

Tornei clara a questão? Esta não é uma questão minha; é, ou deve ser, uma questão de interesse geral, e, portanto, eu não a estou impondo. Se eu vos impusesse esta questão, vós a tornaríeis um problema, dizendo: “Como fazer isso?” É uma questão que deve nascer de vosso percebimento, porque tendes vivido, tendes observado, e também visto o que é este mundo, e bem conheceis a vossa maneira de agir. Tendes lido, acumulado conhecimentos, progredido em vosso saber. Tendes visto pessoas, com mente semelhante a computadores, professores capazes de “desenrolar” uma espantosa quantidade de conhecimentos, e haveis conhecido teólogos de ideias fixas, em torno das quais desenvolveram maravilhosas teorias. Conscientizando-vos de tudo isso, inevitavelmente deveis ter feito a vós mesmos a pergunta: como pode a mente, prisioneira do tempo, produto do passado, “jogar fora” o passado, completamente, com facilidade, sem nenhum esforço? Como pode ficar livre do tempo, sem ter nenhuma diretiva ou motivo, de modo que possa achar-se na fonte da vida?

Ora, quando esta pergunta vos é feita, por vós mesmo ou por outro, qual a vossa reação? Não me respondais, por favor; escutai, apenas. Trata-se de uma pergunta de grande significado. Não é uma simples pergunta retórica, a que se pode responder prontamente ou pô-la de lado. É uma pergunta de extraordinária importância para a pessoa que penetrou as futilidades da religião organizadas e “varreu” todos os sacerdotes e gurus, templos, igrejas, rituais, incensos — atirou tudo isso aos ventos. E se já atingistes este ponto, a vós mesmos deveis ter interrogado: Como pode a mente ultrapassar a si própria?

Que fazeis quando vos vedes diretamente em presença de um imenso problema, quando algo de tremendo e imediato vos sucede? É tão vital e exigente a experiência, que completamente vos absorve, não é verdade? Vossa mente é tomada por esse singular acontecimento, de modo que se aquieta. Esta é uma qualidade de silêncio A mente “reage” como uma criança a quem se deu um brinquedo interessante. O brinquedo absorve a criança, fazendo-a concentrar-se e, assim, momentaneamente, ela se esquece de suas travessuras o correrias. E o mesmo acontece com os adultos ao verem-se diante de um “caso” incomum, especial. Não compreendendo o verdadeiro significado dessa experiência, a mente fica sob o seu domínio e se torna entorpecida, chocada, paralisada, de modo que transitoriamente silencia. Isso é uma coisa que já deveis ter experimentado.

E há, também, uma espécie de silêncio mental que se apresenta ao considerar-se um problema com inteira concentração. Nesse estado não há distração, porque, momentaneamente, não temos outro pensamento, outro interesse. Não olhamos para nenhum outro lado, porque só estamos interessados nessa coisa; intensifica-se a concentração, que tudo o mais exclui, e nesse esforço há uma vitalidade, uma exigência, uma premência que também produz certa qualidade de silêncio.

Quando a mente se absorve num brinquedo ou imerge de todo num problema, está apenas fugindo. Quando imagens, símbolos palavras como “Deus”, “Salvador”, etc. — dela se apoderam, isso também é uma fuga profunda, uma fuga à realidade, e nessa fuga há um determinado silêncio. Se a mente se sacrifica, ou de si mesma se esquece, pela identificação completa com uma coisa, poderá ficar tranquila — mas acha-se num estado neurótico. O desejo de identificação com um objetivo, uma ideia, um símbolo, uma nação, uma raça — denuncia um estado neurótico, tal como o da maioria das pessoas pretensamente religiosas. Estas estão identificadas com o Salvador, com o Mestre, com isto ou aquilo, identificação que lhe dá invulgar impetuosidade e lhes traz determinada visão beatifica da vida — e isso é uma atitude totalmente neurótica.

E há também aquela que aprendeu a concentrar-se, que a si própria ensinou a nunca desviar a atenção da ideia, da imagem, do símbolo que ela própria “projetou” à sua frente. E que acontece nesse estado de concentração? Toda concentração é esforço, e todo esforço é resistência. É como um homem edificar em torno de si uma muralha defensiva, com uma pequena abertura pela qual olha uma única ideia ou pensamento, de modo que nunca possa ser abalado, posto num estado de incerteza. Nunca estais “aberto”, porém vivendo sempre dentro de vossa concha de concentração, atrás das muralhas de vossa inspirada busca de alguma coisa, e disso vos vem um sentimento de grande vitalidade, uma impetuosidade que vos habilita a fazer coisas extraordinárias — socorrer os “favelados”, viver no deserto, praticar toda a sorte de “boas obras”; mas, trata-se ainda da atividade egocêntrica da mente, que se concentrou numa só coisa, com exclusão de tudo o mais. E também isso lhe confere uma certa serenidade tornando-a silenciosa.

Ora, há uma espécie de silêncio que nenhuma relação tem com esses estados neuróticos, e é aí que se nos apresenta a dificuldade; porque, infelizmente — e digo-o sem ofensa — em regra somos neuróticos. Assim, para podermos compreender o que é esse silêncio, devemos antes de tudo libertar-nos completamente de todo e qualquer estado neurótico. Nesse silêncio não existe autopiedade, nem desejo de resultado, nem “projeção” de imagens; não há visões, nem luta para nos concentrarmos. Vem esse silêncio, sem ser solicitado, uma vez compreendida a absorção da mente numa ideia, e as várias formas de concentração que a pessoa pratica; e, também, quando se compreende todo o mecanismo do pensar. Dessa observação, dessa vigilância da atividade mental egocêntrica, vem um senso de disciplina bem flexível; e essa disciplina é necessária. Não é uma disciplina defensiva, reacionária; nada tem que ver com o ficar sentado a um canto, de pernas cruzadas, e outras infantilidades. Nela, não há imitação, nem ajustamento, nem esforço para alcançar resultado. O observar todos os movimentos do pensamento e do desejo, a fome de novas experiências, o mecanismo de identificação com uma certa coisa — apenas observar e compreender tudo isso produz, naturalmente, uma facilidade de disciplina em inteira liberdade. Disciplinada a compreensão, surge um percebimento próprio e imediato, um estado de atenção completa. Nessa atenção, há virtude — e esta é a única virtude. A moralidade social, o caráter desenvolvido pela resistência e segundo a respeitabilidade e a ética social — isso não é virtude nenhuma. Virtude é a compreensão de toda a estrutura social que o homem levantou em torno de si; e é, também, a compreensão do chamado “auto-sacrifício” mediante identificação e controle. Dessa compreensão nasce a atenção, e só na atenção se encontra a virtude.

Deveis ter uma mente virtuosa; mas aquela que apenas procura ajustar-se aos padrões sociais e religiosos de determinada sociedade, quer comunista, quer capitalista, não é virtuosa. É necessária a virtude porque sem virtude não há liberdade; mas, como a humildade, ela não é cultivável. Não podemos cultivá-la, assim como não podemos cultivar o amor. Mas, havendo plena atenção, há também virtude e amor. Dessa atenção vem o silêncio total, não só no nível da mente consciente, mas também no nível do inconsciente. Tanto o consciente como o inconsciente são em verdade triviais, e a percepção dessa trivialidade liberta-nos do passado e do presente. Dando-se total atenção ao presente, surge-nos interiormente uma certa tranquilidade, indicativa de que já não buscamos experiência. Todo experimentar terminou, porque nada mais há para experimentar. Estando sempre desperta, a mente é a luz de si própria. Nessa quietude, nesse silêncio, encontra-se a paz. Não a paz dos políticos, não a paz entre duas guerras. Paz não nascida de reação. E quando a mente está, assim, sobremodo tranquila, pode então prosseguir. A atuação da tranquilidade difere inteiramente do movimento da atividade egocêntrica. O atuar da tranquilidade é criação. Quando a mente é capaz de mover-se com essa placidez, ela conhece a morte e o amor; e pode, então, viver neste mundo e ao mesmo tempo estar livre do mundo.

PERGUNTA: Desejo ardentemente o silêncio, mas vejo que minhas tentativas para alcançá-lo se tornam cada vez mais lamentáveis.

KRISHNAMURTI: Em primeiro lugar, não podeis desejar ardentemente o silêncio; não sabeis nada, absolutamente nada, a seu respeito. Ainda que algo soubésseis, isso não seria o silêncio, porque, então, não se trataria da realidade. Por isso, é preciso ter muito cuidado ao dizer-se: “Sei”.

Vede, senhor! O que conheceis, reconheceis. Eu vos reconheço porque ontem vos encontrei. Após ouvir o que então dissestes, e tendo visto vosso modo de ser, digo que vos conheço. O que sei já é coisa do passado, e daquele passado eu vos reconheço. Mas o silêncio não pode ser reconhecido; nele não há nenhum mecanismo de reconhecimento. Eis o que, antes de tudo, importa compreender. Para reconhecermos uma coisa, já devemos tê-la experimentado, conhecido antes, ou lido a seu respeito, ou ter-lhe ouvido a descrição, mas o que se pode reconhecer, descrever, não é aquele silêncio.

Por ele ansiamos porque nossa vida é superficial, vazia, monótona, estúpida, e por isso desejamos fugir de suas detestáveis lides. Mas, não podemos fugir da vida; temos de compreendê-la. E para compreendermos uma coisa, não devemos dar-lhe pontapés, nem evitá-la. Cumpre ter grande amor, verdadeira afeição por aquilo que queremos compreender. Se desejamos compreender uma criança, não podemos coagi-la, forçá-la, ou compará-la com seu irmão mais velho. Devemos olhar a criança, observá-la com carinho, ternura, afeição, com tudo o que de bom possuímos. Analogamente, devemos compreender essa coisa vulgar que chamamos “nossa vida”, com seus ciúmes, conflitos, aflições, canseiras, pesares. Dessa compreensão provém uma diferente tranquilidade, que não pode ser procurada às apalpadelas.

Há uma interessante história de um discípulo que foi ter com o Mestre. Encontrava-se este num belo e bem irrigado jardim, e o discípulo sentou-se perto dele — não bem à sua frente, porque sentar-se diretamente à frente do Mestre não seria respeitoso. Assim, sentando-se ao lado, o discípulo cruza as pernas e fecha os olhos. Então, pergunta o Mestre: “Meu amigo, que estais fazendo?” Abrindo os olhos, o discípulo responde: “Mestre, estou tentando alcançar a consciência do Buda” — e torna a fechar os olhos. Daí a momentos, o Mestre apanha duas pedras e começa a esfregar uma na outra, com muito barulho; então o discípulo desce das alturas em que andava e pergunta: “Mestre, que estais fazendo?” Ao que o Mestre responde: “Estou esfregando estas duas pedras, para fazer que uma delas se torne um espelho.” Diz então o discípulo: “Mas, Mestre, isso jamais conseguireis, ainda que fiqueis um milhão de anos a esfregá-las.” Sorri, então, o Mestre e responde: “De modo idêntico, meu amigo, podeis ficar aí sentado um milhão de anos, que nunca alcançareis o que estais tentando alcançar.” — E é isso o que todos nós estamos fazendo. Estamos tomando posições; estamos desejando alguma coisa, buscando algo, às apalpadelas — o que exige esforço, luta, disciplina. Mas sinto dizer-vos que nenhuma dessas coisas vos abrirá a porta. O que o fará é a compreensão sem esforço; apenas olhar, observar, com afeição, com amor. Mas não podeis ter amor se não sois humilde; e só é possível a humildade quando nada desejais, nem dos deuses nem de nenhum ente humano.

Krishnamurti, Saanen, 30 de julho de 1964,
A mente sem medo

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"Quando você compreende, quando chega a saber,
então traz toda a beleza do passado de volta
e dá a esse passado o renascimento, renova-o,
de forma que todos os que o conheceram
possam estar de novo sobre a terra
e viajar por aqui, e ajudar as pessoas." (Tilopa)



"Nos momentos tranqüilos da meditação, a vontade de DEUS pode tornar-se evidente para nós. Acalmar a mente, através da meditação, traz uma paz interior que nos põe em contato com DEUS dentro de nós. Uma premissa básica da meditação, é que é difícil, senão impossível, alcançar um contato consciente, à não ser que a mente esteja sossegada. Para que haja um progresso, a comum sucessão ininterrupta de pensamentos tem de parar. Por isso, a nossa prática preliminar será sossegar a mente e deixar os pensamentos que brotam morrerem de morte natural. Deixamos nossos pensamentos para trás, à medida que a meditação do Décimo Primeiro Passo se torna uma realidade para nós. O equilíbrio emocional é um dos primeiros resultados da meditação, e a nossa experiência confirma isso." (11º Passo de NA)


"O Eu Superior pode usar algum evento, alguma pessoa ou algum livro como seu mensageiro. Pode fazer qualquer circunstância nova agir da mesma forma, mas o indivíduo deve ter a capacidade de reconhecer o que está acontecendo e ter a disposição para receber a mensagem". (Paul Brunton)



Observe Krishnamurti, em conversa com David Bohn, apontando para um "processo", um "caminho de transformação", descrevendo suas etapas até o estado de prontificação e a necessária base emocional para a manifestação da Visão Intuitiva, ou como dizemos no paradigma, a Retomada da Perene Consciência Amorosa Integrativa...


Krishnamurti: Estávamos discutindo o que significa para o cérebro não ter movimento. Quando um ser humano ESTEVE SEGUINDO O CAMINHO DA TRANSFORMAÇÃO, e PASSOU por TUDO isso, e esse SENTIDO DE VAZIO, SILÊNCIO E ENERGIA, ele ABANDONOU QUASE TUDO e CHEGOU AO PONTO, à BASE. Como, então, essa VISÃO INTUITIVA afeta a sua vida diária? Qual é o seu relacionamento com a sociedade? Como ele age em relação à guerra, e ao mundo todo — um mundo em que está realmente vivendo e lutando na escuridão? Qual a sua ação? Eu diria, como concordamos no outro dia, que ele é o não-movimento.

David Bohn: Sim, dissemos que a base era movimento SEM DIVISÃO.

K: Sem divisão. Sim, correto. (Capítulo 8 do livro, A ELIMINAÇÃO DO TEMPO PSICOLÓGICO)


A IMPORTÂNCIA DA RENDIÇÃO DIANTE DA MENTE ADQUIRIDA
Até praticar a rendição, a dimensão espiritual de você é algo sobre o que você lê, de que fala, com que fica entusiasmado, tema para escrita de livros, motivo de pensamento, algo em que acredita... ou não, seja qual for o caso. Não faz diferença. Só quando você se render é que a dimensão espiritual se tornará uma realidade viva na sua vida. Quando o fizer, a energia que você emana e que então governa a sua vida é de uma frequência vibratória muito superior à da energia mental que ainda comanda o nosso mundo. Através da rendição, a energia espiritual entra neste mundo. Não gera sofrimento para você, para os outros seres humanos, nem para qualquer forma de vida no planeta. (Eckhart Tolle em , A Prática do Poder do Agora, pág. 118)


O IMPOPULAR DRAMA OUTSIDER — O encontro direto com a Verdade absoluta parece, então, impossível para uma consciência humana comum, não mística. Não podemos conhecer a realidade ou mesmo provar a existência do mais simples objeto, embora isto seja uma limitação que poucas pessoas compreendem realmente e que muitas até negariam. Mas há entre os seres humanos um tipo de personalidade que, esta sim, compreende essa limitação e que não consegue se contentar com as falsas realidades que nutrem o universo das pessoas comuns. Parece que essas pessoas sentem a necessidade de forjar por si mesmas uma imagem de "alguma coisa" ou do "nada" que se encontra no outro lado de suas linhas telegráficas: uma certa "concepção do ser" e uma certa teoria do "conhecimento". Elas são ATORMENTADAS pelo Incognoscível, queimam de desejo de conhecer o princípio primeiro, almejam agarrar aquilo que se esconde atrás do sombrio espetáculo das coisas. Quando alguém possui esse temperamento, é ávido de conhecer a realidade e deve satisfazer essa fome da melhor forma possível, enganando-a, sem contudo jamais poder saciá-la. — Evelyn Underhill