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quinta-feira, 12 de abril de 2018

Sobre o pensar amadurecido

Sobre o pensar amadurecido

Hoje vou apreciar a questão da morte. Apreciá-la-ei em conexão com a velhice e a madureza mental, o tempo e a negação, que é amor. Mas, antes de começar, devemos perceber claramente e compreender a fundo, que o medo, em qualquer de suas formas, perverte e cria a ilusão, e que o sofrimento embota a mente. A mente embotada, a que se acha enredada em qualquer espécie de ilusão, nenhuma possibilidade tem de entender a extraordinária questão da morte. Nós buscamos abrigo na ilusão, na fantasia, no mito, em ficções de todo o gênero. E a mente que de tal maneira se deixou embotar não pode de modo nenhum compreender essa coisa que se chama “a morte”; tampouco pode alcançá-la a mente embotada pelo sofrimento — conforme explicamos em palestra anterior.

A questão do medo e do sofrimento não admite filosofar, nem fugir. Ela nos acompanha como nossa sombra, e temos de compreendê-la direta e imediatamente. Não podemos “transportá-la” de dia para dia, por mais profundo que nos pareça ser o penar ou o temor; quer consciente, quer inconsciente, o medo tem de ser prontamente compreendido. A compreensão é imediata; não vem no decorrer do tempo. Não deriva do contínuo investigar, buscar, indagar, exigir. Ou vedes tudo, completamente, “num clarão”, ou nada vedes. Já tratei disto suficientemente nas duas palestras precedentes, em que estivemos considerando o medo e o sofrimento.

Nesta tarde desejo examinar essa coisa chamada “morte” — tão familiar a todos nós. Temo-la observado, temo-la visto, mas nunca a experimentamos; nunca tivemos oportunidade de transpor os umbrais da morte. Ela deve ser um estado extraordinário. Desejo examiná-la, não sentimentalmente ou romanticamente, não com um conjunto de crenças organizadas, porém em sua realidade, como um fato: tomar conhecimento dela assim como tomo conhecimento do grasnar daquele corvo que está pousado na mangueira — da mesma maneira concreta. Mas, para perceberdes uma coisa concretamente, deveis ouvir com a mesma atenção com que ouvis aquela ave; não fazeis esforço algum, mas estais ouvindo. Não dizeis “Que corvo importuno! Preciso escutar o que alguém está dizendo”; mas ouvis a ave e também o que se está dizendo. Mas, quando quereis ouvir apenas o orador e resistir à ave e ao barulho que faz, não ficais ouvindo nem a ave nem o orador. E é de supor que seja isso o que acontece com a maioria de vós quando desejais escutar alguém falar sobre um complexo e profundo problema.

Em maioria, nunca aplicamos nossa mente de maneira total, completa. Nunca “viajastes” com um pensamento até o seu final. Jamais vos entretivestes com uma ideia, para verdes todo o seu conteúdo e ultrapassá-la. Por isso, será muito difícil, para vós, o que vou dizer, se não prestardes atenção, isto é, se não escutardes sem esforço, com prazer, graciosamente, despreocupadamente. É coisa dificílima para a maioria de nós: escutar. Porque estamos sempre traduzindo, sem escutar verdadeiramente o que se diz.

Desejo considerar a morte como um fato — não vossa morte, nem minha morte, nem a morte de alguém, alguém de quem gostais ou de quem não gostais: a morte como problema. Como sabeis, somos governados pelas imagens, pelos símbolos; os símbolos têm para nós desmedida importância, tornaram-se mais “reais” do que a própria realidade. Se começo a falar sobre a morte, pensais logo em alguém que perdestes, e isso vos impede de olhar o fato. Vou apreciar esta questão de diferentes pontos de acesso — não simplesmente o que é a morte e o que há após a morte; estas são perguntas de todo infantis. Quando se compreende que a morte implica algo verdadeiramente extraordinário, não se faz a pergunta “Que há depois da morte?” Assim, é necessário considerar o que é a madureza. Uma mente amadurecida nunca perguntará: “que há após a morte, há uma vida futura, uma continuidade?”

Tratemos, pois, de compreender o que é o pensar amadurecido, o que é madureza e o que é velhice.

A maioria de nós sabe o que é a velhice, pois, quer nos agrade, quer não, todos envelhecemos. Velhice não significa madureza. A madureza mental nenhuma relação tem com o saber. A velhice poderá conter o saber, e não conter a madureza. E poderá continuar cultivando seus conhecimentos e tradições. A idade é um processo mecânico do organismo que envelhece pelo uso constante. Todo corpo que se gasta constantemente, em lutas, agitações, sofrimentos, medo — depressa envelhece, tal qual uma máquina. Mas o organismo envelhecido não constitui a mente amadurecida. Temos, pois, de compreender a diferença entre velhice e madureza.

Em geral, nascemos jovens; mas a geração que envelheceu não tarda a tornar velhos os jovens. A geração precedente, envelhecida no saber, na dissipação, na discórdia, no sofrimento, no temor, exerce sua influência nos moços e, depois, como já é velha na idade, desaparece. Tal é a sina de cada geração que fica tolhida pela estrutura social da geração anterior. A sociedade não cria uma pessoa nova, uma nova entidade: quer que ela seja respeitável e, por conseguinte, molda-a, dá-lhe a forma desejada, destruindo, assim, o frescor, a inocência da mocidade. É isso o que estamos fazendo com todos os jovens, aqui e no mundo inteiro. E esses jovens, ao alcançarem a virilidade, já estão velhos; nunca amadurecerão.

A madureza requer a destruição da sociedade, isto é, da estrutura psicológica social. A menos que sejais duros com vós mesmo, a menos que estejais completamente libertado da sociedade, nunca amadurecereis. A estrutura social — essa estrutura psicológica de avidez, inveja, poder, posição, obediência — se dela não vos libertardes de todo, psicologicamente, nunca sereis um ente amadurecido. E vós necessitais de uma mente madura. A mente que em sua madureza está só, a mente que não está sendo mutilada, maculada, e que nenhuma carga leva — só essa é a mente madura.

E deveis compreender isto: a madureza não depende do tempo. Se claramente perceberdes, sem nenhuma desfiguração, a estrutura psicológica da sociedade em que nascestes, em que estais sendo criado, educado, então, no mesmo instante dessa percepção, estareis livre dela. A madureza vem instantaneamente, e não no decorrer do tempo. Não podeis amadurecer como o fruto na árvore. O fruto necessita de tempo, de sombra, luz, de ar puro, de chuva; e, nesse “processo”, ele amadurece, prepara-se para cair. Mas a madureza não “amadurece”: é instantânea; ou estais maduro ou não estais. Eis porque tanto releva, psicologicamente, perceber como vossa mente está tolhida na estrutura psicológica da sociedade em que fostes educado, da sociedade que vos fez respeitável, que vos obrigou a ajustar-vos, que vos impôs o padrão de suas atividades.

Acho que é possível ver, total e imediatamente, a natureza venenosa da sociedade, assim como se vê uma garrafa com a etiqueta “veneno”. Quando a virdes assim, não tocareis nela, porque sabeis ser perigosa. Mas, vós não sabeis que a sociedade é um perigo, que ela é, para o homem amadurecido, um veneno mortal. Porque madureza é aquele estado em que a mente está só, não influenciada, ao passo que a estrutura psicológica social nunca deixa um homem permanecer só, pois está sempre a moldá-lo, consciente e inconscientemente. A mente madura é a mente de todo só, desimpedida; porque compreendeu, ela é livre. E essa liberdade é instantânea. Não apodeis trabalhar para conquistá-la, não podeis procurá-la, não podeis disciplinar-vos, a fim de a obterdes; e essa é a beleza da liberdade. A liberdade não resulta do pensamento; o pensamento nunca é livre, não pode ser livre.

Assim, se está compreendida a índole da madureza, podemos agora considerar o tempo e a continuidade. Para a maioria de nós, o tempo é uma realidade concreta. O tempo medido pelo relógio é uma realidade concreta — nós temos de encerrar esta reunião às 7 horas ou 7,15; leva tempo para chegardes a vossa casa; precisa-se de tempo para adquirir conhecimentos; é também necessário para se aprender uma técnica. Mas, afora esse, existe outro tempo? Existe tempo psicológico? Nós construímos o tempo psicológico, o tempo representado pela distância, o espaço existente entre mim e aquilo que desejo ser, entre o passado, que fui “eu”, o presente que sou “eu”, e o futuro, que ainda serei “eu”. É assim que o pensamento constrói o tempo psicológico. Mas, existe esse tempo? Para descobrirdes isso por vós mesmo, deveis considerar a continuidade.

Que se entende pela palavra “continuidade”? Qual o sentido profundo desta palavra, tão comum em nossos lábios? Se pensardes continuamente numa certa coisa, como, por exemplo, num prazer que experimentastes, se nele pensais constantemente, todos os dias, todos os minutos, esse pensar confere continuidade àquele prazer fruído. Se pensais em algo doloroso, tanto no passado como no futuro, esse pensamento lhe dá continuidade. Isto é simples. Se gosto de uma certa coisa, e nela penso, esse pensar estabelece uma relação entre o que foi e meu desejo de tê-la de novo. Vereis a simplicidade disto se lhe aplicardes a vossa mente; não é uma coisa complexa. Se não compreendeis o que é a continuidade, não compreendereis o que vou dizer sobre a morte. Deveis compreender o que estive expressando, não como uma teoria ou crença, porém como uma realidade que podeis perceber por vós mesmo.

Se pensais a todas as horas em vossa mulher, em vossa casa, em vosso filho, em vosso emprego, estabelecestes uma “continuidade”, não é exato? Se tendes um ressentimento, um temor, um sentimento de culpa, e nisso pensais frequentemente, recordando-o, lembrando-o, tirando-o do passado, estabelecestes uma “continuidade”. Nossa mente funciona nessa continuidade, todo o nosso pensar é constituído dessa continuidade. Psicologicamente, vós sois violento; e pensais em “não ser violento” — no ideal; e, assim, com vosso pensar em “não ser violento” estabelecestes a continuidade do “ser violento”. Vede, por favor, a necessidade de compreender isto, que é bem simples, uma vez percebido que o pensamento, que o pensar numa certa coisa dá continuidade a essa coisa, quer seja ela agradável, quer desagradável, quer proporcione alegria ou sofrimento, quer pertença ao passado ou seja algo que irá verificar-se amanhã ou na próxima semana.

Assim, é o pensamento que firma a continuidade da ação — por exemplo, a ação de ir para o escritório, dia após dia, mês após mês, durante trinta anos até a mente se tornar uma mente morta. Do mesmo modo estabeleceis uma “continuidade” com a família. Dizeis: “É minha família”; nela pensais; procurais protegê-la; buscais construir uma proteção psicológica, nela e ao redor dela. Dessa forma, a família se torna sumamente importante, e vós estais destruído. A família destrói; é mortífera, porque faz parte da estrutura social que prende o indivíduo. Assim, uma vez estabelecida a continuidade, psicológica e fisicamente, o tempo se torna muito importante — não o tempo marcado no relógio, porém o tempo como meio de “chegar”, o tempo como meio de alcançar, de ganhar, de ter êxito, psicologicamente. Não podeis ter êxito, não podeis ganhar, a menos que penseis nisso, até vossa mente ficar toda entregue a esse pensamento. Assim, psicologicamente, o desejo de continuidade segue o “caminho” do tempo, e o tempo gera o medo; e o pensamento, como tempo, tem pavor à morte.

Deste modo, se não fosse o “tempo interior”, a morte ocorreria a cada instante, e não seria temível. Isto é, se a cada minuto do dia, o pensamento não der continuidade ao prazer ou à dor, ao preenchimento ou à falta de preenchimento, ao insulto, à lisonja, a tudo aquilo a que o pensamento dá atenção, a morte ocorre então a cada minuto. Devemos morrer a cada minuto — não teoricamente. Eis porque importa compreender o mecanismo do pensamento. O pensamento é meramente uma “resposta”, um reflexo do passado; ele não tem a validade da árvore que vedes concretamente.

Assim, para compreenderdes o extraordinário significado da morte — pois a morte tem significação, e sobre isso falarei mais adiante — deveis compreender esta questão da continuidade, perceber a verdade respectiva, perceber o mecanismo do pensamento, criador da continuidade.

Gosto de vosso rosto, e nele penso; estabeleci, assim, convosco uma relação de “continuidade”. Não gosto de vós, e penso nisso; estabeleci assim a continuidade desse sentimento. Agora, se não pensardes naquilo que vos causa prazer ou dor, se não pensardes no amanhã ou no que esperais ganhar, se ides ter êxito, se ides ter fama, notoriedade, etc.; se não pensardes, absolutamente, em vossa virtude, vossa respeitabilidade, no que os outros dizem ou deixam de dizer; se vos mantiverdes total e completamente indiferente — não haverá então “continuidade”.

Não sei se sois, de alguma maneira, indiferentes a alguma coisa. Não me refiro ao acostumar-se com ela; vós vos acostumastes com a feira de Bombaim, a imundície das ruas, à maneira como viveis. Acostumastes-vos; isso não significa que sois indiferente. Ficar acostumado com uma coisa, habituar se a ela, embota, insensibiliza a mente. Mas, ser indiferente é coisa muito diversa. Nasce a indiferença ao rejeitardes, ao negardes um hábito. Quando vedes o feio, e dele estais apercebido; quando vedes a beleza do céu, numa certa tarde, e estais consciente dela; quando vedes sem desejar nem recusar, sem aceitar nem repelir, sem “fechar a porta” a coisa alguma — sois então totalmente, interiormente, sensível a tudo o que vos cerca. Daí resulta uma indiferença de extraordinária força. E tudo o que é forte é "vulnerável” (sensível), porque sem resistência. Mas a mente que só resiste está aprisionada no hábito e, por conseguinte, embotada, insensibilizada. A mente indiferente está apercebida de quanto é artificial nossa civilização, nosso pensamento, de como são feias as nossas relações; percebe a beleza de uma árvore, de um rosto, de um sorriso; e ela nada rejeita, nem aceita, porém, simplesmente, observa — não intelectualmente, não friamente, porém com fervente e amorosa indiferença. Essa observação não significa desapego, pois nada há a que se apegar. Só quando a mente tem apego — à casa, à família, ao emprego — é que se pode falar em desapego. Mas, há na “indiferença” uma doçura, um perfume, uma qualidade de extraordinária e vital energia (talvez não seja esta a definição lexicográfica da palavra “indiferença”). Devemos ser indiferentes — em relação à saúde; à solidão, ao que dizem ou ao que não dizem; ao êxito e ao não êxito; indiferentes à autoridade.

Agora, se prestais atenção, podeis ouvir uma pessoa atirando, fazendo muito barulho com uma espingarda. Podeis muito facilmente acostumar-vos com isso; provavelmente já estais acostumados e fazeis ouvidos moucos — mas isso não é indiferença. Indiferença é escutar sem resistência, “acompanhar” o barulho, nele “viajar”, indefinidamente. O barulho, então, não vos perturba, não vos perverte, não vos faz indiferente. Escutais então todo e qualquer barulho — o barulho de vossos filhos, de vossa mulher, dos pássaros, o barulho do falatório dos políticos; escutais tudo com indiferença é, portanto, com compreensão.

A mente, para compreender o tempo e a continuidade, tem de ser indiferente ao tempo, não procurar encher esse espaço a que chama “tempo” com divertimentos, com devoções, com barulho, com leituras, com assistir a um filme — de todas as maneiras possíveis — como agora estais fazendo. E, enchendo-o com o pensamento, com a ação, com divertimentos, com sensações, com bebidas, com uma mulher, com um homem, com Deus, com vosso saber — lhe destes continuidade; por esta razão nunca sabereis o que é morrer.

Ora, a morte é destruição. A morte é peremptória. Não podeis argumentar com ela, dizer-lhe: “Ainda não! Esperai piais uns dias”. Não há discutir, não há implorar. A morte é inexorável, absoluta. Nunca fazemos frente ao que é inexorável, absoluto; sempre procuramos contorná-lo. Por isso, tememos tanto a morte. Podemos inventar ideias, esperanças, temores; e ter crenças, como a de que “seremos ressuscitados”, de que “renasceremos” — tudo sutilezas da mente, em sua esperança de uma continuidade que é do tempo, que não é um fato, que é mera criação do pensamento. Falando sobre a morte, não me refiro a vossa morte ou minha morte; falo acerca da morte, esse fenômeno extraordinário.

Para vós, um rio significa aquele rio com que estais familiarizado, o Ganges ou o rio de vossa aldeia. Ao ouvirdes a palavra “rio”, imediatamente vos acode ao espírito a imagem de determinado rio, mas jamais conhecereis a natureza real de todos os rios, o “rio real” se à vossa mente só se apresenta o símbolo de determinado rio. O rio são as águas rutilantes, as margens pitorescas, as árvores que o orlam; não um certo rio, mas a “qualidade-de-rio” de todos os rios, a beleza de todos os rios, a graciosa curva de todo curso d’água, toda corrente. O homem que só vê um certo rio tem mente medíocre, superficial. Mas a mente que vê o rio como um movimento, como água, não o relacionamento com certo país, certa ocasião, certa aldeia; que vê sua beleza, essa mente se libertou do “particular”.

Se — como hinduísta, criado com vossos livros sagrados, etc. — pensais numa montanha, à vossa mente se apresenta provavelmente a visão do Himalaia, que é o que para vós significa “uma montanha”. Essa a imagem que prontamente se vos apresenta. Mas a montanha não é o Himalaia. A montanha é aquela altura lá no céu azul, de nenhum país, coberta de brancura, modelada pelos ventos e os terremotos.

A mente que pensa nas montanhas de maneira ampla, em rios que não são de nenhum país, não é medíocre, não é uma mente inibida pela pequenez. Se pensais na palavra “família”, ocorre-vos imediatamente vossa própria família; por isso, a família se torna uma coisa mortal. Nunca sereis capaz de apreciar o problema da família em geral, porque estais sempre a relacioná-lo — pela continuidade do pensamento — com aquela “particular” família a que pertenceis.

Assim, falando sobre a morte, não estamos falando de vossa morte ou de minha morte. De fato, não importa muito se vós morreis ou se eu morro. Todos morreremos, felizes ou desgraçados. Felizes, se tivermos vivido plenamente, completamente, com todos os nossos sentidos, com todo o nosso ser, cheios de vitalidade e de saúde. Ou morreremos como criaturas lastimáveis, debilitados pela idade, frustrados, torturados, sem nunca termos conhecido um dia feliz, rico, uma momentânea visão do Sublime. Estou, pois, falando sobre a Morte, e não a morte de determinada pessoa.

A morte significa o fim. E o que nos assusta, o que nos apavora é o fim — cessar de trabalhar, abandonar tudo, partir — perder a família — perder alguém que pensamos amar — o acabar de uma “continuidade” em que tanto pensamos no decorrer dos anos. O que tememos é o findar. Não sei se alguma vez tentastes, deliberada, consciente e resolutamente, pôr fim a alguma coisa — ao hábito de fumar, de beber, de frequentar o templo, ao desejo de poder — extingui-la radicalmente, assim como o bisturi do cirurgião extirpa um câncer. Já tentastes alguma vez “extirpar” a coisa que mais prazer vos dá? É fácil remover uma coisa que nos causa dor; mas não é fácil “extirpar”, deliberadamente, com a precisão de um cirurgião, com sensível precisão, algo que é agradável, sem saber o que amanhã acontecerá, sem saber o que acontecerá um momento após. Se, ao “extirpá-lo”, já sabeis o que acontecerá depois, nesse caso, não estais “operando” verdadeiramente.

Se já fizestes isso, deveis saber o que significa morrer. Se já eliminastes tudo o que em vós existia, todas as raízes psicológicas — esperança, desespero, sentimento de culpa, ansiedade, êxito, apego — então, dessa “operação”, dessa negação da inteira estrutura social (não sabendo o que vos sucederá, se "operardes” radicalmente), dessa negação total provirá a energia com que podereis enfrentar isso que chamamos a Morte. Justamente esse “morrer” para tudo o que tendes conhecido, essa deliberada extirpação de tudo o que conheceis — é morrer. Tentai-o uma vez — não como um consciente e deliberado ato de virtude, visando a descobrir algo; tentai-o, como que a brincar — pois aprende-se mais “brincando” do que com o esforço consciente e deliberado. Quando negais dessa maneira, destruís tudo; e tendes de destruir tudo; porque, sem dúvida, da destruição surgirá a pureza — a mente imaculada.

Psicologicamente, nada do que a geração passada construiu merece ser conservado. Olhai a sociedade, o mundo que a geração passada criou. Se alguém tentasse tornar o mundo mais confuso, mais desgraçado ainda, não o conseguiria. Tendes de eliminar tudo isso instantaneamente, varrê-lo para a sarjeta. E para “extirpá-lo”, varrê-lo, destruí-lo, necessitais de compreensão e também de algo bem mais importante do que a compreensão, ou seja, a “compaixão”, a sensibilidade.

Vede, nós não amamos. Só vem o amor quando nada mais resta, depois de negardes completamente o mundo — não essa coisa enorme chamada “o mundo”: o pequeno mundo em que viveis — a família, o apego, as disputas, o domínio, vossos êxitos, vossas esperanças, vossos “pecados”, vossas obediências, vossos deuses e vossos mitos. Quando negais esse mundo inteiramente, quando nada mais resta de vossos deuses, esperanças, desesperos; quando nada mais buscais — então, desse grande vazio, surge o Amor, que é uma singular realidade, um fato extraordinário não provocado pela mente que tem “continuidade” mediante a família, o sexo, o desejo.

E, se vos falta o amor — que, na realidade, é o “desconhecido” — não importa o que façais, o mundo permanecerá no caos. Só com a total negação do “conhecido” — o que sabeis, vossas experiências, vosso conhecimento (não vosso conhecimento técnico, porém o conhecimento de vossas ambições, de vossas experiências, de vossa família), só quando tiverdes negado totalmente o “conhecido”, o tiverdes apagado de todo, “morrido” para ele, vereis que restará um vazio extraordinário, um extraordinário espaço em vossa mente. Apenas nesse espaço sabemos o que é amar. Nele apenas é possível a criação — não a criação consistente em gerar filhos ou em espalhar tintas sobre uma tela: aquela Criação que é a energia total, o Incognoscível. Mas, para a alcançardes, deveis morrer para tudo o que conheceis. Nesse morrer há grande beleza, inesgotável e vital energia.

Krishnamurti, Bombaim, 7 de março de 1962, A mutação Interior



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"Quando você compreende, quando chega a saber,
então traz toda a beleza do passado de volta
e dá a esse passado o renascimento, renova-o,
de forma que todos os que o conheceram
possam estar de novo sobre a terra
e viajar por aqui, e ajudar as pessoas." (Tilopa)



"Nos momentos tranqüilos da meditação, a vontade de DEUS pode tornar-se evidente para nós. Acalmar a mente, através da meditação, traz uma paz interior que nos põe em contato com DEUS dentro de nós. Uma premissa básica da meditação, é que é difícil, senão impossível, alcançar um contato consciente, à não ser que a mente esteja sossegada. Para que haja um progresso, a comum sucessão ininterrupta de pensamentos tem de parar. Por isso, a nossa prática preliminar será sossegar a mente e deixar os pensamentos que brotam morrerem de morte natural. Deixamos nossos pensamentos para trás, à medida que a meditação do Décimo Primeiro Passo se torna uma realidade para nós. O equilíbrio emocional é um dos primeiros resultados da meditação, e a nossa experiência confirma isso." (11º Passo de NA)


"O Eu Superior pode usar algum evento, alguma pessoa ou algum livro como seu mensageiro. Pode fazer qualquer circunstância nova agir da mesma forma, mas o indivíduo deve ter a capacidade de reconhecer o que está acontecendo e ter a disposição para receber a mensagem". (Paul Brunton)



Observe Krishnamurti, em conversa com David Bohn, apontando para um "processo", um "caminho de transformação", descrevendo suas etapas até o estado de prontificação e a necessária base emocional para a manifestação da Visão Intuitiva, ou como dizemos no paradigma, a Retomada da Perene Consciência Amorosa Integrativa...


Krishnamurti: Estávamos discutindo o que significa para o cérebro não ter movimento. Quando um ser humano ESTEVE SEGUINDO O CAMINHO DA TRANSFORMAÇÃO, e PASSOU por TUDO isso, e esse SENTIDO DE VAZIO, SILÊNCIO E ENERGIA, ele ABANDONOU QUASE TUDO e CHEGOU AO PONTO, à BASE. Como, então, essa VISÃO INTUITIVA afeta a sua vida diária? Qual é o seu relacionamento com a sociedade? Como ele age em relação à guerra, e ao mundo todo — um mundo em que está realmente vivendo e lutando na escuridão? Qual a sua ação? Eu diria, como concordamos no outro dia, que ele é o não-movimento.

David Bohn: Sim, dissemos que a base era movimento SEM DIVISÃO.

K: Sem divisão. Sim, correto. (Capítulo 8 do livro, A ELIMINAÇÃO DO TEMPO PSICOLÓGICO)


A IMPORTÂNCIA DA RENDIÇÃO DIANTE DA MENTE ADQUIRIDA
Até praticar a rendição, a dimensão espiritual de você é algo sobre o que você lê, de que fala, com que fica entusiasmado, tema para escrita de livros, motivo de pensamento, algo em que acredita... ou não, seja qual for o caso. Não faz diferença. Só quando você se render é que a dimensão espiritual se tornará uma realidade viva na sua vida. Quando o fizer, a energia que você emana e que então governa a sua vida é de uma frequência vibratória muito superior à da energia mental que ainda comanda o nosso mundo. Através da rendição, a energia espiritual entra neste mundo. Não gera sofrimento para você, para os outros seres humanos, nem para qualquer forma de vida no planeta. (Eckhart Tolle em , A Prática do Poder do Agora, pág. 118)


O IMPOPULAR DRAMA OUTSIDER — O encontro direto com a Verdade absoluta parece, então, impossível para uma consciência humana comum, não mística. Não podemos conhecer a realidade ou mesmo provar a existência do mais simples objeto, embora isto seja uma limitação que poucas pessoas compreendem realmente e que muitas até negariam. Mas há entre os seres humanos um tipo de personalidade que, esta sim, compreende essa limitação e que não consegue se contentar com as falsas realidades que nutrem o universo das pessoas comuns. Parece que essas pessoas sentem a necessidade de forjar por si mesmas uma imagem de "alguma coisa" ou do "nada" que se encontra no outro lado de suas linhas telegráficas: uma certa "concepção do ser" e uma certa teoria do "conhecimento". Elas são ATORMENTADAS pelo Incognoscível, queimam de desejo de conhecer o princípio primeiro, almejam agarrar aquilo que se esconde atrás do sombrio espetáculo das coisas. Quando alguém possui esse temperamento, é ávido de conhecer a realidade e deve satisfazer essa fome da melhor forma possível, enganando-a, sem contudo jamais poder saciá-la. — Evelyn Underhill